Palavras-chave
ossos do carpo - osteoblastoma - neoplasias ósseas - mão
Introdução
Os tumores ósseos do carpo devem ser pesquisados diante de um quadro clínico de dor
crônica do punho sem histórico de trauma prévio. Quando apresentam características
osteolíticas, as causas mais comuns são os gânglios intraósseos, encondroma, osteoma
osteóide e, menos comumente, osteoblastoma.
Osteoblastomas são neoplasias benignas formadoras de células ósseas. Representam 1%
dos tumores, e suas localizações mais comuns são os elementos posteriores da coluna
vertebral, pelve, e ossos longos. Raramente os ossos do carpo são acometidos, sendo
o envolvimento do capitato ainda menos comum.[1]
[2]
[3] Neste estudo, descreve-se um caso de osteoblastoma do capitato, assim como se faz
uma revisão da literatura sobre o tema.
Relato de Caso
Paciente de 40 anos, destra, com histórico de dor na face dorsal da mão direita, progressiva,
com 2 anos de evolução. Negava traumas prévios, infecções, ou outros sintomas associados
ao quadro.
Apresentou-se com aumento de volume da área afetada e prejuízo funcional para a realização
de atividades básicas de vida diária.
Ao exame, encontrava-se com a flexão do punho direito discretamente limitada, diminuição
da força de preensão, e dor à palpação do capitato. A ectoscopia não demonstrava alterações.
As radiografias iniciais mostraram uma lesão osteolítica, bem definida, com margem
esclerótica e aspecto lobulado no capitato ([Fig. 1]).
Fig. 1 Radiografia inicial do punho direito. Observa-se presença de lesão osteolítica bem
definida no osso capitato.
Não foram vistas calcificações ou extensão para partes moles ou outros ossos. Devido
ao aspecto inespecífico à radiografia, foi solicitada tomografia computadorizada,
que apresentou lesão com componente hipodenso central e margens hiperdensas, bem definidas,
restrita à porção distal do capitato ([Fig. 2]).
Fig. 2 Tomografia computadorizada da mão direita. Cortes coronal (A) e axial (B). Nota-se presença de lesão hipodensa em capitato direito, bem definida, com margens
hiperdensas, sem acometimento de outros óssos da mão.
Em função do quadro álgico significativo e comprometimento funcional, foi indicado
tratamento cirúrgico com ressecção intralesional e preenchimento com enxerto ósseo
de olécrano ipsilateral. O material curetado foi enviado para estudo anatomopatológico
([Fig. 3]).
Fig. 3 Peroperatório. (A) Aspecto peroperatório da lesão em capitato direito. (B) Cavidade óssea após curetagem da lesão. (C) Material curetado enviado para exame anatomopatológico. (D) Área doadora de enxerto ósseo do olecrano direito. (E) Cavidade óssea preenchida por enxerto de olecrano.
A análise dos cortes histológicos dos fragmentos de tecido ósseo mostrou se tratar
de lesão benigna composta por tecido ósseo jovem e maduro, sem atipias, permeada por
tecido fibroso, sendo diagnosticada como osteoblastoma ([Fig. 4]).
Fig. 4 Aspecto histopatológico do material enviado para análise. Observa-se tecido ósseo
jovem e algumas trabéculas de tecido ósseo maduro, sem atipias, permeados por tecido
fibroso.
A avaliação clínica da paciente 1 semana após o procedimento revelou melhora significativa
do quadro álgico, o que se manteve nas avaliações posteriores com 3, 6 e 12 semanas
de pós-operatório ([Fig. 5]).
Fig. 5 Radiografias do punho direito com oito semanas de pós-operatório. Observa-se boa
integração do enxerto ósseo ao capitato direito, sem sinais de recidiva da lesão.
Radiografia posteroanterior com o punho cerrado (A), posteroanterior (B) e de perfil (C) do punho direito.
A paciente apresentou boa recuperação funcional segundo os parâmetros do questionário
Disabilities of the Arm, Shoulder and Hand (DASH, Disfunções do Braço, Ombro e Mão),
e retornou gradualmente às suas atividades.
Discussão
Relatos de osteoblastoma que afeta os ossos do carpo são infrequentes, sendo o acometimento
do capitato ainda mais raro. Kaptan e Atmaka[2] e Afshar[3] apresentaram relato dessa localização tumoral em seus respectivos trabalhos, ao
passo que Murray et al.,[4] em sua série de 26.800 tumores ósseos primários, citam apenas 1 caso de osteoblastoma
do capitato.
Osteoblastomas são neoplasias benignas formadoras de tecido ósseo. Microscopicamente,
caracterizam-se por osso trabecular e estroma fibrovascular com produção de tecido
osteoide primitivo.[1]
[5]
Eles afetam principalmente pacientes na segunda e terceira décadas de vida, preferencialmente
do sexo masculino (na razão de 2-3:1).[1]
[2]
[3] No caso apresentado, a paciente estava fora do padrão epidemiológico mais comum,
tratando-se de uma mulher de 40 anos.
Os osteoblastomas podem acometer qualquer osso; porém, entre 40% e 50% das lesões
localizam-se na coluna vertebral, preferencialmente nos elementos posteriores.[1] Raramente acometem os ossos da mão.[2]
[3] Por essas características, o diagnóstico de osteoblastoma não é frequentemente considerado
em casos de tumores ósseos primários do carpo.
Radiograficamente, o osteoblastoma caracteriza-se como nicho central mineralizado
com halo radiolúcido circundante e esclerose reativa, ou como massa bem definida,
mista (lítica e blástica), com margens escleróticas.[1]
[5] Tomografia computadorizada e ressonância magnética podem mostrar massa circunscrita,
heterogênea, que apresenta componentes císticos, edema e osso reativo.[5] Dor progressiva, constante, sem resposta a salicilatos é o sintoma mais comum,[6] como observado no caso descrito.
As lesões osteolíticas não são causa frequente de dor crônica no punho,[6] mas devem ser pensadas principalmente na ausência de histórico de trauma local.
Alguns exemplos são o gânglio intraósseo, o osteoma osteoide, o encondroma, e o osteoblastoma.[6]
[7] Conhecer as características clínicas de cada uma dessas lesões é fundamental para
diferenciá-las.
Uma dúvida frequente é a diferenciação entre osteoblastoma e osteoma osteoide. Na
mão, o osteoma osteoide é mais frequente.[8] Classicamente, apresenta-se como lesão < 1,5cm, com nidus central circundado por zona de esclerose. A dor é intensa, pior à noite, com alívio
importante com o uso de salicilatos.[5]
Microscopicamente, as lesões são muito semelhantes, sendo o revestimento das trabéculas
ósseas por uma camada única de osteoblastos, a circunscrição afilada, e o arranjo
solto do tecido características que favorecem o diagnóstico de osteoblastoma.[1]
No caso dos tumores que envolvem os ossos da mão, o encondroma é diagnóstico diferencial
importante, uma vez que se trata do tumor primário ósseo mais comum das mãos.[6]
[8] Sua aparência radiográfica clássica é a de lesão osteolítica bem definida, com calcificações
pontilhadas.[6]
Outro diagnóstico diferencial, o gânglio intraósseo é uma lesão cística benigna, sendo
assintomática e um achado incidental em exames de imagem em aproximadamente 80% dos
casos.[9]
Na radiografia, apresenta-se como lesão cística, unilocular, não expansiva, bem definida,
com bordas escleróticas. A ressonância magnética mostra lesão de hipossinal em T1
e hipersinal nas sequências com supressão de gordura. À microscopia, o gânglio intraósseo
é caracterizado por tecido mucoide, degeneração mixomatosa de tecido conjuntivo e
paredes fibrosas.[7]
O tratamento dos osteoblastomas ainda é motivo de debates. Estudos sugerem que o tumor
pode sofrer transformação maligna,[7] além de taxas de recorrência entre 10% e 20%.[3]
[5] Sendo assim, há autores que indicam desde ressecção completa da lesão até curetagem
associada ou não a enxertia óssea.[3]
[10] Castelló et al.[10] descreveram bons resultados após curetagem seguida de preenchimento com enxerto
ósseo.
No caso relatado, inicialmente, o quadro clínico e a aparência radiográfica não permitiram
um diagnóstico específico da lesão osteolítica. Contudo, em função do comportamento
não agressivo da lesão, suas características benignas, e a ausência de extensão para
partes moles ou outros ossos aos exames de imagem, optou-se pela realização de curetagem
com preenchimento com enxerto ósseo, sendo o material coletado enviado para exame
anatomopatológico, que sugeriu posteriormente o diagnóstico de osteoblastoma.
Apresentou-se um caso raro de osteoblastoma do capitato como causa de dor crônica
do punho, assim como foi feita uma revisão e atualização do tema. Dessa forma, o osteoblastoma
pode ser considerado um diagnóstico de exclusão quando nos deparamos com uma lesão
osteolítica no nível do carpo.