Palavras-chave
neoplasias de tecidos moles - nervo ciático - tumor fibroso solitário pleural
Introdução
Os tumores fibrosos solitários (TFSs) são tumores raros de crescimento lento e de
origem mesenquimatosa que correspondem a < 2% de todos os tumores de tecidos moles.
Os TFSs podem surgir em praticamente todo o corpo, embora sejam mais frequentes em
localização intratorácica.[1] Tumores fibrosos solitários em localização extrapleural são mais comuns a nível
intra-abdominal, podendo ser intraperitoneais, retroperitoneais ou pélvicos.[2] Do ponto de vista clínico, estes tumores são normalmente assintomáticos até atingirem
tamanho suficiente para originar sintomas compressivos – as dimensões são extremamente
variáveis dependendo da localização da massa tumoral, podendo medir entre 1 e 40 cm.[1]
[2]
[3] No presente artigo, é apresentado um relato de caso de uma paciente com um TFS em
localização rara, a chanfradura ciática, com sintomatologia de compressão do nervo
ciático.
Relato de Caso
Paciente do sexo feminino, 41 anos, sem antecedentes de relevo, referenciada para
a equipe de bacia do departamento de ortopedia por um achado incidental em TAC pélvica,
realizada para estudo de dor abdominal. Durante o acompanhamento inicial, a doente
resolveu as queixas abdominais, mas desenvolveu dor tipo ciática, com irradiação para
o membro inferior direito, com qualidade neuropática (dor tipo choque elétrico) e
que não resolvia com medicação. Meios complementares de diagnóstico caracterizam a
presença de uma massa tumoral extra-abdominal, extraperitoneal, localizada na chanfradura
ciática direita, com provável compressão do nervo ciático. Biópsia guiada por TAC
descreve a lesão como um tumor fibroso solitário extrapleural. A paciente foi proposta
para excisão da lesão tumoral, tendo sido operada sem intercorrências – com remoção
completa de uma massa sólida ([Figs. 1], [2] e [3]). O exame anatomopatológico foi consistente com o diagnóstico previamente estabelecido
e confirmou margens livres. Após a cirurgia, houve resolução completa dos sintomas
de compressão do nervo ciático e a paciente recebeu alta clínica do departamento da
ortopedia.
Fig. 1 Com apoio de fluoroscopia, e tendo por base a TAC abdominopélvica, foi marcada a
chanfradura do ciático, a localização do tumor e a linha de incisão.
Fig. 2 Foi realizada uma abordagem posterior da chanfradura ciática. Uma vez identificado
o músculo piriforme, identificou-se a massa tumoral e efetuou-se a sua excisão.
Fig. 3 Tumor excisado.
Discussão
Os TFSs são lesões tumorais raras. Dado que muitas vezes são assintomáticos, são comumente
diagnosticados de forma acidental. A localização variável também se traduz em tamanhos
diversos no momento do diagnóstico, em função do efeito de massa necessário para causar
sintomatologia.[1] TAC contrastada habitualmente demonstra um tumor bem delimitado, hipervascularizado
e frequentemente lobulado, com áreas de necrose.[4] Idealmente, uma biópsia é realizada com o intuito de diagnosticar e classificar
a malignidade da lesão, uma vez que os diagnósticos diferenciais são inúmeros.[1] Dada a raridade deste tipo de tumor, não existem diretrizes baseadas em ensaios
randomizados clínicos. Como resultado, atualmente é aceita uma abordagem multidisciplinar
semelhante à realizada para o tratamento de sarcomas de tecidos moles. Uma vez diagnosticado
o TFS, o tratamento consensual é exérese cirúrgica da lesão com margens livres.[1]
[2]
[3]
[4] O planeamento cirúrgico tem de ser feito caso a caso, dada a elevada variabilidade
de localizações das lesões. Neste caso clínico, a equipe de cirurgiões optou por uma
abordagem posterior da chanfradura ciática. Utilizando a TAC como referência, foi
marcado o local da incisão com apoio de fluoroscopia ([Fig. 1]). Seguindo uma abordagem posterior modificada da articulação sacroilíaca direita
(incisão mais distal), o músculo piriforme foi identificado ([Fig. 2]) e a massa tumoral foi encontrada imediatamente adjacente, sendo facilmente palpável.
A excisão foi realizada sem intercorrências ([Fig. 3]), confirmando-se a presença de margens livres no exame anatomopatológico. O comportamento
deste tipo de tumor é geralmente benigno, mas potencialmente agressivo a nível local.
Contudo, uma fração destes pacientes tem TFS com comportamento maligno – sendo este
desenvolvimento difícil de prever.[5]
[6] A obtenção de margens livres na excisão cirúrgica é importante para prevenir recorrência
e melhorar o prognóstico. Uma pequena série de casos estudos a longo prazo demonstrou
níveis de recorrência local de 8%, mas os níveis reais de recorrência provavelmente
são mais elevados.[4]
[7] Em tumores com comportamento maligno, contudo, a resposta é muito menos duradoura,
com recorrência em até 63% casos apesar de uma resseção completa da lesão.[4] Várias variáveis foram descritas para tentar identificar o comportamento maligno
tumoral ([Tabela 1]).[1] Ainda assim, o prognóstico geral dos TFSs é significativamente superior ao de muitas
outras neoplasias de tecidos moles, com taxa de sobrevivência de 59 a 100% aos 5 anos,
e de 40 a 89% aos 10 anos.[4]
[8] Um dos maiores estudos sobre os TFS reporta taxas de sobrevivência de 89% aos 5
anos e de 73% aos 10 anos.[3] Por este motivo, o acompanhamento está recomendado após a resseção de TFSs, apesar
de não haver diretrizes estabelecidas. A presença de características de malignidade
dita um acompanhamento mais apertado ([Tabela 1]).[1]
Tabela 1
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Estudo
|
Características do tumor
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Gold et al.[2]
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Tumor recorrente
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Margens macro ou microscopicamente positivas do tumor excisado
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Tamanho > 10 cm
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> 4 mitoses/10 campos de grande ampliação (HPF)*
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Pleomorfismo nuclear aumentado
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Celularidade aumentada
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Presença de componentes malignos
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Demicco et al.[3]
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Idade > 55 anos
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Tamanho > 15 cm
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≥ 4 mitoses/10 campos de grande ampliação (HPF)*
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Necrose tumoral
|
Os TFSs são neoplasias raras e pouco estudadas. Apesar de frequentemente assintomáticos
e diagnosticados acidentalmente, por vezes provocam sintomatologia relacionada com
efeito de massa, sendo a apresentação extremamente variável – dada a possibilidade
de se poder manifestar em qualquer área do corpo humano. É consensual a exérese cirúrgica
como tratamento, sendo importante o acompanhamento a longo prazo.