Palavras-chave articulação do tornozelo - artrodese - osteoartrite - procedimentos cirúrgicos minimamente
invasivos - procedimentos cirúrgicos operatórios - tornozelo
Introdução
A osteoartrite do tornozelo (OAT) primária é rara, sendo comum a forma secundária[1 ] a lesões traumáticas, Charcot, artrite reumatoide e necrose avascular.[2 ]
[3 ]
Há diversas opções de tratamento para a OAT, do manejo clínico ao cirúrgico, quando
medidas conservadoras não surtem efeito – as principais opções de tratamento cruento
incluem a artrodese e as artroplastias de substituição e de distração.[4 ]
A artrodese tem sido o procedimento de escolha, por reduzir a dor, restaurar o alinhamento
e estabilizar o segmento, preservando a marcha.
A artrodese do tornozelo pode ser realizada mediante utilização de diversos tipos
de implante e diferentes vias de acesso, utilizando ou não enxertos ou substitutos
ósseos.[2 ]
[3 ]
[4 ]
A artrodese tibiotalocalcaneana (ATTC) minimamente invasiva, mediante haste intramedular
retrógrada bloqueada (HIMRB) tem sido indicada pelas vantagens biomecânicas (carga
compartilhada, maior rigidez à flexão, compressão dinâmica e estabilidade rotacional)
e biológicas (grande área de contato ósseo, procedimento minimamente invasivo, cruentização
articular que produz “calda” osteocartilaginosa com potencial hematopoiético).[3 ]
[5 ]
O objetivo do presente estudo é relatar os casos de três portadores de OAT secundária
(três tornozelos) submetidos à ATTC minimamente invasiva, utilizando HIMRB.
Descrição Dos Casos
Três pacientes (3 tornozelos) portadores de OAT secundária, atendidos em nossa instituição,
foram tratados mediante ATTC minimamente invasiva utilizando HIMRB, após falhas nas
medidas conservadoras (casos 1 e 2) e falência de artrodese (caso 3) ([Fig. 1 ]), no ano de 2017.
Fig. 1 Aspecto radiográfico pré-operatório: caso 1 - sequela de fratura do pilão tibial
(a, b); caso 2 - instabilidade crônica do tornozelo (c, d); e caso 3 - falha na artrodese
tibiotalar (e, f).
Todos eram do sexo masculino, com entre 49 e 63 anos, com dor e limitação funcional
variável. A American Orthopaedic Foot and Ankle Society Ankle-Hindfoot Scale (AOFAS
AHS, na sigla em inglês)[6 ] era de 27 a 39 pontos ([Tabela 1 ]).
Tabela 1
Caso 1
Caso 2
Paciente 3
Gênero
Masculino
Masculino
Masculino
Idade (Anos)
49
61
63
Queixa Principal
Dor
Dor
Dor
Lado
Esquerdo
Esquerdo
Direito
Arco de Movimento
5°
25°
10°
Deformidade
Valgo
Neutro
Valgo
Diagnóstico
Sequela de fratura do pilão tibial
Instabilidade crônica do tornozelo
Falha na artrodese tibiotalar
Início de Carga (Semanas)
1
1
1
Tempo de Consolidação (Semanas)
10
6
8
AOFAS Pré-operatório
39
33
27
AOFAS Pós-operatório
68
72
86
Complicação Precoce
Não
Dor, resolvida com analgésicos
Não
Complicação Tardia
Não
Não
Dor, resolvida com analgésicos
Os pacientes foram posicionados em decúbito dorsal em mesa cirúrgica radiotransparente,
sob sedação, bloqueio e antibioticoprofilaxia, sem isquemia ou tração. As articulações
foram acessadas mediante três portais, um subtalar e dois tibiotalares (anterolateral
e anteromedial), previamente marcados sob fluoroscopia com agulha descartável 40 × 12 mm.
Foram feitas incisões de 1,0 a 1,5 cm nas marcações e dissecção romba até as cápsulas
articulares, ampliando a área de trabalho ([Fig. 2 ]). Foi introduzida uma fresa cônica motorizada de 4,3 mm para cruentização articular,
complementada com curetas e osteótomos, expondo o osso subcondral. O preparo articular
foi finalizado realizando-se perfurações com fio-K de 2,0 mm no domo talar e na superfície
articular tibial ([Fig. 2 ]). Foi realizada fixação com HIMRB, da maneira tradicional. Foram feitas suturas
de pele e curativo compressivo. Todos os procedimentos evoluíram sem intercorrências.
Fig. 2 Identificação das articulações tibiotalar e subtalar através dos respectivos portais
(a, b, c). Introduzida fresa cônica motorizada de 4,3 mm para cruentização articular
(d, e, f). Complementação da cruentização com curetas, expondo o osso subcondral (g,
h).
Alta no 1° dia pós-operatório (PO). Foi iniciada carga imediata, conforme tolerado,
utilizando órteses removíveis para deambulação. Os pontos foram retirados no 15° dia
PO.
O tratamento fisioterápico foi introduzido no internamento e seguiu ambulatorialmente,
priorizando-se o treino de marcha, ganho de força e propriocepção.
Foi feito acompanhamento clínico e radiográfico ([Fig. 3 ]) nas semanas 1, 2, 6, 12 e 24. Após evidências de consolidação, entre a 6ª e 10ª
semanas, as órteses foram retiradas ([Fig. 4 ]).
Fig. 3 Aspecto radiográfico no pós-operatório tardio dos casos 1 (a, b), 2 (c, d) e 3 (e,
f).
Fig. 4 Aspecto pós-operatório do caso 2 (a, b) e caso 3 (c, d, e, f).
Um paciente queixou-se de dor no PO imediato, resolvida com analgésicos. Ao final
do 1° ano, apenas 1 paciente apresentou dor na reabilitação, resolvida completamente
com analgésicos. Atualmente (3° ano PO) os pacientes não apresentam queixas.
Todos os pacientes voltaram às atividades sem restrições – um deles, à prática desportiva
(futebol e rapel). A AOFAS AHS[6 ] pós-operatória foi de 68 a 86 pontos ([Tabela 1 ]).
Discussão
A ATTC aberta está bem estabelecida no tratamento da OAT, independente da causa, e
constitui uma excelente alternativa no tratamento de pacientes com condições pré-operatórias
ruins (baixo estoque ósseo, desalinhamento do retropé ou histórico de múltiplos procedimentos).
Entretanto, apesar de prover ampla exposição, a ATTC aberta demanda maior permanência
e está sujeita a complicações como infecção, deiscência e pseudartrose, potencializadas
por comorbidades, frequentemente presentes nos pacientes submetidos a este procedimento.[3 ]
Em estudo com 20 pacientes submetidos à ATTC aberta com HIMRB por OAT, Charcot e deformidades,
observou-se união em 80% das articulações tibiotalares e subtalares e em 20% das tibiocalcaneanas.
A AOFAS AHS progrediu de 54.20 ± 15.71 para 76.0 ± 11.63 (p < 0.001). A permanência média foi de 6,7 dias. Houve alto índice de complicações,
principalmente infecções (35%), culminando com uma amputação abaixo do joelho.[7 ]
Rammelt et al.[8 ] avaliaram a ATTC aberta com HIMRB em 38 pacientes, por não união, OAT, deformidade,
Charcot e falha pós-artroplastia. Os autores descreveram alinhamento adequado em 92%
e fusão em 84% dos pacientes. A permanência média foi de 8,4 dias. Foi identificado
um risco de 24% para pelo menos uma complicação pós-operatória, sendo não união a
mais comum, seguida por problemas com implantes e infecção.
Em estudo retrospectivo,[9 ] 29 pacientes com deformidade foram submetidos a ATTC aberta com HIMRB, obtendo-se
fusão articular em 96,6%. Houve aumento médio da AOFAS AHS de 29,7 para 74,3 (p < 0.01).
Como complicações, três casos de stress tibial, três de neuropraxia e três de infecção.
Diante do potencial para complicações, alguns autores advogam abordagens minimamente
invasivas, dentre elas a ATTC percutânea mediante HIMRB.[3 ]
[5 ]
Biz et al.[5 ] apresentaram 28 pacientes tratados com ATTC mediante HIMRB percutânea, a maioria
por OAT pós-traumática, e observaram 100% de consolidação e 92,85% de alinhamento
plantígrado e estável. Como complicações, um caso de protrusão de parafuso e um de
retardo de consolidação, com dor associada.
Uma revisão sistemática com metanálise[2 ] incluiu 8 pacientes tratados mediante ATTC aberta e 15 por via artroscópica. Três
pacientes submetidos a ATTC aberta e quatro a artroscópica apresentavam úlcera plantar.
As taxas de fusão foram similares (75 versus 67%; p = 0.679). Complicações ocorreram em 63% das ATTC abertas (80% infecções) e em 33%
das artroscópicas (100% não união). A presença de úlcera não influenciou na gênese
de infecção nas ATTC abertas (67 versus 60%); entretanto, houve aumento significativo de não união nas artroscópicas (75
versus 18%; p = 0.039). Pacientes sem úlcera apresentaram taxa de união de 80% para ambas as metodologias.
Apresentamos três casos de OAT tratados mediante ATTC percutânea com HIMRB. O tempo
de permanência (1 dia) foi consideravelmente menor do que o da literatura para a abordagem
aberta (3 a 8 dias). O tempo de consolidação (6 a 10 semanas) foi inferior aos procedimentos
cruentos (12 semanas). A AOFAS AHS[6 ] pré-operatória de 27 a 39 evoluiu para 68 a 86, achado corroborado pela literatura
para a ATTC com HIMRB,[2 ]
[3 ]
[5 ]
[7 ]
[8 ]
[9 ]
[10 ] sendo observada apenas dor precoce (1 paciente) e dor tardia (1 paciente), após
1 ano, as quais foram resolvidas, sem outras complicações até o momento.