Palavras-chave
acetábulo - fraturas ósseas - fixação de fratura - Stoppa modificado
Introdução
O tratamento das fraturas do acetábulo é um desafio para um cirurgião ortopédico.
O entendimento da anatomia tridimensional e o reparo correto da fratura são essenciais
para o tratamento. Após o trabalho pioneiro de Judet[1] e Letournel,[2] que descreveram o sistema de classificação e as abordagens, várias modificações
foram desenvolvidas para melhorar o resultado. A abordagem ilioinguinal foi originalmente
descrita por Letournel[3] em 1961 para a fixação do acetábulo fraturado. Como abordagem intrapélvica, tornou-se
popular para a fixação de fraturas da parede e da coluna anterior, fraturas anteriores
associadas a fraturas pós-hemitransversas e até mesmo ambas as fraturas da coluna.
A abordagem de Stoppa tem sido utilizada no tratamento de hérnias inguinais.[4]
[5] Hirvensalo et al,[6] em 1993, e Cole e Bolhofner,[7] em 1994, foram os primeiros a independentemente descrever as abordagens extraperitoneais
intrapélvicas para fixação de fraturas do acetábulo pélvico, uma modificação da abordagem
de Stoppa.
A abordagem de Stoppa modificada dá acesso direto aos ossos púbicos, à superfície
posterior do ramo, à superfície quadrilátera, à eminência púbica e à superfície infrapectínea.
Essa abordagem também dá acesso ao pilar ciático, incisura ciática e articulação sacroilíaca
anterior. Essa abordagem é associada a uma vantagem mecânica na redução e fixação
de fraturas de deslocamento medial em comparação a outras abordagens e é considerada
uma alternativa viável de abordagem ilioinguinal para tratamento de fraturas do acetábulo
anterior. Embora existam estudos sobre o uso da abordagem de Stoppa modificada em
fraturas do acetábulo, não há artigos de revisão. Pela primeira vez, revisamos a literatura
sobre a modificação da abordagem de Stoppa para fraturas do acetábulo.
Materiais e Métodos
A metodologia é descrita no fluxograma Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA, na sigla em inglês) ([Fig. 1]). Os bancos de dados Pubmed/Medline e Cochrane foram pesquisados com as palavras-chave
Stoppa modificada, intra-pélvico anterior, intrapélvico anterior, Pfannensteil extenso, ílio anterior e terceira janela ilioinguinal (no original, em inglês, modified stoppa, anterior intra pelvic, anterior intrapelvic, extended pfannensteil, ilio anterior e third window ilioinguinal) para recuperação de artigos em que a abordagem de Stoppa foi usada na fixação de
fraturas do acetábulo (em 22 de dezembro de 2016). As palavras-chave utilizadas foram
os nomes alternativos que descrevem a abordagem de Stoppa modificada na literatura.
Os critérios de inclusão foram todos os artigos em que a abordagem de Stoppa modificada
foi usada na fixação de fraturas do acetábulo. Os critérios de exclusão foram artigos
em língua não-inglesa, relatos de casos, estudos com cadáveres, artigos sem experiência
clínica, lesões associadas do anel pélvico, e artigos em que a abordagem ilioinguinal
foi utilizada. Os artigos foram avaliados quanto aos dados demográficos, modo de lesão,
classificação da fratura, tempo até a cirurgia, tempo cirúrgico, perda de sangue,
outras abordagens utilizadas, desfechos funcionais e radiológicos e complicações.
No total, 552 artigos foram encontrados. Destes, 506 artigos não eram relacionados
à abordagem de Stoppa modificada para fraturas do acetábulo. Nove artigos referentes
à abordagem de Stoppa modificada para fraturas de acetábulo em idioma diferente do
inglês foram excluídos. Três estudos com cadáveres[8]
[9]
[10] e dois relatos de caso[11]
[12] foram excluídos. Nove artigos[13]
[14]
[15]
[16]
[17]
[18]
[19]
[20]
[21] foram excluídos porque a abordagem de Stoppa modificada foi descrita como uma técnica
sem experiência clínica. Três artigos foram excluídos por incluírem o tratamento de
pacientes com lesões do anel pélvico.[22]
[23]
[24] Um artigo de Chesser et al[25] foi excluído por incluir pacientes tratados com a abordagem ilioinguinal. Um artigo
de Bastian et al[26] foi excluído porque a abordagem de Stoppa modificada foi alterada para a abordagem
ilioinguinal no período intraoperatório em 9% dos pacientes, e os resultados das duas
técnicas foram combinados. Dois artigos de Keel et al[27]
[28] foram excluídos. Nestes estudos, o autor descreveu a abordagem pararretal, em que
a fratura foi abordada de um plano lateral aos músculos retos. O próprio autor descreveu
sua técnica de forma diferente da abordagem de Stoppa modificada e afirmou sua superioridade.
Fig. 1 Fluxograma PRISMA.
Resultados
No total, 16 artigos atendiam aos nossos critérios de seleção, inclusive um estudo
retrospectivo de Rocca et al,[29] que comparava a abordagem ilioinguinal à abordagem de Stoppa. Os dados demográficos
dos pacientes foram descritos de maneira combinada para as duas abordagens, mas os
resultados foram analisados separadamente. Incluímos este artigo em nossa revisão
ao analisar os resultados (redução pós-operatória pelo método de Matta, desfecho funcional
com a modificação de Matta da pontuação Merle d'Aubinne e critérios radiológicos de
Matta), mas o excluímos da análise dos dados demográficos dos pacientes. As referências
de todos os 16 artigos foram manualmente pesquisadas para detecção de qualquer artigo
ausente. Os dados analisados foram idade, razão sexual, modo de lesão, classificação
de fratura, tempo até a cirurgia, tempo cirúrgico, perda de sangue, outras abordagens
utilizadas, desfechos funcionais e radiológicos e complicações.
Dados Demográficos
Em 16 estudos, 609 pacientes com fratura de acetábulo foram tratados com a abordagem
de Stoppa modificada.[7]
[30]
[31]
[32]
[33]
[34]
[35]
[36]
[37]
[38]
[39]
[40]
[41]
[42]
[43] Havia 427 homens e 139 mulheres. A proporção entre homens e mulheres era conhecida
para 566 pacientes.[7]
[30]
[31]
[32]
[33]
[34]
[35]
[36]
[37]
[38]
[39]
[40]
[41]
[42]
[43] Do total de 609 pacientes, os 34 pacientes tratados por Rocca et al[29] foram excluídos porque seus dados demográficos foram descritos combinados àqueles
de pacientes submetidos à abordagem ilioinguinal. Dos 10 pacientes tratados por Casstevens
et al,[36] a proporção de mulheres e homens era conhecida para 8 pacientes. Dos 57 pacientes
tratados por Sagi et al,[31] 7 apresentavam esqueleto imaturo e foram avaliados apenas quanto à abordagem cirúrgica,
tempo cirúrgico, perda de sangue e complicações. Todos os estudos apresentavam mais
pacientes do sexo masculino do que feminino.
Em 11 estudos (326 pacientes), a idade variou entre 10 e 88 anos.[7]
[30]
[31]
[32]
[33]
[34]
[35]
[37]
[39]
[41]
[42] A idade foi descrita como média por Elmadag et al,[40] Shazar et al[38] e Dailey et al,[43] e as médias foram 49,3 anos, 41,88 ± 15,7 anos e 55,88 ± 20,31 anos, respectivamente.
Modo de lesão
O modo de lesão foi avaliado em 6 estudos (271 pacientes).[31]
[32]
[33]
[35]
[39]
[42]
[43] Os acidentes de trânsito foram o modo mais comum em 129 pacientes, seguido de queda
de altura em 108 pacientes, acidente industrial em 6 pacientes, lesão por esmagamento
em 3 pacientes e lesão esportiva em um paciente. Cole et al[7] relataram os acidentes de trânsito como o modo mais comum de lesão em 83% dos seus
55 pacientes.
Classificação das fraturas
Em 14 estudos, 456 pacientes foram classificados de acordo com o método de Judet e
Letournel.[7]
[30]
[31]
[32]
[33]
[34]
[35]
[36]
[37]
[38]
[39]
[40]
[41]
[42] Houve 128 lesões nas duas colunas, 89 lesões na coluna anterior com acometimento
hemitransversal posterior, 84 lesões na coluna anterior, 54 lesões de tipo T, 53 lesões
transversais, 29 lesões transversais com acometimento da parede posterior, 13 lesões
na coluna anterior, 3 lesões na coluna anterior com acometimento da parede, 2 fraturas
da parede anterior e 1 lesão na coluna posterior. O padrão de fratura mais comum foi
a fratura das duas colunas, em seis estudos, e da coluna anterior, em cinco estudos.
Dailey et al[43] utilizaram a abordagem intrapélvica anterior (AIA) em pacientes com fraturas das
duas colunas e da coluna anterior associada à fratura hemitransversal posterior apenas
em 112 pacientes.
Tempo até a cirurgia
O tempo transcorrido até a cirurgia foi mencionado em 8 estudos (260 pacientes) e
variou de 0 a 30 dias.[7]
[31]
[32]
[33]
[34]
[35]
[39]
[40]
[41] O tempo médio entre a lesão e a cirurgia foi de 4,83 ± 3,74 no estudo de Dailey
et al.[43]
Tempo cirúrgico
O tempo cirúrgico variou de 80 minutos a 568 minutos em 7 estudos (250 pacientes).[7]
[30]
[33]
[35]
[39]
[41]
[42] Anderson et al[30] descreveram o tempo cirúrgico como o período até a desmontagem do campo estéril,
a obtenção de radiografias pós-operatórias e a revisão destas imagens pelo médico
assistente após a revelação, um processo que leva pelo menos 30 minutos. Em seu estudo,
o tempo variou de 3 horas a 8 horas e 48 minutos. Casstevens et al[36] descreveram o tempo cirúrgico como mediano, com 232 minutos para os 10 pacientes.
Shazar et al,[38] Laflamme et al[32] e Dailey et al.[43] descreveram o tempo cirúrgico como média, com 240,5 minutos, 167 ± 41 minutos e
276,59 ± 103,66 para seus 103 pacientes, 21 pacientes e 112 pacientes, respectivamente.
Perda de sangue
A perda estimada de sangue em 9 estudos (299 pacientes) variou de 100 mL a 5.000 mL.[7]
[29]
[30]
[32]
[33]
[35]
[39]
[40]
[41] Casstevens et al,[36] Laflamme et al[32] e Dailey et al[43] descreveram a perda de sangue como média de 1.270 mL, 1.376 ± 608 mL e 1.159,73 ± 1.072,5
mL em 10 pacientes, 21 pacientes e 112 pacientes, respectivamente.
Abordagem
A abordagem de Stoppa modificada foi combinada com Kocher-Langenbeck (K-L), janela
lateral e janela medial da abordagem ilioinguinal em vários estudos ([Tabela 1]).
Tabela 1
|
Número
|
Autores
|
Número de pacientes
|
Abordagem
|
|
1
|
Elmadağ et al[33]
|
36
|
MS
|
|
2
|
Hammad et al[42]
|
21
|
MS +/- LW
14% requerem K-L
|
|
3
|
Kim et al[34]
|
22
|
MS – 13
MS + K-L – 9 (5 ACPHT, 4 Trans + PW)
MS + LW – 2
|
|
4
|
Rocca et al[29]
|
34
|
MS + LW (abordagem ECA)
|
|
5
|
Elmadağ et al[40]
|
17
|
MS
|
|
6
|
Shazar et al[38]
|
103
|
MS – 32
MS + LW – 57
MS + K-L – 11
MS + MW + LW – 2
MS + SP – 1
|
|
7
|
Laflamme et al[37]
|
9
|
MS + LW
|
|
8
|
Casstevens et al[36]
|
10
|
MS
|
|
9
|
Liu et al[35]
|
29
|
MS + LW (nova abordagem de Stoppa modificada)
|
|
10
|
Ma et al[39]
|
30
|
MS – 8
|
|
|
|
MS + LW – 22
|
|
11
|
Andersen et al[30]
|
17
|
MS + Pós abordagem – excluído do estudo
MS + LW – incluído
Número exato não mencionado
|
|
12
|
Sagi et al[31]
|
57
(7 esqueletos imaturos)
|
MS – 23
MS + LW – 34 (mais SM em 2 pacientes) (abordagem AIP)
|
|
13
|
Isaacson et al[41]
|
36
|
MS + LW – 23
MS + K-L – 3
|
|
14
|
Laflamme et al[32]
|
21
|
MS + LW
|
|
15
|
Cole et al[7]
|
55
|
Apenas MS – 32
MS + K-L – 18
(6 pacientes precisaram da abordagem Avila lateral além da
abordagem principalmente anterior)
|
|
16
|
Dailey et al[43]
|
112
|
Abordagem AIP (descrita por Sagi et al[9])
|
Desfecho
Redução pós-operatória – Método de Matta
A redução pós-operatória da fratura foi avaliada em 12 estudos (408 pacientes) com
o sistema de pontuação descrito por Matta[44] em 1996.[30]
[31]
[32]
[33]
[34]
[35]
[37]
[38]
[39]
[41]
[42] A redução foi anatômica (≤ 1 mm) em 290 pacientes, imperfeita (> 1 a < 3 mm) em
77 pacientes e má (≥ 3 mm) em 34 pacientes. Sete pacientes apresentaram reduções anatômicas
ou imperfeitas. Hammad et al[42] verificaram que, dos 10 pacientes com desfecho desfavorável, 6 apresentavam acetábulo
tipo B e que, dentre os 10 pacientes com redução anatômica, 6 apresentavam fratura
tipo C. Sagi et al[31] constataram que as más reduções de fratura ocorreram com maior frequência (75%)
em fraturas associadas nas duas colunas. Em seus resultados, a porcentagem de redução
excelente foi máxima (92%) nas fraturas da coluna anterior, enquanto a porcentagem
de redução excelente foi mínima (67%) nas fraturas transversais. Da mesma forma, o
menor percentual de redução excelente (75%) foi observado nas fraturas transversais
por Shazar et al[38] mas, em seu estudo, a maior porcentagem (92,9%) de redução anatômica foi alcançada
na coluna anterior com fraturas hemitransversais posteriores.
Pontuação do Quadril de Harris
A pontuação do quadril de Harris foi avaliada em quatro estudos.[32]
[35]
[37]
[40] Em 3 estudos (82 pacientes), a pontuação foi excelente em 35, boa em 34, moderada
em 8 e má em 5.[32]
[35]
[40] Laflamme et al[37] relataram uma pontuação média de 81(entre 51 e 100) em uma série de 9 pacientes.
Pontuação de Merle d'Aubinne
Em 4 estudos[30]
[32]
[39]
[40] (133 pacientes), a pontuação de Merle d'Aubinne[45]
[46] foi excelente em 58 casos, boa em 59, moderada em 8 e má em 8. No estudo de Isaacson
et al,[41] a pontuação de Merle d'Aubinne foi muito boa em 12 casos, boa em dois, média em
4, moderada em 1 e má em 3.[45]
Modificação de Matta da pontuação de Merle d'Aubinne
A modificação de Matta da pontuação de Merle d'Aubinne[44]
[47] foi utilizada para avaliação dos resultados funcionais de 3 estudos[33]
[34]
[42] (72 pacientes). Quinze pacientes apresentaram resultados excelentes, 30 apresentaram
bons resultados, 11, moderados e 16, maus. Cole et al[7] descreveram os resultados funcionais de acordo com a modificação de Matta da pontuação
de Merle d'Aubinne[47] em porcentagem. Os autores obtiveram 47% de resultados excelentes, 42% bons, 9%
moderados e 2% maus.
Critérios radiológicos de Matta
Em 3 estudos[34]
[36]
[39] (70 pacientes), os resultados radiológicos foram classificados de acordo com Matta.[44]
[47] Quarenta e cinco resultados excelentes, 14 bons, 6 moderados e 5 maus foram observados.
Cole et al[7] descreveram a pontuação radiológica de acordo com os critérios radiológicos de Matta[47] em porcentagem. Os autores obtiveram 64% de resultados excelentes, 25% bons, 7%
moderados e 4% maus. Laflamme et al[32] avaliaram os resultados funcionais da fixação interna das fraturas acetabulares
osteopênicas com acometimento da placa quadrilátera em 19 pacientes idosos.[31] Estes autores observaram (média + /- desvio-padrão) SF-12 PCS – 45,3 (±12,1), SF-12
MCS – 55,9 (±8,5), PMA – 16,8 (±1,3), HHS (pontuação do quadril de Harris) – 86,2
(±13,9), WOMAC (dor) – 3,4 (±3,5), WOMAC (rigidez) – 1,3 (±1,5), WOMAC (ADL) – 11,7
(±12,2).
Complicações
A lesão do nervo obturador foi a complicação mais frequente, e a artrite da articulação
do quadril foi a complicação tardia mais comum ([Tabela 2]).
Tabela 2
|
Complicações
|
Número de pacientes
|
Tratamento
|
|
Complicações intraoperatórias
|
|
Lesão da corona mortis
|
2
|
Hemostasia e ligadura em 1 paciente
Detalhes do paciente não foram mencionados
|
|
Lesão da artéria obturadora
|
1
|
Hemostasia e ligadura
|
|
Lesão da veia ilíaca externa
|
1
|
Reparo primário
|
|
Lesão da artéria glútea superior
|
1
|
Hemostasia e embolização
|
|
Complicações pós-operatórias
|
|
Lesão do nervo obturador
|
21
|
Recuperação em 3–6 meses em 20 pacientes
Recuperação parcial em 1 paciente
|
|
Infecção profunda
|
13
|
Debridamento e antibióticos em 11 pacientes
Debridamento, antibióticos e remoção de placa em 1 paciente
Artroplastia do quadril em 1 paciente
|
|
Paralisia do nervo cutâneo femoral lateral
|
8
|
Recuperação em 3–6 meses em 5 pacientes
Detalhes de 2 pacientes não foram mencionados
|
|
Pé caído (foot drop)
|
5
|
Recuperação em 6–12 meses
|
|
Infecção superficial
|
5
|
Curativo e antibióticos
|
|
Trombose venosa profunda
|
7
|
Profilaxia química em 1 paciente
Detalhes de 3 pacientes não foram mencionados
|
|
Parafuso intra-articular
|
2
|
Removido
|
|
Paralisia do nervo ciático
|
1
|
Recuperação em 6 semanas
|
|
Seroma no sítio cirúrgico
|
1
|
Tratamento cirúrgico, sem detecção de infecção
|
|
Ruptura peritoneal
|
1
|
A ferida foi fechada sem sequelas
|
|
Deiscência da ferida
|
1
|
O fechamento cirúrgico foi realizado
|
|
Retardo da cicatrização
|
1
|
Cicatrização em 3 semanas, tratamento c/ infravermelho
|
|
Complicações tardias
|
|
Artrite da articulação do quadril
|
15
|
|
|
Formação óssea ectópica
|
9
|
Tratamento conservativo em 3 pacientes com amplitude total de movimento
Detalhes de 6 pacientes não foram mencionados
|
|
Necrose avascular da cabeça do fêmur
|
5
|
|
|
Perda de redução
|
4
|
Artroplastia de quadril em 2 pacientes
Detalhes de 2 pacientes não foram mencionados
|
|
Atrofia do reto sem hérnia
|
2
|
|
|
Hérnia inguinal lateral
|
4
|
Reparo realizado
|
|
Não união
|
1
|
Fixação e enxerto ósseo em 10 meses
|
|
Outras complicações
|
|
Embolia pulmonar fatal
|
2
|
|
|
Embolia pulmonar não fatal
|
1
|
|
|
Acidente vascular cerebral
|
1
|
|
|
Trombose da artéria ilíaca comum
|
1
|
|
|
Cirrose hepática fatal
|
1
|
|
Discussão
Judet et al[48] descreveram o acetábulo como um alvéolo circundado e sustentado por um arco formado
por duas colunas de ossos, anterior e posterior, e o teto do acetábulo como a peça
principal desse arco. Estes autores enfatizaram a importância dessas colunas, salientando
que seu restauro é necessário à correção de fraturas do acetábulo.
As abordagens clássicas para a fixação da fratura da coluna anterior e posterior são,
respectivamente, K-L e ilioinguinal. No entanto, com o passar do tempo, outras abordagens
para o acetábulo anterior foram desenvolvidas.
Hirvensalo et al,[6] em 1993, e Cole et al,[7] em 1994, foram os primeiros a descrever o uso do espaço pré-peritoneal no reparo
de fraturas pélvicas. Hirvensalo et al[6] trataram 18 lesões no anel pélvico com a abordagem baixa de Pfannensteil. Os músculos
reto do abdômen e pectíneo foram separados dos ramos e a dissecção subperióstea foi
realizada pela superfície interna da borda pélvica até a articulação sacroilíaca.
A fáscia iliopectínea, os vasos ilíacos externos, o nervo femoral e o músculo psoas
foram poupados. Os vasos e nervos obturadores, além da corona mortis, foram protegidos.
A abordagem foi denominada “abordagem ilioanterior”. A janela lateral da abordagem
ilioinguinal foi usada com esta abordagem ilioanterior quando a fratura se estendia
àquela região. Como este estudo incluía lesões do anel pélvico, ele foi removido de
nossa revisão. Cole e Bolhofner[7] trataram 55 fraturas acetabulares com a abordagem intrapélvica, que denominaram
“Pfennensteil Estendida”, mas que, após maior discussão e pesquisa, passou a ser chamada
abordagem “de Stoppa modificada”, bastante similar à abordagem de Stoppa utilizada
no reparo de hérnias. Os autores estenderam a abordagem de Stoppa posteriormente ao
longo da borda, elevando o iliopectíneo e a fáscia obturadora. Os autores concluíram
que essa nova abordagem pode melhorar a redução e a fixação de certos tipos de fraturas
do acetábulo e diminuir a taxa de complicações associadas às abordagens com extensão
extrapélvica.
Alternativa à abordagem ilioinguinal
A abordagem de Stoppa modificada, associada ou não a outras abordagens, é uma alternativa
à abordagem ilioinguinal para a fixação das fraturas do acetábulo anterior.[30]
[32]
[33]
[34]
[35]
[39] Elmadag et al[33] concluíram em seu estudo retrospectivo de 36 pacientes que a abordagem de Stoppa
modificada era uma boa alternativa à abordagem ilioinguinal mesmo em muitas fraturas
acetabulares complexas, apesar da acentuada curva de aprendizado devido à proximidade
de estruturas neurovasculares. Kim et al,[34] em seu estudo com 22 pacientes, concluíram que a abordagem de Stoppa modificada
pode ser uma alternativa à abordagem ilioinguinal clássica, com resultados excelentes
e bons; entretanto, a fragmentação da fratura acetabular é um fator importante, levando
à redução não anatômica e resultados clínicos insatisfatórios.
Acesso à placa quadrilátera
A abordagem de Stoppa modificada permite o acesso ao acetábulo por dentro da pelve,
facilitando a abordagem das fraturas com acometimento da placa quadrilátera.[30]
[31]
[34]
[35]
[42] Laflamme et al[32] afirmaram que a placa quadrangular pode ser fixada tão bem com essa abordagem que
pode ser uma alternativa viável à artroplastia em pacientes idosos ou com osteoporose
e determinadas fraturas acetabulares. Os autores trataram 21 pacientes com mais de
60 anos de idade ou osteoporose estabelecida e fraturas do acetábulo com acometimento
da placa quadrilátera. A abordagem de Stoppa modificada, juntamente com a janela lateral,
foi usada na fixação de fraturas do acetábulo e fortalecimento da placa quadrilátera.
Os autores concluíram que o tratamento inicial da fratura acetabular osteoporótica
envolvendo a coluna anterior e a placa quadrilátera com fixação pela abordagem de
Stoppa modificada para sustentação da placa quadrilátera deve ser considerado como
alternativa viável à artroplastia total do quadril.
Acesso à coluna posterior
A abordagem de Stoppa modificada combinada à janela lateral da abordagem ilioinguinal
também permite o acesso à coluna posterior. Isso ajuda a fixação da fratura do acetábulo
anterior que se estende até o acetábulo posterior.[29]
[30]
[41] Usando a abordagem de Stoppa modificada juntamente com a janela lateral da abordagem
ilioinguinal, Andersen et al trataram 17 pacientes jovens (idade < 60 anos) com fraturas
do acetábulo e deslocamento da coluna anterior e posterior.[29] Os autores concluíram que, em certas fraturas com deslocamento das colunas anterior
e posterior (mesmo com mais de 5 mm de deslocamento da coluna posterior), a redução
anatômica ou imperfeita pode ser obtida com a abordagem de Stoppa modificada e a janela
lateral da abordagem ilioinguinal. Isaacson et al, em seu estudo prospectivo com 36
pacientes, relataram bom resultado funcional com taxas mínimas de complicações com
a técnica de Stoppa modificada em fraturas do acetábulo, inclusive fraturas com extensão
e deslocamento da coluna posterior.[41] No entanto, estes autores destacaram a dificuldade, mas a possibilidade, de tratamento
do deslocamento da coluna posterior somente pela abordagem anterior.
Variações da abordagem
Embora muitos autores combinem a abordagem de Stoppa modificada com outras técnicas
([Tabela 2]), certas modificações também foram descritas.[30]
[34]
[35] Rocca et al[29] combinaram a abordagem de Stoppa modificada, descrita por Cole e Bolhofner, com
as janelas proximal e lateral da abordagem ilioinguinal e a denominaram abordagem
Endopélvica Combinada Anterior (ECA). Sagi et al[31] descreveram a modificação da abordagem de Rives-Stoppa como abordagem intrapélvica
anterior (AIP). A janela lateral da abordagem ilioinguinal foi usada, se necessário.
A visualização excelente e o acesso à placa quadrilátera e à coluna posterior foram
relatados. A redução foi boa a excelente na maioria dos casos, com taxas de complicações
comparáveis às da abordagem ilioinguinal. Os autores consideraram a abordagem útil
em caso de fragmentação da placa quadrilátera e coluna posterior e recomendaram esta
técnica como uma possível alternativa à abordagem ilioinguinal para exposição anterior
do acetábulo. Ao invés de usar a incisão na linha média, Liu et al[35] trataram 29 fraturas do acetábulo através dos dois terços internos de uma linha
2 cm acima do ligamento inguinal e paralela a ele. A fáscia do reto foi dividida,
a artéria epigástrica inferior foi ligada e a fáscia transversal foi incisada logo
acima da sínfise púbica. Esta abordagem anterior foi combinada à abordagem lateral
na crista ilíaca. A abordagem foi denominada “nova abordagem de Stoppa modificada”.
Os autores concluíram que esta abordagem proporciona excelente acesso à coluna anterior,
à superfície quadrilátera e à incisura ciática, permite excelente redução e fixação,
tem bons resultados pós-operatórios e é uma alternativa viável à abordagem ilioinguinal.
As taxas de complicações foram consideradas comparáveis às da abordagem ilioinguinal.
Diferentes artifícios técnicos
Como o cirurgião pode abordar o acetábulo por dentro da pelve pela modificação da
abordagem de Stoppa, diferentes artifícios técnicos foram descritos utilizando essa
vantagem. Casstevens et al,[36] em 10 pacientes, descreveram um artifício técnico usando a abordagem de Stoppa modificada
para redução e fortalecimento da fixação do parafuso na cúpula impactada do acetábulo.
Da mesma forma, Laflamme et al,[37] em nove pacientes, descreveram o artifício técnico de redução direta da impactação
da cúpula superomedial em fraturas acetabulares geriátricas usando a abordagem de
Stoppa modificada.
Tempo de cirurgia
Encontramos apenas um estudo que avaliou o efeito do tempo cirúrgico da abordagem
ilioinguinal modificada. Dailey et al[43] avaliaram a influência do momento da cirurgia na perda de sangue e no tempo de cirurgia
em pacientes com fratura do acetábulo. Foram tratados 176 pacientes com fratura da
parede posterior do acetábulo com a abordagem de K-L. Um total de 112 pacientes com
fratura das 2 colunas ou da coluna anterior e hemitransversal posterior foram tratados
com a abordagem intrapélvica anterior. Nosso estudo incluiu 112 pacientes submetidos
à abordagem intrapélvica anterior. O autor não encontrou diferença em termos de perda
de sangue ou tempo cirúrgico nos casos de fixação precoce (< 48 horas) ou tardia (>
48 horas) das fraturas, sejam na parede posterior ou associadas, em ambas as colunas/coluna
anterior e hemitransversal posterior.
Comparação com a abordagem ilioinguinal
Cinco estudos compararam os resultados da abordagem de Stoppa e da abordagem ilioinguinal
na fixação da fratura de acetábulo.[34]
[38]
[39]
[40]
[42] Rocca et al[29] trataram 34 pacientes com fratura de acetábulo com a abordagem ECA (abordagem de
Stoppa modificada combinada à janela lateral de abordagem ilioinguinal) e os compararam
com 42 pacientes submetidos à abordagem ilioinguinal. A técnica ECA foi considerada
uma alternativa mais fácil e viável à abordagem ilioinguinal para exposição do acetábulo
anterior e da placa quadrilátera com resultado clínico um pouco melhor e taxas similares
de complicações. Hammad et al concluíram que a precisão da redução e as pontuações
clínicas foram similares nas duas abordagens.[42] A abordagem de Stoppa pode ser mais vantajosa no reforço direto da placa quadrilátera
nas fraturas de ambas as colunas, enquanto a janela média da abordagem ilioinguinal
expõe melhor as fraturas da parede anterior e em orientação transversal. Elmadağ et
al[40] concluíram que não há vantagem da abordagem de Stoppa em relação à abordagem ilioinguinal
em termos de complicações e sangramento, exceto que a primeira gera cicatrizes de
aspecto cosmético melhor. Além disso, a abordagem de Stoppa permite o tratamento de
fraturas bilaterais com incisão única e melhora a visualização das lesões de compressão
lateral. Shazar et al[38] concluíram que a abordagem AIP é associada à maior taxa de redução anatômica em
comparação à abordagem ilioinguinal e tem menor tempo cirúrgico e taxas de complicações
comparáveis. Ma et al[39] concluíram que não houve diferença significativa na qualidade da redução, nos resultados
do acompanhamento por imagem, nos desfechos clínicos e nas complicações entre a abordagem
de Stoppa modificada e a abordagem ilioinguinal na fixação da fratura do acetábulo.
No entanto, o tempo cirúrgico, a perda de sangue, a drenagem das feridas e a transfusão
de sangue são menores com a abordagem de Stoppa. Os autores recomendaram a abordagem
de Stoppa para exposição do acetábulo anterior, em especial em fraturas com acometimento
da placa quadrilátera.
Os estudos atuais sobre a abordagem de Stoppa modificada para o tratamento de fraturas
do acetábulo são altamente variáveis em termos de delineamento experimental. Diferentes
métodos de avaliação dos resultados foram utilizados por diferentes autores. Diferentes
modificações e artifícios técnicos desta abordagem também foram descritos com diferentes
objetivos e metas. Além disso, as fraturas associadas do anel pélvico e o uso adicional
de outras abordagens para as fraturas do acetábulo dificultam a avaliação dos resultados
da abordagem de Stoppa modificada nestas lesões.
Conclusão
Embora haja alta variabilidade de delineamentos experimentais em estudos anteriores,
a literatura disponível sugere que a abordagem de Stoppa modificada é uma abordagem
anterior útil na fixação de fraturas do acetábulo, especialmente para reforço da placa
quadrilátera. As fraturas da coluna posterior podem ser abordadas por esta técnica
ou corrigidas com a abordagem combinada de K-L. Nas fraturas que se estendem até a
crista ilíaca, uma janela lateral pode ser feita sem expor o feixe neurovascular,
como na abordagem ilioinguinal, que gera boa redução e taxas aceitáveis de complicações.