Palavras-chave
escoliose - fusão vertebral - hemorragia - perda sanguínea cirúrgica
Introdução
A artrodese vertebral posterior (AVP) é amplamente utilizada para o tratamento de
escolioses graves e progressivas. No entanto, apesar de eficaz, pode resultar em sangramento
excessivo.[1]
[2]
[3] Estima-se que indivíduos submetidos à AVP apresentam, em média, a perda de 21% de
seu volume sanguíneo estimado (VSE). Além disso, 18% necessitam de transfusão sanguínea.[3] Por conseguinte, sabe-se que o sangramento volumoso está associado ao aumento do
tempo de cirurgia, da necessidade de transfusão, internações prolongadas, dor pós-operatória
e infecção. Logo, a perda excessiva de sangue no perioperatório é motivo de preocupação.[1]
[2]
[3]
[4]
Neste cenário, a transfusão sanguínea, apesar de segura, não está isenta de riscos.
As complicações possíveis são: infecção viral (hepatite B [HBV], hepatite C [HCV],
imunodeficiência humana [HIV]), infecção do sítio cirúrgico, pneumonia, infecção do
trato urinário, aloimunização, lesão pulmonar aguda, sobrecarga circulatória, insuficiência
renal e coagulopatia.[1]
[3]
Isto posto, é fundamental o conhecimento acerca dos fatores que predispõem o aumento
do sangramento perioperatório em pacientes submetidos à AVP, na tentativa de minimizar
os desfechos negativos citados.
No presente estudo, analisamos prospectivamente uma coorte de pacientes submetidos
ao tratamento cirúrgico de escoliose idiopática, identificando os fatores correlacionados
com maior sangramento intra e pós-operatório.
Material e métodos
Trata-se de um estudo de coorte prospectivo, com coleta de dados em formulário próprio,
incluindo pacientes portadores de escoliose idiopática submetidos ao tratamento cirúrgico
entre os anos de 2021 e 2022 em um hospital universitário. Quatro equipes de cirurgiões
participaram das cirurgias, todos credenciados e com experiência em cirurgia para
tratamento de escoliose. O procedimento empregado, em todos os casos, foi a artrodese
da coluna vertebral com instrumentação posterior utilizando o mesmo tipo de síntese,
ou seja, fixação com parafusos pediculares e hastes. Enxerto autólogo proveniente
dos processos espinhosos e da crista ilíaca foi utilizado para proporcionar a fusão
intervertebral. Obtivemos liberação pelo comitê de ética sob o número do CAAE 45721721.0.0000.5086.
Foram reunidas informações sobre gênero, idade, intervalo entre diagnóstico e tratamento,
índice de massa corporal (IMC), nível de hemoglobina, ângulo de Cobb, modificador
sagital, quantidade de bolsas de sangue transfundidas, número de níveis instrumentados
e fixados, número de parafusos, duração da cirurgia, tempo de internação e de uso
do dreno e perda sanguínea.
O sangramento intraoperatório foi quantificado pelo somatório do recipiente de sucção
da sala de cirurgia, acrescido do volume calculado com a pesagem das compressas. Para
este fim, consideramos a densidade de 1,053 g/ml para o sangue humano. Além disso,
descontamos a quantidade de solução salina aplicada na irrigação do sítio cirúrgico.
O sangramento pós-operatório foi aferido com a soma das perdas nos drenos a vácuo
posicionados no subcutâneo. A perda maciça de sangue foi definida como ≥ 30% do VSE
(pré-estabelecido em 70 ml sangue/kg).
Todos os pacientes do estudo receberam ácido tranexâmico no pré e no intraoperatório
de forma padronizada. A dose utilizada seguiu o protocolo da nossa instituição: uma
dose de ataque de 100 mg/kg, 30 minutos antes do procedimento, seguida de infusão
contínua de 30 mg/kg/h durante o restante da cirurgia.
Na avaliação do modificador sagital, calculamos o ângulo de cifose entre as vértebras
T5 e T12, considerando o valor normal quando compreendido entre 10° e 40°. Sendo assim,
classificamos como hipocifose e hipercifose valores menores que 10° e maiores que
40°, respectivamente.
Os resultados foram analisados utilizando o teste de normalidade de Shapiro-Wilk para
as variáveis numéricas. As medidas de tendência central e de dispersão foram expressas
em médias e desvio-padrão (DP) para as variáveis contínuas de distribuição simétrica
e em medianas e valores mínimo e máximo para as variáveis de distribuição assimétrica.
Variáveis quantitativas e contínuas foram avaliadas por análise de variância (ANOVA,
em inglês) e Correlação de Pearson, e as sem normalidade por testes Mann-Whitney e Correlação
de Spearman. As variáveis com significância estatística (p < 0,05) foram incluídas nos modelos multivariados. O teste de linearidade foi realizado
e a regressão múltipla utilizada com os preditores identificados.
Resultados
As características da população estão descritas na [Tabela 1]. Trinta pacientes foram incluídos, sendo 26 do sexo feminino e 4 do sexo masculino,
com idade média de 15,2 ± 3,2 anos. O IMC médio foi 18,7 ± 2,7 kg/m2. A escoliose foi categorizada conforme faixa etária, sendo 7 casos (24%) em crianças,
18 casos (60%) em adolescentes, e 5 casos (16%) em adultos jovens. O intervalo entre
o diagnóstico e o tratamento foi de 6,5 anos ± 5,3 anos.
Tabela 1
Variável
|
Média
|
DP
|
Índice de massa corporal (kg/m2)
|
18,7
|
2,7
|
Idade (anos)
|
15,2
|
3,2
|
Intervalo entre diagnóstico e tratamento (anos)
|
6,5
|
5,3
|
Ângulo de Cobb - pré-operatório (graus)
|
64,7
|
18,2
|
Ângulo de Cobb - pós-operatório (graus)
|
30,6
|
15,0
|
Quantidade de correção da curva no plano coronal (graus)
|
34,1
|
12,0
|
Modificador sagital pré-operatório (T5–T12) (graus)
|
29,4
|
26,6
|
Modificador sagital pós-operatório (T5–T12) (graus)
|
24,2
|
12,2
|
Variação do modificador sagital (graus)
|
-5,2
|
19,4
|
Hemoglobina - pré-operatório (g/dl)
|
13,1
|
1,2
|
Perda sanguínea intraoperatória (mililitros)
|
798,6
|
340,0
|
Bolsas de sangue transfundidas no intraoperatório (unidade)
|
0,4
|
0,8
|
Número de níveis instrumentados
|
10,3
|
2,8
|
Número de níveis fixados com parafuso pedicular
|
8,7
|
2,2
|
Número total de parafusos utilizados
|
13,8
|
3,6
|
Tempo de cirurgia (minutos)
|
202,4
|
63,0
|
Tempo de internação (dias)
|
6,3
|
3,7
|
Bolsas transfundidas no pós-operatório (unidade)
|
1,0
|
1,2
|
Hemoglobina - pós-operatório (g/dl)
|
9,4
|
1,4
|
Perda dreno total pós-operatório (mililitros)
|
693,4
|
331,1
|
Total de dias em uso de dreno
|
2,7
|
0,7
|
O ângulo de Cobb pré-operatório foi de 64,7° ± 18,2°, com valor final de 30,6° ± 15,0°,
resultando em correção de 34,1° ± 12,0°. O modificador sagital pré-operatório teve
média de 29,4° ± 26,6°, com final de 24,2° ± 12,2°, totalizando 5,2° ± 19,4° de correção.
Quanto ao tipo de modificador sagital, 7 pacientes apresentavam hipocifose (23,3%),
16 normocifose (53,4%) e 7 hipercifose (23,3%).
Em média, 10,3 ± 2,8 níveis foram instrumentados e 8,7 ± 2,2 fixados com parafusos
pediculares. O número de parafusos utilizados foi de 13,8 ± 3,6. A duração média da
cirurgia foi de 3 horas e 22 minutos ± 1 hora e 3 minutos. As perdas sanguíneas intraoperatórias
totalizaram 798,6 ml ± 340 ml, o equivalente a 24,8% do VSE. Houve perda maciça de
sangue em 9 pacientes (30%). Em média, cada paciente recebeu 1,4 bolsas ± 2 bolsas
de concentrado de hemácias. A variação da hemoglobina foi de 13,1 g/dl ± 1,2 g/dl
para 9,4 g/dl ± 1,4 g/dl, com queda média de 3,7 g/dl. A perda de sangue no pós-operatório
foi de 693,4 ml ± 331,1ml, e o total de dias em uso do dreno foi 2,7 ± 0,7.
A respeito da perda sanguínea intraoperatória ([Tabela 2]), as seguintes variáveis apresentaram correlações significativas (p < 0,05), são elas: idade (p = 0,003), intervalo entre diagnóstico e tratamento (p = 0,004), Cobb pré-operatório (p < 0,001), quantidade de correção da curva no plano coronal (p = 0,015), número de níveis instrumentados (p = 0,019), número de níveis fixados com parafuso (p = 0,012), número total de parafusos (p = 0,011), e o número de bolsas de sangue transfundidas no intra (p < 0,001) e no pós-operatório (p < 0,02). As demais variáveis não produziram associação significativa, o que pode
estar relacionado ao pequeno tamanho da amostra.
Tabela 2
Variável
|
Perda sanguínea intraoperatória
|
Correlação
|
p
|
Bolsas transfundidas no intraoperatório (unidade)
|
0,742
|
0,000
|
Ângulo de Cobb - pré-operatório (graus)
|
0,687
|
0,000
|
Idade (anos)
|
0,571
|
0,003
|
Intervalo entre diagnóstico e tratamento (anos)
|
0,561
|
0,004
|
Número total de parafusos utilizados
|
0,500
|
0,011
|
Número de níveis fixados com parafuso pedicular
|
0,490
|
0,012
|
Quantidade de correção da curva no plano coronal (graus)
|
0,479
|
0,015
|
Número de níveis instrumentados
|
0,462
|
0,019
|
Bolsas transfundidas no pós-operatório (unidade)
|
0,459
|
0,020
|
Tempo de cirurgia (minutos)
|
0,372
|
0,067
|
Tempo de internação (dias)
|
0,313
|
0,126
|
Variação do modificador sagital (graus)
|
-0,276
|
0,180
|
Modificador sagital pré-operatório (T5–T12) (graus)
|
-0,253
|
0,221
|
Índice de massa corporal (kg/m2)
|
0,110
|
0,598
|
Peso (quilos)
|
0,094
|
0,652
|
Hemoglobina - pós-operatório (g/dl)
|
-0,029
|
0,888
|
Hemoglobina - pré-operatório (g/dl)
|
-0,027
|
0,898
|
Idade do diagnóstico (anos)
|
-0,009
|
0,964
|
No pós-operatório ([Tabela 3]), as seguintes variáveis apresentaram correlações significativas: idade (p = 0,027), Cobb pré-operatório (p = 0,017), tempo de internação (p = 0,004), quantidade de bolsas de sangue transfundidas no intra (p = 0,002) e no pós-operatório (p = 0,021), além do número de níveis fixados com parafuso pedicular (p = 0,027). As demais variáveis não originaram associação significativa, o que também
pode estar relacionado ao pequeno tamanho amostral.
Tabela 3
Variável
|
Perda sanguínea pós-operatória
|
Correlação
|
p
|
Bolsas de sangue transfundidas no intraoperatório (unidade)
|
0,583
|
0,002
|
Tempo de internação (dias)
|
0,552
|
0,004
|
Ângulo de Cobb - pré-operatório (graus)
|
0,470
|
0,017
|
Bolsas transfundidas no pós-operatório (unidade)
|
0,458
|
0,021
|
Idade (anos)
|
0,440
|
0,027
|
Número de níveis fixados com parafuso pedicular
|
0,441
|
0,027
|
Tempo de cirurgia (minutos)
|
0,391
|
0,053
|
Número total de parafusos utilizados
|
0,387
|
0,055
|
Quantidade de correção da curva no plano coronal (graus)
|
0,354
|
0,082
|
Número de níveis instrumentados
|
0,326
|
0,111
|
Intervalo entre diagnóstico e tratamento (anos)
|
0,293
|
0,154
|
Ângulo de Cobb - pós-operatório (graus)
|
0,288
|
0,162
|
Hemoglobina - pós-operatório (g/dl)
|
-0,285
|
0,167
|
Modificador sagital pré-operatório (T5–T12) (graus)
|
0,184
|
0,376
|
Variação do modificador sagital (graus)
|
-0,158
|
0,447
|
Peso (quilos)
|
0,126
|
0,547
|
Índice de massa corporal (kg/m2)
|
-0,048
|
0,819
|
Idade do diagnóstico (anos)
|
-0,029
|
0,888
|
Hemoglobina - pré-operatório (g/dl)
|
0,015
|
0,941
|
Nossa pesquisa revelou que o grupo de pacientes com perda maciça de sangue possuíam
mais idade (17,3 versus 14,1 anos) detinham maior intervalo entre diagnóstico e o tratamento (10,8 versus 4,5 anos), Cobb pré-operatório mais grave (84,8° versus 55,2°) e necessitaram de maior correção da curva no plano coronal (42,0° versus 30,4°). Possuíam, também, mais níveis instrumentados (11,75 versus 9,6), fixados com parafusos (9,5 versus 8,3), e maior número total de parafusos (15,25 versus 13,1). Além disso, permaneceram mais dias internados (7,2 versus 5,8 dias). A distribuição gráfica para comparação está ilustrada nas [Figs. 1] e [2].
Fig. 1 Distribuição dos quartis das variáveis nos pacientes com sangramento maciço.
Fig. 2 Distribuição dos quartis das variáveis nos pacientes que NÃO apresentaram sangramento
maciço.
O uso de ≥ 10 níveis fixados com parafuso pedicular (p = 0,03), ≥ 13 níveis instrumentados (p = 0,013), Cobb pré-operatório ≥ 65° (p = 0,011) e ≥ 14 parafusos utilizados (p = 0,015) aumentou significativamente o risco de sangramento.
Idade, Cobb pré-operatório, número de níveis fixados com parafuso e a quantidade de
bolsas de sangue transfundidas foram as únicas variáveis que apresentaram correlações
significativamente positivas (p < 0,05) tanto com o sangramento intraoperatório quanto com o pós-operatório.
A combinação de osteotomias de subtração à instrumentação ocorreu em 5 pacientes (∼
16%). Nessa população, houve maior taxa média de sangramento perioperatório (∼ 500 ml),
porém, sem associação significativa (p < 0,6). Provavelmente relacionado ao pequeno tamanho amostral.
Poucos pacientes (∼ 13%) apresentaram algum contratempo clínico (queda de potencial
evocado e/ou da pressão arterial/choque), ou cirúrgico (reposicionamento/mudança do
material de síntese).
Discussão
Gerenciar a perda sanguínea é fundamental para a obtenção de resultados cirúrgicos
ideais.[1]
[2]
[3]
[4]
[5] O uso de plasma fresco, cristaloides, concentrado de plaquetas e/ou de hemácias,
na tentativa de minimizar a morbidade atrelada ao sangramento excessivo não é isento
de complicações; assim, reduzir a perda de sangue no perioperatório pode minimizar
a necessidade dessas medidas.[5]
Cirurgias para o tratamento da escoliose são frequentemente associadas a perda significativa
de sangue perioperatório e, consequentemente, podem exigir transfusões de 2 a 6 unidades
de concentrado de hemácias por paciente.[4] A hemotransfusão, atualmente, é considerada segura, mas ainda existe o risco remoto
de infecção pelo HIV ou HCV, além da chance de reação transfusional hemolítica, doença
enxerto versus hospedeiro, coagulopatia e hipotermia.[4]
[6]
[7]
Neste contexto, é de suma importância minimizar a perda sanguínea perioperatória e,
por conseguinte, a identificação de fatores de risco para sua ocorrência é primordial,
uma vez que pode melhorar os resultados pós-operatórios[4] e diminuir as complicações citadas.[4]
[5]
[7] Logo, o foco da nossa pesquisa foi identificar as variáveis correlacionadas com
maior nível de sangramento intraoperatório e pós-operatório nas cirurgias de escoliose
idiopática em uma coorte de pacientes.
Em sua série com 212 pacientes submetidos à AVP para escoliose, Tang et al.[4] calcularam que a perda sanguínea intraoperatória por nível instrumentado foi de
79,3 ml. Concluíram também que o maior número de implantes (p < 0,001), o sexo masculino (p < 0,007) e um maior tempo de cirurgia (p < 0,001) se correlacionavam com o aumento da perda sanguínea. O uso de ≥ 10 níveis
de fixação acrescentou na perda de 500 ml de sangue. Outrossim, para cada minuto de
cirurgia, houve acréscimo de 1,5% na chance de perda sanguínea excessiva e, além do
mais, a colocação de cada implante acrescia em 36,4% na chance de sangramento.[4]
Song et al.[6] avaliaram 1.896 pacientes operados para escoliose. As variáveis associadas ao sangramento
incluíam a duração da cirurgia ≥ 4 horas (p < 0,001); número de níveis instrumentados ≥ 10 (p < 0,001); IMC < 18,1 kg/m2 (p < 0,001); contagem plaquetária pré-operatória < 186,5 × 109/L (p = 0,009); INR pré-operatório > 1 (p = 0,003); e Cobb pré-operatório > 53° (p = 0,036). Entre os casos, 633 (33%) apresentaram perda maciça de sangue. Neste grupo,
o tempo de internação (p < 0,001), o volume do dreno da incisão (p < 0,001), a taxa de transfusão sanguínea (p < 0,001) e o uso de opioides (p = 0,006) foram significativamente maiores.[6]
Em sua revisão, Li et al.[8] estudaram 1.461 pacientes com escoliose submetidos à AVP. Os fatores de risco independentemente
associados à drenagem sanguínea maciça pós-operatória foram: IMC < 17,63 kg/m2, (OR = 2,90); contagem de plaquetas < 190 × 109/L (OR = 1,67); Cobb pré-operatório ≥ 55° (OR = 1,66); níveis artrodesados ≥ 11 (OR = 2,33); número de parafusos ≥ 15 (OR = 1,73); uso de osteotomia(s) (OR = 1,54); e volume transfusional ≥ 19,55 ml/kg (OR = 1,72).[8]
Abousamra et al.[9] investigaram a relação de algumas características em comum com a perda sanguínea
intraoperatória em 837 pacientes com escoliose. Cada nível instrumentado amentou em
2% a perda sanguínea estimada (PSE) de forma cumulativa. Cada redução de 10 mg/kg2 no IMC garantiu, em média, o aumento da PSE em 7%. A diminuição de 10° no modificador
sagital provocou acréscimo de 1% na PSE.[9]
Em uma coorte com 311 pacientes operados por escoliose idiopática, Thompson et al.[10] calcularam que a PSE > 1.700 ml estava significativamente associada ao número de
níveis instrumentados (p < 0,001), ângulo de Cobb (p = 0,04) e número de parafusos (p < 0,001). Pacientes com < 1.700 ml de sangramento exibiam, em média, 10,1 ± 2,12
níveis instrumentados, enquanto aqueles com ≥ 1.700 ml de perda sanguínea apresentavam
12,5 ± 1,29 níveis. Além disso, a probabilidade de atingir 1.700 ml de PSE foi de
7% com 12 níveis instrumentados, versus 12,7% com 13 níveis. Pacientes com maior índice de sangramento apresentaram, em média,
124 ml de sangue perdido por parafuso fixado, além de 184,3 ml por nível artrodesado.[10]
Osteotomias de subtração foram utilizadas em 5 pacientes (∼ 16%). Neles, o sangramento
perioperatório foi maior (∼ 500 ml), em concordância com estudos citados anteriormente.[6]
[8] Todavia, na análise multivariada, não houve associação estatisticamente significativa
(p < 0,6), assim como na pesquisa de Abousamra et al.[9] Outro estudo, de Tang et al.,[4] preferiu não incluir na amostra pacientes submetidos a qualquer tipo de osteotomia,
utilizando-a como critério de exclusão. Já Thompson et al.[10] não consideraram a realização de osteotomias em sua análise.
Treze por cento dos nossos pacientes apresentaram alguma intercorrência perioperatória,
como a queda de potencial evocado e/ou da pressão arterial/choque, além da mudança
do material de síntese pré-planejado etc., o que poderia ser acrescido ao tempo de
cirurgia e, consequentemente, à taxa de sangramento perioperatória, conforme apontado
por alguns autores.[4]
[6]
[9] Ainda assim, em nossa pesquisa, o tempo de cirurgia não foi estatisticamente relacionado
à perda sanguínea (p = 0,067).
Este estudo apontou o risco de maior perda sanguínea perioperatória em pacientes mais
velhos, provavelmente relacionado, entre outros fatores, com a maior quantidade de
massa muscular, bem como com a progressão da escoliose.[8] Além disso, a associação identificada entre o sangramento excessivo e outras variáveis
analisadas, como maior intervalo entre diagnóstico e tratamento, Cobb pré-operatório
máximo,[6]
[7]
[8]
[9]
[10] maior quantidade de correção da curva, mais níveis instrumentados e/ou fixados[4] e maior número de parafusos,[8]
[10] possivelmente se deve pela coexistência com quadros graves, o que obviamente exige
maior dissecção de tecidos moles e osteotomias.[10]
A quantidade de bolsas de sangue transfundidas no perioperatório apresentou, paradoxalmente,
correlação significativamente positiva com o aumento de sangramento no intraoperatório
(p < 0,001) e no pós-operatório (p < 0,021). Autores sugerem que a hemotransfusão estimula o consumo de fatores de coagulação
e, além disso, promove a diluição desses fatores, aumentando a perda sanguínea.[1]
[3]
[4]
Acreditamos que o significado clínico deste estudo é apontar para o papel que estas
variáveis têm na perda sanguínea em cirurgias de escoliose idiopática, auxiliando
a definir o perfil de paciente com maior potencial de sangramento. Isto pode ajudar
outros colegas a otimizar as condições perioperatórias de seus pacientes, minimizando
a morbidade cirúrgica. Pesquisas duplo-cegas, randomizadas e que utilizem coortes
maiores seriam necessárias para alcançar a melhor compreensão da prevenção de perda
sanguínea perioperatória em pacientes com escoliose a partir da identificação de fatores
predisponentes, sobretudo em cirurgias de grande porte, como a AVP.
Conclusão
A perda sanguínea na cirurgia de escoliose é motivo de grande preocupação e afeta
significativamente o prognóstico dos pacientes. Assim, mais pesquisas são necessárias
para determinar os fatores de risco relacionados ao aumento do sangramento perioperatório.
No presente estudo, as variáveis que contribuíram para maior perda sanguínea foram
idade, número de bolsas de sangue transfundidas, valor do ângulo de Cobb pré-operatório,
quantidade de correção da curva no plano coronal e o número de níveis fixados. Portanto,
outros pacientes podem se beneficiar do tratamento cirúrgico enquanto mais jovens
e com menor ângulo de Cobb, consequentemente, exigindo menor correção da curva no
plano coronal e a utilização de implantes de menor densidade, o que, enfim, poderia
diminuir o sangramento cirúrgico.