Palavras-chave
transplante - menisco - meniscos tibiais - banco de tecidos
Introdução
Ao longo das últimas décadas, o tratamento das lesões meniscais vem evoluindo continuamente.
A sutura da lesão meniscal é a técnica de escolha no tratamento das lesões instáveis
de menisco, em detrimento a uma meniscectomia parcial ou total, preservando o tecido
meniscal.[1]
[2] Infelizmente, nem todas lesões meniscais podem ser reparadas, especialmente se tiver
ocorrido dano extenso no tecido.[3]
[4]
Após uma meniscectomia, os pacientes geralmente apresentam um período de alívio da
dor, mas com o tempo a queixa pode retornar, acompanhada de derrame articular de repetição,
principalmente associado a atividades de impacto. Em pacientes jovens e ativos, dor
no joelho após meniscectomia pode ser um problema desafiador.[4] O transplante meniscal homólogo é uma opção terapêutica para pacientes jovens e
ativos que foram submetidos à meniscectomia e apresentam sintomas que limitam suas
atividades.[3]
O sucesso do transplante meniscal homólogo depende de diversos fatores. Entre esses
fatores temos o armazenamento e disponibilidade dos enxertos. O método de preservação
mais utilizado é o congelamento a fresco do menisco.[3]
[5] De acordo com as normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária e do Ministério
da Saúde, o tecido meniscal pode permanecer armazenado em banco de tecido por 5 anos
até ser transplantado.[6]
Poucos estudos comparam as propriedades histológicas dos meniscos com < 1 ano de armazenamento
com as características dos meniscos armazenados por 5 anos para avaliar se existem
alterações significativas nas propriedades biológicas destes enxertos. Nosso objetivo
foi comparar as características histológicas do tecido de enxertos meniscais frescos
não congelados com as características de meniscos congelados armazenados por 1 mês
e meniscos congelados por 5 anos em banco de tecidos.
Material e Método
Foi feito um estudo histológico com enxertos meniscais armazenados no Banco de Tecidos
da nossa instituição. Foram avaliados 10 enxertos meniscais. Dois enxertos permaneceram
armazenados, sob congelamento a - 80°C, no banco de tecidos por 5 anos, outros 4 enxertos
permaneceram armazenados, também sob congelamento a -80° C, por um período de 1 mês,
e outros 4 enxertos foram captados e estudados a fresco. Todos os enxertos incluídos
no estudo foram captados de doadores, cujas famílias doaram seus tecidos tanto para
transplante quanto para fins de estudo e pesquisa, de acordo com o Termo de Doação
preenchido previamente à captação dos órgãos. O presente estudo foi aprovado pelo
Comitê de Ética em Pesquisa da nossa instituição.
Os meniscos foram enviados ao Departamento de Anatomia Patológica em formol a 10%,
para avaliação das propriedades histológicas dos enxertos e comparação entre os grupos,
usando os meniscos frescos não congelados, recém-captados, como parâmetro para comparação
com os meniscos armazenados sob congelamento.
Os meniscos foram incluídos em parafina e seccionados em micrótomo rotativo a 5um
de espessura. Foram confeccionadas duas lâminas de cada um dos 10 meniscos, sendo
uma amostra obtida através de corte perpendicular na transição entre o corno anterior
e o corpo do menisco, e a outra amostra obtida através de corte perpendicular na região
do corno posterior. Em todas as 20 amostras, foi obtido tecido tanto da região central
quanto da região periférica do menisco.
As amostras foram coradas pelo método de hematoxilina e eosina (H&E), coloração padrão
para avaliação histológica do núcleo, citoplasma e substância fundamental amorfa do
tecido, e para complementar a H&E, foi utilizado o Tricrômico de Masson, método de
histoquímica que avalia as fibras colágenas. A análise foi realizada pela contagem
de pontos aleatórios sobre cada região do menisco, registrando-se os pontos coincidentes
sobre condrócitos e fibroblastos/fibrócitos, sendo os resultados expressos, utilizando-se
objetiva de 10x, para avaliar a distribuição e a viabilidade celular nas duas regiões,
assim como a integridade do tecido fibrocartilaginoso.
Resultados
Quando comparados com o tecido meniscal fresco não congelado recém-captado, os meniscos
que permaneceram congelados por 1 mês apresentaram desorganização parcial da estrutura
de suas fibras colágenas, estando estas mais compactas na porção central e com discreta
dissociação na porção periférica do menisco, e não houve degeneração hidrópica significativa
do tecido. A degeneração do tecido exibia alteração de aspecto basofílico (coloração
evidente na hematoxilina). Dois destes meniscos apresentavam condensação e homogeneização
das fibras colágenas, enquanto os outros dois apresentavam discreta fragmentação das
fibras colágenas, com formação de pequenas áreas vacuolizadas de aspecto hidrópico.
Os meniscos que permaneceram congelados por 5 anos apresentavam alterações mais significativas,
cursando com dissociação evidente das fibras colágenas em toda sua extensão, com presença
de múltiplos focos de degeneração hidrópica que por vezes formavam acúmulos vacuolares
([Figuras 1] e [2]).
Fig. 1 (A) Menisco a fresco com sua coloração habitual, eosinofílica. (B) Menisco conservado por 1 mês com alteração da cor para basofílica e fragmentação
das fibras colágenas. (C) Menisco conservado por 5 anos com alterações mais acentuadas, exibindo extensa degeneração
hialina formando acúmulos intersticiais por edema. (Hematoxilina & Eosina, aumento
de 10x).
Fig. 2 (A) Menisco a fresco sem fragmentação da fibra. (B) Menisco conservado por 1 mês com descontinuidade das fibras, com acúmulos de material
hialino corados em azul. (C) Menisco conservado por 5 anos com fragmentação severa das fibras e acentuada dissociação
intersticial por edema. (Tricrômico de Masson, aumento de 10x).
Discussão
O transplante de menisco humano não é mais considerado um tratamento experimental,
uma vez que diversos estudos clínicos, com centenas de casos, com alta porcentagem
de bons e excelentes resultados, foram publicados sobre o tema na literatura internacional.[7]
[8]
[9]
[10] O candidato ideal ao transplante meniscal é um paciente ativo, com menos de 50 anos,
com membro alinhado, joelho estável, que foi submetido a uma meniscectomia total ou
subtotal, e apresenta quadro de dor no compartimento envolvido do joelho, sem alterações
degenerativas significativas.[3]
Vários fatores tornam o transplante meniscal homólogo um desafio técnico e logístico.
Entre esses fatores temos armazenamento e disponibilidade de enxertos, custos, risco
de transmissão de doenças e remodelação do enxerto após a implantação.[3]
[5] Dentre os principais fatores associados à equipe médica temos escolha do tamanho
adequado, posicionamento preciso e fixação estável do enxerto meniscal.[3]
[7]
[9] O enxerto meniscal deve corresponder com precisão às dimensões do joelho receptor
para aumentar a chance de restaurar sua função biomecânica normal.[11]
[12]
[13] A implantação adequada do enxerto e sua fixação afetam a função de transmissão de
carga ao redor do joelho, e a escolha de um enxerto que corresponda à morfologia do
joelho receptor é essencial para otimizar a conformidade entre o menisco e o côndilo
femoral.[12]
[14]
Os quatro métodos de preservação do enxerto descritos são enxerto fresco, congelado
fresco, criopreservado e liofilizado. Entretanto, enxertos liofilizados tendem a encolher
de maneira significativa após a implantação, e esse método não é mais recomendado
como um método de preservação. O uso de enxertos frescos apresenta problemas logísticos
óbvios, como encontrar um receptor em um período de 7 dias após a captação, antes
que se inicie a deterioração celular do enxerto, além do risco aumentado de transmissão
de doenças. Enxertos congelados a fresco são os mais utilizados atualmente, com maiores
taxas de sucesso, e com o menor risco de transmissão de doenças ou degradação biomecânica.[3]
[5]
Estudos em animais demonstraram que meniscos transplantados apresentam incorporação
e cicatrização adequada na periferia, sem reação inflamatória ou aspecto de rejeição
evidente.[5]
[15]
[16]
[17] Em nosso meio, Cury et al.[17] avaliaram a viabilidade de enxertos meniscais congelados transplantados em coelhos.
Os autores retiraram o menisco medial de 12 coelhos, mantiveram o menisco congelado
à temperatura de - 80°C por um período de 30 dias, e reimplantaram o menisco em outro
coelho. Após 60 dias, os meniscos foram avaliados do ponto de vista macroscópico e
histológico, comparando-os com o grupo controle, que foi o joelho contralateral ileso.
Os autores observaram que o menisco congelado transplantado manteve as características
biológicas do menisco original em relação ao tamanho e aspecto, apresentando boa cicatrização
periférica na membrana sinovial, e não foi observado aspecto de rejeição imunológica.
De acordo com as normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária e do Ministério
da Saúde, o tecido meniscal pode permanecer armazenado em banco de tecido por 5 anos
até ser transplantado.[6] O comportamento biomecânico dos meniscos depende da organização das suas fibras
colágenas; dessa forma, o método de preservação ideal não deveria levar a alterações
significativas na microestrutura do tecido, independente de sua celularidade.[18] Em nosso estudo, encontramos degeneração acentuada das propriedades histológicas
dos meniscos armazenados sob congelamento por 5 anos, enquanto que os meniscos armazenados
congelados por apenas 1 mês apresentavam degeneração mais leve.
Estudos tanto em humanos quanto em animais mostram que o congelamento profundo altera
a arquitetura normal das fibras de colágeno, com aumento do conteúdo de água no tecido,
de forma semelhante ao que encontramos em nosso estudo.[5]
[16]
[18]
[19]
[20] Gelber et al.[19] encontraram alterações nas fibras colágenas de meniscos armazenados sob congelamento
por um período de 7 dias, sugerindo que o congelamento profundo, independente do período
de armazenamento, leva a alterações estruturais no enxerto. Em nosso estudo, observamos
que mesmo os meniscos armazenados por apenas 1 mês apresentaram alterações em sua
arquitetura quando comparados com os meniscos que não foram congelados.
Contudo, a progressão significativa da degeneração do tecido nos tecidos armazenados
por período mais longo pode sugerir que o período de 5 anos, considerado período máximo
que o enxerto pode permanecer armazenado antes de ser transplantado, é um período
muito longo.
Não obstante, os meniscos que permaneceram armazenados por mais tempo tiveram uma
degeneração bem mais acentuada, indicando que não apenas o congelamento em si, mas
o tempo prolongado de armazenamento sob congelamento leva à progressão significativa
da degeneração do tecido meniscal. Nossos achados sugerem que o período de 5 anos,
considerado período máximo que o enxerto pode permanecer armazenado antes de ser transplantado,
é um período muito longo. Não encontramos nenhuma série de casos de transplante de
menisco realizado com enxerto congelado a fresco que descreva o período máximo que
os enxertos permaneceram congelados antes do procedimento. Lewis et al.[20] mostraram em estudo bioquímico, biomecânico e histológico que meniscos submetidos
a múltiplos ciclos de congelamento apresentavam diminuição na sua resistência a compressão,
com maior desarranjo da sua microestrutura. Verdonk et al.[9] realizaram sua série de transplante de menisco homólogo com meniscos frescos viáveis
não congelados, defendendo que isso não apenas contribui na sobrevivência das células,
mas também na produção da matriz extracelular. Apesar dos autores não focarem seus
trabalhos no aspecto ultraestrutural dos enxertos, podemos considerar que o uso de
enxertos não congelados também apresenta a vantagem de não ocorrer alteração significativa
na estrutura das fibras colágenas do tecido meniscal.
A principal limitação do nosso estudo é a amostra reduzida. Nosso fator limitador
foi o número pequeno de meniscos no banco de tecidos disponíveis para o estudo. Com
nossa amostra, não conseguimos chegar a conclusões definitivas a respeito do período
de armazenamento máximo ideal dos tecidos meniscais. Mas levantamos a hipótese que
o tempo de 5 anos, aceito atualmente como tempo limite, talvez seja excessivamente
prolongado. Mais estudos para avaliar esta hipótese são necessários, além de determinar
se as alterações histológicas estão associadas a alterações biomecânicas do tecido.
Estudos com uma amostra maior e com análise de um tempo intermediário de armazenamento
(1 ou 2 anos de congelamento) seriam importantes para responder a pergunta de qual
seria o tempo máximo ideal de congelamento.
O tratamento das lesões ligamentares, meniscais e osteocondrais do joelho com enxertos
homólogos tem se tornado progressivamente mais popular nas últimas décadas, em todo
mundo. A baixa disponibilidade de enxertos nos bancos de tecido musculoesquelético
está associada com a dificuldade na popularização dessas técnicas no país. Políticas
de estímulo para captação e armazenamento de tecido musculoesquelético são fundamentais.
Conclusão
Os enxertos meniscais armazenados sob congelamento por 1 mês apresentaram discreta
alteração degenerativa das fibras colágenas, em quantidade variável, porém sem grandes
acúmulos intercelulares. Os meniscos com 5 anos de congelamento apresentaram degeneração
significativa do tecido em toda sua extensão, fragmentação e acentuada dissociação
das fibras por edema intersticial.