Palavras-chave
paralisia cerebral - quadril/deformidades - quadril/cirurgia
Introdução
As deformidades no quadril ocorrem em mais de um terço das crianças com Paralisia
Cerebral (PC), e são a segunda deformidade mais comum após o pé em equino.[1]
[2]
[3]
[4]
[5]
A “doença do quadril espástico” é secundária ao desequilíbrio muscular, atuando em
um esqueleto em crescimento. Atitudes em flexão e adução vão progressivamente se tornando
contraturas até que a deformidade fica estabelecida. A deformidade em flexão e adução
e a limitação da mobilidade articular impedem ou dificultam os cuidados gerais de
higiene e de posicionamento sentado, o que torna a qualidade de vida muito comprometida
nestes pacientes. Secundariamente na articulação, as alterações degenerativas podem
se tornar dolorosas, o que agrava o quadro destes pacientes.[1]
[2]
O objetivo do tratamento nas deformidades do quadril espástico é mantê-lo móvel, bem
locado, sem dor, e com arco de movimento simétrico em relação ao contralateral.[1]
[2]
[5]
Quando estabelecidas a subluxação ou a luxação, há indicação cirúrgica de reconstrução
desses quadris.[2]
[4]
[6]
[7]
[8]
[9]
[10]
[11]
[12]
[13] Porém, nos casos em que já existe deformidade da cabeça femoral e incongruência
articular, a oportunidade da reconstrução foi perdida. Nestes casos, há a indicação
dos procedimentos chamados de “salvamento”. Estes podem ser: artroplastia de ressecção
do fêmur proximal,[14] osteotomia em valgo do fêmur proximal com ou sem ressecção da cabeça e do colo do
fêmur (cirurgia de McHale),[15]
[16] artrodese do quadril,[17] artroplastia total do quadril,[18] e artroplastia de interposição de prótese de fêmur proximal.[1]
[13]
Ainda hoje, após várias revisões da literatura sobre o assunto,[19]
[20]
[21] não há um consenso sobre o melhor tratamento nesses casos, especialmente porque
as publicações são geralmente de séries de casos cuja falta de uniformidade torna
a comparação difícil, levando-se em conta as condições do paciente e suas comorbidades
e o meio onde o paciente é tratado.
Sabe-se que a presença de dor associada a deformidade do quadril nos pacientes espásticos
tem relação direta com a sua qualidade de vida.[1]
[2]
[12] O principal motivo do tratamento nos pacientes portadores de PC espástica com deformidades
nos quadris sintomáticas e graves, não mais passíveis de cirurgia reconstrutora, é
melhorar os sintomas dolorosos e facilitar o posicionamento.
O objetivo deste estudo foi fazer a avaliação retrospectiva e transversal quanto à
melhora da dor e do posicionamento de todos os pacientes portadores de PC espástica
com deformidade grave no quadril submetidos ao procedimento de McHale[15] em nosso centro. Secundariamente, objetivou-se analisar as possíveis complicações
do procedimento.
Casuística e Métodos
O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética do hospital (CAAE 94352318.9.0000.5479),
e os responsáveis legais pelos pacientes assinaram os termos de consentimento livre
e esclarecido para a inclusão dos dados clínicos neste estudo.
Foram analisados todos os pacientes consecutivos submetidos à cirurgia de McHale pelo
Grupo de Doenças Neuromusculares da nossa instituição entre 1995 e 2017. Os critérios
de inclusão foram: pacientes portadores de PC espástica com quadril subluxado ou luxado,
e com deformidade da cabeça femoral que inviabilizou a reconstrução articular. Clinicamente,
os pacientes deveriam apresentar dor à mobilização do quadril, dificuldade de posicionamento
para se sentar e para os cuidados de higiene, e prontuário médico com dados completos.
Foram excluídos os pacientes com dados incompletos e os que não retornaram nas avaliações
ambulatoriais.
Para a avaliação do nível da dor dos pacientes no período pré-operatório, não foi
utilizada escala objetiva: dados dos prontuários informaram que todos os pacientes
apresentavam dor à mobilização do quadril acometido e/ou dificuldades ou intolerância
no posicionamento sentado no período pré-operatório. Uma vez que se trata de avaliação
retrospectiva, considerou-se a melhora relatada pelo paciente e/ou cuidador no último
retorno ambulatorial, sendo que os pacientes seguem em acompanhamento no nosso serviço.
A avaliação radiográfica foi realizada nos períodos pré-operatório e na última avaliação
ambulatorial, constando de radiografia em incidência anteroposterior da bacia, panorâmica
da coluna vertebral, e nas incidências posteroanterior e lateral. No período pré-operatório,
a análise radiográfica da bacia foi realizada utilizando-se como parâmetros a porcentagem
de migração (PM),[22] o tipo de deformidade de acordo com a Escala de Classificação de Quadril na Paralisia
Cerebral de Melbourne (Melbourne Cerebral Palsy Hip Classification Scale, MCPHPS),[5] e o tipo da deformidade da cabeça femoral.[1] No período pós-operatório, também foi verificada a presença de migração proximal
do fragmento do fêmur proximal, as alterações e/ou a falha do implante utilizado,
e a possível ossificação heterotópica. Na radiografia da coluna vertebral, na incidência
posteroanterior, em decúbito dorsal, foi medido o ângulo de Cobb apenas para o diagnóstico
de escoliose, sendo considerada a curva com gravidade moderada nas angulações ≥ 40°.[23] Para a mensuração dos ângulos e distâncias, foi utilizado o programa MB-Ruler, versão
5.3 para Windows (MB-Softwaresolutions, Iffezheim, Alemanha), com até 2 casas decimais.
As medidas radiográficas foram feitas por dois avaliadores experientes e independentes,
e foi calculado o coeficiente de correlação intraclasse (CCI) entre observadores.
Procedimentos cirúrgicos haviam sido realizados previamente em 8 pacientes (15 quadris),
sendo em 7, tenotomia dos adutores bilateral, e, em 1, redução cruenta do quadril
associada a osteotomia varizante e de rotação externa do fêmur proximal, e a osteotomia
pélvica de Dega, unilateral, realizada em outro serviço.
A técnica cirúrgica, de acordo com a descrição original (McHale et al.[15]), constitui os seguintes tempos: com o paciente em decúbito dorsal horizontal, inicialmente
é realizada a tenotomia dos adutores pela via deles; o quadril é exposto por meio
da via anterolateral (Watson-Jones). Com a cabeça femoral exposta, uma osteotomia
é feita na base do colo femoral usando uma serra de nitrogênio. A cabeça femoral é
removida, enquanto o ligamento redondo é preservado dentro do acetábulo. Uma cunha
óssea de base lateral é removida do fêmur proximal no nível do trocânter menor para
promover abdução em torno de 45°. A fixação da osteotomia se dá mediante o uso de
placa reta de compressão dinâmica (PDC) ou placa de compressão de bloqueio (PCB) (Synthes,
Solothurn, Suíça), moldada para a abdução do fragmento distal em média de 45°. O pequeno
trocanter é deslocado para o acetábulo, e o ligamento redondo é então suturado no
tendão do músculo psoas. Procede-se à capsulorrafia, sendo que a parte inferior da
cápsula em geral não pode ser fechada. A sutura é por planos, e não é utilizada imobilização
pós-operatória.[15]
No período pós-operatório, as complicações foram divididas em menores e maiores, sendo
as menores definidas como: persistência da dor relacionada ao implante com ou sem
sua exposição; fraturas do membro inferior operado; e a presença de ossificação heterotópica.
As maiores complicações consideradas neste estudo foram: necessidade de internação;
e submissão a outro procedimento cirúrgico.
A avaliação final considerou dois desfechos: o primeiro, satisfatório (D1), nos pacientes
que permaneceram bem (com menos dor e sentados) após o procedimento, e os pacientes
que apresentaram complicações consideradas menores; o segundo, insatisfatório (D2),
para pacientes que apresentaram complicações maiores e que posteriormente foram submetidos
a novo procedimento cirúrgico, no caso, a cirurgia de Castle.[14]
Resultados
No período do estudo, foram tratados 57 pacientes com 65 quadris operados. Foram excluídos
10 pacientes (12 quadris) que não retornaram para reavaliação, restando 47 pacientes
(53 quadris), que representaram o grupo em estudo.
A distribuição do sexos foi de 19 pacientes do sexo masculino e 28 do feminino. Quanto
à lateralidade, 15 pacientes tinham o quadril acometido do lado direito, 26, do esquerdo,
e 6 casos eram bilaterais. De acordo com o Sistema de Classificação da Função Motora
Grossa (Gross Motor Function Classification System, GMFCS),[24] foram 43 pacientes nível V (91%), 3 pacientes IV (6%), e um paciente III (2%). A
média da idade dos pacientes na ocasião da cirurgia foi de 13 anos e 2 meses (mediana
de 12 anos e 8 meses), variando entre 5 anos e 4 meses e 35 anos e 10 meses de idade
([Tabela 1]).
Tabela 1
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Número de pacientes (número de quadris)
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47 (53)
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Idade
(anos e meses)
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média : 13 + 2 (163.28)
mínima : 5 + 4 (64)
máxima : 35 + 10 (430)
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Gênero
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masculino: 19
feminino: 28
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GMFCS
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III – 1
IV – 3
V – 43
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Cirugias prévias
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8 (15 quadris)
7 - tenotomia dos adutores bilateral
1 - redução cruenta do quadril + osteotomia femoral e pélvica
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Presença de escoliose
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35 (75%) casos
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Tempo de seguimento anos + meses (meses)
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mínimo : 1 + 0 (12)
máximo : 15 + 4 (184)
média : 4 + 8 (56)
mediana : 3 + 10 (46)
|
O tempo de internação dos pacientes apresentou média de cinco dias, e o tempo de consolidação
da osteotomia variou de seis a oito semanas.
O tempo de seguimento variou de 1 ano (12 meses) a 15 anos e 4 meses (184 meses),
com média de 4 anos e 8 meses (56 meses) e mediana de 3 anos e 10 meses (46 meses).
Achados radiográficos: o CCI calculado para a avaliação radiográfica foi maior do
que 0,80, considerado excelente; portanto, somente a média aritmética e a mediana
final foram utilizadas. A PM inicial variou de 60% a 100%, com média de 96,75% e mediana
de 100%, sendo 6 quadris entre 33% e 89%, e 47 quadris acima dos 90%. O MCPHCS foi
de grau 5 em 6 quadris e de grau 6 em 47 quadris. Em relação à deformidade da cabeça
femoral, foram encontradas 10 (19%) de grau 1, 22 (41%) de grau 2, e 21 (40%) de grau
3. Dos 47 pacientes, 35 (75%) apresentavam escoliose na reavaliação final ([Tabela 2]).
Tabela 2
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Porcentagem
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Porcentagem de migração
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33%–89% - 6 casos
> 90% - 47 casos
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11%
89%
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Tipo de deformidade da cabeça femoral
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TIPO 1 - 10
TIPO 2 - 22
TIPO 3 - 21
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19%
41%
40%
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Grau no MCPHCS
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Grau 5–6 casos
Grau 6–47 casos
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11%
89%
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Achados clínicos: não houve mudança no grau funcional dos pacientes. No total, 25
pacientes (53%; 29 quadris) apresentaram diminuição ou remissão da dor, mobilidade
livre e indolor, e melhora do posicionamento ([Figura 1]).
Fig. 1 Paciente do sexo feminino, tetraparética, GMFCS V. (A) Radiografia da bacia no início do acompanhamento com 12 anos e 2 meses de idade.
(B) Radiografia da bacia após 4 anos e 2 meses da cirurgia de McHale bilateral aos 16
anos de idade da paciente.
As complicações foram menores em 11 pacientes (23%; 12 quadris), e 8 pacientes (9
quadris) evoluíram com dor e/ou exposição do material de implante, sendo necessária
a sua retirada. O tempo médio entre os 2 procedimentos foi de 1 ano e 9 meses, e,
após a retirada, os pacientes evoluíram com cicatrização da ferida operatória sem
intercorrências ou dor. Dentro deste grupo está um paciente operado bilateralmente,
sendo que a exposição do implante ocorreu somente em um dos lados, e o paciente foi
considerado neste estudo como sofrendo complicação menor. Dois pacientes apresentaram
fratura na diáfise do fêmur ipsilateral, um paciente com redução cruenta e fixação
interna com placa e parafusos, e outro com redução incruenta e colocação de gesso;
todos evoluíram satisfatoriamente, com consolidação das fraturas. Um último paciente
(1 quadril) evoluiu com luxação dolorosa do quadril contralateral, sendo submetido
à cirurgia de Castle; o lado operado com a cirurgia de McHale apresentava-se bem,
móvel e sem dor. Portanto, neste desfecho satifatório (D1) da cirurgia de McHale,
com ausência de dor, mobilidade dos membros inferiores livre e posicionamento sentado
possível na cadeira de rodas, tivemos 36 pacientes (41 quadris), perfazendo 77% dos
nossos casos.
As complicações maiores estiveram presentes em 11 pacientes (12 quadris), dos quais
6 (6 quadris) foram submetidos a retirada do implante e cirurgia de Castle unilateralmente,
3 (4 quadris) foram submetidos a retirada do material de implante e posteriormente
submetidos a cirurgia de Castle bilateralmente, e 2 (2 quadris) foram submetidos a
artrodese do quadril. Destes, 1 caso (1 quadril) evoluiu com fratura do fêmur, e foi
tratado com fixação externa e posteriormente revisão da artrodese do quadril, e o
outro caso foi submetido a duas revisões da artrodese do quadril, e evoluiu sem consolidação,
sendo posteriormente realizada a cirurgia de Castle. Dada a falha no procedimento,
considerou-se o desfecho insatisfatório (D2) em 11 (23%) casos ([Tabela 3]).
Tabela 3
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Sem complicações
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Com complicações
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Número de pacientes
(quadris)
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25 (28) - 53%
|
22 (24) - 47%
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Complicações menores
11 (12) - 23%
|
Complicações maiores
11 (12) - 23%
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8 (9) retiradas do material de síntese
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6 (6) retiradas do implante e cirurgias de Castle unilaterais
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2 (2) fraturas do fêmur ipsilateral
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3 (4) retiradas do implante e cirurgias de Castle bilaterais
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1 (1) retirada do implante e cirurgia de Castle contralateral
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2 (2) artrodeses do quadril
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Desfechos
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D1–desfecho satisfatório
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D2–desfecho insatisfatório
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Não foi evidenciada a presença de ossificação heterotópica nas radiografias pós-operatórias
e de migração proximal do fêmur operado.
Os pacientes que persistiram com o quadro álgico foram posteriormente submetidos a
cirurgia de Castle, e apresentaram remissão da dor e melhora do posicionamento sentado,
mas tal avaliação não é objeto do presente estudo ([Figura 2]).
Fig. 2 Paciente do sexo feminino, tetraparética, GMFCS V. (A) Radiografia da bacia no início do acompanhamento com 10 anos e 2 meses de idade.
(B) Imagem clínica no início do acompanhamento. (C) Radiografia da bacia no pós-operatório imediato da cirurgia de McHale do lado direito.
(D) Radiografia da bacia no pós-operatório imediato da cirurgia de Castle bilateral,
aos 14 anos de idade da paciente. (E) Imagem clínica após 7 anos da cirurgia de Castle bilateral, aos 21 anos de idade
da paciente. (F) radiografia da bacia após 14 anos da cirurgia de Castle bilateral, aos 29 anos de
idade da paciente.
Discussão
A luxação do quadril é comum, e a incidência está diretamente relacionada à gravidade
da espasticidade e ao grau de funcionalidade do paciente.[1]
[3]
[4]
[10]
[11]
[12]
[13]
[25] A incidência na literatura de dor associada à luxação varia de 25% a 55%, sendo
de até 90% nos casos mais graves.[1]
[6]
[26] A mesma incidência foi verificada nos nosso pacientes, uma vez que a maioria deles
era de nível funcional IV e V.
Como há presença de escoliose em 79,5% dos casos,[7] por vezes torna-se difícil identificar se a dor é decorrente somente da luxação
ou da escoliose nestes pacientes graves. A relação entre morfologia do quadril e dor
em indivíduos com PC não é clara, e permanece controversa. Alguns estudos[1]
[2] relataram altos níveis de dor em indivíduos com quadris luxados, com muitos adolescentes
necessitando de “cirurgia de salvamento” por conta da perda da articulação do quadril.
Os fatores responsáveis pela dor nos quadris deslocados podem incluir a degeneração
da cartilagem articular, a resposta inflamatória associada, e a suprarregulação dos
mediadores da dor na cápsula da articulação do quadril.[27] A gravidade e a frequência da dor aumentaram com o aumento da incapacidade física,
conforme o GMFCS.[8] Em relação à MCPHPS,[5] devido à gravidade dos pacientes e às dificuldades no acesso ao tratamento no nosso
sistema de saúde, encontramos 10 quadris de nível 5 e 43 de nível 6, indicando que
a cirurgia de salvamento apresentava-se como a única opção de tratamento. A decisão
da execução da cirurgia de McHale, salvo nos casos de deformidade grave da cabeça
femoral, é também feita no período intraoperatório, quando encontramos mais de 50%
da superfície articular com lesão. Nos casos com lesão entre 30% e 50% da superfície
articular, nossa conduta é a cirurgia reconstrutora.
Nos casos luxados, geralmente o pequeno trocanter está posicionado à frente da cavidade
acetabular, e necessita apenas da valgização femoral proximal. A ressecção da cabeça
resulta em melhora da abdução – ao nosso ver, complementa a primeira descrição da
osteotomia de valgização intertrocanteriana de Schanz.[28] A tenodese do ligamento redondo no tendão do psoas, assim como na descrição original,
também ao nosso ver dá uma maior estabilidade à construção, e tende a evitar a migração
proximal, o que de fato aconteceu nos nossos casos.
Nos nossos pacientes, a deformidade unilateral apresentava uma indicação especial
para a cirurgia de McHale, pois, embora seja um procedimento de salvamento, “produz”
um aspecto mais harmônico da pelve. Um reflexo disso é a melhora do posicionamento
do paciente após a cirurgia, relatado nos nossos casos, assim como nos de outros autores.[29]
Em relação às complicações, na descrição original do procedimento no estudo de McHale
et al.,[15] com quatro pacientes, os autores citam a presença de dor no período pós-operatório,
acreditando ser ela resultado do atrito da superfície do colo dentro da cápsula articular
fechada. Nos nossos casos, os pacientes também mantiveram dor por longo período, em
média de seis meses, não sendo encontrada uma explicação anatômica. Faz-se necessário
um acompanhamento próximo destes pacientes para o controle medicamentoso, assim como
acompanhamento fisioterápico. Nos casos em que a placa utilizada na osteosíntese tornou-se
saliente, chegando até a exposição na pele, foi necessária a sua retirada cirúrgica.
A exposição da placa geralmente ocorre em pacientes de baixo peso e pouca massa muscular,
com pobre suporte nutricional, muitas vezes, no sistema público de saúde, difícil
de compensar no período pré-operatório; uma vez tratados com a retirada do material
de implante e cuidados locais, os pacientes tornaram-se assintomáticos. Somando-se
os pacientes que permaneceram com o implante e os que foram submetidos somente à sua
retirada devido à intercorrência da exposição da placa, temos que 77% de quadris apresentaram
boa evolução, sem outras complicações maiores pós-operatórias, a despeito da gravidade
funcional do grupo de pacientes tratados.
Outra complicação não rara nos pacientes GMFCS V é a fratura no membro inferior: pacientes
não deambuladores, com visível baixa massa óssea (embora não medida) e a presença
de contraturas articulares, somadas a eventuais movimentos bruscos durante o cuidado
com o paciente, representam fatores de risco importantes para fraturas. A depender
do tipo e da localização da fratura, o tratamento pode ser incruento ou cruento, considerando-se
sempre o aspecto funcional do paciente. O episódio da fratura não implica que, após
o tratamento desta, o objetivo da cirurgia de McHale não tenha sido alcançado. Por
esse motivo, as fraturas foram consideradas complicações menores.
Para alguns pacientes, a dor representou um fator limitante importante para os cuidados
diários, mesmo após o procedimento de McHale. Para estes casos, houve a necessidade
de ampliar a ressecção e convertê-la em cirurgia de Castle. O objetivo era sempre
de alívio da dor e melhora do posicionamento do paciente.
Outra opção nas duas pacientes após a falha na osteotomia de McHale foi a artrodese
do quadril, sendo que, na primeira paciente, de nível funcional V, tentou-se a estabilização
do quadril e melhora da dor. Porém, na evolução, a paciente apresentou piora da deformidade
vertebral e, após a artrodese vertebral, tornou-se incompatível o posicionamento sentada,
e a paciente foi posteriormente submetida à cirurgia de Castle bilateralmente, com
boa evolução. A outra paciente, de nível funcional IV, a despeito de apresentar fratura
do fêmur ipsilateral, tratada com fixador externo, apresentou e ainda mantém um bom
posicionamento.
Concordamos com a literatura[6]
[19]
[20]
[30] que o tratamento cirúrgico para o quadril espástico doloroso e luxado no contexto
de PC não é perfeito. Permanece uma grande porcentagem de falhas, apesar das numerosas
técnicas cirúrgicas desenhadas para tratar este problema. Devemos considerar que,
na literatura, mesmo com a utilização do GMFCS como padrão de avaliação, a homogeneidade
quanto à espasticidade dos pacientes no mesmo nível funcional fica pouco clara. Ademais,
são pacientes que geralmente apresentam comorbidades que influenciam o desfecho de
qualquer tratamento cirúrgico.
Este estudo apresenta algumas limitações. Por ter sido baseado em análise de prontuários,
não foi possível reavaliar os pacientes quanto à dor utilizando escalas validadas.
Também não foi aplicado questionário para análise da qualidade de vida dos pacientes.
Relatos nos prontuários médicos incluíam a descrição do exame físico, presença ou
não da dor à movimentação do quadril, e as dificuldades do posicionamento do paciente.
Por outro lado, todos os pacientes foram e são tratados pela mesma equipe médica,
com o mesmo protocolo de tratamento, o que de alguma maneira uniformiza a avaliação.
Estudos prospectivos priorizando a análise do impacto na qualidade de vida são necessários.
Conclusão
Mediante os resultados deste trabalho, demonstramos que a cirurgia de McHale é uma
opção no tratamento do quadril doloroso da PC espástica com nível funcional IV e V,
com melhora quanto à dor e ao posicionamento do paciente, mas devemos estar preparados
para a abordagem das possíveis complicações, como as fraturas e a persistência da
dor.