Palavras-chave
antebraço - nervo radial - sinostose - traumatismos craniocerebrais - traumatismos
do antebraço
Introdução
O cotovelo flutuante é caracterizado por fraturas ipsilaterais do úmero e de um ou
ambos os ossos do antebraço. Tem incidência de 2 a 13% e ocorre comumente em acidentes
de trânsito,[1] estando associado a fraturas expostas, lesões neurovasculares e de tecidos moles.[2] O prognóstico é variável, dependendo do grau da lesão e do seu manejo.[3]
[4] O tratamento é inicialmente focado no controle dos danos (imobilização ou fixação
temporária), seguido de reparos definitivos.
Atualmente existem diversas classificações que utilizam critérios anatômicos ou estruturais
para suas definições.[5]
[6] Devido à variabilidade das lesões, essas classificações não estabelecem critérios
prognósticos ou de tratamento para a tomada de decisão.
Neste trabalho analisamos um paciente politraumatizado, tratado com haste radioulnar
e que desenvolveu sinostose pós-operatória. Após avaliação das características clínicas,
acreditamos que a fixação intramedular deve ser utilizada com cautela, principalmente
se houver fatores de risco para sinostose (fraturas cominutivas, traumatismo cranioencefálico
grave, atraso no tratamento final).
Caso Clínico
Paciente do sexo masculino, 19 anos, deu entrada no pronto-socorro apresentando lesões
após acidente de trânsito. Ele dirigia um veículo que colidiu em alta velocidade contra
um caminhão de carga. Na avaliação inicial foram documentados traumatismo cranioencefálico
grave (Glasgow 6/15) e múltiplas deformidades em membro superior esquerdo. As imagens
de tomografia cerebral revelaram hipertensão intracraniana secundária a edema cerebral
difuso. Radiografias simples do membro superior esquerdo mostraram uma fratura diafisária
do úmero, fratura segmentar da ulna e uma fratura curta oblíqua da diáfise do rádio
([Fig. 1]).
Fig. 1 Exame radiológico inicial do braço e antebraço. A fratura diafisária do úmero é observada
nos planos lateral (A) e ântero-posterior (B). Radiografias do cotovelo mostrando
a relação entre as fraturas do úmero e do antebraço nos planos ântero-posterior (C)
e lateral (D). Fratura segmentar da ulna e fratura do terço proximal do rádio, nos
planos lateral (E) e ântero-posterior (F).
O manejo neurocirúrgico foi realizado com craniotomia descompressiva. O paciente permaneceu
26 dias na unidade de terapia intensiva devido à presença de lesão axonal difusa.
A estabilização cirúrgica das fraturas foi adiada até a melhora do quadro geral, deixando
como sequela a remissão da afasia motora. Após 27 dias do trauma inicial, foi realizado
o manejo definitivo das fraturas.
Durante a intervenção cirúrgica foi documentado e removido calo ósseo hipertrófico
no úmero. Posteriormente foi fixado com uma placa LC-DCP estreita de 4,5 mm (Johnson
& Johnson) ([Fig. 2]). O nervo radial apresentava contusão sem lesões. As fraturas do rádio e da ulna
foram estabilizadas com hastes intramedulares bloqueadas (TREU-Instrumente GmbH).
No controle pós-operatório a pronação/supinação foi de 130°. A flexão da mão foi recuperada,
persistindo a queda do punho ([Fig. 3]).
Fig. 2 Fotografias intraoperatórias. Observa-se nervo radial contínuo (A), presença de calo
ósseo hipertrófico (B), redução estável com placa DCP de 10 furos (C, D).
Fig. 3 Radiografias pós-operatórias. A fixação no úmero com a placa LC-DCP é observada nos
planos lateral (A) e ântero-posterior (B). Radiografias do cotovelo mostrando restauração
adequada da relação entre fraturas do úmero e do antebraço nos planos ântero-posterior
(C) e lateral (F). Estabilização de fraturas de rádio e ulna com hastes intramedulares
nos planos anteroposterior (F) e lateral (E).
Aos 3 meses de seguimento foi documentada uma diminuição da pronação/supinação para
58°, associada à presença de sinostose radioulnar nas imagens diagnósticas ([Fig. 4]). No último seguimento (8 meses após a osteossíntese), foi observada recuperação
progressiva da lesão do nervo radial. Após aplicação do questionário quickDASH obteve-se
escore de incapacidade de 30% e portanto, considerando a evolução clínica, não foi
indicado tratamento cirúrgico adicional ([Fig. 5]).
Fig. 4 Imagens de tomografia computadorizada mostrando sinostose radioulnar na junção do
terço médio com o terço proximal da diáfise. Cortes sagitais (A), cortes axiais (B,
C).
Fig. 5 Exame físico no último acompanhamento. Uma amplitude de movimento do cotovelo pode
ser vista com flexão (A) e extensão (B) adequadas. Supinação máxima dentro da faixa
tolerável (C), pronação com bloqueio, apresentando compensação umeral (D).
Este relato de caso foi aprovado pelo comitê de ética sob número CEI-115 - Acta 359
em 28 de abril de 2023, e o paciente assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Discussão
Relatos de cotovelo flutuante não são frequentes na literatura e não há consenso quanto
ao tratamento. Muitos artigos descrevem diferentes abordagens cirúrgicas baseadas
em linhas de fratura simples e, portanto, não são aplicáveis em todos os cenários.[6]
No presente caso foi necessário um manejo diferido das lesões devido ao estado do
paciente. Foi realizada ressecção do calo hipertrófico no úmero, seguida de exploração
do nervo radial e fixação da placa. Para o tratamento das fraturas do antebraço foi
selecionado o manejo fechado com haste intramedular, embora isso não seja frequentemente
descrito.
Na maioria dos relatos, o uso de placas bloqueadas é preferido para o manejo das fraturas
do antebraço.[5]
[6] Em metanálise realizada por Ditsios et al.,[7] foram identificados 258 casos de cotovelo flutuante. Nesses casos, as fraturas do
antebraço foram estabilizadas principalmente com placas (70,9%), seguidas de fixação
externa e imobilização (8,9% e 8,5% respectivamente), enquanto hastes intramedulares
foram utilizadas em apenas 4,7% dos casos.
Estudos que compararam o uso de hastes intramedulares versus placas em fraturas do
antebraço não encontraram taxas maiores de sinostose radioulnar.[8] Porém, muitas vezes a comparação é feita com fraturas simples, o que poderia explicar
esses resultados. O uso de hastes intramedulares não é descrito com frequência nas
fraturas cominutivas e os estudos que mencionam seu uso em cotovelos flutuantes não
relatam com clareza o resultado do tratamento.
Uma revisão por Bergeron et al.[9] mostrou que as fraturas do antebraço podem desenvolver sinostose radioulnar em 1,2%
a 6% dos casos. Segundo alguns relatos, esse percentual pode aumentar para 18% em
pacientes com traumatismo cranioencefálico, 30% em pacientes com politraumatismo e
até 39% quando o tratamento precisa ser adiado.
Os padrões de fratura também podem contribuir para a sinostose. No paciente aqui apresentado,
fatores como cominuição, fraturas no mesmo nível e posição dos fragmentos dificultam
a redução correta, aumentando o risco de não consolidação ou consolidação inadequada.
Embora não esteja claro se a haste intramedular é um fator isolado para fusão radioulnar
nas fraturas do antebraço, acreditamos que em casos como o apresentado, a combinação
de características clínicas (traumatismo cranioencefálico, manejo tardio, fraturas
cominutivas) e a fixação com as unhas podem aumentar os riscos de desenvolver sinostose.
Considerando a relativa estabilidade das hastes intramedulares e o risco de sinostose,
seu uso no tratamento de fraturas de rádio e ulna deve ser cuidadosamente avaliado.
Diversas condições, como o politraumatismo, também podem aumentar os riscos e, portanto,
acreditamos que estes dispositivos devem ser preferidos no tratamento de padrões de
fratura simples.