Palavras-chave sarcoma histiocítico/patologia - sarcoma histiocítico/diagnóstico por imagem - sarcoma
histiocítico/cirurgia
Introdução
Sarcoma histiocítico (SH) é uma neoplasia agressiva rara de alto grau e de origem
hematopoiética.[1 ]
[2 ] De etiologia desconhecida e com evolução clínica rápida, pode apresentar-se como
doença extranodal localizada ou como doença disseminada,[1 ]
[3 ] associada a sintomas sistêmicos inespecíficos (febre, perda de peso, anorexia, astenia).
Embora vários casos de SH tenham sido descritos, o envolvimento da medula óssea primária
é extremamente raro,[4 ] assim como em crianças.[2 ] A doença tem diferentes tipos de tratamento, inclusive cirurgia, radioterapia, quimioterapia
e suas combinações, com prognóstico reservado.[4 ]
Relato do Caso
Relatamos um caso de envolvimento ósseo primário por SH com lesão única no osso da
escápula direita de um paciente masculino de 15 anos, que se apresentou à primeira
consulta com queixas de dor e de aumento de volume na região supracitada, com evolução
aproximada de 60 dias, com amplitude de movimentos prejudicada pela dor. Cerca de
10 dias após o início da sintomatologia, iniciou com picos febris intermitentes, noturnos
e cedidos com antipiréticos usuais, em torno de 38 ∘C. Radiografia inicial mostrava
lesão permeativa de aspecto lítico no corpo da escápula direita, ia até a borda medial,
sem comprometimento da cortical ou reação periosteal. Seguiu-se investigação com imagens
para avaliar a extensão da doença. Tomografia computadorizada ([Fig. 1 ]) também evidenciou lesão de aspecto permeativo em localização previamente já observada
na radiografia simples, sem fratura patológica associada, com infiltração em tecidos
moles adjacentes. Estudo complementar de imagem com cintilografia óssea confirmava
zona hipercaptante em escápula direita. Submetido à biópsia por agulha da lesão, com
diagnóstico de sarcoma histiocítico ósseo conforme anatomopatológico e marcadores
imunofenotípicos.
Fig. 1 Reconstrução em 3 D de TC que mostra lesão.
Indicada, conforme avaliação com equipe multidisciplinar, quimioterapia pré-operatória
neoadjuvante conforme protocolo para sarcoma de Ewing. Procedeu-se então, após os
respectivos ciclos de quimioterapia, ao tratamento cirúrgico conforme a técnica modificada
de Tikhoff-Linberg tipo II, com ressecção ampla do tumor e amputação parcial da escápula
direita ([Figs. 2 ] e [3 ]). Paciente manteve no pós-operatório imobilização tipo Velpeau simples por oito
semanas, seguida de novo ciclo de quimioterapia baseada no protocolo brasileiro de
sarcoma de Ewing. Manteve seguimento oncológico e fez acompanhamento fisioterápico
subsequente, com melhoria importante da amplitude de movimentos e da função do membro
operado ([Fig. 4 ]), bem como livre de sintomas álgicos.
Fig. 2 Planejamento cirúrgico da incisão.
Fig. 3 Peça cirúrgica de ressecção.
Fig. 4 Amplitude de movimento residual após tratamento cirúrgico e fisioterapia.
No pós-operatório de 24 meses, se apresentava livre de doença e totalmente reinserido
socialmente em suas atividades escolares e esportivas, assintomático e satisfeito
sob o ponto de vista médico e estético com o tratamento.
Discussão
Sarcoma histiocítico (SH) representa menos de 1% dos tumores hematopoiéticos e é caracterizado
pela proliferação de células malignas com padrões morfológicos e imuno-histoquímicos
baseados em histiócitos de tecido maduro.[3 ] Sem fatores etiológicos bem estabelecidos, tem caráter evolutivo agressivo e afeta
pouco mais homens do que mulheres, com média de 46 anos.[3 ] A apresentação depende do local acometido,[2 ] se extranodal pode ser confinada à pele, aos linfonodos e ao trato intestinal.[3 ] Se disseminada, está associada a sintomas sistêmicos, como hipertermia, perda ponderal,
anorexia e astenia.
Muitos casos de SH foram erroneamente diagnosticados como linfomas, leucemias ou carcinomas.[2 ] Há ainda descrição de alguns casos de SH com ocorrência subsequente ou coexistente
a linfoma/leucemia B ou T.[3 ] O diagnóstico definitivo da doença é por meio de estudo anatomopatológico do órgão
afetado: biópsia da medula óssea, com estudo imunofenotípico.[2 ] A doença é caracterizada pela proliferação de histiócitos com expressão positiva
do antígeno associado ao macrófago CD68, CD21 e CD35.[1 ]
[3 ] A diferenciação morfológica do SH deve ser feita com pseudotumor inflamatório, sarcomas
de células dendríticas, histiocitose maligna de células de Langerhans, linfoma anaplásico
de células grandes, melanoma e outros sarcomas.[1 ]
[3 ]
[4 ]
O sarcoma histiocítico é administrado conforme estágio e sítio, com diferentes abordagens,
inclusive cirurgia, radioterapia, quimioterapia e suas combinações. A ressecção interescapulotorácica
preservadora (cirurgia de Tikhoff-Linberg) é uma opção cirúrgica para os tumores ósseos
e de partes moles do úmero proximal e da cintura escapular.[5 ] Consiste, em sua forma clássica, na ressecção do terço proximal do úmero, remoção
extra-articular da articulação glenoumeral, do terço distal da clavícula e de toda
a escápula, associados às partes moles adjacentes.[5 ]
[6 ] Na seleção dos pacientes não deve haver tumor em parede torácica e em feixe vasculonervoso.
A área pode ser reconstruída por meio de uma endoprótese não convencional, osso homólogo
de banco ou não reconstrução com material estranho ao indivíduo.[5 ] Os níveis de ressecção variam e dependem da extensão do tumor ([Fig. 5 ]). A função da mão e do antebraço após a cirurgia é parcialmente preservada, com
a flexão do cotovelo e a estabilidade do ombro, obtidas com ou sem a necessidade de
órtese, mediante criteriosas miotomias, miorrafias e mioplastias residuais.[5 ]
[6 ] O principal problema pós-operatório é a praxia por tração dos nervos durante a dissecção
que normalmente melhora nas primeiras semanas de pós-operatório.[6 ] Todavia, na cirurgia de Tikhoff-Linberg tipo II, ou escapulectomia parcial medial,
essa tração não ocorre, pois mantém-se a maior parte da cintura escapular.
Fig. 5 Cirurgia de Tikhoff-Linberg e suas modificações.[6 ]
O mau prognóstico do sarcoma histiocítico, principalmente na apresentação disseminada,
deve-se à dificuldade de sistematizar um protocolo de tratamento padrão que tenha
boa resposta.[1 ]
[4 ] A maioria dos pacientes nesses casos morre de doença progressiva em aproximadamente
dois anos.[2 ]
[3 ] A doença localizada apresenta prognóstico favorável,[4 ] em geral associa métodos de adjuvância (quimio ou radioterapia) com ressecção cirúrgica
oncológica.
Tendo em vista a raridade da patologia apresentada e sua peculiaridade epidemiológica,
ressaltamos a necessidade do encaminhamento desse tipo de paciente para um serviço
de referência em oncologia ortopédica, com vistas à obtenção de desfechos satisfatórios
como os apresentados. A cirurgia de Tikhoff-Linberg tipo II ou escapulectomia parcial
medial é um procedimento cirúrgico que se mostra uma opção à amputação interescapulotorácica
para grandes tumores da região escápulo-umeral que não invadem o feixe vasculonervoso
axilar.[5 ]
[6 ]