Subscribe to RSS

DOI: 10.1055/s-0035-1564829
Caso clínico: tumor do saco vitelino do lobo temporal
Article in several languages: English | portuguêsAddress for correspondence
Publication History
29 May 2015
31 August 2015
Publication Date:
05 October 2015 (online)
Resumo
Tumores de células germinativas geralmente se localizam ao longo da linha média. O tumor do saco vitelino é um raro tumor de células germinativas muito incomumente localizado fora da linha média e, nestes casos, pode ser confundido com outros tumores primários. Reportamos o caso de um homem de 32 anos de idade apresentando tumor no lobo temporal direito com suspeita de ser um glioma de alto grau. Foi submetido a uma lobotomia temporal direita com remoção completa do tumor. A histologia revelou um tumor de células germinativas (posteriormente confirmada como tumor do saco vitelino). A busca por tumor primário fora do SNC (incluindo um PETscan) foi negativa, confirmando-o um tumor primário do saco vitelino do lobo temporal. O doente foi a quimio e radioterapia, mas faleceu 7 meses após a cirurgia.
#
Introdução
Os tumores de células germinativas do sistema nervoso central (SNC) representam 2-3% dos tumores intracranianos primários e estão habitualmente localizados na linha média (regiões pineal ou selar).[1] O tumor do saco vitelino é um tumor germinativo relativamente raro,[2] [3] a ocorrência deste tipo de tumor fora da linha média é excecional, com muito poucos casos descritos na literatura.[1] [2] [4] [5] [6] Quando ocorrem em localizações atípicas são habitualmente lesões com componente cístico e de mau prognóstico.[5]
#
Caso Clínico
Paciente do sexo masculino, de 32 anos, que recorreu ao serviço de urgência por quadro de cefaleias com 2 semanas de evolução, apresentando estase papilar e não se observando outros sinais neurológicos focais.
A investigação imagiológica revelou uma lesão intra-axial temporal direita com captação heterogênia de contraste e área cística/necrótica ([Fig. 1]). A hipótese do diagnóstico foi de glioma de alto grau.


O paciente foi submetido a craniotomia frontotemporal direita com lobectomia temporal englobando a lesão na sua totalidade ([Fig. 2]). Tratava-se de uma lesão de consistência dura, vascularizada e com área cística de conteúdo amarelado, macroscopicamente semelhante a um glioma de alto grau.


Clinicamente, o doente melhorou no período pós-operatório, ficando sem cefaleias e sem déficits focais.
O exame neuropatológico revelou um tumor de células germinativas formando em alguns locais estruturas tubulares compostas por células com núcleos proeminentes, observando-se numerosas mitoses. O exame imunocitoquímico foi positivo focalmente para a alfafetoproteína e glipican 3 ([Fig. 3]) sendo negativo para a glial fibrillary acidic protein (GFAP), human chorionic gonadotropin (HCG) e marcadores epiteliais. Nesse sentido foi realizada uma investigação sistêmica incluindo positron emission tomography (PET) para pesquisa de um possível tumor primário (admitindo-se que pela localização da lesão cerebral esta seria metastática). A investigação foi negativa, não se encontrando qualquer outro tumor. O estudo do neuroeixo também não revelou outras lesões.


O paciente foi orientado para 4 ciclos de quimioterapia – ifosfamida + cisplatina + etoposido (ICE) –, que seria seguida de radioterapia cerebral holocraniana.
Aos 3 meses, sob o terceiro ciclo de quimioterapia, a ressonância magnética (RM) revelou metástases meníngeas intracranianas. Neste momento o paciente mantinha-se clinicamente estável. Foi decidido prosseguir com o quarto ciclo de quimioterapia e posterior radioterapia. Na RM aos 5 meses, mantinha as metástases já conhecidas ([Fig. 4]). Três semanas após este exame, já sob radioterapia, havia uma deterioração neurológica importante, revelando na tomografia axial computorizada (TAC) um crescimento marcado das metástases, bem como novas lesões ([Fig. 5]). Pela ausência de resposta ao tratamento, foi decidido suspender a radioterapia. O paciente deteriorou-se rapidamente até um estado comatoso, falecendo 3 semanas depois, cerca de 7 meses após a cirurgia.




#
Discussão
Os tumores de células germinativas dividem-se em dois grandes grupos: os germinomas e os tumores de células germinativas não germinomas (tumor do saco vitelino, coriocarcinoma, carcinomas embrionários e teratomas).[7] Este último grupo acarreta um pior prognóstico.[6] [7]
Na presença de um tumor, em uma criança ou adulto jovem, localizado na linha média, deve ser considerada a hipótese de se tratar de um tumor de células germinativas. Deve então ser efetuada uma pesquisa de marcadores tumorais (alfafetoproteína e beta HCG) no sangue e/ou líquor.
Os germinomas são os tumores mais comuns desse grupo; e neste caso os marcadores são habitualmente negativos, e o diagnóstico exige confirmação histológica através de uma biópsia.[7] Uma vez que este tipo de tumores tem uma excelente resposta à radioterapia, com taxas de regressão a longo prazo na ordem dos 90%, a exérese cirúrgica total não leva a uma melhora do desfecho.[7]
Por outro lado, a positividade da marcação para alfafetoproteína determinará o diagnóstico de tumor do saco vitelino sem necessidade de confirmação histológica para orientação terapêutica.[7] No caso descrito, essa hipótese nunca foi colocada devido à localização da lesão, razão pela qual esse estudo não foi efetuado pré-operatoriamente.
A localização temporal de um tumor do saco vitelino é extremamente rara. Do nosso conhecimento, há 19 casos descritos na literatura[6] [8] sobre a ocorrência deste tumor fora da linha média, com apenas 4 em localização lobar cerebral – os casos restantes descritos ocorreram nos ventrículos laterais, IV ventrículo, tálamos/gânglios da base, cerebelo ou raquis)[6] [8] ([Tabela 1]).
Localização |
Autor |
Sexo |
Idade (anos) |
Tratamento |
Sobrevida (meses) |
---|---|---|---|---|---|
Raquis |
Kurisaka et al. |
Fem. |
1 |
Cirurgia + QT |
8[b] |
Raquis |
Kan et al. |
Fem. |
25 |
Cirurgia + RT + QT |
22[b] |
Cerebelo |
Takeda et al. |
Masc. |
4 |
Cirurgia + RT |
8[a] |
Cerebelo |
Tajika et al. |
Masc. |
3 |
Cirurgia + QT |
4[a] |
Cerebelo |
Tsukamoto et al. |
Masc. |
3 |
Cirurgia + RT + QT |
18[a] |
Cerebelo |
Nakase et al. |
Masc. |
5 |
Cirurgia + QT |
12[a] |
Cerebelo |
Wada et al. |
Masc. |
6 |
Cirurgia + QT |
5[b] |
Cerebelo |
Cheon et al. |
Masc. |
3 |
Cirurgia + QT |
48[a] |
Gânglios da base |
Masuzawa et al. |
Masc. |
10 |
Cirurgia + RT |
Não descrita[b] |
Gânglios da base |
Oshita et al. |
Fem. |
8 |
Cirurgia + RT + QT |
Não descrita[b] |
Gânglios da base |
Wang et al. |
Fem. |
7 |
Cirurgia + RT + QT |
Não descrito[b] |
Ventrículo lateral |
Murovic et al. |
Fem. |
2 |
Cirurgia + RT |
42[a] |
Ventrículo lateral |
Tsugu et al. |
Fem. |
13 |
Cirurgia + RT + QT |
7[b] |
Ventrículo IV |
Nakagawa et al. |
Masc. |
18 |
Cirurgia + RT |
5[a] |
Lobo frontal |
Sugawara et al. |
Fem. |
18 |
Cirurgia + RT + QT |
3[a] |
Lobo frontal |
Netalkar et al. |
Fem. |
15 |
Cirurgia + QT |
36[a] |
Lobo frontal |
Honda et al. |
Masc. |
1 |
Cirurgia + QT |
9[b] |
Fossa média + órbita |
Dragan et al. |
Não descrito |
15 |
Cirurgia + QT |
5[a] |
Lobo temporoparietal |
Abdennebi et al. |
Fem |
1 |
Cirurgia + RT |
Não descrita[b] |
Lobo temporal |
Caso presente |
Masc |
32 |
Cirurgia + QT + RT |
7[b] |
O diagnóstico definitivo e a correta orientação de um caso como este exige um estudo exaustivo para a exclusão de um tumor primário extracerebral. No nosso caso esse estudo incluiu uma TAC toracoabdominopélvica, ecografia testicular e PET, que foram negativos.
Trata-se de um tumor indiferenciado e agressivo, com fraca resposta ao tratamento complementar. Dada a raridade das histologias dos tumores de células germinativas não germinomas, nas revisões da literatura referentes ao prognóstico e sobrevida estes são muitas vezes agrupados na mesma categoria[7], com sobrevida reportada de 45% aos 2 anos para este subgrupo de tumores.[8] Dos 19 casos descritos fora da linha média[1] [6] à data das respectivas publicações, 4 pacientes tinham falecido em menos de 1 ano (em 4 casos, a sobrevida não foi descriminada). No que diz respeito às modalidades de tratamento complementar, 12 pacientes dos 19 casos foram submetidos a programas de quimioterapia (5 em conjunto com radioterapia).[6] [8] Dois pacientes realizaram o mesmo esquema do caso aqui apresentado. Três pacientes realizaram programas de vimblastina + cisplatina + bleomicina. Dois pacientes fizeram uso de carboplatina + etoposido + bleomicina. Um paciente fez vincristina + cisplatina + bleomicina. Um paciente realizou etoposido + cisplatina + bleomicina. Um paciente foi submetido a carboplatina + vimblastina + etoposido. Um paciente fez uso de metotrexato e citosina intratecais + carboplatina + bleomicina. Um caso fez vimblastina + bleomicina + cisplatina + etoposido.[6]
#
Conclusão
O tumor do saco vitelino do SNC é um tumor de células germinativas com características agressivas e mau prognóstico.
O presente caso reforça a noção de que, apesar de raro, este tumor pode ocorrer fora da linha média. Não tendo características imagiológicas que o distinga claramente de outros tumores malignos primários do SNC, nomeadamente gliomas de alto grau, deve ser mantido como uma hipótese de diagnóstico em indivíduos jovens, uma vez que a orientação terapêutica e prognóstico são marcadamente diferentes para este tipo de tumor.
#
#
No conflict of interest has been declared by the author(s).
-
References
- 1 Tsugu H, Oshiro S, Ueno Y. , et al. Primary yolk sac tumor within the lateral ventricle. Neurol Med Chir (Tokyo) 2009; 49 (11) 528-531
- 2 Lazzareschi I, Furfaro IF, Coccia P, Puma N, Riccardi R. Extragonadal yolk sac tumor outside of the midline of the body: a case report of a child with a yolk sac tumor of the pontocerebellar angle. Tumori 2009; 95 (06) 840-842
- 3 Verma R, Malone S, Canil C, Jansen G, Lesiuk H. Primary skull-based yolk-sac tumour: case report and review of central nervous system germ cell tumours. J Neurooncol 2011; 101 (01) 129-134
- 4 Frank TC, Anand VK, Subramony C. Yolk sac tumor of the temporal bone: report of a case. Ear Nose Throat J 2000; 79 (03) 183 , 187–188, 191–192 passim
- 5 Utsuki S, Oka H, Tanizaki Y, Kondo K, Fujii K. Radiological features of germinoma arising from atypical locations. Neurol Med Chir (Tokyo) 2005; 45 (05) 268-271
- 6 Wang CH, Hsu TR, Yang TY. , et al. Primary yolk sac tumor of bilateral basal ganglia. J Chin Med Assoc 2010; 73 (08) 444-448
- 7 Odgen AT, Bruce JN. Pineal Region Tumors. In: Bernstein M. Neuro-oncology - The essentials. New York: Thieme Publishers; 2008: 299-305
- 8 Schmidek H. Schmidek and Sweet Operative Neurosurgical Techniques. Philadelphia: Elsevier; 2000: 908-915
Address for correspondence
-
References
- 1 Tsugu H, Oshiro S, Ueno Y. , et al. Primary yolk sac tumor within the lateral ventricle. Neurol Med Chir (Tokyo) 2009; 49 (11) 528-531
- 2 Lazzareschi I, Furfaro IF, Coccia P, Puma N, Riccardi R. Extragonadal yolk sac tumor outside of the midline of the body: a case report of a child with a yolk sac tumor of the pontocerebellar angle. Tumori 2009; 95 (06) 840-842
- 3 Verma R, Malone S, Canil C, Jansen G, Lesiuk H. Primary skull-based yolk-sac tumour: case report and review of central nervous system germ cell tumours. J Neurooncol 2011; 101 (01) 129-134
- 4 Frank TC, Anand VK, Subramony C. Yolk sac tumor of the temporal bone: report of a case. Ear Nose Throat J 2000; 79 (03) 183 , 187–188, 191–192 passim
- 5 Utsuki S, Oka H, Tanizaki Y, Kondo K, Fujii K. Radiological features of germinoma arising from atypical locations. Neurol Med Chir (Tokyo) 2005; 45 (05) 268-271
- 6 Wang CH, Hsu TR, Yang TY. , et al. Primary yolk sac tumor of bilateral basal ganglia. J Chin Med Assoc 2010; 73 (08) 444-448
- 7 Odgen AT, Bruce JN. Pineal Region Tumors. In: Bernstein M. Neuro-oncology - The essentials. New York: Thieme Publishers; 2008: 299-305
- 8 Schmidek H. Schmidek and Sweet Operative Neurosurgical Techniques. Philadelphia: Elsevier; 2000: 908-915



















