Palavras-chave
fraturas do úmero - cotovelo - criança - fixação de fratura
Introdução
Entre as lesões traumáticas do esqueleto imaturo, a fratura supracondiliana do úmero
(FSU) destaca-se não só por sua elevada frequência, mas também pelos riscos que a
acompanham. Os avanços no tratamento e na assistência contribuíram para melhores resultados
e para a redução drástica da complicação mais temida: a contratura isquêmica de Volkmann.[1]
[2]
[3]
[4] Mas os riscos inerentes à fratura permanecem, assim como a justificada apreensão
dos cirurgiões que rotineiramente lidam com essa lesão.
Mais comum em pacientes entre 3 e 10 anos de idade, a FSU tem seu pico de incidência
aos 6 anos de idade.[1]
[4]
[5]
[6]
[7] Representa cerca de 3 a 15% de todas as fraturas em crianças, chegando a 70% entre
as do cotovelo. Com incidência estimada de 1,7 para cada 1.000 indivíduos, é a fratura
que mais requer tratamento cirúrgico na população pediátrica.[4]
[8]
[9]
[10]
[11]
[12]
O mecanismo de trauma mais frequente é a queda com a mão espalmada gerando a hiperextensão
do cotovelo. Com isso, o olécrano age como um fulcro posterior no úmero, resultando
na fratura tipo extensão, responsável por 97 a 98% dos casos.[1]
[4] A fratura tipo flexão, mais rara, é causada por trauma posterior no cotovelo fletido,
resultando no deslocamento anterior do fragmento distal.[4]
Classificação
Gartland dividiu as fraturas em três tipos: sem desvio, desvio moderado, e desvio
extremo.[3]
[13] Posteriormente, Wilkins modificou a classificação ao incluir o conceito do contato
cortical posterior.[3]
[14] É a classificação mais utilizada, com alta concordância intraobservador e interobservador
([Figura 1]).[1]
[3]
Fig. 1 Classificação de Gartland modificada, incluindo fraturas dos tipos IV e II B.
Tipo I: sem desvio, ou minimamente desviada (< 2 mm). O periósteo íntegro em toda
a circunferência mantém a estabilidade.[3] A linha de fratura pode não ser visível na radiografia inicial, com o sinal do coxim
gorduroso sendo a única evidência da lesão.[4] Nesse caso, a reação periosteal, que normalmente surge após a segunda semana, confirma
a suspeita clínica.
Tipo II: fratura desviada, mantendo contato cortical posterior com uma dobradiça preservada.[3] Na radiografia em perfil, a linha umeral anterior não corta o terço médio do capitelo.
É o tipo de fratura com maior discordância entre os autores, sendo que alguns consideram
que qualquer desvio no plano coronal seria suficiente para classificá-la como tipo
III.[1]
[4] Porém a integridade da dobradiça cortical posterior mantém certa estabilidade mesmo
na presença de alguma rotação ou cominuição. A alternativa sugerida por Wilkins é
a subdivisão em II A (desvio apenas em extensão) e II B (radiografia em ântero-posterior
[AP] evidenciando desvio rotacional ou angular, porém com contato cortical posterior
preservado na radiografia em perfil).[3] A diferenciação em subtipos II A e II B é válida por ajudar a identificar fraturas
estáveis com desvio apenas em extensão e que poderiam ser submetidas a uma tentativa
inicial de tratamento não cirúrgico. Fraturas com desvio rotacional ou angular tendem
a ser mais instáveis e propensas à perda de redução quando não fixadas ([Figura 2]).[7]
[15]
[16]
[17] Uma potencial armadilha é subestimar a fratura com pouco desvio em extensão, mas
com cominuição da coluna medial, pois seu colapso pode levar à consolidação em varo,
mesmo nos casos aparentemente inocentes.[1]
[4]
Fig. 2 Exemplos de fraturas tipo II. (A) Fratura tipo II A, desvio apenas em extensão. (B) Fratura com desvio em extensão, rotação e angulação, tipo II B. (C) Fratura com cominuição medial, tipo II B.
Tipo III: desvio completo, sem contato entre as corticais, com maior risco de lesões
neurovasculares e interposição de partes moles.[3]
[11] São fraturas instáveis e geralmente de difícil redução. Porém, o periósteo posterior
parcialmente preservado ajuda na redução e estabilização da fratura quando o cotovelo
é fletido, facilitando a fixação.[4]
Tipo IV: instabilidade multidirecional, o periósteo rompido em toda sua circunferência
torna a fratura extremamente instável.[1]
[18] Descrita por Leitch et al.,[18] essa lesão pode ser confirmada durante a tentativa de redução sob fluoroscopia,
quando a fratura se mostra instável, tanto em flexão quanto em extensão.[3]
[19]
Tratamento
O tratamento da fratura tipo I é não cirúrgico: imobilização do cotovelo com tala
axilopalmar posterior em flexão de 60 a 80° por 3 semanas.[1]
[9] O controle radiográfico em torno de 7 dias é fundamental para a detecção precoce
de eventual desvio.[4]
Alguns estudos sugerem que fraturas estáveis com desvio apenas em extensão (tipo II
A) podem ser tratadas inicialmente com redução fechada, imobilização e acompanhamento
rigoroso para identificar perda de redução.[15]
[16]
[17] Porém, conforme a diretriz da American Academy of Orthopaedic Surgeons, o método de escolha para o tratamento da FSU desviada é redução fechada e fixação
percutânea.[9]
[10]
[20] Fratura na qual a linha umeral anterior não toca o capitelo, ou qualquer fratura
com translação, rotação ou angulação coronal, deve ser reduzida e fixada.[1]
[4]
[7]
O exame físico ajuda na determinação da urgência do tratamento cirúrgico.[11]
[21]
[22] É fundamental que seja feita uma cuidadosa avaliação sensitiva, motora e vascular
do membro acometido.[1]
[4]
[7] Edema acentuado, presença de equimose volar, e tensionamento da pele pelo fragmento
proximal da fratura na região cubital são sinais de gravidade. Essas características
indicam maior lesão de partes moles e risco elevado de lesão neurovascular associada
([Figura 3]).[4]
[11]
Fig. 3 Exemplos de fraturas tipo III e sinais de gravidade, indicando maior lesão de partes
moles e risco elevado de lesões neurovasculares associadas. (A) Fratura tipo III fixada com 3 pinos laterais divergentes. (B) Fratura com desvio importante, edema acentuado e deformidade grosseira. (C) O fragmento proximal atravessa o músculo braquial e a fáscia anterior, tensionando
a pele e criando uma prega volar no cotovelo que pode ser observada no exame clínico
(pucker sign - sinal da prega). (D) sinal de Kirmisson, equimose volar transversa na prega de flexão do cotovelo.
O membro deve ser imobilizado com tala gessada bem acolchoada em flexão entre 30 a
40° até que o paciente possa ser submetido a tratamento definitivo.[1]
[4]
[7] Em casos extremos, com desvio grosseiro ou sem pulso palpável, a redução parcial
da fratura com uma manobra de flexão do cotovelo até 40° e tração leve pode melhorar
a perfusão e aliviar a tensão das partes moles.[4]
[8] A tentativa forçada de redução no pronto-socorro com imobilização do cotovelo em
flexão maior que 80° é contraindicada devido ao risco de síndrome de compartimento.[4] Em caso de desvio acentuado, o paciente deve ser mantido em observação no hospital
até a abordagem cirúrgica.[7]
Não há consenso sobre o limite de tempo que uma fratura fechada com pulso palpável
poderia aguardar.[9]
[23] Diversos estudos mostram que adiar o tratamento cirúrgico, por até 24 horas em algumas
séries, não implica em maior incidência de complicações, necessidade de redução aberta
ou resultados insatisfatórios.[1]
[4]
[7]
[24]
[25]
[26] Porém esses estudos clínicos estão sujeitos ao viés de seleção, uma vez que os casos
mais graves tendem a ser abordados precocemente.[4]
[26] A decisão deve ser individualizada e o tratamento o mais precoce possível, com atenção
especial para os sinais de gravidade e exame neurovascular.[4]
[11]
[21]
[22]
[23]
[24]
[25]
[26]
Métodos de fixação
A fixação pode ser ser feita com dois ou três pinos, laterais ou cruzados.[1]
[20]
[27] Os pinos de entrada lateral devem ser divergentes, buscando espaçamento máximo no
foco da fratura e fixação tanto da coluna lateral quanto da medial.[4]
[28] Podem ser paralelos, mas nunca convergentes, não devem cruzar no foco da fratura,
e a fixação por pelo menos dois pinos bicorticais (nos fragmentos proximal e distal)
é fundamental.[1]
[6]
[7]
[27] De forma geral, dois fios de Kirschner laterais são suficientes para fratura tipo
II; no entanto, já existem evidências suficientes para indicação de três fios para
fraturas tipo III.[4]
[6]
[27]
[29]
[30]
[31]
[32] A adição de um terceiro fio de Kirschner está relacionada ao menor risco de falha
da fixação e à necessidade de revisão cirúrgica.[6]
[31]
[32] Fios de 2.0 mm garantem mais estabilidade e devem ser considerados em pacientes
maiores.[4]
[7]
[30]
[33]
Apesar de alguns estudos biomecânicos sugerirem que a fixação cruzada pode ser mais
estável do que apenas dois pinos laterais, estudos clínicos evidenciam que a fixação
apenas por via lateral é suficiente na maioria dos casos e que o uso rotineiro do
pino de entrada medial deve ser evitado devido ao risco de lesão iatrogênica do nervo
ulnar.[1]
[7]
[20]
[25]
[34]
[35]
[36]
[37]
[38]
[39]
[40] Estima-se que a neuropraxia do ulnar ocorra em 1 a cada 28 pacientes, cerca de 4%
dos casos, quando realizada fixação cruzada.[4]
[20]
[41]
[42] No entanto, algumas fraturas mais instáveis, com traço oblíquo ou cominuídas, podem
exigir um pino de entrada medial para alcançar estabilização adequada após a fixação
com dois ou três pinos laterais.[30]
[31]
[32]
[39]
[43]
[44] Nesse caso, alguns cuidados diminuem o risco de lesão: estender o cotovelo até pelo
menos 80° para relaxar o nervo ulnar, que pode subluxar anteriormente durante a flexão,
ou realizar pequeno acesso para visualização direta do ponto de entrada medial.[4]
[31]
[34]
[44]
Redução aberta
A redução cruenta está indicada nos casos de fraturas irredutíveis, expostas, ou quando
ocorre diminuição da perfusão após a redução.[1]
[4] O acesso anterior permite a liberação das estruturas interpostas, usualmente volares,
com visualização direta da artéria braquial e do nervo mediano, sendo, portanto, o
acesso o mais recomendado atualmente.[4]
[7]
[45] O acesso lateral também é descrito com bons resultados.[4] Já o acesso posterior apresenta as seguintes desvantagens: risco de necrose avascular
da tróclea; aumento da instabilidade com a abertura do periósteo posterior; e maior
incidência de rigidez.[1]
[4]
Fratura tipo IV
A fratura com instabilidade multidirecional oferece maior dificuldade de redução,
mas não necessariamente exige abordagem cruenta.[18]
[43] A técnica de joystick descrita por Novais et al.[19] consiste na manipulação com inserção de um fio de Kirschner de 2.0 mm lateral apenas
no fragmento distal, através do capitelo e apontando para o centro do foco de fratura.
O arco do intensificador deve estar paralelo à maca para alternar entre as incidências
AP e perfil, sem interferir na posição do braço. O assistente corrige a rotação do
fragmento proximal até conseguir uma imagem em perfil verdadeiro do úmero e mantém
essa posição durante todo o procedimento. A seguir, o cirurgião manipula o fragmento
distal com auxílio do pino já inserido para corrigir a rotação, translação e angulação.
Após obtido o alinhamento adequado, o pino é progredido até o fragmento proximal,
e a fratura estabilizada com mais dois fios de Kirschner laterais divergindo do primeiro.
Apesar da dificuldade técnica, tempo cirúrgico prolongado, maior incidência de redução
aberta e maior necessidade de pino medial para estabilização adequada, resultados
satisfatórios podem ser obtidos nas fraturas tipo IV ([Figura 4]).[18]
[19]
[43]
Fig. 4 (A) Fratura tipo IV, instabilidade multidirecional confirmada durante a tentativa de
redução sob fluoroscopia. (B) Fratura tipo IV reduzida e fixada através da técnica de joystick.
Fratura em flexão
Apesar de a classificação de Gartland ter sido descrita para a fratura em extensão,
ela também é aplicada para a fratura em flexão.[20] O tratamento segue a lógica descrita anteriormente: fratura sem desvio deve ser
tratada de forma conservadora e fratura desviada deve ser reduzida e fixada.[4] Alguns autores sugerem a tentativa de redução de fratura tipo II com a imobilização
em extensão do cotovelo.[14] Contudo, a tolerância para desvios deve ser baixa. O cirurgião deve estar atento
à maior incidência de lesão nervosa e necessidade de redução aberta nessas fraturas.[12]
[41]
[46]
[47] As fraturas irredutíveis podem ser abordadas por via anteromedial, medial, ou posterior,
preservando o periósteo anterior íntegro e permitindo a visualização direta do nervo
ulnar.[4]
[46]
Complicações
Perda de redução
A perda de redução ocorre em torno de 4% dos casos, sendo sua principal causa a fixação
inadequada.[4]
[6]
[27]
[28] Pinos cruzando no foco, convergentes, ou sem espaçamento adequado deixam a osteossíntese
instável.[28] Outro erro potencial é não conseguir a fixação com pelo menos dois pinos bicorticais.
Isso geralmente ocorre quando um dos pinos fica intramedular no fragmento proximal
ou passando através do foco da fratura.[6]
[27] Caso haja dúvida sobre o posicionamento adequado dos implantes ou da estabilidade
da fixação, a inserção de um terceiro ou até um quarto pino aumenta a chance de sucesso.[4]
[27]
[29]
[30]
[31]
[32] Um fator a ser considerado é a redução inadequada: a rotação diminui o suporte das
colunas lateral e medial no fragmento distal e predispõe o desvio angular.[4]
[29]
[31] O controle radiográfico em torno de 7 dias é fundamental para identificar possível
perda de redução e viabilizar a reabordagem precoce.[48] Nas primeiras 2 semanas, a manipulação com nova tentativa de redução fechada pode
ser possível.[4]
Lesão neurológica
O déficit neurológico é encontrado em cerca de 11% das fraturas desviadas.[41]
[49] A documentação do status sensitivo e motor pré-operatório é fundamental: a presença
do déficit indica maior gravidade e risco de lesão vascular associada, e ajuda a diferenciar
a lesão traumática pré-operatória da iatrogênica.[11]
[50]
Historicamente, a lesão do nervo radial é descrita como a mais comum.[1]
[14] No entanto, estudos mostram que a neuropraxia isolada do nervo interósseo anterior
(NIA) é o tipo de lesão mais frequente na fratura em extensão, com incidência de cerca
de 34%.[1]
[7]
[14]
[41] Por ser um ramo exclusivamente motor do nervo mediano, o diagnóstico é menos evidente.
Em conjunto, as lesões do nervo mediano completas ou isoladas do NIA representam cerca
de 60% das neuropraxias.[49] Já na fratura em flexão, o nervo ulnar é o mais acometido, representando mais de
90% das neuropraxias.[7]
[41]
O prognóstico da lesão nervosa associada à FSU geralmente é bom, com recuperação completa
na maioria dos pacientes.[51] O tempo médio para resolução do déficit é de pouco mais de 2 meses, com 60% dos
casos apresentando melhora até o 3° mês, e mais de 90% com restabelecimento total
da função.[1]
[49]
[52] Assim, a exploração cirúrgica não é recomendada rotineiramente nos casos de neuropraxia
isolada.[1]
[4]
[49]
Lesão vascular
Ausência de pulso palpável na apresentação inicial é reportada entre 1 e 15% dos casos,
chegando a 20% nas fraturas desviadas em algumas séries.[1]
[4]
[8]
[22] Existe o risco de encarceramento do feixe neurovascular entre os fragmentos da fratura,
lesão da íntima com formação de trombo tardio, laceração parcial, pseudoaneurisma
ou até transecção total da artéria braquial e síndrome de compartimento.[8] No entanto, pulso radial não palpável, apesar de indicar a urgência do tratamento,
não significa necessariamente isquemia tecidual. Os vasos podem estar comprimidos
pelo edema das partes moles adjacentes, apresentando espasmo ou mesmo encarcerados
no foco da fratura, mas com um fluxo colateral adequado e perfusão distal suficiente.
A reconstrução vascular raramente é necessária.[4]
[8]
Duas situações precisam ser diferenciadas: ausência de pulso radial palpável com a
mão perfundida, rosada e quente; ausência de pulso radial com perfusão distal diminuída,
mão pálida e fria.[1]
[8]
[22] A primeira é uma urgência, requer atenção especial e prioridade no tratamento. A
segunda é uma emergência que exige abordagem imediata.[4] Em nenhuma situação deve-se aguardar o estudo vascular com angiografia ou doppler.
A redução fechada com fixação percutânea é a primeira abordagem.[8]
[9]
[50] Se continuar sem pulso após a redução anatômica e a estabilização da fratura, mas
com a mão bem perfundida, rosada e quente, o paciente é mantido sob observação rigorosa
até que o pulso seja palpável.[22] A avaliação do fluxo arterial com doppler é indicada e a alta hospitalar adiada
por pelo menos 24 horas. Deve-se realizar a exploração vascular se houver piora da
perfusão nesse período.[8]
Caso a mão se apresente com perfusão diminuída, pálida e fria após a redução fechada
e fixação, é indicada a retirada dos pinos, redução abert, a e exploração vascular.[4]
[9] Devido à possibilidade de espasmo arterial, é permitida tolerância de 10 a 15 minutos
com o membro aquecido e o cotovelo estendido parcialmente antes de iniciar a exploração
vascular.[4] Na ausência de reperfusão, a abordagem deve ser imediata. Nesse caso, é prudente
solicitar a presença de cirurgião vascular ou microcirurgião para possível reconstrução
arterial.[8]
O acesso transverso anterior é o recomendado, podendo ser ampliado para distal ou
proximal e permitindo exploração direta do feixe neurovascular e reconstrução da artéria
braquial quando necessário.[1]
[4] Na ausência de laceração ou transecção, o aquecimento do membro e aplicação de papaverina
ou lidocaína tópica pode ajudar a diminuir o espasmo arterial.[4] Monitoração rigorosa devido ao risco de síndrome de compartimento é mandatória.[7] Apesar de não haver consenso sobre a indicação de fasciotomia descompressiva profilática
do antebraço, esta deve ser considerada se o tempo de isquemia ultrapassar 6 horas.[4]
Síndrome de compartimento
A síndrome de compartimento, apesar de cada vez mais rara, com incidência em torno
de 0.1 a 0.5%, é a complicação mais devastadora da FSU.[1]
[4]
[22] A melhoria da assistência em conjunto com maior atenção às técnicas de imobilização
e abordagem cirúrgica das fraturas desviadas contribuem para a redução desta complicação;[2]
[4] no entanto, o risco permanece. Alto índice de suspeição e abordagem precoce são
mandatórios, podendo contribuir para resultados satisfatórios mesmo nos casos mais
graves. A imobilização nunca deve ser com flexão acima de 80°, e o gesso cilíndrico
deve ser evitado, dando-se preferência às talas gessadas posteriores bem acolchoadas.[2] São considerados fatores de risco: crianças mais velhas, sexo masculino, fratura
ipsilateral do antebraço (cotovelo flutuante), e lesão neurovascular.[2]
[50] O déficit do nervo mediano requer ainda mais atenção, pois a alteração da sensibilidade
dolorosa pode mascarar o quadro.[1]
[4]
[14]
Rigidez articular
A limitação da amplitude de movimento (ADM) no pós-operatório recente é comum; no
entanto, a maioria dos pacientes evolui com melhora completa.[27] Os fios de Kirschner devem ser retirados entre 3 e 4 semanas, tempo suficiente para
a consolidação, evitando-se imobilização além desse período. Exercícios ativos são
recomendados para ganho de ADM, e a fisioterapia raramente é indicada.[53] Os principais fatores associados à rigidez articular são: lesão importante de partes
moles, redução aberta (principalmente quando utilizado o acesso posterior), imobilização
prolongada, e pacientes mais velhos.[54]
[55]
Consolidação viciosa
Lesão fisária (secundária ao trauma ou à cirurgia) é uma causa improvável de deformidade
tardia. A consolidação viciosa é consequência da fratura mal-reduzida ou da falha
de fixação.[4] Em geral, a fratura com desvio póstero-medial gera deformidade em varo e fratura
com desvio póstero-lateral em valgo. O cúbito varo é descrito como complicação tardia
mais frequente do que o cúbito valgo.[15]
[56] Isso pode ser explicado não só pela maior incidência de fratura com desvio póstero-medial,
mas também pelo fato de que a deformidade em varo é mais evidente, enquanto que um
aumento do valgo pode ser negligenciado.
Um recurso que auxilia a prevenção da consolidação viciosa é a medida radiográfica
do ângulo entre a linha fisária do capitelo e o eixo da diáfise, descrito por Baumann.[4]
[57] A avaliação deve ser comparativa com o lado contra-lateral, mas, em geral, um valor
acima de 80° sugere alinhamento em varo.[4] Os critérios descritos por Flynn[58] para a avaliação do resultado tardio se baseiam na ADM do cotovelo (flexo-extensão)
e no ângulo de carregamento. O autor considerou o resultado insatisfatório quando
encontrada uma variação maior que 15° em relação ao lado contralateral.[58]
Em um estudo com seguimento médio de 6.6 anos, Moraleda et al.[56] encontraram 36.9% de resultados insatisfatórios em 46 pacientes com fratura tipo
II, que foram tratados de forma conservadora apenas com imobilização. Apesar de um
bom resultado funcional ter sido encontrado na maioria dos casos, as fraturas tipo
II não reduzidas evoluíram com deformidade em hiperextensão, limitação da flexão e
cúbito varo em um número significativo de pacientes.[56]
Apesar de o cúbito varo ter sido considerado uma complicação principalmente estética,
outras consequências da consolidação viciosa são descritas: maior risco de fratura
do côndilo lateral, instabilidade rotatória póstero-lateral, dor, e paralisia tardia
do nervo ulnar.[4]
[7]
[59]
[60] A deformidade em varo desloca medialmente o eixo mecânico, o olécrano e o vetor
de tração do tríceps. O torque em varo repetitivo no cotovelo leva ao estiramento
crônico e consequente insuficiência do ligamento colateral lateral, resultando na
instabilidade rotatória póstero-lateral.[59] O deslocamento da porção medial do tríceps durante a flexão do cotovelo traciona
o nervo ulnar anteromedialmente e pode levar à neuropatia ulnar por atrito ou compressão
dinâmica do tríceps contra o epicôndilo.[4]
[60] A correção do cúbito varo na criança pode prevenir sequelas a longo prazo, e a crença
de se tratar apenas de uma deformidade cosmética deve ser reconsiderada.
Considerações finais
É fundamental um cuidadoso exame físico na avaliação inicial, com atenção especial
aos sinais de gravidade e fatores de risco para síndrome de compartimento. A ausência
de pulso requer urgência e observação rigorosa, já a perfusão diminuída exige abordagem
imediata. Deve-se buscar redução anatômica e um espaçamento máximo entre os pinos
no foco da fratura para evitar a falha da fixação, sendo recomendado o uso de três
pinos nas fraturas tipo III e IV. Conforme os conceitos apresentados, sugere-se um
fluxograma para o tratamento da fratura supracondiliana do úmero na criança ([Figura 5]).
Fig. 5 Fluxograma para o tratamento da fratura supracondiliana do úmero na criança.