Palavras-chave
articulação zigapofisária - dor lombar - terapia por radiofrequência - vértebras lombares
Introdução
A dor lombar está entre as principais queixas médicas em todo o mundo, gerando grandes
custos sociais. Existem inúmeros diagnósticos diferenciais, já que há diversos potenciais
causadores.[1]
[2] Sabe-se que ao longo de toda coluna, possuímos diversas articulações facetárias,
também chamadas de articulações zigoapofisárias, que conectam uma vértebra a outra,
permitindo o movimento da coluna para frente e para trás,[3] promovendo flexibilidade e estabilidade.[4] As articulações facetárias lombares constituem uma fonte comum de dor.[1]
[2]
Essas articulações, podem ser alvo de inflamações e desgastes, ocasionadas por traumas,
movimentos repetitivos e diversos outros fatores, dando origem a síndrome facetária,
sendo essa uma das principais patologias causadoras de dores nas costas.[5] Existe um consenso de que as articulações facetárias lombares são uma das mais comumente
atingidas pela síndrome facetária, sendo os níveis L4-L5 os mais acometidos, seguido
por L5-S1.[5]
Após o diagnóstico, a terapia inicial realizada está baseada em repouso, fisioterapia
para fortalecer os músculos centrais (CORE) ao redor da coluna, alongamentos, medicamentos
orais como anti-inflamatórios não esteroides (AINE) e opioides.[6] Caso haja falha no tratamento conservador, pode-se recorrer a outras técnicas como
bloqueio do ramo medial, neurólise (ablação química), injeções de esteroides intra-articulares
e ablação por radiofrequência (RFA), podendo ser uma alternativa em caso de pacientes
que não respondem bem às injeções.[7]
A ablação por radiofrequência ou rizotomia é um procedimento minimamente invasivo
que consiste em inserir agulhas em determinados pontos específicos da coluna com auxílio
da fluoroscopia.[8] Por radiofrequência (RF) será emitido ondas de calor na ponta da agulha, levando
a lesão térmica e desnaturação de proteínas, absorvendo o tecido que foi alterado,
desativando assim, ramos de nervos que possuem a função de emitir sensibilidade dolorosa.[8] Devido a isso, esses ramos deixam de enviar sinais de dor ao cérebro e à medula
espinhal, aliviando as dores por um período aproximado de 12 meses ou mais.[8]
As fibras nervosas atingidas pela RF podem possuir a capacidade de se auto regenerarem.[9] Por conta disso e de outras variáveis, sua eficácia pode ser interpretada como controversa.
O presente estudo teve como objetivo analisar a literatura por meio de uma revisão
sistemática e reunir informações no quesito ablação por radiofrequência tradicional
na síndrome facetária, para demonstrar se existe um consenso sobre a eficácia da técnica
no alívio das dores lombares crônicas refratárias ao tratamento conservador.
Materiais e Métodos
Trata-se de uma revisão sistemática da literatura realizada por meio de busca nas
bases de dados Pubmed, Scielo, Lilacs e Medline, sendo as duas últimas disponibilizadas
pela Biblioteca virtual em saúde. A busca nas bases foi realizada no mês de junho
e julho de 2022. Os termos usados para pesquisa foram selecionados de acordo com o
DeCS/MeSH Descritores em Ciências da Saúde/Medical Subject Headings (DeCS/MeSH), os
termos utilizados foram: “Facet,” “Pain,” “Lumbar,” “Radiofrequency.” Esta revisão
foi conduzida seguindo as recomendações do modelo Preferred Reporting Items for Systematic
Reviews and Meta-Analyses (PRISMA) sugerido para revisões sistemáticas e meta-análise.
Após a seleção dos artigos, realizou-se, primeiramente, a leitura dos títulos e resumos
das publicações encontradas, com o objetivo de selecionar os artigos com base nos
critérios de inclusão e exclusão. Os critérios de inclusão para análise foram: título;
estudos observacionais; ensaios clínicos; estudos comparativos e clínicos; idioma
inglês e português; publicação nos últimos dezessete anos (2005–2022). Já os critérios
de exclusão foram: artigos que abordavam outras temáticas; e artigos de revisão.
Os artigos selecionados foram analisados, sendo extraídos os seguintes dados: primeiro
autor, ano de publicação, método do estudo e resultado final após ablação por radiofrequência
na síndrome facetária.
Resultados
Por meio da busca eletrônica, após selecionar os termos e aplicar os filtros foram
obtidas 142 publicações. Dessas, após leitura dos títulos, resumos e exclusão de 27
artigos duplicados, foram selecionadas para análise 12 artigos ([Figura 1]).
Fig. 1 Diagrama da seleção dos estudos que fizeram parte da amostra. Fonte: Autores, 2022.
Todos os estudos selecionados tratavam-se de ensaios clínicos randomizados duplo-cego
e estudos observacionais. Ao total se totalizaram 972 pacientes. Na [Tabela 1]
[10]
[11]
[12]
[13]
[14]
[15]
[16]
[17]
[18]
[19]
[20]
[21] estão as características principais de cada estudo, baseada no autor, ano de publicação,
número de pacientes em cada estudo, idade, distribuição e as conclusões principais.
Tabela 1
Autor/Ano
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N° de
pacientes do estudo
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Idade
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Distribuição
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Conclusões principais
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Xue et al.[10]
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60 pacientes.
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Média do grupos ERFA: 65,73 ± 7,62.
Média do grupo controle:
64,78 ± 6,62.
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Dois grupos de 30 pacientes cada. Em um deles, grupo controle, os pacientes foram
submetidos a ablação por radiofrequência. O segundo, grupo ERFA, foi realizado rizotomia
endoscópica por radiofrequência. Os pacientes tiveram um período total de acompanhamento
de 1 ano.
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Os resultados obtidos no grupo ERFA foram positivos, evidenciaram vantagens como,
melhor posicionamento da agulha na hora de realizar o procedimento, uma denervação
mais precisa e uma melhor eficácia a longo prazo, entre outras. Há complicadores,
pois o estudo possui uma amostra pequena e um espaço de tempo curto para avaliações
mais completas.
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Moussa et al.[11]
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120 pacientes.
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18 a 73 anos.
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Divisão dos pacientes em três grupos de 40 pessoas cada.
Grupo 1: foi realizado na cápsula articular da faceta à coagulação percutânea por
RF.
Grupo 2: realizou no ramo dorsal medial a denervação. Grupo 3: controle, onde não
foi realizado nenhuma RF.
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Este estudo evidenciou que é tecnicamente mais fácil e de duração mais prolongada
do controle da DLC realizar a denervação por RF direcionada para a cápsula articular
da faceta lombar, ao invés, do direcionamento tradicional do ramo medial para a articulação
facetária. Porém ambas se mostraram eficazes na melhora da dor lombar crônica.
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Ertilav et al.[12]
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96 pacientes.
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62.3.
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O estudo dividiu os pacientes em três grupos. A RFT nos ramos mediais foi realizada
em diferentes T° e isso dividiu em grupos da seguinte forma: Um grupo de 31 pacientes
recebeu 90°C durante 50 segundos, o segundo grupo com 32 pacientes, 85°C durante 60
segundos e por último em 33 pacientes, 70°C durante 90 segundos.
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O estudo demonstrou que o tratamento RFT no ramo medial da faceta é um método que
se mostrou eficaz no alívio da dor crônica nos pacientes com síndrome facetária.
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Wijk et al.[13]
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81 pacientes.
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Idade acima de 17 anos.
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Divisão em dois grupos, um grupo controle e outro realizado RF.
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No geral, seguindo o resultado dado pelas escalas VAS e medida do resultado combinada,
não houve grandes diferenças entre RF e sham, mesmo ambos obtendo melhora relevante
na escala VAS. O GPE mostrou-se a favor da técnica de radiofrequência na DLC.
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Zhou et al.[14]
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80 pacientes.
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No grupo controle a média de idade foi 54,6 ± 7,5. No grupo de denervação a média
foi 56,5 ± 8,7 .
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Dois grupos: grupo 1 com n = 40 foi realizado denervação por termocoagulação percutânea, e o grupo 2 controle
com n = 40, que foi realizado injeção de betametasona e lidocaína na articulação da faceta
lombar.
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O presente estudo realizado, demonstrou que a denervação por radiofrequência por termocoagulação
utilizando raio-X como guia, é uma terapia com invasão mínima e eficaz, podendo ser
utilizada para o tratamento da dor lombar originada da síndrome lombar facetária.
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Nath et al.[15]
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40 pacientes.
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Grupo ativo: idade média de 56 anos.
Grupo placebo: idade média de 53 anos.
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Divididos igualmente em grupo ativo e placebo.
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Foi percebido que os pacientes do grupo ativo obtiveram melhora das dores lombares
e referida nas pernas.
As diferenças na redução das dores entre os dois grupos (ativo e placebo)
foram significantes estatisticamente (P 0,004).
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Tilburg et al.[16]
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60 pacientes.
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Idade acima de 18 anos.
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Os pacientes passaram por um processo de injeção de lidocaína perto dos ramos mediais
e após isso foram divididos em dois grupos: O grupo de tratamento que recebeu RF e
grupo sham
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O estudo revelou não haver diferença significativa ao longo de 3 meses entre os grupos.
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Paulsen et al.[17]
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19 pacientes.
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Acima de 18 anos.
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Dividiu-se os pacientes em dois grupos:
Grupo1: Pacientes que obtiveram uma melhora de pelo menos 80% no alívio das dores
após ambos os bloqueios diagnósticos.
Grupo2: Pacientes que obtiveram uma melhora da dor entre 50% e 79% após os bloqueios
diagnósticos.
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Pacientes que obtiveram uma melhora de 80% das dores após bloqueio diagnóstico, tiveram
uma melhora significativa e consistente ao longo do acompanhamento. Aqueles que obtiveram
um alívio entre 50–79% não apresentaram melhora significativa, com exceção após uma
semana.
A amostra total obteve melhora do ODI durante os primeiros três meses. Também houve
melhora após seis meses no grupo 1 em relação ao Eq. 5D, porém significativamente
não houve outra melhora no Eq. 5D e ODI na amostra.
Quando se analisou o grupo 1 foi observado melhora média da escala analógica visual
de 22,5 pontos, o que é relevante clinicamente.
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Tome-Bermejo et al.[18]
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86 paicentes.
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Idade média 49,97.
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Todos realizaram a mesma técnica de ablação.
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Após RFT houve melhora significativa (p < 0,05) na VAS e escala ODI, mostrando melhoria na incapacidade e na qualidade de
vida. Em um total de 89% dos pacientes houve melhora significativa das dores após
a técnica de ablação em um total de 6 meses. Verificou-se que após os seis meses houve
um declínio da melhora, após 1 ano de acompanhamento 50% dos pacientes relataram melhora.
Após um ano, uma parcela de 75,67% dos pacientes se submeteriam novamente a técnica
de ablação por radiofrequência.
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Gofeld et al.[19]
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174 pacientes.
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–
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Todos os pacientes foram submetidos a técnica de
RF.
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O estudo demonstrou que um total de 55 pacientes não obtiveram melhora com o procedimento
em nenhum momento ou somente por 6 meses. Em 119 pacientes houve relato de alívio
das dores significativamente no segundo momento de acompanhamento após os seis meses
de RF.
Uma média de alívio da dor de todos os 174 pacientes foi de nove meses.
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Civelek et al.[20]
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100 pacientes.
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Grupo FJI:
idade média de 56,5 ± 17,7.
Grupo FJRF: idade média de 51,8 ± 17.
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Divididos em dois grupos:
Grupo FJI: 50 pacientes submetidos a injeção de corticoide.
Grupo FJRF: 50 pacientes submetidos a RFT.
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Após análise, o estudo chegou à conclusão que a taxa de sucesso do grupo FJRF de maneira
geral e utilizando-se as escalas VNS, EQ-5D e NASS foi significativamente melhor.
A curto prazo, o FJI parece ser mais eficaz do que o FJRF, mas no acompanhamento de
médio prazo FJRF teve resultados mais satisfatórios do que
FJI.
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Lakemeier et al.[21]
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56 pacientes, porém, somente 50 seguiram o acompanhamento de 6 meses.
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–
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Divididos em dois grupos:
Grupo que recebeu injeção e grupo que realizou a RF.
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As evidências desse estudo demonstraram que tanto a técnica de injeção quanto a RF
podem ser utilizadas para dores crônicas nas facetas lombares e que ambas apresentam
uma melhora da dor em um período de pelo menos 6 meses, não havendo diferença entre
ambos os tratamentos nesse período de tempo.
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Através dos estudos analisados foi possível perceber que o uso da técnica de ablação
por radiofrequência tradicional se mostrou positiva quando selecionado corretamente
os pacientes submetidos a ela. Todos os pacientes sofriam de dores lombares crônicas
pelo acometimento da articulação zigoapofisária, onde não obtiveram alívio da dor
com tratamentos medicamentosos. A maioria dos estudos utilizaram como método avaliativo
a escala visual analógica e outras como Eq. 5D, GPE e ODI. Os pacientes obtiveram
com RF tradicional melhora da dor lombar e das dores referidas nas pernas.[15] Alguns estudos mostraram não haver diferença em um período de três meses entre a
técnica de injeção e ablação.[16] Já outros estudos demonstraram que a RFT se mostrou uma alternativa de alívio da
dor por um período de 6 meses ou mais.[18]
[19]
[20] A curto prazo a técnica de injeção parece ser mais vantajosa, porém a longo prazo
a RFT obtêm melhores resultados.[20]
Discussão
O presente estudo trata-se de uma revisão sistemática que buscou analisar, por meio
da literatura, a relevância da técnica de ablação por radiofrequência tradicional
no tratamento da dor crônica causada pela síndrome facetária.
A ideia de se realizar a ablação por RF com mudança do tradicional alvo terapêutico,
ramo dorsal medial, pela própria cápsula articular, se mostra mais eficaz e se obtém
um período de alívio maior da dor crônica gerada pela síndrome facetária. Ademais,
foi constatado que os grupos que foram realizados a ablação por RF, obtiveram uma
clara melhora em relação ao grupo controle, mostrando assim a eficácia da ablação
por RF sobre a DLC da síndrome facetaria.[11]
A utilização de diferentes temperaturas para neuroablação por radiofrequência dos
ramos mediais se mostrou um método eficaz, mesmo em 49 pacientes que possuíam dor
de etiologia secundária.[12] Os resultados quanto à eficácia da neuroablação foram igualmente eficazes no quesito
utilização de diferentes temperaturas e variáveis de tempo realizada em cada grupo.
Observou-se que quando se utiliza 90°C se obtêm melhores resultados comparado a temperatura
de 80°C.[12] Outro estudo também comprovou o mesmo fato, utilizando 90°C em um grupo de pacientes
e 80°C em outro, sendo a única variável a temperatura.[22] Aqueles que realizaram a técnica de RF a 90°C obtiveram 3,1 vezes a chance (p = 0,0004) de demostrarem melhora funcional de 50% pelo menos, comparado aos que foram
submetidos a uma temperatura de 80°C.[22]
Quando se compara a denervação por radiofrequência e a aplicação de injeção de betametasona
utilizando a escala visual analógica, há estudos que perceberam que ambas as técnicas
obtiveram o mesmo resultado em um período de 6 meses,[21] outros dois estudos relataram um benefício maior utilizando a RF como tratamento
da dor crônica a longo prazo.[14]
[20] Pode-se dizer que a técnica de injeção de corticoide apresenta melhora da dor quando
se analisa a imediato e curto prazo, sendo a primeira opção em casos de dor crônica
antes de se realizar a técnica de ablação por radiofrequência, caracterizada por ser
uma ferramenta importante para a confirmação de dores originadas nas articulações
facetarias.[23]
Quando se utiliza os seguintes parâmetros para obter análises e resultados: diário
de dor utilizando a escala VAS, uma para dores lombares (VAS- back) e uma para dores
que se irradiavam para as pernas (VAS- leg); escala de atividades físicas; relatório
para controle da quantidade de analgésicos utilizados nas últimas 24 horas; e o efeito
global percebido (GPE) pela escala modificada de Likert, é relatado uma melhora significativa
na escala VAS-back de ambos os grupos (controle e RF) e na escala VAS-leg do grupo
de RF. Porém, os resultados desse estudo devem ser analisados cuidadosamente porque
em 3 meses o período de cegamento se encerrou e em ambos os grupos houve pacientes
que abandonaram o seguimento. No estudo, é relatado que o efeito global percebido
se mostrou a favor da terapia de RF na DLC, principalmente em pacientes: idosos; mulheres;
com história de dor crônica; que possuem emprego; sem história de cirurgia lombar.[13]
A utilização de RX como guia para a realização da ablação por radiofrequência se mostrou
uma técnica positiva. Os pacientes que utilizaram essa técnica obtiveram uma eficácia
de 90% e aos 6 meses pós-tratamento 67,5%. Vale ressaltar que acredita-se que 79%
das dores advindas da coluna lombar sejam causadas por doenças que acometem as articulações
zigapofisárias.[14]
Os pacientes que são escolhidos para a técnica de ablação devem ser escolhidos com
cautela, baseando-se também no bloqueio diagnóstico positivo, que apesar de ter uma
margem de erro de 20 a 40% de falsos positivos, ainda é utilizada para o encaminhamento
desses pacientes para a RF em caso de dor lombar crônica.[24]
Conclusão
O tratamento da dor lombar crônica parece ser de difícil resolução, esta revisão sistemática
sugere que a técnica de ablação por radiofrequência é uma terapêutica eficaz para
o tratamento daqueles pacientes que possuem tal tipo de dor, gerada pelo acometimento
da articulação facetária pela síndrome facetária. Devido a importância do tema, é
digno de nota a necessidade da elaboração de novos estudos clínicos para se obter
uma gama maior de informações sobre o tratamento alternativo da síndrome facetaria.
Ademais, denota-se a importância de selecionar minuciosamente os pacientes que serão
submetidos a RFT.