Palavras-chave
síndrome do túnel do carpo - parestesia - estudo comparativo - endoscopia - dedo em
gatilho
Introdução
Define-se a síndrome do túnel do carpo (STC) como o conjunto de sinais e sintomas
decorrentes da compressão do nervo mediano no nível do punho.[1] Esta compressão pode estar associada, por exemplo, a tenossinovites ou à presença
de estruturas anômalas dentro do túnel do carpo.[2] A STC é descrita como a neuropatia compressiva mais prevalente, acometendo cerca
de 2,7% da população geral,[3] e com frequência aumentada em populações específicas, tais como diabéticos e trabalhadores
braçais.[3]
O diagnóstico da STC é feito através da associação da história clínica, sintomatologia
e manobras específicas.[1] São sintomas comuns: dormência, parestesia, dor, perda de força na mão e no punho.
Quando indicado, o tratamento cirúrgico se baseia na descompressão do túnel do carpo,
por via aberta ou com auxílio de instrumentos de endoscopia.[4]
[5]
[6]
A tenossinovite estenosante dos tendões flexores dos dedos da mão – “dedo em gatilho”
(DG) – é caracterizada por um processo inflamatório que acomete a bainha dos tendões
flexores na região da primeira polia arciforme (A1). No dedo em gatilho, há espessamento
da bainha e possível desenvolvimento de um nódulo no tendão flexor. Com isso, há consequente
aumento do diâmetro do tendão, resultando em atrito entre a polia A1 e o tendão.[7] Algumas doenças podem ser consideradas como predisponentes ao desenvolvimento do
DG, tais como artrite reumatoide, diabetes, hipotireoidismo e amiloidose.[8]
No cenário do tratamento da STC e do DG, é frequente o aparecimento do DG após o tratamento
cirúrgico da STC. Estudos reportam a frequência de 10 a 13% em séries jordanianas,
brasileiras e americanas.[9]
[10]
[11] Neste interim, essa relação de causa-efeito tem sido discutida por diversos autores,[9]
[10]
[11]
[12] mas a exata relação de ambas ainda não está bem esclarecida.
Dentre as opções de tratamento cirúrgico, pode-se realizar descompressão por via aberta
tradicional, que consiste em acesso amplo à pele e fáscia palmar, ou por via endoscópica.[2] É hipótese dos autores, corroborada por alguns estudos prévios,[10]
[11] que a utilização de técnica minimamente invasiva, tal como a endoscópica, resulte
em menor frequência de DGs, por preservar estruturas como a fáscia palmar e a pele
imediatamente anterior ao ligamento transverso do carpo, o que, potencialmente, pode
abrandar o efeito arco de corda resultante da descompressão do túnel do carpo.[9]
[10]
[11]
O presente estudo tem como objetivo determinar a frequência de DG em pacientes que
foram submetidos ao tratamento cirúrgico da STC, comparando duas técnicas de descompressão:
aberta (TA) versus endoscópica (TE). Como desfecho secundário, verificaremos se há diferença nas taxas
de remissão da parestesia e dor entre as duas técnicas avaliadas.
Materiais e Métodos
O presente estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa, sob o número 17597019.7.0000.5533.
Foi desenvolvido no serviço de residência médica de cirurgia da mão do Hospital Alvorada
- Moema (São Paulo, SP) e da Clínica ortopédica Ortocity (São Paulo, SP). Trata-se
de um estudo do tipo série de casos, com uma amostra prospectiva associada a coorte
histórica retrospectiva, utilizada para comparação.
Foram incluídos pacientes adultos > 18 anos, de ambos os sexos, que foram operados
pela equipe de cirurgia de cirurgiões de mão (Moraes V. Y., Belloti J. C., Fernandes
M., AO, Raduan Neto J.), em São Paulo, e que completaram no tempo mínimo de pós-operatório
de 6 meses, pelas técnicas aberta ou endoscópica.
Não foram incluídos no estudo pacientes com outras doenças ou deformidades das mãos.
Critérios de inclusão
-
Pacientes submetidos a tratamento cirúrgico da STC por técnica aberta ou endoscópica;
-
Seguimento mínimo de 6 meses pós-operatório;
-
Sem complicações intraoperatórias
Critérios de exclusão
-
Pacientes não concordantes para cooperar o com estudo;
-
Pacientes com DG previamente ao procedimento cirúrgico para síndrome do túnel do carpo
(diagnóstico clínico prévio, informado pelo paciente);
Método de coleta de dados
Método de coleta de dados
Amostra de pacientes operados pela técnica aberta
Trata-se de amostra de conveniência, resultante do ambulatório de especialidades.
Estes pacientes foram tratados inicialmente por método conservador, com uso de corticosteroides
e órtese noturna, por um período mínimo de 4 semanas. Na falha do tratamento conservador,
os pacientes foram operados seguindo critérios de diagnóstico definidos, a saber:
1) presença de parestesia noturna no território do nervo mediano; 2) perda de capacidade
de discriminação de dois pontos; 3) teste de Phalen positivo; 4) Sinal de Tinel positivo
no nível do túnel do carpo; 5) parestesia no território do mediano; 6) perda de força
na mão. Para a indicação do tratamento cirúrgico, esses pacientes deveriam apresentar
ao menos três dos critérios expostos.
Amostra de pacientes operados pela técnica endoscópica (controle retrospectivo)
Realizamos o levantamento de pacientes operados pela técnica endoscópica com o auxílio
dos registros dos controles cirúrgicos da equipe. Estes pacientes foram operados entre
2016 e 2019. Houve a identificação dos mesmos e coleta de dados demográficos: idade,
gênero, profissão, mão dominante, doenças pré-existentes e dados relativos à doença/intervenção
([Apêndice 1]). Com estes dados, pareamos com os pacientes operados pela técnica aberta, a fim
de tornarmos os grupos passíveis de comparação. A coleta de dados foi realizada preferencialmente
em consulta presencial de retorno. Como alternativa, alguns contatos foram realizados
por telefone com um questionário estruturado.
Apêndice 1
1–NOME COMPLETO
____________________________________________________________
2–IDADE
( ) ANOS
3–SEXO
( ) MASCULINO ( ) FEMININO
4–MÃO OPERADA
( ) DIREITA ( ) ESQUERDA
5–MÃO DOMINANTE
( ) DIREITA ( ) ESQUERDA
6–DOENÇAS PRÉVIAS
____________________________________________________________
7–HOUVE APARECIMENTO DO DEDO EM GATILHO?
( ) SIM ( ) NÃO
8–QUANTO TEMPO APÓS A CIRURGIA ?
( ) MESES
9–O DEDO EM GATILHO OCORREU NA MÃO OPERADA ?
( ) SIM ( ) NÃO
10 – QUAL DEDO ACOMETIDO ?
( ) 1° ( ) 2° ( ) 3° ( ) 4° ( ) 5°
10–A CIRURGIA FOI POR VIA ABERTA OU ENDOSCÓPICA ?
( ) ABERTA ( ) ENDOSCÓPICA
11–HOUVE MELHORA DOS SINTOMAS REFERENTES A SÍNDROME DO TUNEL DO CARPO ?
Dor
( ) SIM ( ) NÃO
Parestesia
( ) SIM ( ) NÃO
Parestesia Noturna
( ) SIM ( ) NÃO
|
Método de coleta das variáveis de interesse
Para o diagnóstico de dedo em gatilho, realizamos as seguintes perguntas: 1) algum
dos dedos apresenta-se travado ou com dificuldade de “dobrar” ou “esticar”?; 2) apresenta
dor na “base” ou “raiz" dos dedos? Para a identificação de parestesia e dor realizamos
as seguintes perguntas: 1) apresenta formigamento das mãos?; 2) apresenta algum desconforto
nas mãos que atrapalha o sono?; 3) apresenta alguma dor ou desconforto nas mãos? Uma
ou mais repostas “sim" foram consideradas como “eventos" para os objetivos do estudo.
Análise Estatística
Na análise estatística descritiva, expomos os dados contínuos como médias e seus respectivos
desvios padrão (DP). Os dados categóricos foram expostos por seu número absoluto associados
às suas porcentagens. Na análise estatística inferencial, optamos pela utilização
de testes não-paramétricos. Utilizamos o teste U Mann-Whitney para variáveis contínuas
e o teste F de Fisher para as variáveis categóricas. Consideramos p < 0,05 para determinar diferenças entre grupos de comparação (significância estatística).
Resultados
Caracterização dos grupos: técnica aberta versus endoscópica
Incluímos 67 pacientes, todos com diagnóstico clínico compatível com STC. Trinta e
três foram operados pela TE e 34 pela TA. As características demográficas dos grupos
estão expostas na [Tabela 1].
Tabela 1
|
Técnica aberta
|
Técnica endoscópica
|
valor-p
|
Idade (média, DP)
|
58.7 (3,5)
|
52,2 (3,7)
|
0,02
|
Sexo feminino (n, %)
|
28 (82,4)
|
27 (81,8)
|
0,95
|
Dominância, direita (n, %)
|
30 (88,2)
|
28 (84,8)
|
0,68
|
Comorbidades (n, %)
|
21 (61,8)
|
14 (42,4)
|
0,11
|
Presença de diabetes (n, %)
|
9 (26,5)
|
8 (24,2)
|
0,83
|
Presença de dedo em gatilho (n, %)
|
9 (26,5)
|
9 (27,3)
|
0,94
|
Melhora da parestesia (n, %)
|
32(94,1)
|
25 (75,8)
|
0,03
|
Melhora da dor (n, %)
|
26 (76,5)
|
28 (84,8)
|
0,38
|
Variáveis pós-operatórias: presença de gatilho, melhora da dor e remissão da parestesia
Os DGs ocorreram em 26,9% dos pacientes. Não houve diferença quanto à frequência do
aparecimento de DG, quando agrupados pelas diferentes técnicas: TA, 26,5% versus TE, 27,3%; p = 0,94. Na avaliação da melhora da dor não houve diferença entre os grupos, TA, 76,5%
versus TE, 84.8%; p = 0,38. Na avaliação da melhora da parestesia, a TA demonstrou-se mais efetiva que
a TE, 94.1% versus 75.8%; p = 0.03.
Discussão
É sabido que pacientes com STC estão predispostos a desenvolver o DG, sendo sua incidência
relatada em torno de 0,2 a 31,7% por alguns estudos.[9]
[11]
[13]
[14] Entretanto, estudos correlacionando o aparecimento do dedo em gatilho no pós-operatório
do tratamento de STC são poucos. Um estudo[11] que analisou 132 mãos operadas encontrou a frequência de 22% de DG. Hayashi et al.,[14] que realizaram outro estudo prospectivo com 164 mãos, encontraram uma frequência
de DG de 31,7%. Nossa série é condizente com o exposto na literatura, com frequência
de aparecimento que variou de 26,5 a 27,3%. Este achado fortalece a representatividade
de nossa amostra, a despeito do relativo pequeno número amostral. Neste cenário, nos
pareceu importante controlar as comorbidades, especialmente o diabetes, pois é consenso
que há uma maior incidência de DG em diabéticos, identificada como o triplo da população
sem a doença.[15] Em nossa série, os grupos se demonstraram comparáveis, no que diz respeito a frequência
de comorbidades e diabetes, fato este que corrobora para a robustez de nossos resultados.Estudos[10]
[11] sugerem que a liberação do túnel do carpo seria um fator de risco para o desenvolvimento
de DGs, devido a alterações anatômicas e mecânicas. Com a liberação do ligamento carpal
transverso, existe a hipótese que esta altera a biomecânica da ação dos flexores,
aumentando seu "ângulo de ataque” distal, com consequente maior atrito no nível da
entrada do túnel osteofibroso. Este evento pode contribuir para a gênese do DG ou
incorrer na piora de um quadro prévio. Neste contexto, a liberação pela TE representaria
menor dano tecidual: 1) pela menor via de acesso; 2) não-violação de estruturas anteriores
ao LTC, tais como a pele e a fáscia palmar. Entretanto, nossos resultados não demonstraram
a hipótese descrita, com frequência de dedos em gatilho bastante semelhantes entre
os grupos.
Obtivemos diferença estatística no que diz respeito à melhora da parestesia entre
os grupos, indicando melhor performance da TA. Em nosso estudo, apesar de robusta
a diferença, devemos ter em mente que podemos entrar diante de viés de aferição, pois
tratamos de coortes não simultâneas e com tempo de evolução de doença diferentes.
Existem diversos estudos[16]
[17]
[18]
[19] comparando as mesmas intervenções e desfechos. Nestes, os autores reportam taxa
semelhante de melhora da parestesia ou da sensibilidade, com mensurações realizadas
entre 6 e 12 meses de pós-operatório. Com população semelhante à nossa, o estudo de
Okamura et al.[20] reporta excelente e consistente resultado da TE para desfechos funcionais objetivos
e o questionário de Boston. Apesar deste estudo incluir um número relevante de pacientes,
ele carece de um grupo de comparação. Em outro desfecho relevante, dor, não identificamos
benefício para qualquer das técnicas. Há de se pesar que parte da literatura refere
benefício da TE, especialmente no primeiro mês.[2]
Algumas observações devem ser feitas sobre a validade interna[21] dos nossos resultados: 1) trata-se de amostra pequena, o que pode ter limitado a
representatividade dos nossos dados; 2) característica retrospectiva, no que diz ao
manejo inicial de diagnóstico e de tratamento conservador; 3) pela natureza do nosso
estudo, não se pode imputar causa-efeito, tão somente associação entre as duas doenças.
Conclusão
Nesta amostra, demonstramos que técnica cirúrgica parece não influenciar o aparecimento
de DGs e de dor pós-operatória. Os pacientes operados pela TA apresentaram maior remissão
da parestesia quando comparados aos operados pela técnica endoscópica.