Palavras-chave
células germinativas - tumor - saco vitelino - lobo temporal
Introdução
Os tumores de células germinativas do sistema nervoso central (SNC) representam 2-3%
dos tumores intracranianos primários e estão habitualmente localizados na linha média
(regiões pineal ou selar).[1] O tumor do saco vitelino é um tumor germinativo relativamente raro,[2]
[3] a ocorrência deste tipo de tumor fora da linha média é excecional, com muito poucos
casos descritos na literatura.[1]
[2]
[4]
[5]
[6] Quando ocorrem em localizações atípicas são habitualmente lesões com componente
cístico e de mau prognóstico.[5]
Caso Clínico
Paciente do sexo masculino, de 32 anos, que recorreu ao serviço de urgência por quadro
de cefaleias com 2 semanas de evolução, apresentando estase papilar e não se observando
outros sinais neurológicos focais.
A investigação imagiológica revelou uma lesão intra-axial temporal direita com captação
heterogênia de contraste e área cística/necrótica ([Fig. 1]). A hipótese do diagnóstico foi de glioma de alto grau.
Fig. 1 RM pré-operatória revelando lesão temporal direita, hipointensa em T1 (a), com sinal
heterogêneo em T2 (b), captação heterogênea de contraste e área cística/necrótica
(c,d), com efeito de massa sobre as estruturas da linha média.
O paciente foi submetido a craniotomia frontotemporal direita com lobectomia temporal
englobando a lesão na sua totalidade ([Fig. 2]). Tratava-se de uma lesão de consistência dura, vascularizada e com área cística
de conteúdo amarelado, macroscopicamente semelhante a um glioma de alto grau.
Fig. 2 RM pós-operatória (axial, T1, com gadolínio) revelando lobectomia temporal direita
com ausência de captação anômala de contraste.
Clinicamente, o doente melhorou no período pós-operatório, ficando sem cefaleias e
sem déficits focais.
O exame neuropatológico revelou um tumor de células germinativas formando em alguns
locais estruturas tubulares compostas por células com núcleos proeminentes, observando-se
numerosas mitoses. O exame imunocitoquímico foi positivo focalmente para a alfafetoproteína
e glipican 3 ([Fig. 3]) sendo negativo para a glial fibrillary acidic protein (GFAP), human chorionic gonadotropin (HCG) e marcadores epiteliais. Nesse sentido foi realizada uma investigação sistêmica
incluindo positron emission tomography (PET) para pesquisa de um possível tumor primário (admitindo-se que pela localização
da lesão cerebral esta seria metastática). A investigação foi negativa, não se encontrando
qualquer outro tumor. O estudo do neuroeixo também não revelou outras lesões.
Fig. 3 Histologia hematoxicilina eosina (HE) (a) demonstrando neoplasia formada por lóbulos
de células de núcleos redondos nucleolados, com numerosas mitoses (setas), imunocitoquímica
positiva para alfafetoproteína (b) e glipican 3 (c).
O paciente foi orientado para 4 ciclos de quimioterapia – ifosfamida + cisplatina + etoposido
(ICE) –, que seria seguida de radioterapia cerebral holocraniana.
Aos 3 meses, sob o terceiro ciclo de quimioterapia, a ressonância magnética (RM) revelou
metástases meníngeas intracranianas. Neste momento o paciente mantinha-se clinicamente
estável. Foi decidido prosseguir com o quarto ciclo de quimioterapia e posterior radioterapia.
Na RM aos 5 meses, mantinha as metástases já conhecidas ([Fig. 4]). Três semanas após este exame, já sob radioterapia, havia uma deterioração neurológica
importante, revelando na tomografia axial computorizada (TAC) um crescimento marcado
das metástases, bem como novas lesões ([Fig. 5]). Pela ausência de resposta ao tratamento, foi decidido suspender a radioterapia.
O paciente deteriorou-se rapidamente até um estado comatoso, falecendo 3 semanas depois,
cerca de 7 meses após a cirurgia.
Fig. 4 RM (axial, T1, com contraste) aos 5 meses com evidência de metástases.
Fig. 5 TAC (3 semanas após RM ([Fig. 3]), sob radioterapia) revelando crescimento marcado das lesões e lesões de novo.
Discussão
Os tumores de células germinativas dividem-se em dois grandes grupos: os germinomas
e os tumores de células germinativas não germinomas (tumor do saco vitelino, coriocarcinoma,
carcinomas embrionários e teratomas).[7] Este último grupo acarreta um pior prognóstico.[6]
[7]
Na presença de um tumor, em uma criança ou adulto jovem, localizado na linha média,
deve ser considerada a hipótese de se tratar de um tumor de células germinativas.
Deve então ser efetuada uma pesquisa de marcadores tumorais (alfafetoproteína e beta
HCG) no sangue e/ou líquor.
Os germinomas são os tumores mais comuns desse grupo; e neste caso os marcadores são
habitualmente negativos, e o diagnóstico exige confirmação histológica através de
uma biópsia.[7] Uma vez que este tipo de tumores tem uma excelente resposta à radioterapia, com
taxas de regressão a longo prazo na ordem dos 90%, a exérese cirúrgica total não leva
a uma melhora do desfecho.[7]
Por outro lado, a positividade da marcação para alfafetoproteína determinará o diagnóstico
de tumor do saco vitelino sem necessidade de confirmação histológica para orientação
terapêutica.[7] No caso descrito, essa hipótese nunca foi colocada devido à localização da lesão,
razão pela qual esse estudo não foi efetuado pré-operatoriamente.
A localização temporal de um tumor do saco vitelino é extremamente rara. Do nosso
conhecimento, há 19 casos descritos na literatura[6]
[8] sobre a ocorrência deste tumor fora da linha média, com apenas 4 em localização
lobar cerebral – os casos restantes descritos ocorreram nos ventrículos laterais,
IV ventrículo, tálamos/gânglios da base, cerebelo ou raquis)[6]
[8] ([Tabela 1]).
Tabela 1
|
Localização
|
Autor
|
Sexo
|
Idade (anos)
|
Tratamento
|
Sobrevida (meses)
|
|
Raquis
|
Kurisaka et al.
|
Fem.
|
1
|
Cirurgia + QT
|
8[b]
|
|
Raquis
|
Kan et al.
|
Fem.
|
25
|
Cirurgia + RT + QT
|
22[b]
|
|
Cerebelo
|
Takeda et al.
|
Masc.
|
4
|
Cirurgia + RT
|
8[a]
|
|
Cerebelo
|
Tajika et al.
|
Masc.
|
3
|
Cirurgia + QT
|
4[a]
|
|
Cerebelo
|
Tsukamoto et al.
|
Masc.
|
3
|
Cirurgia + RT + QT
|
18[a]
|
|
Cerebelo
|
Nakase et al.
|
Masc.
|
5
|
Cirurgia + QT
|
12[a]
|
|
Cerebelo
|
Wada et al.
|
Masc.
|
6
|
Cirurgia + QT
|
5[b]
|
|
Cerebelo
|
Cheon et al.
|
Masc.
|
3
|
Cirurgia + QT
|
48[a]
|
|
Gânglios da base
|
Masuzawa et al.
|
Masc.
|
10
|
Cirurgia + RT
|
Não descrita[b]
|
|
Gânglios da base
|
Oshita et al.
|
Fem.
|
8
|
Cirurgia + RT + QT
|
Não descrita[b]
|
|
Gânglios da base
|
Wang et al.
|
Fem.
|
7
|
Cirurgia + RT + QT
|
Não descrito[b]
|
|
Ventrículo lateral
|
Murovic et al.
|
Fem.
|
2
|
Cirurgia + RT
|
42[a]
|
|
Ventrículo lateral
|
Tsugu et al.
|
Fem.
|
13
|
Cirurgia + RT + QT
|
7[b]
|
|
Ventrículo IV
|
Nakagawa et al.
|
Masc.
|
18
|
Cirurgia + RT
|
5[a]
|
|
Lobo frontal
|
Sugawara et al.
|
Fem.
|
18
|
Cirurgia + RT + QT
|
3[a]
|
|
Lobo frontal
|
Netalkar et al.
|
Fem.
|
15
|
Cirurgia + QT
|
36[a]
|
|
Lobo frontal
|
Honda et al.
|
Masc.
|
1
|
Cirurgia + QT
|
9[b]
|
|
Fossa média + órbita
|
Dragan et al.
|
Não descrito
|
15
|
Cirurgia + QT
|
5[a]
|
|
Lobo temporoparietal
|
Abdennebi et al.
|
Fem
|
1
|
Cirurgia + RT
|
Não descrita[b]
|
|
Lobo temporal
|
Caso presente
|
Masc
|
32
|
Cirurgia + QT + RT
|
7[b]
|
O diagnóstico definitivo e a correta orientação de um caso como este exige um estudo
exaustivo para a exclusão de um tumor primário extracerebral. No nosso caso esse estudo
incluiu uma TAC toracoabdominopélvica, ecografia testicular e PET, que foram negativos.
Trata-se de um tumor indiferenciado e agressivo, com fraca resposta ao tratamento
complementar. Dada a raridade das histologias dos tumores de células germinativas
não germinomas, nas revisões da literatura referentes ao prognóstico e sobrevida estes
são muitas vezes agrupados na mesma categoria[7], com sobrevida reportada de 45% aos 2 anos para este subgrupo de tumores.[8] Dos 19 casos descritos fora da linha média[1]
[6] à data das respectivas publicações, 4 pacientes tinham falecido em menos de 1 ano
(em 4 casos, a sobrevida não foi descriminada). No que diz respeito às modalidades
de tratamento complementar, 12 pacientes dos 19 casos foram submetidos a programas
de quimioterapia (5 em conjunto com radioterapia).[6]
[8] Dois pacientes realizaram o mesmo esquema do caso aqui apresentado. Três pacientes
realizaram programas de vimblastina + cisplatina + bleomicina. Dois pacientes fizeram
uso de carboplatina + etoposido + bleomicina. Um paciente fez vincristina + cisplatina + bleomicina.
Um paciente realizou etoposido + cisplatina + bleomicina. Um paciente foi submetido
a carboplatina + vimblastina + etoposido. Um paciente fez uso de metotrexato e citosina
intratecais + carboplatina + bleomicina. Um caso fez vimblastina + bleomicina + cisplatina + etoposido.[6]
Conclusão
O tumor do saco vitelino do SNC é um tumor de células germinativas com características
agressivas e mau prognóstico.
O presente caso reforça a noção de que, apesar de raro, este tumor pode ocorrer fora
da linha média. Não tendo características imagiológicas que o distinga claramente
de outros tumores malignos primários do SNC, nomeadamente gliomas de alto grau, deve
ser mantido como uma hipótese de diagnóstico em indivíduos jovens, uma vez que a orientação
terapêutica e prognóstico são marcadamente diferentes para este tipo de tumor.