Palavras-chave
artrite séptica - osteíte - sínfise púbica
Introdução
A artrite séptica da sínfise púbica é uma condição rara, e frequentemente causada
por Staphylococcus auerus e Pseudomonas aeruginosa.[1]
[2]
[3]
[4]
[5] A infecção pode ser causada por embolização secundária devido a bacteremia ou disseminação
contígua de infecção de tecidos moles. Os fatores de risco são trauma, infecção de
baixo grau, procedimentos urológicos e ginecológicos, tumores malignos da pelve, esportes
e uso de drogas intravenosas.[5] Os aspectos clínicos incluem febre, dor na região abdominal, pélvica, ou na virilha
que se acentua com a posição de pé e caminhando, dor com movimentação do quadril e
marcha dolorosa claudicante.[2]
[3]
[4] A dificuldade de suspeita de patologia da região pubiana, devido a sua raridade
e apresentações atípicas, pode resultar em atraso do diagnóstico e terapia.[2]
[4] Nosso propósito neste artigo é alertar para uma localização rara de infecção na
sínfise púbica auxiliando no diagnóstico diferencial de dor abdominal e no tratamento
precoce.
Relato de caso
Um paciente do sexo masculino, de 23 anos, hígido, professor, foi admitido no serviço
de emergência no dia 10/06/2019 referindo dor no quadril, bilateralmente, de início
11 dias antes da consulta. A dor teve início na região do quadril esquerdo, e o paciente
relatava febre há 8 dias, porém negava trauma, atividade física de alta demanda, e
quadro infeccioso prévio.
Ao exame físico, o paciente se apresentava lúcido; orientado; febril (38,8°C); taquicárdico
(108 bpm); sem sinais flogísticos ou infecciosos na ectoscopia de pelve e membros
inferiores; com dor difusa à palpação entre a sínfise púbica e a região anterolateral
de quadril bilateralmente, que se acentuava à esquerda; com força muscular reduzida
(M2) para flexão de quadril e extensão da perna; sem alterações sensitivas e nos demais
grupos musculares.
A imagem de ressonância magnética (RM) do quadril esquerdo do paciente, realizada
no dia 03/06/19, mostrava sinais de peritendinite insercional do glúteo mínimo, porém
sem alterações na articulação da sínfise púbica. Foram obtidos exames no momento da
internação, demonstrando: 18.100/mm3 leucócitos, 18 bastões, velocidade de hemosedimentação (VHS) de 82 mm/1ª hora e proteína-C
reativa (PCR) de 162 mg/dl. No dia 10/06/2019, ocasião de sua internação, foi solicitada
radiografia do tórax, hemocultura, com quatro amostras, elementos anormais do sedimento
(EAS) e urinocultura. Foi solicitada nova RM da pelve, sendo observada imagem compatível
com quadro de artrite séptica da articulação da sínfise púbica ([Figura 1]). Foi iniciado o tratamento com ciprofloxacino 400 mg IV 12/12h associado à vancomicina
no dia seguinte à internação. O resultado da hemocultura revelou aumento de Enterococcus sp + leveduras e radiografia de tórax e urinocultura negativas.
Fig. 1 Imagem de ressonância magnética da pelve em short inversion time inversion recovery mostrando coleção líquida na região da sínfise púbica.
No dia 17/06/19, o paciente apresentava melhora significativa, incluindo recuperação
de força do membro, controle do quadro álgico e melhora dos marcadores laboratoriais.
Optou-se, portanto, por seguir com tratamento com antibioticoterapia venoso. O paciente
foi mantido em tratamento com antibioticoterapia venosa (ciprofloxacino e vancomicina)
apresentando melhora evolutiva e remissão total das queixas a partir de 04/07/19 ([Quadro 1]). Após 4 semanas de antibioticoterapia venosa, o paciente recebeu alta com prescrição
de ciprofloxacino oral (500 mg de 12/12h) por mais 60 dias e acompanhamento ambulatorial.
Quadro 1
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10/06
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11/06
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12/06
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17/06
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24/06
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03/07
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05/07
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Leucócitos
(/mm3)
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18.100
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11.900
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15.450
|
9.010
|
12.260
|
5.380
|
4.690
|
Bastonetes
(%)
|
18
|
7
|
8
|
1
|
2
|
5
|
2
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PCR
(mg/dL)
|
162,8
|
155,1
|
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18,4
|
6,5
|
|
1,9
|
VHS
(mm/1ª hora)
|
82
|
62
|
90
|
88
|
71
|
|
25
|
Discussão
Este relato de caso demonstra a importância dos exames complementares no diagnóstico
da artrite séptica da sínfise púbica sem necessidade de procedimentos invasivos.
A artrite séptica da sínfise púbica se diferencia da osteíte púbica em vários aspectos.
A osteíte púbica é uma entidade caracterizada por dor pélvica, marcha com base ampla
e lesão óssea nas margens da sínfise púbica. É uma inflamação autolimitante secundária
a um trauma, cirurgia pélvica e parto ou estresse (frequentemente em atletas). A artrite
séptica da sínfise púbica deve ser suspeitada em pacientes com início agudo de dor
na região pélvica, febre e sintomas com envolvimento sistêmico.[4] Clinicamente, esses sintomas incluem dor na região abdominal, pélvica ou inguinal
que aumenta na posição ortostática ou caminhando, podendo causar claudicação. O diagnóstico
também deveria ser considerado quando há presença de dor testicular, perineal ou coxas.[2]
[3]
[4] Apesar da apresentação da artrite séptica e da artrite inflamatória da sínfise púbica
serem clinicamente similares, a primeira se diferencia por sua gravidade, dor mais
intensa e presença de febre.[2]
[3]
[4]
Apesar da radiografia convencional demorar de 2 a 4 semanas para demonstrar sinais
de comprometimento da articulação da sínfise púbica, ela pode auxiliar a excluir outras
etiologias.[1] Os primeiros sinais de artrite séptica com osteomielite do púbis são lesão unilateral,
presença de sequestro ósseo ou fratura por estresse, e, finalmente, destruição óssea.[1]
[2]
[4] Wilmes et al.[5] avaliaram a extensão das anormalidades pélvicas (com injeções de contraste articular)
e realizaram aspiração da sínfise para análise de material, guiada por meio da tomografia
computadorizada. Vários autores indicam aspiração articular guiada pela ultrasonografia
ou tomografia computadorizada para proporcionar um diagnóstico da presença de infecção.[2]
[3]
[4] Porém, este procedimento invasivo pode ser evitado na presença de culturas sanguíneas
positivas.[3] O exame de imagem gold standard é a imagem de ressonância magnética, pois apresenta uma excelente sensibilidade (com
especificidade comparável ao scanner). As sequências utilizadas são com supressão
de gordura (fat sat, short inversion time inversion recovery), que aumenta a visibilidade dos bordos inflamados, auxiliando no diagnóstico.[1]
Segundo a literatura, para distinguir entre artrite séptica e inflamatória, a biopsia
e cultura são necessárias.[6]
[7] Porém, quando a hemocultura é positiva, pode-se iniciar o tratamento com antibióticos
e observar a melhora clínica com testes laboratoriais (hemograma, PCR, VHS). Ghislain
et al.[8] relataram não haver estudos randomizados controlados avaliando normas de antibióticos
para o tratamento da artrite séptica da sínfise púbica quando a punção é negativa.
Neste paciente, o resultado da hemocultura revelou crescimento de Enterococcus sp + leveduras, e foi optado pelo tratamento com antibioticoterapia (ciprofloxacino e
vancomicina), sem realização de punção da sínfise púbica para a confirmação do diagnóstico.
O agente infeccioso mais comum é o S. aureus, seguido de P. aeruginosa, Escherichia coli, bactéria anaeróbica, Salmonella species, Streptococcus species e Brucella species.[8] O tratamento inicial com antibiótico intravenoso deve ser seguido de tratamento
oral durante pelo menos 4 semanas, e o acompanhamento deve ser continuado até o VHS
normalizar (o que frequentemente leva aproximadamente três meses). Desbridamento cirúrgico
e curetagem na sínfise púbica são indicados em pacientes com graves complicações,
tais como diástase pélvica, devido a necrose óssea, perfuração da bexiga, instabilidade
pélvica e dor severa que não responde ao antibiótico.[9]
[10]
A artrite séptica da sínfise púbica é uma entidade rara e, dependendo dos resultados
dos exames complementares, tais como hemocultura positiva, RM e marcadores de combate
da infecção, os pacientes podem ser tratados de forma conservadora, e procedimentos
invasivos, tais como a punção da sínfise púbica, podem não ser necessários.