Palavras-chave lesões do ligamento cruzado anterior - reconstrução do ligamento cruzado anterior
- reabilitação
Introdução
Lesões no joelho são problemas musculoesqueléticos comuns em todo o mundo, com uma
prevalência de até 35 casos a cada 100 mil pacientes.[1 ] Em qualquer caso de traumatismo em uma articulação do joelho, o ligamento cruzado
anterior (LCA) é o mais comumente lesado.[2 ] Anualmente, cerca de 200 mil cirurgias de reconstrução do LCA (R-LCA) são realizadas
nos Estados Unidos.[3 ]
[4 ] Na Índia, a R-LCA geralmente é feita com autoenxertos do tendão isquiotibial (semitendinoso
e gracilis ) ou de osso-tendão patelar-osso (OTPO). O primeiro é mais comumente utilizado do
que o OTPO devido à facilidade de coleta e menor morbidade do sítio doador.[5 ] A reabilitação pós-operatória após a R-LCA é uma parte essencial do manejo para
se alcançar um resultado bem-sucedido.[6 ] Diferentes cirurgiões seguem protocolos diferentes, e falta um consenso.[7 ] Mas, de modo geral, esses protocolos podem ser divididos em reabilitação acelerada
precoce (RAP) ou uma reabilitação conservadora retardada (RCR). Alguns estudos publicados
na literatura ocidental sugerem que não há diferenças funcionais entre eles, ao passo
que outros estudos defendem o protocolo de RCR.[8 ]
[9 ]
O objetivo deste estudo foi comparar a eficácia dos protocolos de RAP e de RCR para
que pacientes submetidos a R-LCA com enxerto autólogo de isquiotibiais em nosso hospital
de atenção terciária alcancem desfechos ideais.
Material e Métodos
Desenho do estudo
Este estudo randomizado, simples-cego, com dois braços paralelos foi realizado em
nosso hospital de atenção terciária de abril de 2019 a abril de 2020. O comitê de
ética institucional (T/IM-NF/T&EM/18/45) aprovou o estudo, que foi incluído no registro
de ensaios clínicos da Índia (CTRI/2019/02/017726) antes do recrutamento de pacientes.
População do Estudos
Foram incluídos pacientes adultos com idades entre 18 e 60 anos internados para serem
submetidos a R-LCA. Foram excluídos os pacientes com lesão no menisco, lesão multiligamentar,
ou lesões associadas na coluna, no quadril ou no tornozelo, assim como lesões bilaterais
do membro. Da mesma forma, também foram excluídos pacientes em que os cirurgiões não
conseguiram coletar um enxerto de isquiotibial (mínimo de 9 mm de largura), ou qualquer
outro enxerto (fibular, OTPO). Pacientes com alterações osteoartríticas em radiografia
também não foram excluídos.
Ocultação de randomização e de alocação
Após o cumprimento dos critérios de elegibilidade, os pacientes incluídos foram randomizados
em dois grupos por sequência gerada por computador usando um programa randomizador
na internet. Um coordenador independente (NS) ocultou os números de alocação em envelopes
lacrados. As características de referência dos pacientes foram tomadas após a alocação
para um grupo. O estatístico independente (CRM) que fez a análise foi cegado neste
estudo.
Tamanho da amostra
Com base num estudo anterior de Christensen et al.[10 ] (2013), calculamos o tamanho amostral de 39 sujeitos para cada grupo, e adotamos
um nível de significância de 5% (erro alfa), com uma probabilidade de 90% de alcançar
significância estatística (poder).
Técnica Cirúrgica
Dois cirurgiões (SKP ou BPP) operaram todos os pacientes incluídos. Após a abertura
de portais artroscópicos padrão, foram realizados exames artroscópicos em todos os
casos para confirmar o diagnóstico. Em todos os casos, utilizou-se enxertos autólogos
duplos do semitendinoso e do gracilis. Dependendo do diâmetro do enxerto coletado,
os túneis ósseos foram preparados utilizando gabaritos padrão. O lado femoral do enxerto
foi fixado com o dispositivo de fixação ajustável de titânio Endobutton (Smith & Nephew,
Londres, Reino Unido) por meio da técnica transportal. Um parafuso de interferência
absorvível (BioScrew, Linvatec Corp., Largo, FL, Estados Unidos) que media 1mm a mais
do que o diâmetro do túnel foi usado como dispositivo de fixação no lado tibial. Quaisquer
lesões de menisco ou condrais associadas foram tratadas adequadamente, mas esses casos
foram excluído do estudo. Após lavagem minuciosa da articulação do joelho, a ferida
foi fechada, e uma joelheira ortopédica articulada foi aplicada. Após a R-LCA, todos
os pacientes foram mandados para reabilitação conforme o grupo em que foram alocados.
Grupo RAP – Os pacientes fizeram exercícios de amplitude de movimento (ADM) em cadeia cinética
fechada (CCF), e foram submetidos a mobilização com carga completa com a joelheira
ortopédica articulada a partir do primeiro dia de pós-operatório, de acordo com a
tolerância, e, depois, exercícios de ADM em cadeia cinética aberta (CCA) e caminhada
com carga total sem joelheira após duas semanas. Em duas a dez semanas, os pacientes
geralmente seguiram um protocolo domiciliar ([Fig. 1 ]). Após dez semanas, ambos os grupos seguiram o mesmo protocolo de reabilitação.
Fig. 1 Fluxograma dos protocolos seguidos por cada grupo de estudo.
Grupo RCR – Os pacientes mantiveram a perna em uma joelheira ortopédica articulada e mobilização
sem peso durante as duas primeiras semanas. Isso foi seguido de exercício de ADM em
CCF com carga completa com a joelheira ortopédica articulada por até seis semanas;
Exercícios de ADM em CCA e mobilização com carga total sem joelheira foram iniciados
somente após seis semanas. De acordo com o cronograma do protocolo domiciliar ([Fig. 1 ]), após dez semanas, ambos os grupos seguiram o mesmo protocolo de reabilitação.
10 a 14 semanas: exercícios do estágio III
Corrida lenta para frente e para trás;
Afundos e agachamentos;
Placa deslizante;
Subidas em escada;
Programa aquático;
Quadríceps isocinético progressivo;
Fortalecimento progressivo do tendão.
14 a 18 semanas: Exercício estágio IV
18 a 24 semanas: exercícios do estágio V
Treinamento de agilidade;
corrida em forma de oito;
Exercícios de repetição específicos de esportes, como em forma de oito e carioca,
sob a supervisão de um fisioterapeuta;
Continuar com a boa forma física total do corpo.
24 semanas em diante: retorno aos esportes
Medidas de desfecho
As visitas de acompanhamento de todos os pacientes foram feitas em duas semanas, seis
semanas, seis meses e um ano do pós-operatório. A remoção dos pontos foi feita na
visita de duas semanas. Para realizar a análise estatística, medimos os desfechos
dos dois grupos na visita de seguimento de um ano. O desfecho funcional foi averiguado
por meio da escala do International Knee Documentation Committee (IKDC), e por avaliações
da ADM e da frouxidão da articulação do joelho; a dor pós-operatória foi avaliada
por meio da escala visual analógica (EVAV).
A pontuação na escala do IKDC é obtida adicionando-se as pontuações nos itens individuais
e convertendo o número bruto em um número dimensionado que varia de 0 a 100. A pontuação
final é avaliada como uma medida do estado funcional, e pontuações mais altas representam
um nível funcional mais alto. Pontuações < 2 na EVA foram classificadas como dor leve;
de 2 a 4, dor moderada; e > 4, dor grave. A frouxidão foi medida utilizando um artrômetro
(KT1000, Medmetric Corp., San Diego, CA, Estados Unidos) e depois, comparada com o
joelho oposto normal. Translação tibial anterior de 0 a 2 mm é considerada ausência
de frouxidão; de 3 mm a 5 mm, frouxidão de grau I; de 6 mm a 10 mm, grau II; e > 10 mm,
frouxidão de grau III. A ADM do joelho < 90° foi considerada baixa; de 90° a 120°
graus, moderada; e > 120°, boa.
Análise Estatística
Um estatístico independente (CRM) fez a análise estatística usando o programa R (R
Foundation for Statistical Computing, Viena. Áustria), versão 3.6.1. As variáveis
categóricas foram expressas como percentuais, e as numéricas (não paramétricas), como
medianas com intervalos interquartil (IIQs). O teste do qui-quadrado foi utilizado
para análise bivariada entre as variáveis categóricas, ao passo que o teste da soma
dos postos de Wilcoxon (não paramétrico) foi utilizado para as variáveis categóricas
e numéricas.
Resultados
Foram selecionados 87 indivíduos, dos quais 1 não deu consentimento, e foi excluído.
Os 86 sujeitos restantes foram divididos em 2 grupos (de 43 cada). Um paciente do
grupo RAP foi perdido durante o seguimento, e dois pacientes tiveram ruptura de menisco
associada; eles foram excluídos. Três pacientes do grupo RCR também tiveram ruptura
de menisco associada, e, do mesmo modo, foram excluídos. Assim, foram analisados 80
pacientes (40 pacientes em cada grupo), como mostra a [Figura 2 ].
Fig. 2 Diagrama de fluxo do Consolidated Standards of Reporting Trials (CONSORT) que mostra
a randomização e a alocação dos grupos.
As características de referência dos participantes do estudo são comparáveis, como
mostram as [Tabelas 1 ] e [2 ]. Observou-se uma melhora notável na pontuação da escala do IKDC em comparação com
os valores pré-operatórios em ambos os grupos. No seguimento em um ano, a ADM e as
pontuações na EVA e na escala do IKDC em ambos os grupos foram comparáveis, mas isso
não foi estatisticamente significativo, como mostram a [Figura 3 ] e a [Tabela 3 ] (p = 0,36; 0,51; e 0,91, respectivamente). A frouxidão pós-operatória em um ano foi
maior no grupo RAP em comparação com o grupo RCR (p = 0,039; [Tabela 3 ] e [Fig. 4 ]).
Fig. 3 Diagrama de barra que mostra a amplitude de movimento pós-operatória dos grupos.
Fig. 4 Diagrama de barra que mostra a frouxidão pós-operatória dos grupos.
Tabela 1
Características
Reabilitação precoce
(n = 40)
Reabilitação retardada
(n = 40)
Valor de p
Idade em anos:
mediana (IIQ) [variação]
34 (28–39) [18–60]
33 (26–38) [18–60]
0,66
Gênero masculino: média (%)
37 (92,5%)
36 (90%)
0,99
Altura em cm:
mediana (IIQ) [variação]
165,3 (159,1–172) [152–179,2]
164,8 (158,4–171,8) [151,9–179]
0,57
Peso em Kg:
mediana (IIQ) [variação]
65 (58–70) [54,4–82]
65,6 (60,1–72,2) [53,4–82,6]
0,76
IMC em Kg/m2 :
mediana (IIQ) [variação]
24 (22–27) [16–38]
26 (22,6-27,4) [15,8–29]
0,43
Tabela 2
Variáveis
Reabilitação precoce
(n = 40)
Reabilitação retardada
(n = 40)
Valor de p
Pontuação na escala do IKDC: mediana (IIQ)
49 (45–52,1)
48,2 (44,8–52,1)
0,75
Pontuação na Escala Visual Analógica: média (%)
0,78
Leve
34 (85%)
32 (80%)
Moderada
6 (15%)
8 (20%)
Grave
0
0
Amplitude de movimento: média (%)
0,216
< 90° (baixa)
0
0
90°-120° (média)
8 (20%)
15 (37,5%)
> 120° (boa)
32 (80%)
25 (62,5%)
Tabela 3
Variáveis
Reabilitação precoce
(n = 40)
Reabilitação retardada
(n = 40)
Valor de p
Pontuação na escala do IKDC: mediana (IIQ)
89,5 (85,2–92,1)
89,6 (85,4–92,5)
0,91
Pontuação na Escala Visual Analógica: média (%)
0,51
Leve
38 (95%)
38 (95%)
Moderada
1 (2,5%)
2 (5%)
Grave
1 (2,5%)
0
Amplitude de movimento: média (%)
0,36
< 90° (baixa)
4 (10%)
5 (12,5%)
90°-120° (média)
7 (17,5%)
13 (32,5%)
> 120° (boa)
29 (72,5%)
22 (55%)
Pontuação de frouxidão: média (%)
0,039*
Sem frouxidão
27 (67,5%)
37 (92,5%)
Grau 1
10 (25%)
3 (7,5%)
Grau 2
2 (5%)
0
Grau 3
1 (2,5%)
0
Houve três casos de infecção superficial de feridas em nossa série, um no grupo RAP
e dois no grupo RCR. Todos responderam ao debridamento e curativos em série. Não houve
casos de infecção profunda em nossa série.
Discussão
No pós-operatório em um ano, a frouxidão do joelho foi significativamente maior no
grupo RAP do que no RCR, mesmo que a dor, a ADM e o desfecho funcional tenham permanecido
os mesmos.
Christensen et al.[10 ] não encontraram nenhuma diferença quanto à pontuação subjetiva da escala do IKDC,
à frouxidão do joelho e à ADM entre seus dois grupos de estudo. O objetivo essencial
do programa de reabilitação após a R-LCA deve ser restaurar toda a ADM do joelho.[11 ] Embora haja estudos suficientes publicados na literatura para que se chegue à conclusão
de que a recuperação precoce da ADM é necessária para que se alcancem desfechos melhores
após a R-LCA, ainda não se pode concluir que um protocolo de reabilitação acelerado
contribui para que isso seja alcançado mais rapidamente.[12 ] No entanto, o presente estudo demonstra que há um maior risco potencial de frouxidão
residual com o protocolo de RAP. Alguns autores[13 ]
[14 ] mencionaram um aumento do diâmetro do túnel ósseo após o protocolo de RAP com enxerto
do semitendinoso, mas sem qualquer evidência conclusiva sobre os desfechos anteroposterior
e subjetivo.
De modo similar, Beynnon et al.[15 ] concluíram que não há qualquer diferença significativa entre ambos os protocolos
em termos de força muscular e frouxidão do joelho. Em contraste, registramos uma frouxidão
anteroposterior substancial no pós-operatório em um ano no grupo RAP. A osseointegração
ocorre inicialmente com tecido de interface fibrovascular entre osso e tendão e, posteriormente,
o crescimento ósseo leva em torno de três a seis semanas.[16 ] Isso pode ser afetado por exercícios em CCA, se forem iniciados cedo. Além disso,
atividades como agachamento e se sentar de pernas cruzadas podem provocar distensão
do LCA recém-reconstruído. Escamilla et al.[17 ] descobriram que, no início do agachamento entre 0° e 60°, as forças de cisalhamento
eram baixas e restritas principalmente pelo LCA. Com flexão quase máxima do joelho,
as forças de cisalhamento também atingem o pico, exercendo muita tensão sobre o LCA
novo.[17 ]
Andersson et al.[18 ] fizeram uma revisão sistemática de quatro estudos randomizados. Eles descobriram
que, na R-LCA com enxerto OTPO, os exercícios em CCF resultam em menos dor, risco
menor de aumento da frouxidão, e melhor função autorrelatada do joelho do que exercícios
de quadríceps em CCA. Em contraste, um estudo recente[19 ] não encontrou diferença entre os grupos. Glass et al.[20 ] também aconselharam a não fazer exercícios em CCA nas primeiras seis semanas. Todos
esses estudos envolviam enxertos OTPO. Heijne et al.[21 ] compararam os enxertos OTPO e isquiotibiais em exercícios em CCA precoces (4 semanas)
e tardios (12 semanas), e observaram maior frouxidão no grupo de tendão isquiotibial.
No presente estudo, os pacientes do grupo RCR fizeram exercícios em CCA retardados
(após seis semanas), e tiveram desfechos melhores em termos de frouxidão. Van Grinsven
et al.[22 ] fizeram uma revisão sistêmica e descobriram que um protocolo acelerado sem joelheira
no pós-operatório não acarreta problemas de estabilidade, e oferece as vantagens de
redução da dor, do inchaço e da inflamação, além de recuperação da ADM. Morrissey
et al.[23 ] não observaram diferenças nas pontuações de dor na EVA dos grupos CCA e CCF. No
presente estudo, as pontuações na EVA foram menores no grupo RAP, que fez exercícios
em CCF, tanto em 3 quanto em 6 meses de pós-operatório. Kruse et al.[24 ] afirmaram novas investigações devem ser feitas para que se tirem conclusões sobre
o protocolo de reabilitação.
Tyler et al.[25 ] compararam a aplicação de cargas conforme a tolerância com um retraso de duas semanas.
Eles encontraram uma diferença estatisticamente significativa na dor na região anterior
do joelho no grupo do retraso, e concluíram que a aplicação precoce de cargas não
resultou em efeitos prejudiciais para a estabilidade ou função do peso precoce. Schenck
et al.[26 ] compararam protocolos de reabilitação ambulatorial e domiciliar e descobriram que
supervisão mínima durante a reabilitação pode ter resultados equivalentes após a R-LCA.
Distribuímos aos nossos pacientes folhetos explicando os exercícios, e os deixamos
livres para perguntar sobre quaisquer dificuldades que eles tivessem em qualquer dia
além daqueles das visitas de seguimento.
No presente estudo, a mediana da pontuação na escala do IKDC foi semelhante, de 89,5
em ambos os grupos após um ano, o que corrobora o estudo de Grindem et al.,[27 ] que constataram pontuações de 89/100 em dois anos de pós-operatório. No entanto,
Hopper et al.[28 ] descobriram que as pontuações relativas ao joelho continuam a melhorar até seis
anos após a cirurgia e somente atingem aproximadamente 86% de seu valor depois de
um ano.
O ponto forte deste estudo é se trata do primeiro desse tipo com a população indiana.
A limitação do estudo foi o seguimento curto, de um ano. Portanto, um estudo maior,
multicêntrico, e de maior duração em nossa população pode ajudar a validar nossos
achados.
Conclusão
O protocolo de RAP resulta em ADM, pontuações na escala do IKDC e alívio da dor pós-operatória
similares em comparação com o protocolo de RCR. No entanto, no seguimento em um verificou-se
frouxidão do joelho significativamente maior no grupo de RAP.