Palavras-chave
hemiartroplastia - fraturas do quadril - artroplastia de quadril - prótese de quadril
Introdução
A população idosa com osteoporose apresenta uma alta incidência de falha do implante
e resultados funcionais insatisfatórios, em termos de encurtamento do membro com deformidade
rotacional externa, após osteossíntese com parafuso dinâmico para quadril ou fixação
com parafuso intramedular para quadril, no caso de fraturas intertrocantéricas instáveis.[1] Os receios de falha do implante e resultados funcionais ruins acabam restringindo
a carga, resultando em um prolongado repouso no leito e na subsequente morbimortalidade.[2]
[3] A necessidade de uma segunda cirurgia nesses casos é uma consideração importante
antes de escolher o procedimento e o implante apropriado.
A hemiartroplastia pode ser colocada como uma solução para esses problemas da osteossíntese.
Ela permite carga imediata, aliviando os temores da não consolidação ou consolidação
viciosa no sítio da fratura.[4] Poucos autores sugerem a reconstrução do calcar femoral, a fim de evitar a subsidência
precoce do implante e manter a estabilidade inicial.[5]
[6] No entanto, a reconstrução do calcar aumenta a complexidade do procedimento e, portanto,
as taxas gerais de complicações.[7]
[8] Ainda assim, a substituição do calcar é uma opção para evitar complicações como
a não consolidação do calcar, especialmente nos octogenários.[9]
Zha et al.,[10] em seu estudo retrospectivo, preconizam o uso da haste longa não cimentada de fixação
distal para diminuir as complicações cirúrgicas. No entanto, devido a osteoporose
e a canais femorais largos, há grandes chances de falha do implante com hastes não
cimentadas na população idosa.[11] Existem estudos que relataram complicações com o uso do cimento ósseo em hemiartroplastias[12]
[13]; contudo, outros estudos relataram bons resultados.[14]
[15]
Não temos conhecimento de nenhum estudo que compare os resultados do tratamento com
substituição do calcar cimentado com a hemiartroplastia de haste longa cimentada.
Nossa hipótese é que a substituição da hemiartroplastia cimentada pelo calcar estaria
associada a melhores função do quadril e qualidade de vida relacionada à saúde em
comparação com a hemiartroplastia de haste longa cimentada nos octogenários cognitivamente
intactos com fratura intertrocantérica instável.
Materiais e Métodos
Desenho do Estudo
O presente estudo de centro único, prospectivo, randomizado e controlado foi conduzido
de acordo com as diretrizes de boas práticas e a declaração Consolidated Standards
of Reporting Trials (CONSORT, na sigla em inglês).[16] Entre março de 2013 e novembro de 2018, 140 casos com fraturas femorais intertrocantéricas
instáveis (AO/OTA tipo 31-A2, A3) foram inscritos no estudo, que foi aprovado pelo
conselho de revisão institucional (AIMC/CT02092013). Foi obtido o consentimento informado
de todos os participantes do estudo.
Participantes
Todos os pacientes com fratura intertrocantérica instável foram selecionados para
participação no estudo. Os critérios de inclusão foram fraturas intertrocantéricas
instáveis do fêmur (AO/OTA tipo 31-A2, A3), idade ≥ 80 anos, deambulação independente
com ou sem o auxílio de um apoio para locomoção antes da lesão e função cognitiva
intacta, avaliada por meio do questionário do estado mental Short Portable Mental
Status Questionnaire (SPMSQ, na sigla em inglês) com pontuação de 8 a 10 pontos.[17] Foram excluídos do estudo os pacientes com fratura patológica, artrite reumatoide
no quadril envolvido, lesões politraumáticas, fraturas simultâneas das extremidades
ipsilaterais, além daqueles pacientes que se recusaram a participar e os inaptos para
a cirurgia ([Fig. 1]).
Fig. 1 Fluxograma CONSORT dos participantes do estudo. O cirurgião opta por realizar a artroplastia
total do quadril em sete casos, devido às erosões acetabulares encontradas durante
a cirurgia. Um paciente foi levado para fixação interna, devido a suspeita de infecção
do trato urinário.
Randomização e Mascaramento
Os pacientes foram randomizados em blocos, com cada bloco formado por 10 pacientes
na em proporção de 1:1, com o objetivo de serem submetidos ao procedimento cirúrgico
com substituição do calcar ou hemiartroplastia de haste femoral mais longa. Os envelopes
foram lacrados e estratificados por gênero para garantir uma distribuição semelhante
em ambos os grupos. Os pacientes foram mascarados para o tratamento, enquanto o cirurgião
e os três auxiliares de enfermagem sabiam sobre os mesmos. Os auxiliares de enfermagem
foram orientados a não revelar a alocação aos pacientes. Não houve diferença quanto
ao protocolo de cuidados pós-operatórios entre os dois grupos. Não foram mostradas
as radiografias aos pacientes, sendo os mesmos questionados se sabiam sobre o tratamento
no momento do último acompanhamento.
Coleta de Dados
Os três auxiliares de enfermagem envolvidos na pesquisa entrevistaram os pacientes,
obtendo os dados de referência para os pacientes 1 semana antes da fratura. Os pacientes
foram acompanhados durante 4 meses, 1 ano e até 2 anos. O resultado funcional foi
comunicado pelos próprios pacientes.
Técnica Cirúrgica
Hemiartroplastia de Substituição do Calcar Cimentado
O quadril acometido foi abordado posterolateralmente sob raquianestesia. Utilizamos
diferentes comprimentos de extensões de calcar, com base em cada caso, fornecendo
uma plataforma estável para o repouso da prótese do quadril. O comprimento da haste
variou de 170 a 220 mm, com incrementos de 15 mm. O trocânter maior fraturado foi
fixado com auxílio dos fios de cerclagem ou Ethibond (Ethicon, Somerville, NJ, USA)
número cinco na face lateral da haste femoral ([Fig. 2A-B]).
Fig. 2 (A-B) Imagem radiográfica demonstrando fratura intertrocantérica instável, tratada com
hemiartroplastia de substituição do calcar e trocanter maior fixado na face proximal
e lateral do fêmur.
Hemiartroplastia de Haste Longa Cimentada
A abordagem cirúrgica foi semelhante à substituição do calcar. Fragmentos fraturados
foram removidos do fêmur proximal. O canal femoral foi preparado com broca, sendo
inserida uma haste femoral modular experimental seguida de redução do quadril. O planejamento
pré-operatório ajudou na definição do comprimento adequado da haste no intraoperatório.
O cimento ósseo foi usado para reconstruir o defeito posteromedial no fêmur proximal
([Fig. 3A]). O comprimento da haste variou de 170 a 300 mm. Foi verificada a estabilidade da
prótese da articulação do quadril, posteriormente, utilizando-se uma cabeça de tamanho
adequado.
Protocolo Pós-operatório
Os pacientes foram mobilizados e autorizados a suportar o próprio peso conforme tolerado,
com o auxílio de muletas. Todos os pacientes em ambos os grupos receberam aspirina
75 mg por dia, a partir do 1° dia do pós-operatório, a qual foi continuada até a alta
hospitalar no 10° dia. A avaliação radiográfica foi realizada por um observador independente
(AK) ([Fig. 3B-C]).
Fig. 3 (A-C) Reconstrução do calcar com cimento ósseo, em caso de fratura instável tratada com
hemiartroplastia bipolar de haste longa.
Desfechos Primários
Os desfechos primários foram a função do quadril avaliada com a escala Harris Hip
Score (HHS).[18] A escala HHS é uma ferramenta validada para relatar resultados em fraturas pertrocantéricas.[19] A pontuação da escala HHS tem a seguinte classificação: < 70, insatisfatório; 70
a 79, regular; 80 a 89, bom; e 90 a 100, excelente.
Desfechos Secundários
Os desfechos secundários foram a função do quadril avaliada com o Índice de Barthel
(IB)[20] e EuroQol-5 (EQ-5D).[21] O índice de Barthel inclui 10 atividades da vida diária, como alimentação, higiene
pessoal, banho, controle do intestino e da bexiga, uso do banheiro, deambulação, deslocamento
e subir escadas, sendo que o intervalo total do IB é de zero a 20. O EQ-5D é um instrumento
genérico para medir a qualidade de vida relacionada à saúde. Outros parâmetros estudados
foram as complicações relacionadas ao quadril, dor no quadril acometido, tempo cirúrgico,
perda sanguínea intraoperatória, mortalidade e capacidade de recuperar a função de
andar prévia.
Tamanho da Amostra
O cálculo amostral foi baseado em duas variáveis, ou seja, HHS e EQ-5D. Com base em
um estudo anterior,[22] presumimos que uma diferença de 10 ± 15 (média ± desvio padrão [DP]) seria a menor
alteração clinicamente relevante na escala HHS. Portanto, para atingir um poder de
80%, um mínimo de 60 pacientes deve ser recrutado para o estudo. Este cálculo também
permitiu comprovar a não inferioridade no caso do EQ-5D, com suposição de valores
médios em 0,73 ± 0,18 (0,1 como limite de não inferioridade). O nível estatisticamente
significativo foi estabelecido em 0,025 para incluir a multiplicidade encontrada pelo
cálculo de 2 tamanhos de amostra. O estudo final incluiu 140 pacientes, com 70 pacientes
em cada grupo para compensar a deserção.
Método Estatístico
As análises dos resultados foram feitas com base no princípio da intenção de tratar
e todos os pacientes foram analisados no grupo alocado, independentemente do tratamento
administrado. Foi realizada também a análise por protocolo. O teste do qui-quadrado
foi usado para testar a correlação em dados ordinais, e o teste t de Student foi usado
para fazer a comparação entre as escalas de resultados funcionais HHS, IB e EQ-5D
nos dois grupos. A análise de covariância (ANCOVA, na sigla em inglês) dos desfechos
primários foi usada para diminuir a variância com inclusão de variáveis de exposição
e estratificação. A análise estatística foi realizada com o software IBM SPPS Statistics
for Windows versão 22 (IBM Corp., Armonk, NY, EUA).
Resultados
Um total de 432 pacientes foram selecionados para elegibilidade e 292 foram excluídos
por não atenderem aos critérios de inclusão. Foram randomizados 140 pacientes em 2
grupos, com 70 casos em cada grupo. Em um grupo, os pacientes foram tratados com hemiartroplastia
de calcar cimentada (haste de substituição de calcar [Xlo, Nova Dèli, Índia]), e no
outro grupo, os participantes foram tratados com hemiartroplastia de haste longa cimentada
(Xlo, Nova Déli, Índia).
Todos os procedimentos cirúrgicos foram realizados por um único cirurgião (DB), em
um intervalo de 4 dias após a lesão inicial, seguido do tratamento das comorbidades.
Ambos os grupos eram comparáveis em termos de idade, gênero e índice de osteoporose
definido por Singh et al.[23] ([Tabela 1]).
Tabela 1
|
Grupo A (n = 70)*
|
Grupo B (n = 70)
|
|
Idade (em anos)#
|
83 ± 3,7
|
82 ± 3,4
|
|
Gênero
|
|
Masculino
|
48
|
48
|
|
Feminino
|
12
|
12
|
|
Índice de Massa Corporal (kg/m2)#
|
21 ± 3,2
|
22 ± 2,4
|
|
Índice de osteoporose de Singh
|
2,7 ± 0,6
|
2,6 ± 0,7
|
|
Classificação funcional de Charnley (número de pacientes)
|
|
A
|
58
|
56
|
|
B
|
7
|
11
|
|
C
|
5
|
3
|
|
Classificação ASA (Número de pacientes)
|
|
1–2
|
43
|
38
|
|
3–4
|
27
|
32
|
Desfechos Primários
Na análise da intenção de tratar, as escalas de resultados funcionais (HHS, EQ-5D
e BI) deterioraram-se ao longo do tempo e não revelaram nenhuma diferença significativa
entre a substituição do calcar cimentado e a hemiartroplastia de haste longa ([Tabela 2]; [Figs. 4] e [5]). Os achados permaneceram semelhantes após a análise por protocolo ANCOVA dos desfechos.
A classificação da Associação Americana de Anestesiologistas (ASA, na sigla em inglês)
no início do estudo e uma maior capacidade de locomoção antes da lesão não afetou
o desfecho primário.
Fig. 4 Gráfico de linhas mostrando a pontuação média na escala Harris Hip Score durante
o período do estudo.
Fig. 5 Gráfico de linhas mostrando as pontuações médias do índice EQ-5D (medida de qualidade
de vida relacionada à saúde) durante o período do estudo.
Tabela 2
|
Medida de resultado
|
Intenção de Tratar
|
Por Protocolo
|
|
Hemiartroplastia de substituição do calcar (n = 70)
|
Hemiartroplastia de haste longa (n = 70)
|
Diferença média ou risco relativo (IC95%)#
|
Hemiartroplastia de substituição do calcar (n = 67)
|
Hemiartroplastia de haste longa (n = 65)
|
Diferença média ou risco relativo (IC95%)#
|
|
Harris Hip Score
|
|
Dados referenciais
|
83,4 ± 8,6[*] (n = 69)
|
82,4 ± 11.2 (n = 70)
|
1,0 (-5,7373–3,7373)
|
83,4 ± 8,6 (n = 69)
|
82,4 ± 11,2 (n = 65)
|
1,0 (-5,7373–3,7373)
|
|
4 meses
|
80,4 ± 9,4 (n = 64)
|
77,5 ± 8,1 (n = 62)
|
2,9 (7,0953–1,2953)
|
80,4 ± 9,4 (n = 64)
|
77,5 ± 8,3 (n = 58)
|
3,9 (8,0953–1,2953)
|
|
12 meses
|
78,4 ± 8,7 (n = 59)
|
75,4 ± 9,6 (n = 60)
|
3,0 (-7,3414–1,3414)
|
78,4 ± 8,7 (n = 59)
|
75,4 ± 9,6 (n = 55)
|
3,0 (-7,3414–1,3414)
|
|
24 meses
|
74,5 ± 9,6 (n = 53)
|
73,8 ± 7,8 (n = 55)
|
0,7 (-6,78–2,348)
|
74,5 ± 9,6 (n = 53)
|
73,5 ± 7,8 (n = 51)
|
1,0 (-6,78–2,348)
|
|
Índice de Barthel
|
|
Dados referenciais
|
18 (51%)
|
17 (49%)
|
1,04 (0,7888–1,3734)
|
18 (51%)
|
17 (49%)
|
1,04 (0,876–1,4573)
|
|
4 meses
|
16 (46%)
|
16 (46%)
|
0,9409 (0,6974–1,2695)
|
16 (46%)
|
14 (43%)
|
0,8409 (0,7074–1,256)
|
|
12 meses
|
15 (43%)
|
14 (41%)
|
1,0238 (0,7416–1,4134)
|
15 (44%)
|
13 (42%)
|
1,0238 (0,7416–1,4134)
|
|
24 meses
|
12 (38%)
|
13 (39%)
|
1,3214 (0,7653–1,3675)
|
12 (38%)
|
11 (36%)
|
1,1214 (0,8765–1,4675)
|
|
EQ-5D
|
|
Dados referenciais
|
0,63 ± 0,29 (n = 69)
|
0,62 ± 0,31 (n = 70)
|
0,01 (-0,18–0,02)
|
0,63 ± 0,29 (n = 69)
|
0,62 ± 0,31 (n = 65)
|
0,01 (-0,18–0,02)
|
|
4 meses
|
0,63 ± 0,27 (n = 64)
|
0,62 ± 0,25 (n = 62)
|
0,01 (-0,06–0,11)
|
0,63 ± 0,27 (n = 64)
|
0,59 ± 0,25 (n = 58)
|
0,04 (-0,08–0,12)
|
|
12 meses
|
0,61 ± 0,25 (n = 59)
|
0,63 ± 0,23 (n = 60)
|
0,02 (-0,18–0,02)
|
0,61 ± 0,25 (n = 59)
|
0,62 ± 0,23 (n = 55)
|
0,01 (-0,18–0,02)
|
|
24 meses
|
0,54 ± 0,26 (n = 53)
|
0,57 ± 0,30 (n = 55)
|
0,03 (-0,18–0,02)
|
0,54 ± 0,26 (n = 53)
|
0,56 ± 0,30 (n = 51)
|
0,02 (-0,16–0,01)
|
|
Escala de Avaliação da Dor
|
|
Dados referenciais
|
0,5 ± 1,3 (n = 69)
|
0,43 ± 1,7 (n = 70)
|
0,02 (0,4–0,6)
|
0,5 ± 1,3 (n = 69)
|
0,41 ± 1,7 (n = 65)
|
0,19 (0,3–0,6)
|
|
4 meses
|
2,1 ± 1,8 (n = 64)
|
2,0 ± 1,5 (n = 62)
|
0,1 (0,4–1)
|
2,1 ± 1,8 (n = 64)
|
2,0 ± 1,5 (n = 58)
|
0,1 (0,4–1)
|
|
12 meses
|
1,5 ± 1,6 (n = 59)
|
1,3 ± 1,2 (n = 60)
|
0,02 (0,6–0,9)
|
1,5 ± 1,6 (n = 59)
|
1,4 ± 1,2 (n = 55)
|
0,1 (0,6–0,9)
|
|
24 meses
|
1,4 ± 1,9 (n = 53)
|
1,5 ± 1,6 (n = 55)
|
0,2 (0,8–0,6)
|
1,5 ± 1,9 (n = 53)
|
1,2 ± 1,6 (n = 51)
|
0,3 (0,8–0,6)
|
|
Capacidade de deambular com o apoio
|
|
Dados referenciais
|
33 (94%)
|
32 (88%)
|
1,0682 (0,9785–1,1661)
|
31 (91%)
|
32 (88%)
|
1,2422 (0,7895–1,4325)
|
|
4 meses
|
27 (78%)
|
29 (80%)
|
0,9750 (0,8451–1,1248)
|
27 (78%)
|
29 (80%)
|
0,8897 (0,8456–1,1248)
|
|
12 meses
|
30 (85%)
|
30 (84%)
|
0,9882 (0,8776–1,1128)
|
30 (85%)
|
27 (81%)
|
0,7654 (0,8965–1,5643)
|
|
24 meses
|
28 (79%)
|
27 (78%)
|
0,8977 (0,7894–1,2314)
|
26 (74%)
|
25 (75%)
|
0,9875 (0,6754–1,3345)
|
Desfechos Secundários
Os parâmetros intraoperatórios estão listados na [Tabela 3]. Não houve diferença significativa nos escores de dor e atividades de vida diária
nos dois grupos. Ambos os parâmetros deterioraram-se com o tempo ([Tabela 2]).
Tabela 3
|
Parâmetro
|
Calcar substituído (n = 67)
|
Haste Longa (n = 65)
|
Diferença média
|
IC95%
|
valor-p
|
|
Tempo cirúrgico (minutos)
|
109 ± 20[*]
|
104 ± 23
|
- 5,000
|
-15,2166–5,2166
|
0,3323
|
|
Perda de sangue (ml)
|
730 ± 112
|
745 ± 109
|
15,000
|
-37,3229–67,3229
|
0,5692
|
|
Transfusão de sangue (unidades)
|
2,3 ± 0,6
|
2,5 ± 0,7
|
0,200
|
-0,1091–0,5091
|
0,2010
|
As complicações encontradas no pós-operatório são apresentadas na [Tabela 4]. Ocorreram dois casos de luxação do quadril na hemiartroplastia de substituição
do calcar no grupo A. Um paciente apresentou luxação sentado no leito, enquanto outro
havia caído no banheiro. Em ambos os casos, a luxação foi relatada após a alta hospitalar.
A luxação protética do quadril foi reduzida mediante a técnica de redução aberta em
ambos os casos. Foi recomendado o uso do aparelho de abdução do quadril durante 6
semanas. Posteriormente, não houve a ocorrência de novos eventos.
Tabela 4
|
Grupo substituição do calcar (n = 67)
|
Grupo haste longa (n = 65)
|
|
Pós-operatório Imediato
|
|
a. Eventos cardiovasculares
|
4
|
2
|
|
b. Infecção do trato urinário
|
2
|
0
|
|
c. Complicações neurológicas
|
0
|
1
|
|
d. Trombose venosa profunda
|
1
|
0
|
|
e. Complicações respiratórias
|
2
|
3
|
|
f. Infecção superficial
|
3
|
4
|
|
g. Infecção profunda
|
1
|
0
|
|
h. Mortalidade no hospital
|
1
|
0
|
|
i. Lesão no nervo
|
0
|
1
|
|
Complicções pós-operatórias tardias
|
|
a. Mortalidade em um ano
|
3
|
2
|
|
b. Mortalidade após um ano
|
8
|
6
|
|
b. Luxação
|
2
|
0
|
|
b. Pseudoartrose trocantérica
|
0
|
2
|
Dois pacientes apresentaram pseudoartrose trocantérica no grupo B ([Fig. 6]); um deles fez um movimento abrupto sintomático. O paciente do movimento abrupto
sintomático recusou qualquer intervenção adicional. Três pacientes do grupo A e quatro
pacientes do grupo B tiveram infecção superficial, a qual foi tratada com antibiótico
e curativo padrão ([Fig. 7]). Um paciente do grupo A desenvolveu infecção profunda; neste caso, foi realizado
o desbridamento, porém nenhum organismo foi observado no laudo de sensibilidade da
cultura. O paciente desenvolveu secreção nasal após 3 semanas de desbridamento. Ele
foi aconselhado a repetir o desbridamento com remoção da prótese, mas recusou qualquer
intervenção adicional em nossa instituição.
Fig. 6 Imagem radiográfica mostrando pseudoartrose trocantérica.
Fig. 7 Imagem clínica mostrando a formação de bolha em caso de infecção superficial tratada
com desbridamento.
O Êxito do Mascaramento
O êxito do mascaramento foi testado nos 105 pacientes disponíveis no momento do último
acompanhamento, ou seja, 2 anos após a intervenção cirúrgica. Um total de 28 pacientes
identificou corretamente sua alocação, 24 não acertaram ao tentar adivinhar, e 53
não sabiam sobre a alocação ([Tabela 5]). No teste de mascaramento, a diferença não foi significativa nos dois grupos (p = 0,63). Além disso, a diferença nos resultados não foi estatisticamente significativa
entre os pacientes que adivinharam corretamente a alocação e os que não o fizeram
([Fig. 8]).
Fig. 8 Teste de mascaramento no último acompanhamento.
Tabela 5
|
Número real de pacientes submetidos à alocação
|
|
Hemiartroplastia do calcar substituído (n = 48)
|
Hemiartroplastia de haste longa (n = 57)
|
|
Em qual você foi alocado?
|
|
|
Hemiartroplastia de substituição do calcar
|
12 (25%)
|
16 (28%)
|
|
Hemiartroplastia de haste longa
|
13 (27%)
|
11 (19%)
|
|
Não sabem
|
23 (48%)
|
30 (53%)
|
Pacientes que Recusaram a Participação
Houve 89 pacientes que recusaram a participação no estudo, sendo semelhantes em termos
de gênero (p = 0,56), idade (p = 0,53) e classificação ASA (0,23).
Discussão
As fraturas de quadril estão entre as causas mais frequentes de morbimortalidade na
população idosa.[24] As fraturas intertrocantéricas são responsáveis por 50% de todas as fraturas de
quadril. A maioria dessas fraturas é instável com perda do apoio posteromedial e fragmento
do trocanter menor deslocado.[25] Embora as técnicas cirúrgicas e o atendimento ao paciente tenham melhorado muito
nos últimos anos, o tratamento ideal para as fraturas intertrocantéricas ainda está
em debate.[25]
Atualmente, as opções de tratamento para a fratura intertrocantérica instável são
a fixação interna ou a hemiartroplastia com hastes cimentadas ou não. Foram relatadas
altas taxas de consolidação com a fixação interna de fraturas intertrocantéricas estáveis;
porém, taxas de falha de até 55% foram registradas em pacientes com fraturas osteoporóticas
instáveis.[26] A baixa qualidade óssea na população idosa não fornece um apoio firme, em muitos
casos levando à falha em termos de “cut-out” do parafuso, colapso em varo e retroversão
da cabeça femoral.[27]
A hemiartroplastia bipolar é proposta como modalidade de tratamento para o manejo
das fraturas intertrocantéricas instáveis, devido às suas vantagens como mobilização
precoce, bons resultados funcionais e menores taxas de falha do implante. Embora as
hastes femorais não cimentadas tenham menos chances de ocorrência da síndrome da implantação
óssea do cimento, há sempre o risco de afrouxamento da haste femoral, com taxas alcançando
até 18%.[28] Cobden et al.[28] relataram uma taxa maior de afrouxamento da haste femoral, especialmente na população
idosa.
Socci et al.[1] relataram em seu estudo resultados variando de bons a excelentes em ∼ 80% dos pacientes
usando a escala HHS, não ocorrendo nenhum caso de luxação ou afrouxamento. Zha et
al.,[10] em seu estudo com pacientes > 75 anos tratados com hemiartroplastia, relataram bons
resultados em 83% dos indivíduos. Muitos autores acreditam que após a cirurgia seguinte,
o paciente deva ser mobilizado o mais precocemente possível para evitar complicações
e reduzir a mortalidade.[3]
[27] Nossos pacientes puderam suportar o peso já no 1° dia após a cirurgia com o uso
de um andador. Nosso estudo demonstrou que os pacientes idosos com fraturas intertrocantéricas
instáveis tratados com substituição de calcar cimentada ou hemiartroplastia de haste
longa apresentaram resultados clínicos satisfatórios. O custo dos implantes usados
em nosso estudo é semelhante, porém oneroso, em relação àqueles usados no tratamento
da fratura. No entanto, esse aumento no custo do implante deve ser levado em conta
em relação ao custo da falha do implante e das consequentes cirurgias necessárias.
Com o objetivo de obter uma boa estabilidade do implante, poucos autores sugeriram
a reconstrução do calcar femoral,[29]
[30]
[31] enquanto outros consideram que a substituição do calcar por prótese aumenta o déficit
da parte medial proximal do fêmur. Para reconstruir o calcar femoral, seria necessária
uma exposição adicional da ferida para a fixação do fragmento trocantérico menor.
A técnica de remoção e reconstrução extensiva do tecido mole provavelmente resultará
em um tempo cirúrgico mais longo, aumentando a perda de sangue em pacientes já com
problemas cardiovasculares. Abdelkhalek et al.[32] relataram um tempo cirúrgico médio de 140 minutos utilizando a hemiartroplastia
cimentada com reconstrução do calcar femoral em pacientes idosos. Em contraste, foi
observado em nosso estudo um tempo cirúrgico menor, de 109 ± 20 minutos na substituição
do calcar e de 104 ± 23 minutos no grupo da haste longa. No entanto, há um grande
número de casos de dismetria dos membros observados com o uso de prótese de substituição
de calcar em vez da reconstrução de calcar. Knutson et al.[33] relataram que a discrepância de comprimento do membro inferior, < 1 cm, não leva
a nenhuma deficiência funcional importante. Em nosso estudo, a discrepância de comprimento
do membro ficou entre 4 e 8 mm, de modo que os pacientes apresentaram bons resultados
funcionais.
Pontos Fortes do Estudo
Os pontos fortes do presente estudo foram a natureza prospectiva, o mascaramento e
a randomização. A inclusão do tratamento por intenção, as análises por protocolo,
a randomização estratificada por gênero para alcançar uma distribuição igualitária
em ambos os grupos, a adesão a hipóteses predefinidas e a avaliação das medidas de
resultados também são pontos fortes. A inclusão bem-sucedida do mascaramento e a análise
dos pacientes que se recusaram a participar do estudo contribuíram para o fortalecimento
do estudo. Até onde sabemos, este é o primeiro ensaio clínico randomizado (ECR) comparando
a substituição do calcar pela hemiartroplastia de haste longa.
No entanto, o presente estudo apresentou poucas limitações. Em primeiro lugar, ele
não incluiu um grande número de pacientes. Em segundo, o acompanhamento dos pacientes
foi relativamente curto; portanto, as complicações de longo prazo, como erosão acetabular,
falha da haste, luxação tardia ou infecção não puderam ser informadas. Um acompanhamento
de longo prazo é, no entanto, difícil devido à idade senil típica dos pacientes e
a relevância clínica questionável, em vista da expectativa de vida restante. Terceiro,
os casos que exigiram a fixação do trocanter maior podem apresentar um resultado diferente
em comparação com aqueles com trocanter maior intacto.
Conclusão
Com o aumento crescente da população geriátrica em todo o mundo, a escolha de um implante
com resultados melhores e de longo prazo estão em destaque. Nosso estudo não encontrou
nenhuma diferença significativa entre os dois grupos em termos de resultado funcional
e de taxa de complicações. Estudos de longo prazo podem ser necessários a fim de identificar
qualquer vantagem a longo prazo da substituição do calcar em relação à hemiartroplastia
de haste longa. Assim, os cirurgiões poderão optar pela substituição do calcar ou
pela hemiartroplastia de haste longa no tratamento das fraturas intertrocantéricas
instáveis na população idosa.