Palavras-chave
antibiótico - artroplastia do joelho - cimentos ósseos - infecções relacionadas à
prótese
Introdução
A infecção profunda após artroplastia total do joelho (ATJ) é uma das complicações
mais devastadoras e que gera grande frustação tanto para o paciente quanto para o
cirurgião. Sua incidência varia entre 0,5% e 2%[1]
[2], porém é a etiologia mais comum (20,4%) das revisões de ATJ no Estados Unidos.[3] Dados de um centro brasileiro mostram que a infecção é responsável por 49% das falhas
precoces e por 25% das falhas tardias.[4]
Apesar da relativa baixa incidência, as infecções pós-artroplastia (IPAs) e seu tratamento
têm grande impacto econômico. O custo de um único tratamento pode variar de 30 a 50
mil dólares; e o tratamento de infecções graves, causadas por microrganismos resistentes,
pode custar até 100 mil dólares.[5] O custo do tratamento de uma infecção periprotética no sistema público brasileiro
é estimado em ∼ 55 mil reais (∼ 14 mil dólares).[6]
Como medida de prevenção da infecção na ATJ, a Academia Americana de Cirurgiões Ortopédicos
(AAOS, na sigla em inglês) recomenda a profilaxia antimicrobiana sistêmica uma hora
antes da incisão cirúrgica. No entanto, o fármaco não alcança prontamente a interface
implante-tecido. Desta forma, a administração local de antibióticos associada à sistêmica
é recomendada por alguns autores para disponibilizar concentrações mais altas de antibiótico
in situ, com menor risco de toxicidade sistêmica.[7]
A mistura manual do antibiótico em pó com o cimento ósseo durante a cirurgia ou o
produto pré-misturado disponível comercialmente são os métodos mais comumente utilizados
para o aporte local de antibióticos.[8] Alternativamente, outros autores sugerem a aplicação de antibiótico em pó diretamente
à ferida cirúrgica, a chamada profilaxia antimicrobiana intraferida. No entanto, ainda
não existe consenso na literatura quanto à efetividade desses métodos, e mais evidências
com estudos prospectivos são necessárias.[9]
[10]
[11]
Do ponto de vista clínico, o uso de cimento impregnado com antibiótico reduziu os
índices de falhas séptica e asséptica na ATJ.[8]
[10]
[12] Com redução de 60,6% na ocorrência de infecções e economia de 801 euros por paciente,
seu custo-benefício foi considerado favorável.[13] Contrariamente, uma revisão sistemática com mais de 34 mil pacientes submetidos
a ATJ mostrou que o uso de antibióticos não reduziu a prevalência de IPA e pode ser
um custo desnecessário para o sistema de saúde.[14] Dadas as evidências controversas, investigamos a eficácia da adição de antibiótico
ao cimento ósseo na ATJ primária como forma de prevenção da infecção profunda.
Material e Métodos
Critério de seleção
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE 0036.0.305.00-10).
Todos os voluntários consentiram por escrito antes da inclusão no estudo. Foram incluídos
pacientes portadores de osteoartrite (OA) primária e secundária com indicação de ATJ.
Não houve limite de idade e nem restrição quanto ao gênero. Os critérios de exclusão
foram pacientes submetidos à artroplastia unicompartimental do joelho, à artroplastia
de revisão ou a qualquer cirurgia prévia na articulação e pacientes com evidências
de infecção articular ou com coagulopatias congênitas ou adquiridas, além de história
prévia de alergia à vancomicina.
Grupos do estudo
Foram recrutados de forma prospectiva todos os pacientes (n = 286) submetidos a ATJ entre julho de 2010 e dezembro de 2013. Os pacientes foram
submetidos à ATJ primária com prótese Press Fit Condylar Sigma (Sigma/DePuy-Synthes,
West Chester, PA, EUA) e randomizados de acordo com o uso de antibiótico no cimento
ósseo. Em 158 pacientes, foi utilizado cimento ósseo convencional (DePuy-Synthes),
denominado grupo Sem ATB, e em 128 pacientes foram adicionados 2 g de Vancomicina
a cada 40 g de cimento ósseo, denominado grupo Com ATB. Os pacientes com número de
prontuário ímpar foram alocados no grupo Sem ATB e pacientes com número de prontuário
par foram alocados no grupo Com ATB.
Técnica cirúrgica
Todos os pacientes foram submetidos à raquianestesia e bloqueio periférico dos nervos
ciático e femoral com auxílio de eletroestimulação. Os procedimentos foram realizados
com ou sem isquemia, com torniquete pneumático de coxa inflado com pressão de 300
mmHg. A mistura cimento/antibiótico foi preparada de acordo com McLaren et al.[12] pelo cirurgião principal durante o procedimento cirúrgico ([Figura Suplementar S1]). Um único dreno de 4,8 mm (Hemovac, Zimmer) foi mantido em todos os pacientes por
24 horas. Todas as cirurgias foram realizadas em uma única instituição por dois cirurgiões
membros da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia e da Sociedade Brasileira
do Joelho (Cobra H. A. A. B. e Mozella A. P.).
Cuidados pós-operatórios
Todos os pacientes receberam 2 g de cefazolina endovenosa., complementada com 2 doses
adicionais de 1g a cada 8 horas. A prevenção de eventos tromboembólicos foi realizada
com dose única diária de 40 mg de heparina de baixo peso molecular por via subcutânea
(Clexane, Sanofi Aventis, Paris, França) iniciada 12 horas após o término da cirurgia
e mantida por 10 dias.
Diagnóstico da infecção
O diagnóstico de infecção foi baseado nos critérios definidos por Parvizi et al.,[15]
[16] que consideram os achados clínicos, a elevação dos níveis de proteína C reativa,
aumento na velocidade de hemossedimentação e cultura microbiológica positiva dos fragmentos
teciduais obtidos no período intraoperatório. A presença de rubor, eritema e dor associados
ou não a febre foram considerados sinais clínicos positivos de infecção. Depois que
o paciente foi submetido à primeira etapa da cirurgia de revisão, foram coletados
três fragmentos de fêmur, três fragmentos de tíbia e tecido mole para cultura microbiológica.
O diagnóstico de infecção foi estabelecido quando ocorreu crescimento bacteriano do
mesmo microrganismo em pelo menos duas amostras.
Seguimento
Os pacientes foram avaliados com 15 dias, 2, 6, 12 e 24 meses após a cirurgia no ambulatório
da instituição. A ocorrência de complicações no período pós-operatório, como tempo
e presença de infecção superficial ou profunda, necrose cutânea, trombose venosa profunda,
infarto agudo do miocárdio e reações alérgicas sintomáticas foram investigadas.
Análise estatística
A análise de distribuição dos dados numéricos foi realizada pelo teste de Shapiro-Wilk.
Os testes t de Student e Mann-Whitney foram aplicados para as variáveis com distribuição normal
e não-normal, respectivamente. Foi adotada a significância de 5%. Dados categóricos
foram analisados pelo teste qui-quadrado ou exato de Fisher. Utilizou-se o programa
GraphPad Prism versão 7.00 para Windows (GraphPad Software, San Diego, CA, EUA).
Resultados
Características dos pacientes
Os dados pré-operatórios foram analisados para verificar a randomização dos indivíduos
nos grupos de tratamento. Os grupos do estudo foram homogeneamente distribuídos sem
diferenças no gênero (p = 0,221), classificação de risco cirúrgico de acordo com a Sociedade Americana de
Anestesiologia (ASA, na sigla em inglês) (p = 0,348), idade (68 versus 66 anos; p = 0,429), índice de massa corporal [IMC] (30,4 versus 29,3; p = 0,579), níveis plasmáticos de globulina (2,8 versus 2,7; p = 0,566), níveis plasmáticos de albumina (3,5 versus 3,3; p = 0,555), duração da cirurgia (90 versus 85 minutos; p = 0,087), para os grupos Com ATB e Sem ATB, respectivamente ([Tabelas 1] e [2]).
Tabela 1
|
Grupo Com ATB (n = 128)
|
Grupo Sem ATB (n = 158)
|
valor-p
|
|
Mediana
|
IIQ
|
Min.
|
Max.
|
Mediana
|
IIQ
|
Min.
|
Max.
|
|
Idade (anos)
|
680
|
61,0
|
73,0
|
33,0
|
83,0
|
66,0
|
61,0
|
72,3
|
30,0
|
82,0
|
0,429[a]
|
|
IMC (kg/m2)
|
30,4
|
26,8
|
32,6
|
15,0
|
43,8
|
29,3
|
25,7
|
33,2
|
18,0
|
44,9
|
0,597[a]
|
|
Globulina (g/dL)
|
2,8
|
2,2
|
3,2
|
0,4
|
4,5
|
2,7
|
2,1
|
3,3
|
0,06
|
5,5
|
0,566[b]
|
|
Albumina (g/dL)
|
3,5
|
3,2
|
4,0
|
1,9
|
7,1
|
3,6
|
3,3
|
3,9
|
2,2
|
6,9
|
0,555[a]
|
|
Duração da cirurgia (minutos)
|
90,0
|
78,0
|
105,5
|
40,0
|
150
|
85,0
|
72,0
|
100,0
|
46,0
|
147,0
|
0,087[a]
|
Tabela 2
|
Com ATB
(n = 128)
|
Sem ATB
(n = 158)
|
valor-p
|
|
Gênero
|
|
|
|
|
Masculino
|
21,8% (28/128)
|
15,8% (25/158)
|
0,221[a]
|
|
Feminino
|
78,1% (100/128)
|
84,1% (133/158)
|
|
ASA
|
|
|
|
|
1
|
6,2% (8/128)
|
5,1% (8/158)
|
0,348[b]
|
|
2
|
92,2% (118/128)
|
90,5% (143/158)
|
|
3
|
2,3% (3/128)
|
3,2% (5/158)
|
|
Diagnóstico
|
|
|
|
|
Osteoartrose
|
78,9% (101/128)
|
70,2% (111/158)
|
0,911[b]
|
|
Artrite reumatoide
|
19,5% (25/128)
|
15,2% (24/158)
|
|
Outro
|
1,6% (2/128)
|
1,3% (2/158)
|
|
Comorbidades
|
|
|
|
|
Diabetes mellitus
|
2,3% (3/128)
|
1,9% (3/158)
|
0,653[a]
|
|
Hipertensão arterial sistêmica
|
57,8% (74/128)
|
59,5 (94/158)
|
|
Ambos
|
18,0% (23/128)
|
20,3% (32/158)
|
|
Nenhuma
|
21,9% (28/128)
|
18,4% (29/158)
|
Dos 286 pacientes submetidos à ATJ, 212 (70,6%) apresentaram OA primária, 101 (78,9%)
no grupo Com ATB e 111 (70,2%) no grupo Sem ATB. A OA secundária à artrite reumatoide
foi o diagnóstico em 25 (19,5%) pacientes no grupo Com ATB e em 24 (15,2%) pacientes
no grupo Sem ATB. Dois pacientes do grupo Com ATB desenvolveram OA secundária à osteonecrose,
e dois outros pacientes do grupo Sem ATB desenvolveram OA secundária a trauma. Quanto
à presença de comorbidades, 3 pacientes do grupo “Sem ATB” apresentavam diabetes mellitus
(DM), 94 apresentavam hipertensão arterial sistêmica (HAS), e 32 apresentavam a associação
das duas comorbidades. No grupo “Com ATB”, 3 eram diabéticos, 74 eram hipertensos
e 23 apresentavam a associação entre DM e HAS. Não houve diferença entre os grupos
para a presença de DM (p = 0,706), de HAS (p = 0,474) ou de ambas as condições associadas (p = 0,654). Níveis séricos de albumina < 3,5 g/dl foram observados em 96 dos 286 pacientes.
A prevalência diagnóstica e a distribuição de comorbidades foram semelhantes entre
os grupos ([Tabela 2]).
Infecção pós artroplastia de joelho em pacientes que utilizaram cimento com ou sem
antibiótico
Nos 24 meses de acompanhamento, o percentual de infecção foi de 2,09% (6/286), não
havendo diferença (odds ratio [OR] = 1,636; intervalo de confiança [IC] 95%: 0,294–9,080;
p = 0,694) entre o grupo Com ATB (1,56%; 2/128) e Sem ATB (2,53%; 4/158) ([Figura 1]). A média de tempo entre a realização da cirurgia e o diagnóstico de infecção foi
de 250 dias (entre 27 e 158 dias). Um paciente desenvolveu infecção dentro de 915
dias. Excepcionalmente, este paciente não foi excluído do estudo, pois era proveniente
de outro estado e estava no programa tratamento fora de domicílio (TFD) do sistema
único de saúde (SUS), o que acarretou sua demora ao retorno. Os pacientes que evoluíram
com IPA foram submetidos à cirurgia de revisão. O tempo médio de permanência hospitalar
após a revisão foi de 46,6 dias (entre 16 e 90 dias).
Fig. 1 Infecção pós-artroplastia de joelho em pacientes submetidos a artroplastia total
de joelho primária com prótese Press Fit Condylar Sigma (DePuy-Synthes®, West Chester,
PA, EUA). Os pacientes foram randomizados em dois grupos: cimento ósseo sem antibiótico
(sem ATB, n = 158) ou cimento com antibiótico (Com ATB, n = 128), ao qual foram adicionados 2 g de vancomicina para 40 g de cimento. p = 0,694. Teste exato de Fisher.
Dentre os seis pacientes que desenvolveram infecção, todos eram hipertensos e nenhum
diabético e/ou obeso. No grupo Com ATB, 2 dos 25 pacientes com OA secundária à AR
desenvolveram infecção. No grupo Sem ATB, dentre os quatro pacientes infectados, nenhum
deles apresentava AR. Um paciente de cada grupo apresentava níveis séricos de albumina < 3,5 g/dl.
No grupo Sem ATB, a infecção foi causada por Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA, na sigla em inglês) (n = 2), S. aureus sensível à meticilina (MSSA, na sigla em inglês) (n = 1) e Escherichia coli (n = 1). No grupo Com ATB, em um dos pacientes foi isolado MSSA e, no outro, Proteus mirabilis. A infecção mais precoce foi detectada 27 dias após a ATJ, e a mais tardia em 915
dias (paciente TFD), ambas causadas por MRSA ([Tabela 3]).
Tabela 3
|
Paciente
|
Grupo
|
Tempo para diagnóstico da infecção (dias)
|
Microrganismo
|
|
1
|
Sem ATB
|
915
|
MRSA
|
|
2
|
Sem ATB
|
449
|
MSSA
|
|
3
|
Sem ATB
|
29
|
Escherichia coli
|
|
4
|
Sem ATB
|
27
|
MRSA
|
|
5
|
Com ATB
|
46
|
MSSA
|
|
6
|
Com ATB
|
39
|
Proteus mirabilis
|
Não foram relatadas reações alérgicas locais ou sistêmicas ou eventos adversos.
Discussão
Os resultados do presente estudo prospectivo randomizado com 286 pacientes submetidos
à ATJ primária com e sem adição de antibiótico ao cimento ósseo mostraram que o uso
do cimento ósseo impregnado com vancomicina reduziu o número absoluto de infecções
profundas, porém sem significância estatística. O uso do antibiótico também não mostrou
relação com a ocorrência de reações adversas.
Em nosso estudo, a taxa global de infecção foi semelhante à taxa de infecção relatada
na literatura (de 0,5% a 2%).[1]
[2]
[17] Poucos estudos prospectivos randomizados avaliaram os efeitos do cimento ósseo impregnado
com antibióticos na taxa de infecção em ATJ. Um estudo prospectivo randomizado com
340 pacientes constatou que a adição de cefuroxima (2 g / 40 g) foi eficaz na prevenção
de infecções profundas (0% versus 3,1%, p = 0,024).[10] Outro estudo com 1.625 pacientes não revelou diferença entre o uso de formulação
comercial contendo tobramicina (2,2%; 18/814) e o grupo controle (3,1%; 25/811).[18] Em outro estudo de coorte, o uso de cimento ósseo com gentamicina não reduziu a
taxa de infecção, mesmo nos pacientes considerados como grupo de risco[5]. No presente estudo, a maioria das infecções ocorreu nos primeiros 60 dias após
a cirurgia. Não podemos excluir a hipótese de que as 2 infecções mais longas, que
ocorreram dentro de 449 e 915 dias e foram causadas por S. aureus, são consequência de infecção hematogênica aguda.
Pacientes diabéticos têm 1,28 vezes maior chance de infecção.[19] Apesar de Chiu et al.[20] terem mostrado a eficácia do uso de cimento com cefuroxima na prevenção da infecção
profunda na ATJ primária em pacientes diabéticos, Namba et al.[21] não observaram redução da taxa de infecção nesses pacientes. Na amostra do nosso
estudo, foram incluídos 37 pacientes diabéticos no grupo Sem ATB e 29 no grupo Com
ATB, porém nenhum deles desenvolveu infecção. É possível que o controle pré-operatório
rígido da glicemia tenha contribuído para este achado. Embora não seja possível estabelecer,
a partir dos nossos resultados, um protocolo para o uso de antibiótico no cimento
ósseo nas ATJ primárias em pacientes considerados de risco, o seu uso é sustentado
pela literatura.[7]
[22]
A obesidade mórbida (IMC ≥ 40 Kg/m2) e a obesidade (IMC > 30 Kg/m2) combinadas com diabetes são fatores de risco para IPA após ATJ.[23] Em uma série com ∼ 7.000 ATJ primárias, a taxa de infecção foi de 0,37% nos pacientes
com IMC normal, e de 4,66% no grupo de obesos mórbidos.[24] Na nossa amostra, nenhum dos obesos desenvolveu infecção.
A concentração sérica de albumina é um dos indicadores mais relevantes e simples da
avaliação do status nutricional.[25] O parâmetro recomendado para pacientes submetidos a artroplastias é de 3,5 g/dL
até 5,0 g/dL.[26] Dos pacientes com nível sérico de albumina < 3,5 g/dl, 1 de cada grupo apresentou
IPA. A prevalência de desnutrição em pacientes hospitalizados no sistema público de
saúde brasileiro é alta.[27] Futuramente, seria interessante investigar o impacto da desnutrição e da deficiência
proteica, bem como o custo associado à desnutrição.
Similarmente, o tempo de cirurgia é considerado fator de risco para infecção periprotética,
em especial quando ultrapassa 210 minutos.[17] O tempo médio de cirurgia foi de 85 minutos no grupo Sem ATB e de 90 minutos no
grupo Com ATB; a pequena diferença pode ser explicada pelo tempo extra necessário
para misturar o cimento com o antibiótico. Mesmo assim, o tempo máximo gasto neste
grupo foi de 150 minutos, muito aquém dos 210 estabelecidos como limite na literatura.
Os cirurgiões devem considerar este aspecto no planejamento da cirurgia ou até considerar
o uso de cimento ósseo pré-misturado com antibióticos.
No que diz respeito à segurança, o uso local de antibióticos exige cautela devido
ao risco potencial de toxicidade, reações alérgicas, microrganismos resistentes e
diminuição da resistência mecânica.[18] No presente estudo, não observamos reações alérgicas locais ou sistêmicas ou eventos
adversos atribuíveis ao antibiótico. É importante notar que a escolha da vancomicina
foi baseada em recomendação da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar, devido
à maior sensibilidade da microbiota bacteriana associada às infecções pós ATJ a este
antibiótico. Apesar de a adição de > 0,5 g de Vancomicina afetar as propriedades mecânicas
do cimento ósseo, doses < 2g perdem a propriedade antimicrobiana.[28] Mais estudos devem ser realizados para determinar o efeito da vancomicina nas propriedades
mecânicas e na eluição do antibiótico no cimento ósseo DePuy-Synthes aqui utilizado.
Estes resultados não descartam a influência de outros fatores na IPA após a ATJ primária
em nossa população amostral – um centro público ortopédico terciário. Taxas de infecção
podem ser controladas por meio de medidas mais rigorosas de atendimento ao paciente,
e não há um único fator determinante para infecção periprotética, mas sim um conjunto
de fatores.[29] Desta forma, futuramente, a análise por subgrupos, como portadores de AR, obesos
e pacientes transfundidos, pode orientar a tomada de decisão do cirurgião sobre o
uso de antibióticos na ATJ primária em nossa população.
Consideramos como ponto forte do presente estudo o longo tempo de seguimento (24 meses)
sem perdas de acompanhamento. No entanto, reconhecemos como limitações a não realização
do cálculo amostral, o que impossibilitou a análise não só de subgrupos por comorbidades,
como também de outros fatores, como a realização de isquemia, transfusão e aspectos
nutricionais. São necessários estudos prospectivos adicionais, com maior tamanho amostral
brasileiro e com base nos critérios de diagnóstico de infecção mais recentes.[30] Um outro ponto a ser considerado é que não foi realizada a análise microbiológica
da prótese explantada pelo método de sonicação. Esta análise poderia aumentar a sensibilidade
do diagnóstico de infecção. Além disso, a relação custo-benefício do cimento ósseo
impregnado com antibióticos também deve ser investigada. Até onde sabemos, apenas
um estudo, incluindo 34 pacientes, avaliou o impacto econômico da infecção articular
periprotética do joelho em hospitais brasileiros. O custo adicional total foi estimado
em US$ 91.843,75[31], enquanto 2 g de Vancomicina custam cerca de BRL120 (∼ US$ 30,00) no mercado brasileiro.
Outro estudo estimou o custo do tratamento da infecção da artroplastia do quadril
em R$ 55.821,62 (∼ US$ 14.561) por paciente.[6]
Conclusão
Finalmente, o uso de cimento impregnado com antibiótico não deve ser encorajado nas
artroplastias totais primárias de joelho. Acreditamos que nossos resultados poderão
direcionar a conduta dos cirurgiões ortopédicos e contribuir com a diminuição do uso
inapropriado de antibióticos.