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DOI: 10.1055/s-0043-1772242
O acetábulo sofre remodelamento após a osteotomia derrotatória varizante em pacientes com doença de Perthes?
Article in several languages: português | EnglishResumo
Objetivo Investigamos o efeito do estágio da doença, idade do paciente e contorno final da cabeça femoral no contorno do acetábulo após a osteotomia derrotatória varizante (VDRO) do fêmur proximal na doença de Perthes unilateral.
Métodos O estudo é uma análise retrospectiva de prontuários de 23 crianças com idade ≥ 6 anos com doença de Perthes unilateral que foram submetidas ao procedimento primário de VDRO para contenção. O índice acetabular (AI) e o ângulo da borda central (CEA) foram calculados bilateralmente em radiografias pré-operatórias e de acompanhamento e submetidos à comparação estatística.
Resultados Os pacientes eram 15 meninos e oito meninas. À VDRO, seis quadris estavam no estágio de Waldenström modificado Ib, oito no estágio IIa e nove no estágio IIb. A média de idade à intervenção cirúrgica foi de 8,7 anos. A duração média do acompanhamento foi de 3,5 anos. Todas as cabeças femorais estavam consolidadas no último acompanhamento e os graus finais de Stulberg foram I = 3, II = 8, III = 7 e IV = 5. Havia displasia acetabular significativa do lado acometido no período pré-operatório. No acompanhamento, os pacientes operados apresentaram elevação significativa de AI e redução de CEA. Não houve remodelamento acetabular significativo nos quadris acometidos durante o acompanhamento, mesmo em crianças operadas em idade menor (< 8 anos) ou estágios iniciais (estágio Ib ou IIa). O remodelamento do acetábulo também não correspondeu ao grau final de Stulberg.
Conclusão A VDRO do fêmur do quadril acometido não levou à melhora significativa da displasia acetabular, mesmo quando a cirurgia foi realizada nos estágios iniciais da doença ou em pacientes mais jovens. Alterações acetabulares residuais também foram observadas mesmo com graus de Stulberg favoráveis.
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Introdução
Há amplas evidências que doença de Perthes modifica o fêmur proximal, mas também provoca alterações significativas no acetábulo.[1] [2] [3] [4] [5] [6] As alterações acetabulares começam cedo e são caracterizadas pelo crescimento anormal da cartilagem e aumento do espaço articular medial. Nos estágios tardios, frequentemente há displasia do acetábulo lateral e aumento e deslocamento lateral da cabeça femoral.[5]
O principal tratamento da doença de Perthes é o assentamento da cabeça femoral totalmente dentro da cavidade acetabular para que possa manter sua esfericidade durante o período subsequente de revascularização e remodelamento.[7] [8] A contenção por osteotomia derrotatória de variação (VDRO) do fêmur proximal é um dos procedimentos cirúrgicos preferidos para esse fim. Muitos estudos relatam a melhora da esfericidade e do desfecho radiológico do fêmur proximal após a VDRO.[9] [10] [11] [12] [13] [14] [15] Como as alterações acetabulares acompanham as modificações morfológicas da cabeça do fêmur durante a doença, pode-se esperar que a osteotomia de contenção femoral também produza congruência acetabular à consolidação.[5] Outros questionam essa hipótese porque a VDRO é comumente oferecida quando o potencial de remodelamento do acetábulo já é limitado.[5]
A literatura especificamente acerca do remodelamento acetabular após procedimentos de contenção na doença de Perthes em crianças é escassa.[1] [3] Portanto, conduzimos este estudo para entender melhor as alterações acetabulares após a VDRO para tratamento da doença de Perthes. Investigamos principalmente o efeito do estágio da doença, da idade do paciente e do contorno final da cabeça femoral no acetábulo após a intervenção cirúrgica.
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Métodos
Este estudo retrospectivo (2010-2020) foi realizado em um centro pediátrico terciário. O estudo foi autorizado pelo Comitê de Ética Institucional e todos os pacientes e/ou familiares assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Incluímos crianças ≥6 anos com doença de Perthes unilateral nos estágios Ib a IIb segundo a classificação de Waldenström modificada e submetidas à VDRO primária e epifisiodese trocantérica para contenção.[8] [16] [17] Excluímos pacientes com acompanhamento inferior a 1 ano e inadequações nos prontuários médicos. Vinte e três crianças preencheram os critérios acima e participaram do estudo.
De acordo com a classificação modificada de Waldenström da doença de Perthes, a fragmentação da cabeça femoral começa no estágio IIa e progride até IIb (fragmentação tardia).[8] [16] [17] A VDRO é geralmente indicada nos estágios I e II da doença. As evidências disponíveis indicam a provável extrusão da epífise e subsequente deterioração em crianças acima de 7 anos; assim, a VDRO também é recomendada em pacientes sem extrusão.[4] [13] [17] [18] A VDRO realizada em nosso instituto é uma osteotomia subtrocantérica em cunha lateral aberta para contenção da cabeça femoral com limite inferior do ângulo final do eixo do colo de cerca de 110 a 115 graus, desvio de cerca de 15 a 20 graus e estabilização com placa moldada de compressão dinâmica.[7]
Avaliação
A avaliação radiográfica foi baseada em radiografias simples anteroposteriores. Como já mencionado, o estágio inicial e a gravidade de acometimento do quadril foram determinados segundo a classificação modificada de Waldenström.[8] [16] O índice acetabular (AI) e o ângulo da borda central (CEA) de ambos os quadris foram calculados antes da cirurgia.[19] Nas radiografias subsequentes de acompanhamento, o quadril foi avaliado quanto à presença de displasia acetabular e esfericidade. A displasia acetabular foi avaliada radiologicamente por AI e CEA. A esfericidade geral da cabeça foi analisada segundo o grau de Stulberg.[20]
O estágio da doença à apresentação, a idade do paciente e a esfericidade final da cabeça do fêmur são os principais fatores postulados para definição do desfecho final na doença de Perthes.[2] [7] [8] [14] [21]. Dessa forma, para possibilitar a análise dos desfechos acetabulares, as crianças foram subagrupadas em estágio inicial (Ib e IIa) e tardio (IIb) da doença à apresentação; idade ≤8 e >8 anos; e grau de Stulberg até 2 (considerado um bom desfecho) e 3 ou superior.
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Análise estatística
O AI e o CEA pré-operatórios em ambos os lados foram comparados com o teste t de Student pareado para determinar a displasia aproximada no quadril acometido. Os índices foram novamente comparados durante o acompanhamento para determinação da displasia acetabular residual. O valor de p <0,05 foi considerado significativo. A análise estatística foi realizada em software estatístico online MedCalc.[22]
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Resultados
Dentre as 23 crianças, 15 eram meninos e oito eram meninas. Seis quadris estavam no estágio Ib, oito no estágio IIa e noveno estágio IIb antes da VDRO ([Tabela 1]). A idade média dos pacientes à intervenção cirúrgica foi de 8,7 (desvio-padrão [DP], 1,5) anos (faixa, 6,6 a 11,7 anos). A extrusão lateral da cabeça femoral foi observada em 18 quadris no período pré-operatório. A duração média do acompanhamento foi de 3,5 (DP, 2,2) anos e a idade média no final do acompanhamento foi de 12,2 (DP, 2,4) anos. Todas as cabeças femorais estavam consolidadas no último acompanhamento final e, dessas, 48% apresentavam graus I e II de Stulberg (grau de Stulberg I = 3, II = 8, III = 7 e IV = 5).
NÚMERO |
SEXO |
LADO |
IDADE (MESES) |
IDADE AO ACOMPANHAMENTO |
ACOMPANHAMENTO (MESES) |
ESTÁGIO DA DOENÇA |
EXTRUSÃO |
PARÂMETROS PRÉ-OPERATÓRIOS (GRAUS) |
ACOMPANHAMENTO (GRAUS) |
GRAU DE STULBERG |
||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
NÃO ACOMETIDO |
NÃO ACOMETIDO |
ACOMETIDO |
ACOMETIDO |
NÃO ACOMETIDO |
NÃO ACOMETIDO |
ACOMETIDO |
ACOMETIDO |
|||||||||
AI |
CEA |
AI |
CEA |
AI |
CEA |
AI |
CEA |
|||||||||
1 |
M |
D |
81 |
9 |
20 |
2b |
PRESENTE |
12 |
28 |
22 |
23 |
15 |
30 |
22 |
27 |
II |
2 |
M |
D |
132 |
16,6 |
120 |
2a |
PRESENTE |
12 |
30 |
16 |
23 |
18 |
32 |
23 |
26 |
III |
3 |
M |
E |
96 |
12,5 |
54 |
1b |
AUSENTE |
11 |
34 |
15 |
26 |
6 |
42 |
12 |
37 |
III |
4 |
M |
E |
122 |
14,5 |
51 |
2a |
AUSENTE |
13 |
31 |
15 |
24 |
13 |
44 |
23 |
22 |
III |
5 |
M |
D |
140 |
16 |
54 |
2b |
PRESENTE |
15 |
27 |
16 |
26 |
15 |
36 |
24 |
6 |
IV |
6 |
M |
D |
102 |
14,5 |
60 |
2b |
PRESENTE |
14 |
30 |
16 |
14 |
14 |
30 |
21 |
8 |
IV |
7 |
F |
E |
96 |
9,5 |
14 |
2b |
PRESENTE |
11 |
38 |
15 |
32 |
10 |
39 |
14 |
39 |
II |
8 |
F |
D |
108 |
14 |
55 |
1b |
AUSENTE |
11 |
39 |
28 |
28 |
16 |
45 |
23 |
34 |
II |
9 |
M |
E |
91 |
12,5 |
58 |
2a |
PRESENTE |
12 |
33 |
15 |
34 |
15 |
39 |
21 |
22 |
II |
10 |
F |
E |
76 |
10,5 |
49 |
2b |
PRESENTE |
7 |
33 |
11 |
27 |
12 |
43 |
17 |
35 |
II |
11 |
F |
E |
96 |
11,2 |
38 |
1b |
PRESENTE |
16 |
32 |
20 |
25 |
19 |
32 |
19 |
24 |
III |
12 |
M |
D |
120 |
12,6 |
32 |
1b |
AUSENTE |
6 |
34 |
13 |
30 |
9 |
41 |
12 |
29 |
II |
13 |
M |
D |
108 |
17 |
93 |
1b |
PRESENTE |
12 |
30 |
22 |
21 |
11 |
45 |
21 |
30 |
III |
14 |
M |
D |
96 |
12,7 |
51 |
2b |
PRESENTE |
15 |
31 |
24 |
18 |
12 |
34 |
13 |
22 |
IV |
15 |
M |
E |
132 |
14 |
34 |
2b |
PRESENTE |
10 |
33 |
9 |
32 |
12 |
52 |
26 |
32 |
II |
16 |
M |
E |
79 |
10 |
33 |
2a |
PRESENTE |
13 |
34 |
18 |
24 |
6 |
31 |
14 |
32 |
I |
17 |
F |
E |
120 |
11 |
14 |
2a |
PRESENTE |
12 |
52 |
18 |
32 |
13 |
41 |
19 |
39 |
IV |
18 |
M |
E |
96 |
10,5 |
22 |
2a |
PRESENTE |
10 |
38 |
15 |
33 |
9 |
45 |
15 |
24 |
III |
19 |
F |
D |
120 |
11 |
14 |
2a |
PRESENTE |
12 |
26 |
15 |
24 |
16 |
29 |
12 |
34 |
I |
20 |
M |
E |
115 |
11,5 |
36 |
1b |
PRESENTE |
13 |
27 |
14 |
23 |
14 |
28 |
15 |
31 |
I |
21 |
F |
D |
84 |
9,5 |
17 |
2b |
PRESENTE |
14 |
32 |
20 |
23 |
15 |
26 |
24 |
17 |
II |
22 |
F |
E |
103 |
10 |
17 |
2b |
PRESENTE |
10 |
31 |
14 |
23 |
9 |
34 |
14 |
32 |
III |
23 |
M |
E |
87 |
9,5 |
14 |
2a |
AUSENTE |
9 |
32 |
11 |
28 |
11 |
30 |
11 |
26 |
IV |
As radiografias pré-operatórias mostraram displasia acetabular significativa no lado acometido em comparação ao lado não acometido. O quadril acometido apresentou AI médio de 16,6 (DP, 4,3) graus e CEA de 25,8 (DP, 4,8) graus, enquanto o lado não acometido apresentou AI médio de 11,7 (DP, 2,4) graus e CEA de 32,8 (DP 5,3) graus. Esta displasia foi observada em todos os subgrupos analisados ([Tabela 2]).
Grupos |
Pré-operatório |
Significância* |
Pré-operatório |
Significância* |
Acompanhamento |
Significância* |
Acompanhamento |
Significância* |
||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
AI do lado não acometido (graus) |
AI do lado acometido (graus) |
CEA do lado não acometido (graus) |
CEA do lado acometido (graus) |
AI do lado não acometido (graus) |
AI do lado acometido (graus) |
CEA do lado não acometido (graus) |
CEA do lado acometido (graus) |
|||||
Estágio inicial da doença |
||||||||||||
Ib, IIa |
11,6 (2,1) |
17,1 (4,2) |
0,0001 |
33,3 (6,1) |
26,5(4,0) |
0,0008 |
12,8(3,9) |
17,5(4,5) |
0,0004 |
36,9 (6,5) |
29,1 (5,14) |
0,002 |
IIb |
12 (2,6) |
16,3(4,6) |
0,006 |
31,4 (3,0) |
24,2(5,6) |
0,002 |
12,7 (2,1) |
19,4(4,8) |
0,0007 |
36 (7,4) |
24,2 (11,1) |
0,008 |
Idade no momento da cirurgia |
||||||||||||
≤8 anos |
11,8 (2,6) |
16,9 (4,3) |
<0,001 |
33,2 (2,9) |
26,6 (4,9) |
0,0001 |
11,8 (4,0) |
16,5 (4,4) |
0,0006 |
35,5 (6,3) |
27,7 (7,0) |
0,003 |
>8 anos |
11,6 (2,2) |
16,3(4,5) |
0,007 |
32,5 (6,7) |
25 (4,9) |
0,001 |
13,4 (2,6) |
19,4 (4,7) |
0,0001 |
38 (7,3) |
27 (9,8) |
0,005 |
Grau de Stulberg ao acompanhamento |
||||||||||||
I e II |
11 (2,4) |
16,3(5,1) |
0,004 |
32,4 (4,0) |
27,2(4,0) |
0,001 |
12,7 (3,1) |
18,2(4,9) |
0,003 |
36,6 (8,0) |
30,2 (6,0) |
0,027 |
III e IV |
12,4 (2,1) |
16,8(3,5) |
0,0001 |
33,2 (6,2) |
24,4(5,1) |
0,0001 |
12,5 (3,6) |
17,9(4,5) |
0,0003 |
37,1 (5,7) |
24,7 (9,5) |
0,0008 |
Os pacientes operados nos estágios inicial e tardio de fragmentação apresentaram displasia acetabular persistente significativa no lado acometido durante o acompanhamento ([Tabela 2]). Em indivíduos com estágios Ib e IIa da doença à apresentação, o AI no lado não acometido foi de 12,8 (DP, 3,9) graus e 17,5 (DP, 4,5) graus no lado acometido (p = 0,0004). O CEA foi de 37 (DP, 6,5) graus no lado não acometido e 29 (DP, 5,1) graus no lado acometido (p = 0,002) ([Fig. 1]). As observações em quadris operados no estágio IIb, de fragmentação tardia, foram semelhantes ([Fig. 2]). A análise intergrupos revelou a ausência de diferenças significativas ao comparar a displasia acetabular do lado acometido (Ib/IIa e IIb) no período pré-operatório e no último acompanhamento (p > 0,05).




O acetábulo não sofreu remodelamento e a displasia persistiu tanto no grupo com a doença em estágio precoce (submetido à VDRO até os 8 anos de idade) quanto no grupo com a doença em estágio tardio (submetido à VDRO após os 8 anos de idade) no último acompanhamento. Os quadris acometidos ou não apresentaram diferenças significativas (p < 0,001) nos valores de AI e CEA no acompanhamento. Além disso, a análise intergrupos entre duas faixas etárias mostrou AI e CEA comparáveis nos quadris acometidos seja no período pré-operatório ou de acompanhamento.
O remodelamento do acetábulo também não correspondeu à nota final de Stulberg. Os quadris com Stulberg final de grau I e II também apresentaram parâmetros acetabulares significativamente alterados em comparação ao lado não acometido durante o acompanhamento. Não houve diferença significativa no grau de displasia acetabular ao comparar os dois grupos (Stulberg I/II e ≥III) tanto no pré-operatório quanto no acompanhamento.
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Discussão
A doença de Perthes é um distúrbio da infância caracterizado por necrose avascular da cabeça do fêmur. As alterações do acetábulo na doença de Perthes são um fenômeno reconhecido há muito tempo.[1] [2] [3] [4] [5] [6] Das diversas alterações morfológicas que ocorrem no acetábulo, a mais observada é a displasia acetabular associada à osteopenia e irregularidade do teto ósseo.[5] Os vários fatores analisados em nosso estudo, ou seja, estágio da doença, idade da criança à intervenção cirúrgica e desfecho radiológico final, têm sido assunto de muito debate na doença de Perthes, mas a discussão é amplamente direcionada às características femorais proximais.[7] [8] Nosso estudo enfocou a relação do acetábulo com esses fatores em pacientes submetidos a um método de contenção uniforme, a VDRO. O estudo do acetábulo é de grande importância porque sua incongruência persistente em crianças maiores após a cura da doença pode causar artrite degenerativa precoce do quadril.[3] [5]
Nosso estudo revelou a presença de displasia acetabular significativa mesmo em estágios iniciais (I e II) da doença de Perthes ou em crianças de menor idade. AI e CEA foram anormais em comparação ao lado não acometido antes da cirurgia. Essa displasia precoce indicou que a doença de Perthes é um distúrbio articular global e não se restringe apenas ao acometimento femoral proximal. Portanto, enfatiza-se que o outro lado da articulação do quadril pode receber a devida consideração durante o pré-operatório e as reconstruções tardias em pacientes com doença de Perthes.
Na estratégia de intervenção preventiva para tratamento da doença de Perthes, postulada por Joseph e colegas, a VDRO era normalmente indicada no estágio IIa (estágio de fragmentação inicial). No entanto, em uma pesquisa posterior, foi demonstrado que a VDRO tinha certa utilidade mesmo em quadris com fragmentação tardia (IIb).[8] [14] Em nossa série, cinco de nove (55%) pacientes com doença em estágio IIb antes da cirurgia alcançaram um grau final de Stulberg II e congruência global da articulação do quadril. No entanto, esses pacientes não apresentaram normalização dos índices acetabulares ao acompanhamento, ou seja, durante a consolidação.
Diversas séries estabeleceram a idade limite de 8 anos para realização da VDRO e obtenção de melhores desfechos femorais.[8] [14] [23] Ainda assim, achados acetabulares semelhantes não foram replicados. Uma possível explicação para essa observação pode estar no fato de que, embora a cartilagem trirradiada não esteja completamente fundida aos 8 anos, a capacidade de remodelamento do acetábulo diminui bastante nessa época devido à perda da plasticidade biológica ou à doença. O uso de VDRO em outras doenças que não a de Perthes corrobora esse postulado. Shore et al estudaram o efeito da VDRO em 56 crianças (103 quadris) com paralisia cerebral submetidas ao procedimento com idade média de 7,7 anos e acompanhadas por, em média, 7,8 anos.[24] Estes autores não observaram melhora significativa do AI em crianças com mais de 6 anos e notaram melhora média de 2,3 graus em crianças ≤ 6 anos. Assim, a modificação do plano/procedimento acetabular concomitante é sugerida já aos 6 anos de idade na doença de Perthes em pacientes com displasia acetabular pré-operatória significativa.
Por fim, em nosso estudo, os pacientes com bons desfechos radiológicos (graus I e II de Stulberg) ao acompanhamento também apresentaram configurações acetabulares com deformidades residuais. Kamegaya et al. fizeram observações semelhantes e demonstraram que a posição da cabeça femoral determina a cobertura acetabular final à maturidade, mas não a esfericidade e formato da cabeça femoral ou a idade da criança.[1] Este estudo compreendeu 33 quadris com doença de Perthes unilateral, dos quais 29 quadris foram analisados com base no índice da cabeça acetabular (IAH), esfericidade da cabeça femoral, idade à cicatrização primária e quantidade de subluxação. Apenas 13 quadris (48,8%) apresentaram mais de 10% de melhora no IAH à cicatrização. De modo geral, não houve nenhuma correlação significativa entre o IAH e a esfericidade da cabeça femoral ou a idade à cicatrização primária. No entanto, o IAH foi correlacionado à redução da subluxação. Os autores desta série, no entanto, recomendaram adiar os procedimentos acetabulares, se necessário, até a maturidade, pois alguns de seus pacientes apresentaram remodelamento acetabular. Descobrimos que as alterações no acetábulo de crianças com doença de Perthes submetidas à VDRO após os 6 anos de idade não sofreram remodelamento significativo apesar da melhora do contorno da cabeça femoral.
A maioria de nossas crianças era esqueleticamente imatura no último acompanhamento. De acordo com Shah et al., o formato da cabeça femoral e a congruência do quadril eram bastante estáticos após a cicatrização e a ocorrência de outras alterações até a maturidade esquelética era improvável.[3] Assim, a possibilidade de mudança significativa dos desfechos radiológicos finais na maturidade é baixa. Outras limitações deste estudo foram seu delineamento experimental retrospectivo, as idades variáveis à VDRO e os diferentes períodos de acompanhamento. Além disso, houve diferenças nos estágios pré-operatórios da doença de Perthes e na gravidade da displasia acetabular. As radiografias simples basearam a avaliação inicial e final e tinham uma limitação inerente decorrente da complexidade do formato geral do acetábulo. Os resultados estatísticos precisam de interpretação cuidadosa devido ao número relativamente pequeno de pacientes e à análise univariada. No entanto, nossa série eliminou vários vieses de tratamento, sendo uma coorte uniforme de casos de doença de Perthes unilateral submetidos a uma técnica cirúrgica comum. Tínhamos uma referência do formato acetabular normal, tanto no período pré-operatório quanto no acompanhamento, para todas as comparações, o que permitiu a análise das alterações fisiológicas ocorridas no acetábulo durante o período de acompanhamento. Todos os casos foram acompanhados até a cura da doença. Pudemos estabelecer quantitativamente a deformação precoce do acetábulo na doença de Perthes e notamos que seu restauro após a VDRO foi incompleto, talvez devido ao limitado potencial de remodelamento no momento da realização do procedimento cirúrgico. Ao contrário da crença comum, a VDRO nem sempre produz resultados acetabulares favoráveis nos primeiros estágios da doença. Por fim, o remodelamento do acetábulo pode não corroborar o formato final da cabeça femoral à cicatrização. Gostaríamos, porém, de sugerir mais estudos sobre o remodelamento acetabular após a VDRO com um número maior de casos e maior acompanhamento até a maturidade esquelética para decifrar essas alterações com maior precisão.
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Conclusões
A VDRO do quadril acometido não gerou melhora significativa da displasia acetabular mesmo quando o procedimento foi realizado em estágios iniciais da doença de Perthes ou em faixa etária mais jovem. Alterações acetabulares residuais também foram observadas mesmo com graus de Stulberg favoráveis.
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Conflito de Interesses
Os autores não têm conflito de interesses a declarar.
Contribuições dos Autores
Cada autor contribuiu individual e significativamente para o desenvolvimento deste artigo: NBD foi responsável pela metodologia, investigação e redação do manuscrito original, enquanto AA fez a conceituação, supervisão e edição.
Trabalho desenvolvido no Departamento de Ortopedia Pediátrica, Chacha Nehru Bal Chikitsalaya, Geeta Colony, Delhi, Índia
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Referências
- 1 Kamegaya M, Shinada Y, Moriya H, Tsuchiya K, Akita T, Someya M. Acetabular remodelling in Perthes' disease after primary healing. J Pediatr Orthop 1992; 12 (03) 308-314
- 2 Grzegorzewski A, Synder M, Kozłowski P, Szymczak W, Bowen RJ. The role of the acetabulum in Perthes disease. J Pediatr Orthop 2006; 26 (03) 316-321
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Endereço para correspondência
Publication History
Received: 12 March 2023
Accepted: 05 May 2023
Article published online:
30 August 2023
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Referências
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