Palavras-chave
atletas - futebol - impacto femoroacetabular - osso púbico
Introdução
O impacto femoroacetabular (IFA) é a causa mais comum de dores no quadril. É causado
pelo contato anormal entre a extremidade proximal do fêmur com a margem acetabular
devido a um desenvolvimento anormal dessas estruturas. É atribuído à presença de fatores
genéticos e prática de atividade física intensa, culminando no surgimento de lesões
no labrum e na cartilagem acetabular, que – em longo prazo – se transformam em doenças
degenerativas do quadril, principalmente em pacientes jovens.[1]
[2]
Existem dois mecanismos descritos para o desenvolvimento do IFA: o impacto tipo CAM,
no qual o paciente apresenta a cabeça femoral não-esférica ou uma diminuição do deslocamento
entre a cabeça e o colo do fêmur; nesse caso, a área de impacto está localizada na
porção anterolateral da junção cabeça-colo do fêmur. O outro mecanismo é o impacto
tipo PINCER, no qual há anormalidade da cartilagem e lesão labral anterossuperior,
sobrecobertura acetabular com aumento da parede anterior. Existe também o tipo misto,
na qual coexistem os dois mecanismos.[3]
A prevalência do IFA é maior na população atlética, principalmente de esportes que
envolvem esforços físicos intensos, como o futebol. Existem relatos que as alterações
morfológicas da IFA do tipo CAM afetam cerca de 60% dos jogadores de futebol profissional,
representando elevada prevalência nessa população.[4]
Atualmente, foi reconhecida a influência da prática de esportes no desenvolvimento
de IFA, que culmina na “pubalgia do atleta”. Esse tipo de acometimento é frequentemente
encontrado em adultos jovens que praticam exercícios que necessitam de movimentos
repetitivos com o quadril, como flexão e rotação interna, a exemplo do futebol. Esta
condição debilita o indivíduo, resultando em limitações na performance do atleta devido
ao quadro álgico e, a longo prazo, possibilita a ocorrência precoce de osteoartrite
e aposentadoria do futebol profissional.[1]
[2]
[5]
Dando ênfase à pubalgia em atletas, geralmente o quadro clínico surge após o mesmo
atingir sua maturidade esquelética. Esta dor caracteriza-se por pubalgia intensa,
a qual pode ser insidiosa ou súbita, que piora durante a execução de agachamento,
cortes e movimentos de pivô; o que explica a alta incidência nessa população específica.
Atletas estão expostos a maior risco de lesões no quadril devido excesso de movimentos
de alta intensidade, repetitivos, o que favorece micro lesões intra e extra articulares.
Ademais, sinais mecânicos como dor, rigidez e redução de amplitude do quadril, principalmente
na flexão e rotação, são sintomas comuns nos atletas.[6]
Esta dor é relacionada à atividade física e geralmente se resolve com repouso. O afastamento
das atividades pode solucionar os sintomas, porém é característico dessa síndrome
a recorrência com o retorno às práticas esportivas. Tais fatores podem levar a dor
no quadril crônica por conta da IFA, reduzindo a capacidade do atleta.[1]
[6]
[7]
Aliado a isso, adolescentes que praticam esportes de alto impacto com movimentos extremos
do quadril têm maior probabilidade de desenvolver o IFA. A prática de atividade física
durante o período de crescimento dos ossos está associada ao maior risco de IFA pelo
mecanismo CAM, o qual pode estar relacionado a anormalidades fisárias.[3]
O objetivo desse estudo é avaliar a prevalência de IFA em atletas profissionais de
futebol de campo e a sua relação com a pubalgia.
Materiais e Métodos
Este projeto foi iniciado após aprovação pelo Comitê de Ética, CAAE n° 52795020.7.0000.5174,
respeitando a resolução de N° 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), com princípios
regidos pelo Código de Nuremberg e de Helsinque.
Trata-se de um estudo epidemiológico, transversal e analítico. Foi realizado com 90
atletas profissionais de futebol atuantes em um clube de futebol de campo profissional
no período de 2019-2021, os quais, aceitaram, após assinatura do TCLE, voluntariamente
participar deste estudo.
Os critérios de inclusão da pesquisa foram os atletas que atuaram no clube de futebol
de campo profissional na temporada de 2019 a 2021, que foram submetidos a aplicação
do PCMA modificado na admissão e que assinaram o TCLE. Foram excluídos da pesquisa
os atletas que não compareceram para coleta de dados; que não assinaram ou concordaram
parcialmente com o TCLE; que não responderam integralmente ao formulário de perguntas
ou que não participaram de competição na temporada, entendida entre 2019 e 2021.
O processo de coleta de dados englobou três etapas. Primeiramente, foi realizada explicação
clara e objetiva acerca do projeto e os participantes fizeram a assinatura do TCLE.
Em seguida, foi aplicado o protocolo Pre-Competition Medical Assessment (PCMA modificado),
o qual é utilizado na admissão de atletas profissionais. Este protocolo possui critérios
clínicos, laboratoriais e radiográficos para avaliar a condição geral do atleta, com
ênfase em ortopedia. Tais dados foram obtidos por meio do acesso aos prontuários desses
pacientes e realização de anamnese e exame físico ortopédico.
Ademais, foram realizadas radiografias da bacia com incidência anteroposterior (AP)
dos pacientes, nas quais foram mensurados o impacto tipo CAM, utilizando como medidas:
ângulo alfa acima de 55°, deformidade em cabo de pistola (índice - cabeça); quanto
ao impacto tipo PINCER: ângulo de Tönnis menor que 0° e ângulo centro borda lateral
(Wiberg) maior que 40°, ambos como indicativo de sobrecobertura acetabular.[8]
A coleta de dados, preenchimento do protocolo PCMA modificado, realização de radiografias
e exame físico ortopédico foram realizadas a nível ambulatorial. Os seguintes dados
foram selecionados: idade, dominância, posição, IMC, sinal de Tredelenburg e sintomas
dolorosos; sendo direcionados ao estudo das articulações coxofemorais e inseridos
na plataforma online de Formulários Google (Google Forms) para criação de tabelas.
Resultados
A casuística foi composta por 90 atletas com idade entre 17 e 38 anos, com média aritmética
de 26 anos. A faixa etária com maior proporção foi a de 25 a 29 anos (34.4%), seguida
da faixa entre 20 e 24 anos (28.9%).
Em relação a dominância, a maioria estatisticamente significante (*p < 0.0001) dos
atletas é destro (61.1%). O cálculo do IMC mostrou proporção estatisticamente significante
(*p < 0.0001) para atletas com peso adequado (73.3%).
A maioria significativa (*p = 0.0018) dos atletas avaliados jogam na posição de meio
campo (40.0%), seguidos dos atacantes (8.9%). Os atletas atuaram em no mínimo 6 jogos
e no máximo 60 jogos, com média de 26 jogos no último ano, como mostram as [Figs. 1] e [2].
Fig. 1 Perfil dos jogadores participantes da amostra, 2022. Fonte: Formulário preenchido
na avaliação do atleta
Fig. 2 Perfil dos jogadores participantes da amostra, 2022. Fonte: Formulário preenchido
na avaliação do atleta
Na avaliação do sinal de Trendelenburg, foi identificada proporção estatisticamente
significante (*p = 0.0002) de presença nos jogadores da amostra (70.0%). Entre os
atletas com resultado positivo, a maior proporção deles apresentou o sinal em ambos
os lados do quadril (58.8%), seguidos daqueles que apresentaram somente do lado esquerdo
(33.3%), como mostra a [Tabela 1].
Tabela 1
|
Variáveis
|
Atletas
|
%
|
|
Sinal de Trendelenburg
|
|
|
|
Presença*
|
63
|
70.0%
|
|
Ausência
|
27
|
30.0%
|
|
Localização
|
|
n = 63
|
|
Lado Direito
|
5
|
7.9%
|
|
Lado Esquerdo
|
21
|
33.3%
|
|
Ambos
|
37
|
58.8%
|
A pubalgia foi diagnosticada em 22 jogadores (24.4%). O diagnóstico foi considerado
a partir de testes clínicos, considerando positivo quanto a presença dos sinais: dor
a palpação da virilha e/ou dor na musculatura adutora e/ou teste de Grava positivo
([Fig. 3]).
Fig. 3 Pacientes segundo o diagnóstico de pubalgia, 2022. Fonte: Formulário preenchido na
avaliação do atleta. *p < 0.0001 Teste Qui-Quadrado Aderência
O IFA apresentou proporção estatisticamente significante (*p < 0.0001) na amostra
estudada (85.6%). O impacto tipo CAM foi o mais frequente (62.2%) sendo estatisticamente
significante (*p < 0.0001) em relação ao tipo PINCER (4.4%) e ao tipo MISTO (18.9%).
Na avaliação realizada para o IFA foi identificada proporção significativa (*p < 0.0001)
de presença de impacto no ângulo alfa (80.0%). O ângulo de Tönnis apresentou a segunda
maior proporção de presença de impacto (23.3%) e todos os jogares não apresentaram
impacto no ângulo de Wiberg, conforme [Fig. 4].
Fig. 4 Radiografia de bacia ântero-posterior evidenciando impacto do tipo PINCER (Ângulo
de Tönnis -7°). Fonte: Formulário preenchido na avaliação do atleta
A deformidade em cabo de pistola foi identificada em 11 atletas (12.2%) como mostra
a [Tabela 2 e] a [Figura 5].
Fig. 5 Radiografia de bacia ântero-posterior evidenciando impacto do tipo CAM (Deformidade
em cabeça de pistola, ângulo alfa 62°). Fonte: Formulário preenchido na avaliação
do atleta
Tabela 2
|
Variáveis
|
Atletas
|
%
|
|
Impacto femoroacetabular
|
|
|
|
Presença*
|
77
|
85.6%
|
|
Ausência
|
13
|
14.4%
|
|
Tipo do impacto femoroacetabular
|
|
|
|
Tipo CAM*
|
56
|
62.2%
|
|
Tipo PINCER
|
4
|
4.4%
|
|
Tipo MISTO
|
17
|
18.9%
|
|
Ângulo alfa
|
|
|
|
Presença de impacto*
|
72
|
80.0%
|
|
Ausência de impacto
|
18
|
20.0%
|
|
Ângulo de Tönnis
|
|
|
|
Presença de impacto
|
21
|
23.3%
|
|
Ausência de impacto
|
69
|
76.7%
|
|
Deformidade cabo de pistola
|
|
|
|
Presença
|
11
|
12.2%
|
|
Ausência
|
79
|
87.8%
|
|
Ângulo de Wiberg
|
|
|
|
Ausência de impacto
|
90
|
100.0%
|
A comparação para verificar a dependência entre a pubalgia e o IFA mostrou não haver
dependência entre as variáveis (p = 0.3952). A presença de IFA em atletas com pubalgia
foi de 20.0%, enquanto a ausência dele foi de 65.6%, conforme [Figura 6].
Fig. 6 Relação entre pubalgia e Impacto femoroacetabular, 2022. Fonte: Formulário preenchido
na avaliação do atleta
Discussão
Neste estudo, foram analisados 90 atletas com idade entre 17 e 38 anos, com média
aritmética de 26 anos. A faixa etária com maior proporção foi a de 25 a 29 anos (34.4%),
seguida da faixa entre 20 e 24 anos (28.9%). Gerhardt et al.[9] realizou estudo com jogadores de futebol profissional também e encontrou dados semelhantes,
nos quais a maior parte estava na faixa etária entre 20 e 29 anos de idade, com média
de 25,4 anos.
Dos jogadores estudados, a maioria é destra (61.1%) e apresenta peso adequado conforme
o IMC (73.3%). Em relação ao exame físico ortopédico, 70% dos jogadores apresentaram
sinal de Trendelenburg positivo (70%), majoritariamente de forma bilateral. Tais dados
exemplificam a faixa etária típica do jogador de futebol profissional brasileiro.
Na casuística estudada, a pubalgia foi diagnosticada em 22 jogadores (24.4%). No exame
físico ortopédico, os principais sinais encontrados foram a palpação dolorosa da virilha,
seguida de dor na musculatura adutora. Mercurio et al.[10] também encontrou prevalência semelhante de pubalgia em atletas de futebol, com 24,3%
deles acometidos, demonstrando predominância em jogadores profissionais.
Neste estudo, foi observado que o IFA apresentou elevada prevalência na população
(85.6%). Ademais, o impacto tipo CAM foi o mais frequente (62.2%) sendo estatisticamente
significante em relação ao tipo PINCER (4.4%) e ao tipo Misto (18.9%). Tais características
são compatíveis com o encontrado em atletas de alto rendimento. Economopoulos et al.[11] estudou 56 atletas com queixa de pubalgia e encontrou uma prevalência de IFA de
86%, com predominância de lesões do tipo CAM, correspondendo a 83,7% dos casos.
Gerhardt et al.[9] observaram que entre os atletas de futebol do sexo masculino, 51 dentre os 75 apresentavam
evidência radiográfica de IFA, das quais 68% (51/75) eram lesões do tipo CAM, dentre
os quais 39 apresentavam a lesão bilateralmente. Já lesões tipo PINCER eram 20/75
homens, com 80% deles mostrando o achado bilateralmente. Tais achados concordam com
o que foi demonstrado neste estudo, corroborando que atletas profissionais de futebol
compõem grupo de risco para desenvolvimento de lesões na articulação femoroacetabular
de forma bilateral, tanto por características inerentes ao esporte quanto pela entrada
precoce de jovens no esporte profissional e o efeito cumulativo de lesões relacionadas
às competições com alto nível de competitividade.[9]
Outro autor que abordou esta temática foi Falotico et al.,[12] o qual estudou a prevalência de IFA em jogadores de futebol do sexo masculino comparando-os
com homens não atletas e encontrou prevalência nos atletas de 92,5%; já nos indivíduos
não atletas, a prevalência foi de 28,1%, corroborando a forte influência do esporte
no surgimento e manutenção dessas alterações. Tal prevalência elevada ocorre pois,
no Brasil, os jovens iniciam a prática esportiva em idade muito precoce, além do fato
de os jogadores nem sempre praticarem o esporte em campos adequados ou com equipamentos
e supervisão adequada. O estudo também evidenciou a relação positiva da duração da
carreira esportiva com o ângulo alfa.[12]
Outrossim, Lee et al.[7] estudou alterações do IFA em jovens atletas e demonstrou que dos 156 quadris estudados,
86 (55,1%) apresentavam morfologia CAM, 43 deles com morfologia PINCER (27,6%) e 27
apresentavam tipo misto, concordando com os dados encontrados neste estudo, com prevalência
da lesão tipo CAM em atletas.
Ademais, é importante destacar que o surgimento de lesões do tipo CAM é relacionado
a movimentos de alta intensidade principalmente os que envolvem contato anormal do
acetábulo com a cabeça do fêmur enquanto ocorre flexão e rotação interna do quadril.[6] Tais características corroboram para que este achado seja o mais prevalente na população
de atletas de elite, como foi demonstrado neste estudo.
Quanto à avaliação radiográfica de sinais sugestivos de IFA, foram considerados atletas
com ângulo alfa positivo aqueles que apresentavam ângulo superior à 55°. Neste estudo,
foi encontrada elevada prevalência de ângulo alfa positivo, correspondendo à 80% dos
atletas estudados. Já quanto ao ângulo de Tönnis apresentou a segunda maior proporção
de presença de impacto (23.3%) e todos os jogares não apresentaram impacto no Ângulo
de Wiberg. Tais dados concordam com os achados de Gerhardt et al.,[9] que demonstram presença de ângulo alfa positivo na maioria dos jogadores.
Um dos dados mais importantes revelados nesse estudo é que não houve correlação de
dependência entre a pubalgia e o IFA; foi visto que o mesmo estava presente em apenas
20% dos atletas queixosos de pubalgia, porém tal correlação não se mostrou estatisticamente
significante na amostra. Elattar et al.[6] descreveu em seu estudo que é comum encontrar coexistência de IFA e pubalgia em
atletas, com presença de 32%, ligeiramente mais alta que a encontrada neste estudo.
Outros autores, como Strosberg et al.[13] e Munegato et al.[14] relataram a coexistência do IFA e da pubalgia, porém não procederam estudos clínicos
para provar tal associação,. Já Bisciotti et al.[15] realizou um estudo com 44 pacientes com pubalgia e demonstrou forte associação entre
lesões com morfologia CAM e patologias inguinais, discordando dos resultados encontrados
neste estudo. Logo, é fundamental que sejam realizadas mais pesquisas sobre o tema
para ampliar o conhecimento acerca da pubalgia associada ao IFA na população atleta.
Conclusões
Conclui-se que houve elevada prevalência de IFA (85,6%) em atletas de futebol profissional,
com predomínio do impacto tipo CAM (62,2%) e não houve relação entre o IFA e a presença
de pubalgia.