Palavras-chave
ombro - instabilidade articular - artroscopia - recidiva
Introdução
A cirurgia de Bankart artroscópica tem apresentado menos complicações, tempo cirúrgico
reduzido, menor morbidade e menos dor no pós-operatório quando comparada à cirurgia
aberta.[1]
[2]
[3] Entretanto, foi observada uma deterioração dos seus resultados ao longo do tempo.
Se, no seguimento curto, a recidiva oscila entre 8 e 11%, no seguimento longo ela
se encontra entre 12,5 e 35%.[4]
[5]
[6]
[7]
[8]
[9]
[10]
[11]
[12]
[13]
[14]
[15]
O propósito do presente estudo é avaliar a taxa de recidiva e os fatores predisponentes
à sua ocorrência em pacientes submetidos ao reparo artroscópico da lesão de Bankart
com seguimento mínimo de 10 anos. Secundariamente, o estudo busca identificar se houve
melhora dos escores funcionais com a cirurgia. Acreditamos que as taxas de recidiva
estão próximas de 30% e que existam fatores predisponentes à falha cirúrgica.
Materiais e Métodos
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa e não recebeu financiamento
para sua realização. Os pacientes registraram sua anuência através do termo de consentimento
livre e esclarecido.
O presente trabalho analisou de maneira retrospectiva pacientes submetidos à cirurgia
de Bankart artroscópica como forma primária de tratamento da instabilidade anterior
recidivante do ombro no período de janeiro de 1996 a novembro de 2009. As avaliações
do final do seguimento foram feitas através de nova convocação dos pacientes. Foram
incluídos pacientes com seguimento mínimo de 10 anos que apresentavam registro completo
de suas informações. Foram excluídos pacientes com rotura completa associada do manguito
rotador; aqueles que apresentavam uma perda óssea da glenóide > 25% mensurada pela
radiografia na incidência de perfil de Bernageau,[16] além daqueles que possuíam diagnóstico de instabilidade multidirecional e os impossibilitados
de completar todas as avaliações.
A mensuração da perda óssea glenoidal foi realizada através do método de perfil de
Bernageau, conforme descrito em seu trabalho, avaliando o lado acometido através da
imagem do “perfil estrito” da glenóide. Para tal, dividiu-se os 2 terços inferiores
da glenóide em 4 partes iguais e, dessa forma, foi mensurado o percentual de perda
óssea em < 25%, de 25 a 50%, de 50 a 75%; ou > 75%.[16]
Para avaliação da osteoartrose, os pacientes realizaram radiografias de ombro na incidência
anteroposterior verdadeira com o braço em rotação neutra. Os resultados foram classificados
em 3 tipos, segundo Samilson et al.:[17] leve – osteófito < 3 mm; moderado – osteófito de 3 a 7 mm e suave irregularidade
da superfície articular; grave – osteófito > 7 mm, perda do espaço articular e esclerose
óssea.
Todos os procedimentos foram realizados em decúbito lateral sob anestesia geral e
bloqueio do plexo braquial. Foram utilizados 3 portais artroscópicos (posterior, anterossuperior
e anteroinferior) e ótica de 30°. O reparo das lesões foi executado com âncoras metálicas
de 3,5 mm carregadas com fios de alta resistência.
Foram coletadas informações de prontuários como gênero, lateralidade, dominância,
prática esportiva (pré- e pós-operatória), tipo de esporte (contato ou não contato),
nível de participação (amador ou profissional), mecanismo de trauma e idade no primeiro
episódio de instabilidade. Foram também registrados o tempo transcorrido entre o primeiro
episódio de instabilidade e o tratamento cirúrgico, assim como a idade em que o procedimento
foi realizado, o número de recidivas até sua realização e o retorno à prática esportiva.
Para avaliação funcional, foram utilizados os escores de Carter-Rowe e University
of California, Los Angeles UCLA.[18]
[19] O primeiro foi avaliado de forma comparativa antes e após o procedimento cirúrgico.
O segundo foi avaliado somente no pós-operatório. Os resultados do escore UCLA foram
agrupados, sendo considerados pontuação excelente 34 e 35, bom 28 a 33, regular 21
a 27, e ruim < 20. Em relação ao escore de Carter-Rowe, foi considerado resultado
excelente quando a pontuação foi de 90 a 100, bom de 75 a 89, razoável de 51 a 74,
e ruim quando < 50 pontos.
O exame físico dos pacientes ao final do seguimento englobou a mensuração comparativa
da rotação lateral dos ombros direito e esquerdo com membro aduzido junto ao corpo
e utilização do goniômetro. Os mesmos ainda foram submetidos ao teste de apreensão
anterior, sendo considerada positividade a iminência da instabilidade articular. A
presença de dor não foi considerada positividade do teste. A análise de hiperfrouxidão
capsuloligamentar foi realizada seguindo os critérios de Beighton et al.[20] Essa condição foi definida por uma pontuação do escore ≥ 4.
Foi considerado critério de recidiva pós-operatória a ocorrência de um novo episódio
de luxação ou subluxação. Foi registrada a persistência da positividade no teste de
apreensão sem a presença de recidiva, ressaltando que positividade desse teste isolada
não foi considerada falha em nosso trabalho.
A avaliação estatística foi dividida na análise descritiva, de associação, e de regressão
logística. As análises dos dados foram realizadas no programa IBM SPSS Statistics
for Windows, versão 23.0 (IBM Corp., Armonk, NY, EUA). O teste utilizado para a análise
das associações das variáveis qualitativas foi o teste de qui-quadrado de Pearson
e o de Monte Carlo, quando necessário. Para a análise das associações das variáveis
quantitativas, foram utilizados os testes de Kruskall-Wallis e U de Mann-Whitney.
Regressão logística múltipla foi utilizada para identificar os principais fatores
de risco associados à recidiva. O nível de significância utilizado em todo o estudo
foi de 5%.
Resultados
Após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, 41 pacientes (45 ombros) totalizaram
a amostra. O tempo médio de seguimento foi de 14,89 anos (mínimo de 10 anos e máximo
de 23 anos). As variáveis qualitativas e quantitativas podem ser observadas nas [Tabelas 1] e [2]. As recidivas totalizaram 22,20% (9 luxações e 1 subluxação), sendo que em 2 destes
casos havia lesões de Bankart ósseo < 25% da glenóide, e ambas evoluíram com luxação.
Ao final do seguimento, quatro pacientes apresentavam teste de apreensão positivo.
Tabela 1
|
Variável
|
|
n
|
%
|
|
Gênero
|
Masculino
Feminino
|
34
7
|
82,92
17,07
|
|
Lateralidade
|
Direito
Esquerdo
|
23
22
|
51,11
48,89
|
|
Dominância
|
Destro
Sinistro
|
35
6
|
85,36
14,63
|
|
Hiperfrouxidão
|
Sim
Não
|
2
39
|
4,87
95,12
|
|
Prática esportiva
|
Sim
Não
|
33
8
|
80,48
19,51
|
|
Tipo de esporte
|
Contato
Não Contato
|
17
16
|
51,51
48,48
|
|
Nível da prática esportiva
|
Amador
Profissional
|
23
10
|
69,69
30,30
|
|
Mecanismo de trauma no primeiro episódio
|
Trauma
Convulsão
Outros
|
42
1
2
|
93,33
2,22
4,44
|
Tabela 2
|
Variável
|
n
|
Média
|
Desvio padrão
|
Mínimo
|
Máximo
|
|
Idade no primeiro episódio de luxação (anos)
|
45
|
28,60
|
11,35
|
12,00
|
62,00
|
|
Tempo entre primeiro episódio e cirurgia (anos)
|
45
|
3,37
|
5,32
|
0,04
|
25,00
|
|
Número de recidivas até a cirurgia
|
45
|
8,60
|
8,48
|
1,00
|
30,00
|
|
Idade no momento da cirurgia (anos)
|
45
|
31,76
|
11,10
|
18,00
|
63,00
|
|
Tempo entre cirurgia e recidiva (anos)
|
10
|
5,40
|
3,47
|
1,00
|
10,00
|
|
Idade na recidiva (anos)
|
10
|
34,20
|
9,13
|
24,00
|
49,00
|
|
Número de âncoras
|
45
|
3,13
|
0,73
|
2,00
|
5,00
|
|
Limitação de rotação lateral (graus)
|
45
|
7,38
|
8,59
|
0,00
|
30,00
|
Os resultados do escore Carter-Rowe estão evidenciados na [Tabela 3]. Houve uma melhora de 46,11 pontos em média (de 39,79 para 85,89). Ao final do seguimento,
o escore de UCLA totalizou 31,33 pontos em média. Desses, 19 pacientes apresentaram
excelentes resultados, 17 foram classificados como bons, 7 apresentaram resultados
regulares, e apenas 2 tiveram resultados ruins ([Tabela 4]).
Tabela 3
|
Carter Rowe
|
|
Pré-operatório
|
Pós-operatório
|
|
Excelente
|
1
|
34
|
|
Bom
|
1
|
2
|
|
Razoável
|
5
|
0
|
|
Ruim
|
38
|
9
|
|
Total de ombros operados
|
45
|
45
|
Tabela 4
|
Variável
|
n
|
%
|
|
UCLA categorizado
|
Ruim
|
2
|
4,44
|
|
Regular
|
7
|
15,56
|
|
Bom
|
17
|
37,78
|
|
Excelente
|
19
|
42,22
|
A artrose estava ausente em 41 ombros (91,11%) da amostra no período pré-operatório.
Já no final do seguimento, 19 ombros (42,23%) operados apresentavam artrose, sendo
16 casos (35,56%) tipo 1, 3 casos (6,67%) do tipo 2 e nenhum caso tipo 3 ([Tabela 5]).
Tabela 5
|
Variável
|
n
|
%
|
|
Samilson pré operatório
|
Ausência de artrose
|
41
|
91,11
|
|
Artrose leve
|
4
|
8,89
|
|
Samilson ao fim do seguimento
|
Ausência de artrose
|
26
|
57,78
|
|
Artrose leve
|
16
|
35,56
|
|
Artrose moderada
|
3
|
6,67
|
Ao final do seguimento, 75,56% pacientes retornaram à prática esportiva, sendo predominantemente
sem contato (61,76%) e de nível amador (52,94%).
Foi observada uma associação estatisticamente significativa entre o número de episódios
de instabilidade antes da cirurgia e falha do procedimento de Bankart (p = 0,019).
A análise de regressão logística binária múltipla demonstrou que cada recidiva da
instabilidade, no pré-operatório, está associada a um aumento na chance de falha cirúrgica
em 1,118 vezes (intervalo de confiança [IC] 95%: 1,0–1,2; p = 0,012).
Discussão
O presente estudo evidenciou 22,22% de falha do Bankart artroscópico ao final do seguimento
mínimo de 10 anos, com ocorrência em média 5,4 anos após a cirurgia. Este achado condiz
com a literatura, que demonstra taxas entre 12,5 e 35% quando avaliadas a longo prazo.[4]
[5]
[6]
[7]
[8]
[9]
[10]
[11]
[12]
[13]
[14]
[15]
A literatura evidencia que 50% das recidivas ocorrem nos primeiros 2 anos após o procedimento,
com acréscimo de 25% ao final de 5 anos.[6]
[15]
[21] Esta informação foi confirmada através de avaliação do reparo artroscópico de Bankart
com seguimento mínimo de 2 anos realizada por nosso grupo, que observou 8,9% de falhas
e apreensão residual em 2,2%,[5] sendo que outro trabalho nacional com o mesmo tempo de seguimento encontrou taxas
de 11,7 e 24,46%, respectivamente.[22] Vale ressaltar que os critérios de avaliação são divergentes e que alguns autores
consideram um teste de apreensão persistentemente positivo indicativo de recidiva.[23] Este fator não foi considerado em nosso trabalho.
Vários autores demonstraram um ganho funcional satisfatório com a realização da cirurgia
de Bankart artroscópica quando avaliada em seguimento longo. Considerando o escore
de Carter-Rowe pós-operatório, nosso estudo encontrou ao final do período de avaliação
uma média de 85,89, e este valor condiz com os resultados de outros autores, cujas
médias variaram entre 76,0 e 90,5.[7]
[8]
[13]
[24]
[25] Em relação ao escore de UCLA no final do seguimento, nosso grupo encontrou uma média
de 31.33, semelhante ao valor encontrado por Castagna et al.,[8] que obtiveram uma média de 32,1 ao final do período de avaliação.
Aboalata et al.[7] demonstraram relação direta entre as recidivas cirúrgicas e o número de episódios
de luxações pré-operatórios. Nosso trabalho confirmou essa tendência com significância
estatística e corrobora a importância de uma intervenção cirúrgica precoce. Essa proposta
visa reduzir as recidivas e consequentes perdas ósseas da glenóide, já observadas
por diversos autores como fator de influência negativa no resultado da cirurgia de
Bankart.[26]
[27]
[28] Seu impacto pode ser observado em nossos resultados que constataram luxação ao final
do seguimento nos 2 casos da amostra com Bankart ósseo.
Dos pacientes da amostra, 42,23% desenvolveram osteoartrose secundária ao reparo artroscópico
de Bankart, valor semelhante ao que foi relatado na literatura, em que as taxas variam
de 39 a 80%.[8]
[10]
[23]
[29]
[30]
No nosso entendimento, o presente estudo representa o primeiro na literatura nacional
a reportar os resultados do Bankart artroscópico com seguimento mínimo de 10 anos.
A principal limitação refere-se ao caráter retrospectivo formado por uma série de
casos compondo uma amostra pequena, tratada cirurgicamente em uma época em que os
efeitos das perdas ósseas sobre as recidivas eram subestimados e precariamente quantificadas
pelos métodos utilizados.
Conclusões
Em seguimento mínimo de 10 anos, a recidiva do procedimento de Bankart artroscópico
foi de 22,20%, sendo semelhante ao descrito na literatura. O número de recidivas pré-operatórias
foi o principal fator impactante nas falhas após a cirurgia.