Palavras-chave
procedimentos ortopédicos - fenômeno biomecânico - traumatismos dos tendões - traumatismos
dos dedos - técnicas de sutura
Introdução
A necessidade da movimentação ativa nos pós-operatório dos reparos dos tendões flexores
dos dedos da mão nas zonas II, III, IV e V, para evitar as aderências e obter amplitude
de movimento adequada, exige pontos de sutura com grande resistência mecânica.[1]
[2] Entre as várias qualificações do reparo ideal, como número de passadas, qualidades
do fio, volume da sutura, entre outras, a facilidade de realização com mínimo trauma
cirúrgico é fundamental.[2] A sutura em “oito” com seis passadas é de fácil realização, pode ser feita com vários
tipos de fios cirúrgicos, apresenta grande resistência mecânica para movimentação
ativa no pós-operatório, e sua eficiência tem sido comprovada em estudos clínicos
e biomecânicos.[3]
[4]
[5]
[6]
[7] Apesar de não haver estudos sobre a preferência dos cirurgiões brasileiros em relação
ao ponto de sutura dos tendões flexores dos dedos da mão, acredita-se, por observação
empírica, que o de Kessler seja um dos mais utilizados. O método clássico para estudar
as propriedades mecânicas de tendões, íntegros ou suturados, é submeter o corpo de
prova a deformações de tensão com velocidade constante.[8] O modelo experimental para testar biomecanicamente a sutura imediata de tendões
flexores utilizando espécimes de porcos, por teste mecânico de tração longitudinal
sob velocidade de tração constante, encontra referência na literatura.[9]
[10]
[11] O objetivo do presente estudo foi avaliar biomecanicamente, por meio de teste de
tração longitudinal com velocidade constante, a deformação por tensão dos pontos em
“oito” e de Kessler em tendões flexores de porcos.
Materiais e Métodos
Os membros superiores de 18 porcos foram desarticulados no cotovelo, acondicionados
em sacos plásticos, e mantidos em freezer na temperatura de -20 graus Celsius. No
dia dos experimentos, as peças anatômicas foram descongeladas à temperatura ambiente,
e os tendões flexores profundos dos dedos foram dissecados e isolados. Os tendões
dos membros superiores direitos foram divididos em dois grupos: grupo 8 (triplo ponto
em “8”) e grupo K (ponto Kessler). Os tendões dos grupos 8 e K foram seccionados na
região central com lâmina de bisturi número 15 e submetidos a suturas: grupo 8 com
triplo ponto em “8” com fio monofilamentar de polipropileno 3–0 (Prolene, Ethicon,
São José dos Campos, SP, Brasil), e, no grupo K, ponto de Kessler com o mesmo fio
cirúrgico; em ambos os grupos houve sutura periférica contínua com fio monofilamentar
de polipropileno 4–0 (Prolene) ([Figura 1]). Após a sutura, os tendões foram fixados em garras metálicas sinusoidais de alumínio,
comprimidas por parafusos com distância de 20 mm da região da sutura na parte central.
As garras foram montadas axialmente em máquina universal de ensaio mecânico com célula
de carga de 1.000 N e velocidade de aplicação de 30 mm/min (EMIC DL 10000, Instron,
São José dos Pinhais, PR, Brasil). Após o ensaio, o computador acoplado à máquina
forneceu as propriedades mecânicas de carga máxima (N) e de energia na carga máxima
(Nmm).
Fig. 1 Representação esquemática das técnicas de reparo de tendão utilizadas nos grupos
K (A) e 8 (B e C).
As análises estatísticas dos resultados foram realizadas com o teste t de Student, com valores de significância para p < 0,5.
Resultados
Nos grupos 8 e K, as rupturas ocorreram sempre na área da sutura, não sendo possível
determinar a sequência dos pontos rompidos, uma vez que não houve filmagem dos ensaios
mecânicos. A [Tabela 1] apresenta os resultados das propriedades mecânicas nos dois grupos, os quais indicam
valores maiores para o grupo 8 (p < 0,5).
Tabela 1
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Grupos
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Carga máxima
|
Energia na carga máxima
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K (n = 8)
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34,19 ± 11,4; máximo: 58,55; mínimo: 18,29
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100,9 ± 52,48; máximo: 206,5; mínimo 34,61
|
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8 (n = 10)
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63,40 ± 20,40; máximo: 86,04; mínimo 23,17
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217,3 ± 93,67; máximo: 365,7; mínimo 33,39
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Valor de p
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0,0024*
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0,0064*
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Discussão
O presente estudo demonstrou que o ponto em “oito”, na configuração de seis passadas,
ou seja, feito três vezes, apresenta valores das propriedades mecânicas de carga máxima
e energia na carga máxima maiores estatisticamente do que os do ponto de Kessler,
resultados semelhantes aos do estudo de de Al-Qattan e Al-Turaiki.[3] O valor da carga máxima de uma sutura de tendão flexor de dedos de membro superior
para permitir movimentação ativa sem risco de ruptura ou formação de espaçamento na
sutura é de pelo menos 40 N, valor maior do que o observado no grupo K (34,19 N) e
inferior ao do grupo 8 (63,4 N), indicando segurança do triplo ponto em “8”.[12]
O conhecimento da propriedade mecânica carga máxima é fundamental na avaliação da
resistência de determinada sutura de tendão, sendo um dos parâmetros mais utilizados
em estudos biomecânicos.[2]
[8]
[12] Por outro lado, a importância clínica da propriedade energia na carga máxima não
está totalmente esclarecida.[2] A energia na carga máxima representa a capacidade de absorção de impacto de determinado
material; o valor maior dessa propriedade poderia, em tese, amenizar o impacto da
sutura no sistema de polias do canal osteofibroso na região anterior dos dedos durante
a movimentação articular, facilitando o deslizamento do tendão e dificultando a formação
de aderências cicatriciais.
O presente estudo apresenta limitações metodológicas: a não realização das mensurações
da carga necessária para produzir um espaçamento na sutura que, em tese, pode prejudicar
a cicatrização; a utilização de ensaio mecânico contínuo e longitudinal, em vez de
testes cíclicos e curvilíneos; e, por fim, o uso de tendões isolados de porco, em
vez de tendões humanos de mãos ou dedos. Contudo, apesar das limitações inerentes
aos métodos utilizados, deve-se ter em mente que a base central do estudo foi a comparação
das propriedades mecânicas imediatas das suturas em “oito” e de Kessler, ambas realizadas
e testadas nas mesmas condições experimentais e, portanto, os resultados obtidos apresentam
validade científica.
Conclusão
Nas condições deste experimento e no tendão flexor de dedo de membro superior de porco,
o triplo ponto em “oito” de Al-Qattan e Al-Turaik[3] (seis passagens) é mais resistente do que o ponto de Kessler (duas passagens). O
ponto em “oito” com seis passagens permite a movimentação ativa na reabilitação imediata
de reparo de tendão flexor de dedo de membro superior com pouco risco de ruptura ou
espaçamento na sutura.