Palavras-chave
acetábulo - articulação do quadril - criança - doença de Legg-Calve-Perthes
Introdução
Há amplas evidências que doença de Perthes modifica o fêmur proximal, mas também provoca
alterações significativas no acetábulo.[1]
[2]
[3]
[4]
[5]
[6] As alterações acetabulares começam cedo e são caracterizadas pelo crescimento anormal
da cartilagem e aumento do espaço articular medial. Nos estágios tardios, frequentemente
há displasia do acetábulo lateral e aumento e deslocamento lateral da cabeça femoral.[5]
O principal tratamento da doença de Perthes é o assentamento da cabeça femoral totalmente
dentro da cavidade acetabular para que possa manter sua esfericidade durante o período
subsequente de revascularização e remodelamento.[7]
[8] A contenção por osteotomia derrotatória de variação (VDRO) do fêmur proximal é um
dos procedimentos cirúrgicos preferidos para esse fim. Muitos estudos relatam a melhora
da esfericidade e do desfecho radiológico do fêmur proximal após a VDRO.[9]
[10]
[11]
[12]
[13]
[14]
[15] Como as alterações acetabulares acompanham as modificações morfológicas da cabeça
do fêmur durante a doença, pode-se esperar que a osteotomia de contenção femoral também
produza congruência acetabular à consolidação.[5] Outros questionam essa hipótese porque a VDRO é comumente oferecida quando o potencial
de remodelamento do acetábulo já é limitado.[5]
A literatura especificamente acerca do remodelamento acetabular após procedimentos
de contenção na doença de Perthes em crianças é escassa.[1]
[3] Portanto, conduzimos este estudo para entender melhor as alterações acetabulares
após a VDRO para tratamento da doença de Perthes. Investigamos principalmente o efeito
do estágio da doença, da idade do paciente e do contorno final da cabeça femoral no
acetábulo após a intervenção cirúrgica.
Métodos
Este estudo retrospectivo (2010-2020) foi realizado em um centro pediátrico terciário.
O estudo foi autorizado pelo Comitê de Ética Institucional e todos os pacientes e/ou
familiares assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Incluímos crianças
≥6 anos com doença de Perthes unilateral nos estágios Ib a IIb segundo a classificação
de Waldenström modificada e submetidas à VDRO primária e epifisiodese trocantérica
para contenção.[8]
[16]
[17] Excluímos pacientes com acompanhamento inferior a 1 ano e inadequações nos prontuários
médicos. Vinte e três crianças preencheram os critérios acima e participaram do estudo.
De acordo com a classificação modificada de Waldenström da doença de Perthes, a fragmentação
da cabeça femoral começa no estágio IIa e progride até IIb (fragmentação tardia).[8]
[16]
[17] A VDRO é geralmente indicada nos estágios I e II da doença. As evidências disponíveis
indicam a provável extrusão da epífise e subsequente deterioração em crianças acima
de 7 anos; assim, a VDRO também é recomendada em pacientes sem extrusão.[4]
[13]
[17]
[18] A VDRO realizada em nosso instituto é uma osteotomia subtrocantérica em cunha lateral
aberta para contenção da cabeça femoral com limite inferior do ângulo final do eixo
do colo de cerca de 110 a 115 graus, desvio de cerca de 15 a 20 graus e estabilização
com placa moldada de compressão dinâmica.[7]
Avaliação
A avaliação radiográfica foi baseada em radiografias simples anteroposteriores. Como
já mencionado, o estágio inicial e a gravidade de acometimento do quadril foram determinados
segundo a classificação modificada de Waldenström.[8]
[16] O índice acetabular (AI) e o ângulo da borda central (CEA) de ambos os quadris foram
calculados antes da cirurgia.[19] Nas radiografias subsequentes de acompanhamento, o quadril foi avaliado quanto à
presença de displasia acetabular e esfericidade. A displasia acetabular foi avaliada
radiologicamente por AI e CEA. A esfericidade geral da cabeça foi analisada segundo
o grau de Stulberg.[20]
O estágio da doença à apresentação, a idade do paciente e a esfericidade final da
cabeça do fêmur são os principais fatores postulados para definição do desfecho final
na doença de Perthes.[2]
[7]
[8]
[14]
[21]. Dessa forma, para possibilitar a análise dos desfechos acetabulares, as crianças
foram subagrupadas em estágio inicial (Ib e IIa) e tardio (IIb) da doença à apresentação;
idade ≤8 e >8 anos; e grau de Stulberg até 2 (considerado um bom desfecho) e 3 ou
superior.
Análise estatística
O AI e o CEA pré-operatórios em ambos os lados foram comparados com o teste t de Student pareado para determinar a displasia aproximada no quadril acometido. Os
índices foram novamente comparados durante o acompanhamento para determinação da displasia
acetabular residual. O valor de p <0,05 foi considerado significativo. A análise estatística foi realizada em software estatístico online MedCalc.[22]
Resultados
Dentre as 23 crianças, 15 eram meninos e oito eram meninas. Seis quadris estavam no
estágio Ib, oito no estágio IIa e noveno estágio IIb antes da VDRO ([Tabela 1]). A idade média dos pacientes à intervenção cirúrgica foi de 8,7 (desvio-padrão
[DP], 1,5) anos (faixa, 6,6 a 11,7 anos). A extrusão lateral da cabeça femoral foi
observada em 18 quadris no período pré-operatório. A duração média do acompanhamento
foi de 3,5 (DP, 2,2) anos e a idade média no final do acompanhamento foi de 12,2 (DP,
2,4) anos. Todas as cabeças femorais estavam consolidadas no último acompanhamento
final e, dessas, 48% apresentavam graus I e II de Stulberg (grau de Stulberg I = 3,
II = 8, III = 7 e IV = 5).
Tabela 1
NÚMERO
|
SEXO
|
LADO
|
IDADE (MESES)
|
IDADE AO ACOMPANHAMENTO
|
ACOMPANHAMENTO (MESES)
|
ESTÁGIO DA DOENÇA
|
EXTRUSÃO
|
PARÂMETROS PRÉ-OPERATÓRIOS (GRAUS)
|
ACOMPANHAMENTO (GRAUS)
|
GRAU DE STULBERG
|
NÃO ACOMETIDO
|
NÃO ACOMETIDO
|
ACOMETIDO
|
ACOMETIDO
|
NÃO ACOMETIDO
|
NÃO ACOMETIDO
|
ACOMETIDO
|
ACOMETIDO
|
|
AI
|
CEA
|
AI
|
CEA
|
AI
|
CEA
|
AI
|
CEA
|
1
|
M
|
D
|
81
|
9
|
20
|
2b
|
PRESENTE
|
12
|
28
|
22
|
23
|
15
|
30
|
22
|
27
|
II
|
2
|
M
|
D
|
132
|
16,6
|
120
|
2a
|
PRESENTE
|
12
|
30
|
16
|
23
|
18
|
32
|
23
|
26
|
III
|
3
|
M
|
E
|
96
|
12,5
|
54
|
1b
|
AUSENTE
|
11
|
34
|
15
|
26
|
6
|
42
|
12
|
37
|
III
|
4
|
M
|
E
|
122
|
14,5
|
51
|
2a
|
AUSENTE
|
13
|
31
|
15
|
24
|
13
|
44
|
23
|
22
|
III
|
5
|
M
|
D
|
140
|
16
|
54
|
2b
|
PRESENTE
|
15
|
27
|
16
|
26
|
15
|
36
|
24
|
6
|
IV
|
6
|
M
|
D
|
102
|
14,5
|
60
|
2b
|
PRESENTE
|
14
|
30
|
16
|
14
|
14
|
30
|
21
|
8
|
IV
|
7
|
F
|
E
|
96
|
9,5
|
14
|
2b
|
PRESENTE
|
11
|
38
|
15
|
32
|
10
|
39
|
14
|
39
|
II
|
8
|
F
|
D
|
108
|
14
|
55
|
1b
|
AUSENTE
|
11
|
39
|
28
|
28
|
16
|
45
|
23
|
34
|
II
|
9
|
M
|
E
|
91
|
12,5
|
58
|
2a
|
PRESENTE
|
12
|
33
|
15
|
34
|
15
|
39
|
21
|
22
|
II
|
10
|
F
|
E
|
76
|
10,5
|
49
|
2b
|
PRESENTE
|
7
|
33
|
11
|
27
|
12
|
43
|
17
|
35
|
II
|
11
|
F
|
E
|
96
|
11,2
|
38
|
1b
|
PRESENTE
|
16
|
32
|
20
|
25
|
19
|
32
|
19
|
24
|
III
|
12
|
M
|
D
|
120
|
12,6
|
32
|
1b
|
AUSENTE
|
6
|
34
|
13
|
30
|
9
|
41
|
12
|
29
|
II
|
13
|
M
|
D
|
108
|
17
|
93
|
1b
|
PRESENTE
|
12
|
30
|
22
|
21
|
11
|
45
|
21
|
30
|
III
|
14
|
M
|
D
|
96
|
12,7
|
51
|
2b
|
PRESENTE
|
15
|
31
|
24
|
18
|
12
|
34
|
13
|
22
|
IV
|
15
|
M
|
E
|
132
|
14
|
34
|
2b
|
PRESENTE
|
10
|
33
|
9
|
32
|
12
|
52
|
26
|
32
|
II
|
16
|
M
|
E
|
79
|
10
|
33
|
2a
|
PRESENTE
|
13
|
34
|
18
|
24
|
6
|
31
|
14
|
32
|
I
|
17
|
F
|
E
|
120
|
11
|
14
|
2a
|
PRESENTE
|
12
|
52
|
18
|
32
|
13
|
41
|
19
|
39
|
IV
|
18
|
M
|
E
|
96
|
10,5
|
22
|
2a
|
PRESENTE
|
10
|
38
|
15
|
33
|
9
|
45
|
15
|
24
|
III
|
19
|
F
|
D
|
120
|
11
|
14
|
2a
|
PRESENTE
|
12
|
26
|
15
|
24
|
16
|
29
|
12
|
34
|
I
|
20
|
M
|
E
|
115
|
11,5
|
36
|
1b
|
PRESENTE
|
13
|
27
|
14
|
23
|
14
|
28
|
15
|
31
|
I
|
21
|
F
|
D
|
84
|
9,5
|
17
|
2b
|
PRESENTE
|
14
|
32
|
20
|
23
|
15
|
26
|
24
|
17
|
II
|
22
|
F
|
E
|
103
|
10
|
17
|
2b
|
PRESENTE
|
10
|
31
|
14
|
23
|
9
|
34
|
14
|
32
|
III
|
23
|
M
|
E
|
87
|
9,5
|
14
|
2a
|
AUSENTE
|
9
|
32
|
11
|
28
|
11
|
30
|
11
|
26
|
IV
|
As radiografias pré-operatórias mostraram displasia acetabular significativa no lado
acometido em comparação ao lado não acometido. O quadril acometido apresentou AI médio
de 16,6 (DP, 4,3) graus e CEA de 25,8 (DP, 4,8) graus, enquanto o lado não acometido
apresentou AI médio de 11,7 (DP, 2,4) graus e CEA de 32,8 (DP 5,3) graus. Esta displasia
foi observada em todos os subgrupos analisados ([Tabela 2]).
Tabela 2
Grupos
|
Pré-operatório
|
Significância*
|
Pré-operatório
|
Significância*
|
Acompanhamento
|
Significância*
|
Acompanhamento
|
Significância*
|
AI do lado não acometido (graus)
|
AI do lado acometido (graus)
|
|
CEA do lado não acometido (graus)
|
CEA do lado acometido (graus)
|
|
AI do lado não acometido (graus)
|
AI do lado acometido (graus)
|
|
CEA do lado não acometido (graus)
|
CEA do lado acometido (graus)
|
|
Estágio inicial da doença
|
Ib, IIa
|
11,6 (2,1)
|
17,1 (4,2)
|
0,0001
|
33,3 (6,1)
|
26,5(4,0)
|
0,0008
|
12,8(3,9)
|
17,5(4,5)
|
0,0004
|
36,9 (6,5)
|
29,1 (5,14)
|
0,002
|
IIb
|
12 (2,6)
|
16,3(4,6)
|
0,006
|
31,4 (3,0)
|
24,2(5,6)
|
0,002
|
12,7 (2,1)
|
19,4(4,8)
|
0,0007
|
36 (7,4)
|
24,2 (11,1)
|
0,008
|
Idade no momento da cirurgia
|
≤8 anos
|
11,8 (2,6)
|
16,9 (4,3)
|
<0,001
|
33,2 (2,9)
|
26,6 (4,9)
|
0,0001
|
11,8 (4,0)
|
16,5 (4,4)
|
0,0006
|
35,5 (6,3)
|
27,7 (7,0)
|
0,003
|
>8 anos
|
11,6 (2,2)
|
16,3(4,5)
|
0,007
|
32,5 (6,7)
|
25 (4,9)
|
0,001
|
13,4 (2,6)
|
19,4 (4,7)
|
0,0001
|
38 (7,3)
|
27 (9,8)
|
0,005
|
Grau de Stulberg ao acompanhamento
|
I e II
|
11 (2,4)
|
16,3(5,1)
|
0,004
|
32,4 (4,0)
|
27,2(4,0)
|
0,001
|
12,7 (3,1)
|
18,2(4,9)
|
0,003
|
36,6 (8,0)
|
30,2 (6,0)
|
0,027
|
III e IV
|
12,4 (2,1)
|
16,8(3,5)
|
0,0001
|
33,2 (6,2)
|
24,4(5,1)
|
0,0001
|
12,5 (3,6)
|
17,9(4,5)
|
0,0003
|
37,1 (5,7)
|
24,7 (9,5)
|
0,0008
|
Os pacientes operados nos estágios inicial e tardio de fragmentação apresentaram displasia
acetabular persistente significativa no lado acometido durante o acompanhamento ([Tabela 2]). Em indivíduos com estágios Ib e IIa da doença à apresentação, o AI no lado não
acometido foi de 12,8 (DP, 3,9) graus e 17,5 (DP, 4,5) graus no lado acometido (p = 0,0004). O CEA foi de 37 (DP, 6,5) graus no lado não acometido e 29 (DP, 5,1) graus
no lado acometido (p = 0,002) ([Fig. 1]). As observações em quadris operados no estágio IIb, de fragmentação tardia, foram
semelhantes ([Fig. 2]). A análise intergrupos revelou a ausência de diferenças significativas ao comparar
a displasia acetabular do lado acometido (Ib/IIa e IIb) no período pré-operatório
e no último acompanhamento (p > 0,05).
Fig. 1 (A) Paciente de 10,1 anos de idade com doença de Perthes no quadril esquerdo em estágio
2a (paciente 4). (B) A osteotomia derrotatória varizante em cunha aberta foi realizada
para contenção do quadril. (C) A cura foi alcançada aos 51 meses de acompanhamento.
A cabeça aumentou e o grau final de Stulberg foi III. Houve displasia acetabular persistente
no lado acometido (índice acetabular [AI], 23 graus) em comparação ao lado não acometido
(AI, 13 graus).
Fig. 2 (A) Paciente de 6,7 anos de idade com doença em estágio 2b e extrusão do quadril
direito (paciente 1). O paciente apresentava maior índice acetabular (AI) no lado
acometido (22 graus) em comparação ao lado não acometido (12 graus). (B) A osteotomia
derrotatória varizante em cunha aberta foi realizada para contenção do quadril. (C)
Aos 20 meses de acompanhamento, o grau final de Stulberg foi II. Houve displasia acetabular
persistente no lado acometido (AI, 22 graus) em comparação ao lado não acometido (AI,
15 graus).
O acetábulo não sofreu remodelamento e a displasia persistiu tanto no grupo com a
doença em estágio precoce (submetido à VDRO até os 8 anos de idade) quanto no grupo
com a doença em estágio tardio (submetido à VDRO após os 8 anos de idade) no último
acompanhamento. Os quadris acometidos ou não apresentaram diferenças significativas
(p < 0,001) nos valores de AI e CEA no acompanhamento. Além disso, a análise intergrupos
entre duas faixas etárias mostrou AI e CEA comparáveis nos quadris acometidos seja
no período pré-operatório ou de acompanhamento.
O remodelamento do acetábulo também não correspondeu à nota final de Stulberg. Os
quadris com Stulberg final de grau I e II também apresentaram parâmetros acetabulares
significativamente alterados em comparação ao lado não acometido durante o acompanhamento.
Não houve diferença significativa no grau de displasia acetabular ao comparar os dois
grupos (Stulberg I/II e ≥III) tanto no pré-operatório quanto no acompanhamento.
Discussão
A doença de Perthes é um distúrbio da infância caracterizado por necrose avascular
da cabeça do fêmur. As alterações do acetábulo na doença de Perthes são um fenômeno
reconhecido há muito tempo.[1]
[2]
[3]
[4]
[5]
[6] Das diversas alterações morfológicas que ocorrem no acetábulo, a mais observada
é a displasia acetabular associada à osteopenia e irregularidade do teto ósseo.[5] Os vários fatores analisados em nosso estudo, ou seja, estágio da doença, idade
da criança à intervenção cirúrgica e desfecho radiológico final, têm sido assunto
de muito debate na doença de Perthes, mas a discussão é amplamente direcionada às
características femorais proximais.[7]
[8] Nosso estudo enfocou a relação do acetábulo com esses fatores em pacientes submetidos
a um método de contenção uniforme, a VDRO. O estudo do acetábulo é de grande importância
porque sua incongruência persistente em crianças maiores após a cura da doença pode
causar artrite degenerativa precoce do quadril.[3]
[5]
Nosso estudo revelou a presença de displasia acetabular significativa mesmo em estágios
iniciais (I e II) da doença de Perthes ou em crianças de menor idade. AI e CEA foram
anormais em comparação ao lado não acometido antes da cirurgia. Essa displasia precoce
indicou que a doença de Perthes é um distúrbio articular global e não se restringe
apenas ao acometimento femoral proximal. Portanto, enfatiza-se que o outro lado da
articulação do quadril pode receber a devida consideração durante o pré-operatório
e as reconstruções tardias em pacientes com doença de Perthes.
Na estratégia de intervenção preventiva para tratamento da doença de Perthes, postulada
por Joseph e colegas, a VDRO era normalmente indicada no estágio IIa (estágio de fragmentação
inicial). No entanto, em uma pesquisa posterior, foi demonstrado que a VDRO tinha
certa utilidade mesmo em quadris com fragmentação tardia (IIb).[8]
[14] Em nossa série, cinco de nove (55%) pacientes com doença em estágio IIb antes da
cirurgia alcançaram um grau final de Stulberg II e congruência global da articulação
do quadril. No entanto, esses pacientes não apresentaram normalização dos índices
acetabulares ao acompanhamento, ou seja, durante a consolidação.
Diversas séries estabeleceram a idade limite de 8 anos para realização da VDRO e obtenção
de melhores desfechos femorais.[8]
[14]
[23] Ainda assim, achados acetabulares semelhantes não foram replicados. Uma possível
explicação para essa observação pode estar no fato de que, embora a cartilagem trirradiada
não esteja completamente fundida aos 8 anos, a capacidade de remodelamento do acetábulo
diminui bastante nessa época devido à perda da plasticidade biológica ou à doença.
O uso de VDRO em outras doenças que não a de Perthes corrobora esse postulado. Shore
et al estudaram o efeito da VDRO em 56 crianças (103 quadris) com paralisia cerebral
submetidas ao procedimento com idade média de 7,7 anos e acompanhadas por, em média,
7,8 anos.[24] Estes autores não observaram melhora significativa do AI em crianças com mais de
6 anos e notaram melhora média de 2,3 graus em crianças ≤ 6 anos. Assim, a modificação
do plano/procedimento acetabular concomitante é sugerida já aos 6 anos de idade na
doença de Perthes em pacientes com displasia acetabular pré-operatória significativa.
Por fim, em nosso estudo, os pacientes com bons desfechos radiológicos (graus I e
II de Stulberg) ao acompanhamento também apresentaram configurações acetabulares com
deformidades residuais. Kamegaya et al. fizeram observações semelhantes e demonstraram
que a posição da cabeça femoral determina a cobertura acetabular final à maturidade,
mas não a esfericidade e formato da cabeça femoral ou a idade da criança.[1] Este estudo compreendeu 33 quadris com doença de Perthes unilateral, dos quais 29
quadris foram analisados com base no índice da cabeça acetabular (IAH), esfericidade
da cabeça femoral, idade à cicatrização primária e quantidade de subluxação. Apenas
13 quadris (48,8%) apresentaram mais de 10% de melhora no IAH à cicatrização. De modo
geral, não houve nenhuma correlação significativa entre o IAH e a esfericidade da
cabeça femoral ou a idade à cicatrização primária. No entanto, o IAH foi correlacionado
à redução da subluxação. Os autores desta série, no entanto, recomendaram adiar os
procedimentos acetabulares, se necessário, até a maturidade, pois alguns de seus pacientes
apresentaram remodelamento acetabular. Descobrimos que as alterações no acetábulo
de crianças com doença de Perthes submetidas à VDRO após os 6 anos de idade não sofreram
remodelamento significativo apesar da melhora do contorno da cabeça femoral.
A maioria de nossas crianças era esqueleticamente imatura no último acompanhamento.
De acordo com Shah et al., o formato da cabeça femoral e a congruência do quadril
eram bastante estáticos após a cicatrização e a ocorrência de outras alterações até
a maturidade esquelética era improvável.[3] Assim, a possibilidade de mudança significativa dos desfechos radiológicos finais
na maturidade é baixa. Outras limitações deste estudo foram seu delineamento experimental
retrospectivo, as idades variáveis à VDRO e os diferentes períodos de acompanhamento.
Além disso, houve diferenças nos estágios pré-operatórios da doença de Perthes e na
gravidade da displasia acetabular. As radiografias simples basearam a avaliação inicial
e final e tinham uma limitação inerente decorrente da complexidade do formato geral
do acetábulo. Os resultados estatísticos precisam de interpretação cuidadosa devido
ao número relativamente pequeno de pacientes e à análise univariada. No entanto, nossa
série eliminou vários vieses de tratamento, sendo uma coorte uniforme de casos de
doença de Perthes unilateral submetidos a uma técnica cirúrgica comum. Tínhamos uma
referência do formato acetabular normal, tanto no período pré-operatório quanto no
acompanhamento, para todas as comparações, o que permitiu a análise das alterações
fisiológicas ocorridas no acetábulo durante o período de acompanhamento. Todos os
casos foram acompanhados até a cura da doença. Pudemos estabelecer quantitativamente
a deformação precoce do acetábulo na doença de Perthes e notamos que seu restauro
após a VDRO foi incompleto, talvez devido ao limitado potencial de remodelamento no
momento da realização do procedimento cirúrgico. Ao contrário da crença comum, a VDRO
nem sempre produz resultados acetabulares favoráveis nos primeiros estágios da doença.
Por fim, o remodelamento do acetábulo pode não corroborar o formato final da cabeça
femoral à cicatrização. Gostaríamos, porém, de sugerir mais estudos sobre o remodelamento
acetabular após a VDRO com um número maior de casos e maior acompanhamento até a maturidade
esquelética para decifrar essas alterações com maior precisão.
Conclusões
A VDRO do quadril acometido não gerou melhora significativa da displasia acetabular
mesmo quando o procedimento foi realizado em estágios iniciais da doença de Perthes
ou em faixa etária mais jovem. Alterações acetabulares residuais também foram observadas
mesmo com graus de Stulberg favoráveis.