Palavras-chave
artroplastia de quadril - enxerto ósseo - estudos transversais - osteointegração -
transplante homólogo - reoperação
Introdução
A cirurgia de reconstrução acetabular em revisão de artroplastia total do quadril
(RATQ) é um procedimento complexo. A soltura do implante pós-artroplastia é uma das
complicações mais frequentes à longo prazo, levando a perda óssea.[1] Os principais objetivos da cirurgia de reconstrução acetabular são obter a estabilidade
do implante, restaurando a anatomia do quadril com posicionamento do componente o
mais próximo possível do centro de rotação articular.[2]
Existem diversas formas de tratamento de grandes defeitos ósseos acetabulares em RATQ:
colocação de implante com centro de rotação do quadril alto (High Hip Center), utilização de implantes de grande diâmetro (Jumbo cup), uso de enxerto ósseo homólogo estrutural (com ou sem anel de reforço), impacção
de enxerto ósseo homólogo fragmentado (com ou sem anel de reforço), além da utilização
de aumentos de metal trabecular.[3] Contudo, o tratamento mais adequado ainda permanece indefinido.[4]
[5]
O nosso serviço iniciou o uso de enxerto homólogo em RATQ na década de 80, com a publicação
subsequente dos resultados.[6]
[7]
[8] A análise dos nossos casos e dos resultados da literatura permite a constatação
da consolidação do enxerto ósseo homólogo com possível osteointegração na maioria
dos casos, permitindo uma reconstrução estável.[2]
[5] O uso de enxerto ósseo possibilita restaurar o centro de rotação do quadril, obter
estabilidade do implante, restaurar a integridade do acetábulo e o estoque ósseo,
facilitando futuras revisões.[9] Com a estabilidade do enxerto na reconstrução, é possível fornecer condições para
que ocorram a revascularização e osteointegração junto ao osso hospedeiro.[9] As desvantagens que podem ser encontradas com essa técnica são a potencial reabsorção
do enxerto e a não-união ao osso hospedeiro.[10]
[11]
O objetivo do presente estudo é avaliar os resultados clínicos, radiográficos e a
sobrevida da cirurgia de reconstrução acetabular com implante cimentado sem uso de
anel de reforço, associado à enxertia óssea homóloga estrutural.
Materiais e Métodos
Entre janeiro de 1995 e agosto de 2015, 318 pacientes foram submetidos a RATQ por
2 cirurgiões da mesma equipe médica (Roos B. D. e Roos M. V.). Destes, 71 foram submetidos
a RATQ com a utilização de implante acetabular cimentado sem anel de reforço associado
à enxertia óssea homóloga estrutural. Trinta e um pacientes foram excluídos por perda
de seguimento, seguimento < 24 meses, ou por apresentarem prontuário ou exames incompletos.
Quarenta pacientes foram analisados (44 quadris) em um estudo retrospectivo ([Tabela 1]).
Tabela 1
|
Pré-operatório
|
Pós-operatório imediato
|
Pós-operatório tardio
|
|
#
|
Sexo
|
Lado operado
|
Idade
(anos)
|
Tipo de ATQ
|
Data da cirurgia
|
Tipo de revisão
|
Último follow-up
(anos + meses)
|
Falha
|
|
1
|
Feminino
|
Esquerdo
|
40
|
Cimentada
|
31/01/2007
|
Cimentada
|
11a + 11m
|
Não
|
|
2
|
Feminino
|
Direito
|
46
|
Hibrida
|
12/05/2003
|
Cimentada
|
8a + 4m
|
Não
|
|
3
|
Feminino
|
Direito
|
42
|
Girdlestone
|
13/11/2002
|
Cimentada
|
14a + 11m
|
Não
|
|
4
|
Masculino
|
Direito
|
43
|
Cimentada
|
21/02/2003
|
Cimentada
|
9a + 1m
|
Não
|
|
5
|
Feminino
|
Esquerdo
|
77
|
Cimentada
|
16/07/2001
|
Cimentada
|
4a + 2m
|
Não
|
|
6
|
Feminino
|
Direito
|
47
|
Não cimentada
|
08/11/2006
|
Cimentada
|
10a + 10m
|
Não
|
|
7
|
Masculino
|
Direito
|
67
|
Cimentada
|
05/08/2002
|
Cimentada
|
14a + 6m
|
Não
|
|
8
|
Feminino
|
Direito
|
72
|
Não cimentada
|
17/09/2003
|
Hibrida reversa
|
11a + 10m
|
Sim
|
|
9a
|
Feminino
|
Direito
|
64
|
Espaçador
|
19/09/2005
|
Cimentada
|
7a + 6m
|
Sim
|
|
10a
|
Feminino
|
Direito
|
72
|
Cimentada
|
13/05/2013
|
Cimentada
|
7a + 10m
|
Sim
|
|
11
|
Feminino
|
Direito
|
76
|
Parcial
|
04/02/1997
|
Cimentada
|
8a
|
Não
|
|
12
|
Feminino
|
Esquerdo
|
57
|
Não cimentada
|
20/11/2000
|
Cimentada
|
15a + 4m
|
Não
|
|
13
|
Masculino
|
Direito
|
67
|
Cimentada
|
02/08/2004
|
Cimentada
|
6a + 1m
|
Não
|
|
14
|
Feminino
|
Direito
|
71
|
Cimentada
|
07/11/2005
|
Cimentada
|
4a + 9m
|
Não
|
|
15b
|
Masculino
|
Direito
|
42
|
Cimentada
|
17/03/1998
|
Cimentada
|
16a + 10m
|
Não
|
|
16b
|
Masculino
|
Esquerdo
|
51
|
Cimentada
|
14/05/2007
|
Cimentada
|
7a + 8m
|
Não
|
|
17
|
Masculino
|
Direito
|
69
|
Não cimentada
|
10/05/2001
|
Cimentada
|
4a + 4m
|
Não
|
|
18
|
Feminino
|
Direito
|
78
|
Cimentada
|
31/01/1995
|
Cimentada
|
18a + 9m
|
Não
|
|
19
|
Masculino
|
Direito
|
72
|
Cimentada
|
17/01/2008
|
Cimentada
|
10a + 11m
|
Sim
|
|
20
|
Feminino
|
Direito
|
43
|
Não cimentada
|
24/06/2003
|
Cimentada
|
14a + 2m
|
Não
|
|
21
|
Masculino
|
Esquerdo
|
47
|
Cimentada
|
19/11/1996
|
Cimentada
|
16a + 7m
|
Não
|
|
22
|
Feminino
|
Esquerdo
|
57
|
Não cimentada
|
13/09/2000
|
Cimentada
|
14a + 1m
|
Sim
|
|
23
|
Masculino
|
Esquerdo
|
59
|
Cimentada
|
13/04/1999
|
Cimentada
|
8a + 10m
|
Não
|
|
24
|
Feminino
|
Direito
|
72
|
Cimentada
|
22/11/2006
|
Cimentada
|
7a + 7m
|
Não
|
|
25
|
Feminino
|
Esquerdo
|
65
|
Não cimentada
|
06/09/2004
|
Cimentada
|
4a + 0m
|
Não
|
|
26
|
Feminino
|
Esquerdo
|
38
|
Não cimentada
|
14/03/2003
|
Cimentada
|
15a + 0m
|
Não
|
|
27
|
Feminino
|
Esquerdo
|
62
|
Não cimentada
|
19/05/2005
|
Cimentada
|
13a + 8m
|
Não
|
|
28c
|
Feminino
|
Direito
|
38
|
Cimentada
|
27/10/2005
|
Cimentada
|
2a + 1m
|
Sim
|
|
29c
|
Feminino
|
Direito
|
45
|
Cimentada
|
30/07/2012
|
Cimentada
|
7a + 2m
|
Sim
|
|
30
|
Masculino
|
Direito
|
77
|
Cimentada
|
25/10/2002
|
Cimentada
|
6a + 6m
|
Não
|
|
31
|
Feminino
|
Direito
|
73
|
Não cimentada
|
05/12/2007
|
Cimentada
|
10a + 6m
|
Não
|
|
32
|
Feminino
|
Esquerdo
|
61
|
Não cimentada
|
21/12/1998
|
Cimentada
|
12a + 3m
|
Não
|
|
33
|
Feminino
|
Esquerdo
|
66
|
Cimentada
|
25/10/2005
|
Cimentada
|
13a + 5m
|
Não
|
|
34
|
Feminino
|
Esquerdo
|
56
|
Não cimentada
|
13/10/2004
|
Cimentada
|
12a + 9m
|
Não
|
|
35
|
Feminino
|
Esquerdo
|
41
|
Não cimentada
|
03/07/2000
|
Cimentada
|
16a + 3m
|
Não
|
|
36
|
Feminino
|
Direito
|
70
|
Cimentada
|
19/06/2007
|
Cimentada
|
12a + 5m
|
Não
|
|
37d
|
Masculino
|
Esquerdo
|
56
|
Cimentada
|
27/09/1997
|
Cimentada
|
6a + 10m
|
Sim
|
|
38d
|
Masculino
|
Esquerdo
|
63
|
Cimentada
|
27/08/2004
|
Cimentada
|
15a + 9m
|
Não
|
|
39
|
Feminino
|
Direito
|
70
|
Não cimentada
|
10/08/2015
|
Hibrida reversa
|
3a + 2m
|
Não
|
|
40
|
Feminino
|
Direito
|
46
|
Não cimentada
|
15/07/2015
|
Hibrida reversa
|
4a + 0m
|
Não
|
|
41
|
Feminino
|
Direito
|
63
|
Cimentada
|
21/07/2015
|
Hibrida reversa
|
3a + 1m
|
Sim
|
|
42
|
Feminino
|
Direito
|
64
|
Cimentada
|
19/05/2015
|
Hibrida reversa
|
2a + 1m
|
Não
|
|
43
|
Masculino
|
Direito
|
69
|
Cimentada
|
12/02/2015
|
Hibrida reversa
|
2a + 1m
|
Não
|
|
44
|
Masculino
|
Esquerdo
|
59
|
Girdlestone
|
01/10/2014
|
Hibrida reversa
|
2a + 0m
|
Não
|
A decisão de utilizar a técnica avaliada neste trabalho foi a constatação radiográfica
pré-operatória de defeitos ósseos acetabulares segmentares ou combinados, além de
grandes defeitos cavitários, com ou sem descontinuidade pélvica (Classificação D'Antonio[12]). O estudo foi iniciado após aprovação pelo Comitê de Ética da nossa instituição.
Avaliação Clínica
A avaliação clínica pré- e pós-operatória tardia foi realizada em todos os pacientes
utilizando o escore de avaliação do quadril Harris Hip Score (HHS).[13]
Avaliação Radiográfica
Radiografias padronizadas de pélvis foram realizadas pré-operativamente, no pós-operatório
imediato e nos exames de acompanhamento em 6 semanas, 3 meses, 6 meses, e após, anualmente.
Pré-operativamente, foi avaliada a classificação do defeito ósseo acetabular através
dos métodos de Paprosky[14] e D'Antonio,[12] além da dimensão do defeito em milímetros.[6]
Na radiografia pós-operatória imediata, foram avaliadas a percentagem de cobertura
do componente acetabular pelo enxerto estrutural, e a aferição em milímetros da maior
espessura craniocaudal do enxerto. Para descrever a configuração do enxerto estrutural
no acetábulo, utilizamos a descrição publicada por Prieto et al.,[2] definidos em três tipos: Tipo 1, configuração de contraforte ou “flying buttress”; Tipo 2, suporte de domo “dome support”; e, Tipo 3, em base ou “footing”.
Na radiografia pós-operatória mais tardia, classificou-se a osteointegração do enxerto
conforme descrição em outra publicação, que se tornou conhecida como “critério de
Coon”.[15] O tipo 1 foi definido como continuidade total do trabeculado ósseo na interface
entre o osso hospedeiro e o enxerto (osteointegração total); o tipo 2, como continuidade
parcial do trabeculado ósseo na interface entre o osso hospedeiro e o enxerto (osteointegração
parcial); o tipo 3, como ausência de continuidade do trabeculado ósseo na interface
entre o osso hospedeiro e o enxerto (ausência de osteointegração); e o tipo 4 como
impossibilidade de visualização do enxerto pela presença de componentes protéticos
(telas, anéis de reforço etc.).
Em radiografias seriadas, avaliou-se a presença de linhas de radioluscência progressivas
em torno do componente acetabular, sinais de reabsorção do enxerto e de osteólise,
de acordo com as zonas acetabulares determinadas por DeLee et al.
[16]
Foi aferida a migração do componente acetabular em radiografias obtidas no pós-operatório
imediato em comparação com o mais tardio, através de parâmetros definidos por Knight
et al.,[17] tendo como pontos de referência a gota de lágrima de ambos os quadris, a linha de
Köhler e o centro de rotação do quadril.
Foram considerados casos de insucesso as falhas de reconstrução devido a afrouxamento
do implante com migração > 5mm em qualquer direção, e/ou a progressão de linhas de
radioluscência em torno do componente acetabular > 2mm de largura. Os casos de insucesso
foram comparados com os demais (sucesso) buscando correlação com a classificação do
defeito ósseo conforme Paprosky et al.[14] e D'Antonio et al.,[12] a dimensão do defeito ósseo em milímetros,[6] a maior espessura do enxerto em milímetros, o percentual de cobertura do implante
pelo enxerto, a osteointegração do enxerto,[15] a presença de reabsorção do enxerto e osteólise, além da sua configuração.[18]
Para evitar erros inter- e intraobservadores, as aferições foram realizadas por um
membro da equipe e revisada por outro. No caso de haver discordância, uma nova avaliação
foi executada por um terceiro membro da equipe procedendo-se, então, a um consenso.
Técnica Cirúrgica
Em todos os casos, utilizamos a abordagem cirúrgica anterolateral de Hardinge modificada.
Inicialmente, realiza-se a remoção do componente acetabular; após, efetua-se a limpeza
de debris e tecido fibroso da cavidade, utilizando curetas e fresas acetabulares,
com o objetivo de alcançar uma superfície cruenta e apta a receber o enxerto. Em seguida,
é realizada a remoção da haste femoral, quando necessário.
O enxerto é preparado e lavado com soro fisiológico; utilizou-se enxerto em bloco
no teto acetabular associado ou não a enxerto picado. Após a limpeza do acetábulo,
prepara-se um leito com enxerto picado impactado no local que receberá o bloco ósseo,
para que não existam "zonas mortas" que permitam a formação de tecido fibroso ou cistos,
dificultando a consolidação e a possível integração do bloco.
A fixação do enxerto estrutural no osso hospedeiro se dá por meio de parafusos esponjosos
de 3,5mm com rosca parcial, em ângulo de 45° e em número variável de acordo com o
tamanho e número de blocos ósseos utilizados. Após a fixação do enxerto, fresa-se
a cavidade até que se atinja o tamanho ideal. Após o preenchimento complementar dos
defeitos existentes, é colocado o componente acetabular, cimentado ou não, e é realizada
ao menos uma ancoragem, feita superiormente com broca de 10mm, necessariamente alcançando
o osso hospedeiro, e outra feita no ísquio através do osso hospedeiro, enxerto impactado,
ou bloco ósseo (dependendo do tamanho da cavidade existente). Usamos uma solução de
iodopolividona com soro fisiológico ao longo do transoperatório.
Manejo Pós-operatório
Foi utilizada profilaxia tromboembólica mecânica no pós-operatório imediato, anticoagulação
oral profilática durante trinta dias e antibioticoprofilaxia com vancomicina e ceftriaxona.
Além disso, em cada dose de cimento ósseo utilizado é adicionado um grama de ceftazidima.
Realiza-se avaliação radiográfica 6 semanas após o procedimento cirúrgico; a partir
desse momento, é permitido apoio total com uma muleta como elemento acessório de equilíbrio.
Análise Estatística
A análise estatística foi realizada para se estabelecerem comparações entre as medidas
do pré e do pós-operatório em relação aos dados e critérios clínicos e radiológicos,
utilizando-se, conforme a necessidade, os testes t de Student, χ2, Mann-Whitney, ou teste exato de Fischer. Foi utilizado o teste de normalidade de
Shapiro-Wilk. A análise de sobrevida do componente acetabular foi realizada através
do método de Kaplan-Meier usando dados radiográficos. Considerou-se valor significativo
quando p < 0.05, com intervalo de confiança [IC] de 95%. Foi empregado o software IBM SPSS
Statistics for Windows, versão 27.0 (IBM Corp., Armonk, NY, EUA) para a análise de
dados.
Resultados
Foram avaliados 40 pacientes (44 quadris), com seguimento médio de 9,65 anos (de 2
a 18,75 anos). Em 39 pacientes iniciais da série (88,66%) foi utilizado componente
acetabular cimentado convencional (não crosslinked).
Com relação aos resultados clínicos, o HHS[13] pré-operatório médio foi de 48,8 pontos, e o pós-operatório tardio de 82. Comparativamente,
observou-se diferença estatisticamente significativa (p ≤ 0,001).
Dos 44 casos operados, 20 defeitos acetabulares (45,5%) foram classificados como tipo
3A de Paprosky[14] e 22 (50%) como tipo 3B. Pela classificação de D'Antonio,[12] observou-se 39 defeitos combinados (88,6%). A dimensão do defeito ósseo em milímetros[6] foi em média de 62,48 mm. As características radiográficas dos pacientes estão descritas
na [Tabela 2].
Tabela 2
|
Características
|
|
Total
(n = 44)
|
Falha
(n = 9)
|
Sucesso
(n = 35)
|
valor-p
|
|
Falha na osteointegração
|
|
62.48 (± 8.26)
|
65.67 (± 10.95)
|
61.66 (± 7.39)
|
0.226ǂ
|
|
Defeito acetabular (Paprosky)
|
2A
|
1 (2.3%)
|
0 (0.0%)
|
1 (100.0%)
|
0.239Δ
|
|
2B
|
1 (2.3%)
|
1 (100.0%)
|
0 (0.0%)
|
|
3A
|
20 (45.5%)
|
4 (20.0%)
|
16 (80.0%)
|
|
3B
|
22 (50.0%)
|
4 (18.2%)
|
18 (81.8%)
|
|
Defeito acetabular (D'Antonio)
|
I
|
1 (2.3%)
|
0 (0.0%)
|
1 (100.0%)
|
0.178Δ
|
|
II
|
3 (6.8%)
|
0 (0.0%)
|
3 (100.0%)
|
|
III
|
39 (88.6%)
|
8 (20.5%)
|
31 (79.5%)
|
|
IV
|
1 (2.3%)
|
1 (100.0%)
|
0 (0.0%)
|
|
Cobertura (%)
|
|
0.77 (± 0.16)
|
0.76 (± 0.16)
|
0.78 (± 0.17)
|
0.748ǂ
|
|
Maior espessura do enxerto
|
|
2.20 (± 0.71)
|
2.30 (± 0.99)
|
2.17 (± 0.64)
|
0.907ǂ
|
|
Configuração do enxerto (Prieto)
|
I (flying buttress)
|
29 (65.9%)
|
7 (24.1%)
|
22 (75.9%)
|
0.662Δ
|
|
II (dome support)
|
14 (31.8%)
|
2 (14.3%)
|
12 (85.7%)
|
|
III (footing)
|
1 (2.3%)
|
0 (0.0%)
|
1 (100.0%)
|
|
Osteointegração (Coon)
|
1 (total)
|
27 (61.4%)
|
3 (11.1%)
|
24 (88.9%)
|
≤ 0.001Δ
|
|
2 (parcial)
|
11 (25%)
|
0 (0.0%)
|
11 (100.0%)
|
|
3 (ausente)
|
6 (13.6%)
|
6 (100.0%)
|
0 (0.0%)
|
|
Migração (≥ 2mm)
|
|
9 (20.5%)
|
0 (0.0%)
|
35 (100.0%)
|
≤ 0.001¥
|
|
Absorção (DeLee Zona I)
|
|
14 (31.8%)
|
5 (55.6%)
|
9 (25.7%)
|
0.117¥
|
|
Osteólise (DeLee Zona III)
|
|
8 (18.2%)
|
2 (22.2%)
|
6 (17.1%)
|
0.659¥
|
|
Migração
|
|
8 (18.2%)
|
8 (88.9%)
|
0 (0.0%)
|
≤ 0.001¥
|
|
Reoperação
|
|
8 (18.2%)
|
6 (66.7%)
|
2 (5.7%)
|
≤ 0.001¥
|
|
Revisão
|
|
4 (9.1%)
|
4 (9.1%)
|
0 (0.0%)
|
≤0.001¥
|
A percentagem de cobertura média do implante cimentado pelo enxerto foi de 77% (43
a 100%), sendo em 41 casos (93,18%) evidenciado > 50% de cobertura. A maior espessura
craniocaudal do enxerto foi em média de 2,2 mm (1,2 a 4,6 mm). Em 29 quadris (65%),
a configuração do enxerto foi classificada como tipo 1 de Prieto[2] (footing), e em 14 (31%) como tipo 2 (dome support).
Pós-operativamente, não foi observada evidência radiográfica de osteointegração em
6 (13,6%) casos (Coon 3[15]). Em 14 quadris (26%), observou-se reabsorção parcial do enxerto, todos na zona
1 de DeLee.[16] Em 8 casos (18.2%), evidenciou-se a presença de osteólise, todos na zona 3 de DeLee.[16]
Observou-se linhas de radioluscência progressivas > 2 mm de largura em torno do implante
acetabular em 9 casos. Destes, em 8 casos evidenciou-se migração > 5mm. De acordo
com os critérios radiográficos estabelecidos, 9 casos (20,5) foram considerados falhas
de reconstrução. Cinco (11,5%) destes pacientes foram submetidos novamente à cirurgia
de revisão, sendo um destes casos por infecção. Dos 9 casos de falha, não se observou
osteointegração do enxerto em 6 casos ([Figs. 1] e [2]).
Fig. 1 Radiografias de uma paciente feminina, 73 anos, que teve o quadril direito operado.
A) radiografia pré-operatória mostrando artroplastia total de quadril não cimentada
com defeito combinado (D'Antonio); Paprosky 3B, medindo 82 mm; B) radiografia pós-operatória
imediata apresentando reconstrução acetabular com enxerto estrutural e componente
acetabular cimentado; C) Radiografia pós-operatória com 10 anos e 6 meses após reconstrução
acetabular sem sinais de soltura.
Fig. 2 Radiografias de uma paciente feminina, 63 anos, que teve o quadril direito operado.
A) radiografia pré-operatória mostrando artroplastia total de quadril cimentada com
descontinuidade pélvica; Paprosky 3B, medindo 80 mm; B) radiografia pós-operatória
imediata apresentando reconstrução acetabular com enxerto estrutural e componente
acetabular cimentado; C) radiografia pós-operatória com 3 anos e 1 mês após reconstrução
acetabular com sinais de soltura.
Utilizando-se critérios radiográficos para definição de insucesso, constatamos 79,54%
de sobrevida em seguimento médio de 9,65 anos. Quando utilizada como critério a necessidade
de nova cirurgia de revisão do componente acetabular por qualquer motivo, a sobrevida
foi de 88,63%. Como complicações, observamos 4 casos (9,09%) de instabilidade e 1
(2,27%) de infecção.
A sobrevida da reconstrução foi avaliada através da curva de Kaplan-Meier, sendo de
92.1% em 5 anos e 78.3% em 10 anos, quando utilizado os parâmetros radiográficos de
insucesso. A sobrevida de 5 e 10 anos livre de nova cirurgia de revisão do componente
acetabular por qualquer motivo como desfecho, foi de 94.4 e 83.2%, respectivamente
([Fig. 3]).
Fig. 3 Curvas de Kaplan-Meier para sobrevida de reconstrução sem revisão para: (A) soltura
acetabular (92.1% em 5 anos, 78.3% em 10 anos e 67.5% em 15 anos) ou (B) qualquer
causa (94.4% em 5 anos e 83.2% em 10 e 15 anos).
Foi observada correlação entre migração e falha da reconstrução, com a ausência de
sinais radiográficos de osteointegração do enxerto (p < 0,01). Houve 5 casos de complicações: 4 de instabilidade (9,09%) e 1 (2,27%) de
infecção.
Discussão
No presente estudo, a maioria dos pacientes apresentava grandes defeitos acetabulares,
sendo 90,9% dos defeitos classificados como tipo III ou IV de D'Antonio e 95,5% como
tipo 3A ou 3B de Paprosky. Foi observada correlação entre insucesso da reconstrução
e ausência de sinais radiográficos de osteointegração do enxerto (p < 0,01). Os pacientes que apresentaram sinais radiográficos de insucesso evidenciaram
escores pós-operatórios significativamente piores que os demais pacientes.
A reconstrução acetabular na presença de deficiência óssea acetabular grave é um cenário
desafiador na cirurgia de revisão do quadril. As técnicas de reconstrução acetabular
utilizando enxerto ósseo estrutural permitem restaurar o centro de rotação do quadril
e obter estabilidade do implante, com possibilidade de restauração do estoque ósseo,
facilitando futuras revisões.[18]
A reconstrução acetabular com uso de enxerto homólogo estrutural em RATQ apresentam
resultados controversos na literatura.[11]
[18]
[19] Prieto et al.
[2] encontraram 94% de sobrevida em implantes não cimentados com metal de alta porosidade
associado ao uso de aloenxerto estrutural em 5 anos de seguimento. Brown et al., utilizando
aloenxerto estrutural de fêmur distal associado a implante não-cimentado, observaram
72% de sobrevida em 21 anos de seguimento médio.[20] Garbuz et al.[21] avaliaram 33 casos de reconstrução acetabular com enxerto estrutural suportando > 50%
do implante, em seguimento médio de 7 anos. Observou-se 45% de falha, as quais ocorreram
principalmente em casos nos quais não foi utilizado anel de reforço.
Butscheidt et al.,[5] analisaram pós-morte 13 enxertos homólogos estruturais por meio de radiografia,
tomografia computadorizada (TC), histologia e microscopia eletrônica. A distância
entre o aloenxerto atual e o osso hospedeiro e a distância entre o aloenxerto original
e o osso hospedeiro foram avaliadas. O estudo observou adequada osteointegração de
todos os enxertos ao longo da maior parte da interface entre enxerto e osso hospedeiro.
A eventual não-osteointegração em alguns pontos não levou ao colapso dos enxertos
em até 22 anos de seguimento.[5]
A literatura aponta maior incidência de falha da reconstrução quando da utilização
de enxerto estrutural com cobertura do implante acetabular > 50%, o que não evidenciamos
nesta série mesmo sem a utilização de anel de reforço.[10]
[11]
[22] O paciente com maior tempo de seguimento (18,75 anos) não apresenta sinais de soltura
ou falha até o momento ([Fig. 4]).
Fig. 4 Radiografias de uma paciente feminina, 74 anos, que teve o quadril direito operado.
A) radiografia pré-operatória mostrando artroplastia total de quadril cimentada com
defeito combinado (D'Antonio); Paprosky 3A, medindo 74 mm; B) radiografia pós-operatória
imediata apresentando reconstrução acetabular com enxerto estrutural e componente
acetabular cimentado; C) radiografia pós-operatória com 18 anos e 9 meses após reconstrução
acetabular sem sinais de soltura.
A RATQ na presença de defeitos acetabulares graves é mais desafiadora e pode ter resultados
piores. No presente estudo, com a análise do tratamento de grandes defeitos ósseos,
não observamos, entretanto, uma correlação entre a falha da reconstrução e a gravidade
do defeito ósseo acetabular, a espessura ou a configuração do enxerto.
Nosso estudo apresenta algumas limitações. Observamos bom tempo de seguimento médio
dos pacientes (9,65 anos); porém, tivemos uma considerável perda de seguimento, o
que impossibilitou mais conclusões. Além disso, como a série de pacientes é antiga
e não havia localmente a disponibilidade de implante acetabular cimentado com polietileno
crosslinked, deve-se considerar que a utilização de polietileno convencional na maioria dos casos
pode ter comprometido a sobrevida da reconstrução devido a desgaste precoce. Sugerimos
pesquisa futura para avaliar a osteointegração do enxerto estrutural utilizando somente
um tipo de implante protético cimentado, visando reduzir fatores de confusão.
Conclusão
Observamos bons resultados clínicos e radiográficos, com sobrevida de 79,54% em seguimento
médio de 9,65 anos. Houve associação entre ausência de sinais radiográficos de osteointegração
do enxerto estrutural e falha da revisão acetabular de artroplastia total do quadril
nesta série de pacientes com grandes defeitos ósseos. As falhas não se correlacionaram
com a severidade do defeito ósseo acetabular, a espessura ou a configuração do enxerto.