Palavras-chave
avaliação tridimensional da marcha - cinemática - cinética - eletromiografia - mucopolissacaridoses
Introdução
As mucopolissacaridoses (MPS) são síndromes genéticas raras que constituem o maior
grupo das doenças de armazenamento lisossômico. A degradação intracelular de micromoléculas
por enzimas lisossomais é anormal nesta população, levando ao acúmulo intracelular
de compostos semidegradados, as glicosaminoglicanas (GAG).[1]
Sua incidência geral é estimada em 1 a cada 25.000 nascidos vivos, variando em cada
país e origem étnica, sendo as mais comuns as síndromes de Morquio (MPS IV) e Hurler
(MPS I).[2]
[3] No Brasil, os subtipos mais comuns encontrados são MPS II (síndrome de Hunter) e
VI (síndrome de Maroteaux-Lami).[4]
Mutações específicas são descritas individualmente para cada tipo de MPS[2]
[5] levando a um acúmulo característico de GAGs, permitindo a classificação das MPS
em sete tipos.
O quadro clínico é bastante diversificado, com acometimento de múltiplos órgãos e
sistemas, apresentando diferentes fenótipos e graus variados de funcionalidade e gravidade,
podendo ser fatal em alguns casos.[6]
[7] Deambulação limitada e resistência reduzida, causadas por doença cardiopulmonar,
rigidez articular, contraturas, dor e deformidades esqueléticas, são problemas significativos
e progressivos para muitos destes pacientes.
A determinação do nível de GAGs, bem como a atividade enzimática e genotipagem são
fundamentais para o diagnóstico das MPS.[8] Amostragens de vilosidades coriônicas e células do líquido amniótico são utilizados
para estabelecer o diagnóstico pré-natal nos fetos.[2]
A terapia de reposição enzimática (TRE) e o transplante de células-tronco hematopoiéticas
(TCTH) são as opções de tratamento mais utilizadas. Além disso, diversas técnicas
cirúrgicas são empregadas para tratamento das alterações musculoesqueléticas.
Poucos estudos obtiveram medidas funcionais apropriadas para monitorar o curso das
MPS e avaliar o impacto das opções terapêuticas atualmente aplicadas. Estes estudos
evidenciam a grande dificuldade para realização de testes de desempenho tradicionais
nesta população, por exemplo os testes de resistência e de força em esteiras, bicicletas
ergométricas e dinamometria. Isto se deve, dentre outros, ao tamanho reduzido dos
membros e estatura, doenças articulares, força limitada e amplo espectro clínico das
MPS. Estes pacientes podem ser avaliados de uma forma mais eficaz utilizando-se testes
que incorporam atividades exigidas na vida diária, como o ato de caminhar.[9] Uma alternativa nestes casos é a análise computadorizada da marcha.[10]
A importância desta ferramenta motivou o desenvolvimento de índices que podem sintetizar
os dados da análise de marcha, facilitando seu entendimento.[11] Dois destes dados, a pontuação do perfil da marcha Gait Profile Scale, (GPS) e o índice de desvio da marcha Gait Deviation Index (GDI) são medidas globais de variabilidade da marcha, sendo sensíveis para detectar
alterações relevantes na deambulação de pacientes com distúrbios ortopédicos e neurológicos.[12]
[13]
O objetivo do presente estudo foi avaliar e determinar, através da análise tridimensional
(3D) instrumentada da marcha o perfil cinético, cinemático e eletromiográfico de pacientes
com MPS IV e VI em um serviço de referência em doenças raras.
Material e Métodos
O presente estudo é um corte transversal, descritivo e analítico, aprovado pelo comitê
de Ética em Pesquisa da Instituição proponente sob o número CAE 40847720.5.0000.5208.
Para o exame de análise 3D da marcha foi utilizado o Hardware BTS-Gaitlab (BTS Bioengineering,
Milão, Itália) e para a análise dos dados foram usados os softwares Excel (Microsoft
Corp., Redmond, WA, EUA) versão 2301 e o Statistical Package Social Sciences (SPSS, IBM Corp., Armonk, Nova Iorque, EUA) versão 22. O Estudo incluiu 11 pacientes
com MPS tipos IV e VI avaliados no período entre junho de 2020 e janeiro de 2021.
A escolha por ambos os tipos de MPS atribuiu-se ao fato de os mesmos terem caracteristicamente
uma melhor capacidade cognitiva, facilitando a coleta do exame, e também por serem
os tipos mais frequentes acompanhados no serviço parceiro.
Os critérios de inclusão foram pacientes com idade a partir de 4 anos, com diagnóstico
de MPS IV ou VI, deambuladores, atendidos no serviço parceiro, que aceitaram participar
do estudo após convite e terem concordado e assinado (o paciente ou responsável legal)
o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foram excluídos do estudo os
pacientes com confirmação de outras possíveis etiologias, pacientes portadores de
doença cardíaca grave, déficit cognitivo, visual ou auditivo que comprometessem a
aplicação do exame.
As seguintes variáveis epidemiológicas foram avaliadas: idade, gênero, classificação
da doença, outras patologias e uso de órteses. A análise 3D instrumentada da marcha
seguiu a seguinte padronização: inicialmente foi realizada a coleta dos dados antropométricos
- peso, altura, distância entre as espinhas ilíacas anterossuperiores, profundidade
pélvica, comprimento dos membros inferiores, largura dos joelhos e dos tornozelos.
Após esta etapa, foi definido o protocolo do BTS-Gaitlab que seria utilizado para
realização do exame. Por conveniência e adequação aos pacientes, especialmente em
relação a desvios em valgo dos joelhos, foi adotado para uns o protocolo Helen Hayes
ou Modified Helen Hayes e para outros o protocolo Davis ([Fig. 1]), ambos fornecendo as mesmas variáveis de interesse.
Fig. 1 (a) Visão frontal e posterior do protocolo modified Helen Hayes. (b) Marcadores do protocolo Helen Hayes colocados no modelo. (c) Paciente realizando análise de marcha utilizando protocolo Helen Hayes. (d) Visão frontal e posterior do protocolo Davis. (e) Marcadores do protocolo Davis colocados no modelo. (f) Paciente realizando análise de marcha utilizando protocolo Davis.
Os marcadores reflexivos para captura do movimento foram posicionados em locais anatômicos
definidos pelo protocolo escolhido, assim como os sensores para captação da eletromiografia
(EMG), tendo como referências anatômicas os músculos retos femorais, semitendinosos,
gastrocnêmios e tibiais anteriores.
Após colocação dos marcadores e sensores, os pacientes foram solicitados a realizar
duas tarefas diferentes: tomada estática e tomada dinâmica. Para tomada estática os
pacientes foram orientados a manter-se em posição ortostática por cerca de 5 segundos
sobre as plataformas de força. Este protocolo calcula os ângulos articulares e realiza
uma reconstrução 3D do paciente, fornecendo seus dados estáticos. Para a tomada dinâmica,
os pacientes foram orientados a caminhar naturalmente na pista presente do laboratório,
na qual estavam acopladas seis plataformas de força 3D digitais, que capturavam as
forças de reação ao solo dos pacientes. Os marcadores reflexivos foram captados por
10 câmeras infravermelhas de alta resolução e frequência, fornecendo informações sobre
a posição e o movimento das articulações durante a marcha. Os sensores de EMG captaram
a atividade dos músculos escolhidos. Foram feitas cerca de 18 repetições para cada
paciente. Os dados foram registrados e transmitidos para um computador via bluetooth,
onde foram processados, gerando um relatório final. Cada exame completo durou, em
média, uma hora.
Como variáveis espaço-temporais de interesse foram consideradas: cadência, velocidade
(m/s), velocidade média (percentual da altura/s), comprimento do passo, comprimento
da passada (m), comprimento da passada (percentual da altura), largura do passo, fase
de apoio, fase de balanço, duplo apoio, apoio simples, tempo de passada, tempo de
apoio e tempo de balanço. Para a avaliação do quadril foram considerados os índices
de inclinação (tilt pélvico), obliquidade, rotação e os ângulos de flexão-extensão e abdução-adução do
quadril. O arco de movimento foi utilizado para avaliar os desvios do joelho (ângulo
de flexo-extensão) e do tornozelo (dorsi-plantiflexão do tornozelo). Para avaliação
dos desvios do pé foi utilizado o ângulo de progressão. Foram utilizados o GPS e o
GDI como índices para análise da patologia geral e qualidade da marcha.
Algumas das variáveis analisadas foram comparadas com dados normativos, visando obter
uma melhor compreensão das possíveis atividades de compensação do movimento nos diferentes
planos anatômicos.
Sobre os dados da EMG, usamos como referência sua ativação. Ou seja, se a musculatura
estava ativa ou não (on-off) e em quais fases do ciclo da marcha, conforme proposto
por Sutherland.[13]
A análise inicial dos dados obtidos dos pacientes foi realizada pelo cálculo de estatísticas
descritivas, média, desvio-padrão, frequência absoluta e percentual, assim como os
protocolos validados de análise de marcha integrados no BTS Gaitlab. Foram usados
testes estatísticos para identificar diferenças significativas entre os valores observados
nas variáveis estudadas e os parâmetros de normalidade do sistema. Foram utilizados
testes não-paramétricos, Wilcoxon e Mann-Whitney, método exato para amostras pequenas.
Foi considerado o valor de significância igual a 5%, usado para indicar os coeficientes
de correlação estatisticamente significativos.
Resultados
O presente estudo inclui 11 pacientes com MPS ([Tabela 1]), dos quais 5 (45,5%) são do gênero feminino e 6 (54,5%) do masculino. Nenhum dos
pacientes fazia uso de órteses. Além disso, 9 (81,8%) são portadores de MPS VI e 2
(18,2%) são portadores de MPS IV. A idade dos pacientes variou de 4 a 43 anos, com
média de 14,6.
Tabela 1
Variável
|
N (%)
|
Gênero
|
|
Feminino
|
6 (54,5)
|
Masculino
|
5 (45,5)
|
MPS
|
|
IV
|
2 (18,2)
|
VI
|
9 (81,8)
|
Tipo de protocolo
|
|
Helen Hayes
|
6 (54,5)
|
Davis Heel
|
5 (45,5)
|
Variável
|
Média (DP)
|
Peso (kg)
|
31,5 (13,1)
|
Altura (cm)
|
113,6 (12,5)
|
Idade (anos)
|
14,6 (11,7)
|
Com relação aos parâmetros temporais, a velocidade média (m/s) e a velocidade média
(percentual da altura/s) estavam abaixo do parâmetro de normalidade. Os valores médios
dos demais parâmetros temporais avaliados tiveram pouca alteração ou valores dentro
dos padrões da normalidade. Na avaliação dos parâmetros espaciais, chama atenção um
comprimento da passada médio inferior ao valor de referência. Os dados estão representados
na [Fig. 2] e na [Tabela 2].
Fig. 2 Valores médios observados para cada variável dos parâmetros temporais.
Tabela 2
|
Valor padrão
|
Membro direito
|
Membro esquerdo
|
Parâmetros Temporais
|
|
|
|
Tempo de passada (s):
|
1,10 (0,09)
|
1,01* (0,17)
|
1,02* (0,16)
|
Tempo de apoio (s):
|
0,65 (0,07)
|
0,64 (0,11)
|
0,63 (0,13)
|
Tempo de balanço(s):
|
0,44 (0,05)
|
0,38* (0,06)
|
0,40* (0,04)
|
Fase de apoio (%):
|
58,98 (1,97)
|
64,11* (5,48)
|
61,62* (3,41)
|
Fase de balanço (%):
|
40,03 (3,56)
|
38,75 (6,49)
|
39,38 (3,11)
|
Fase de apoio simples (%)
|
38,87 (2,57)
|
40,41 (5,72)
|
37,72 (4,02)
|
Fase de duplo apoio (%):
|
10,27 (3,09)
|
11,83 (2,35)
|
13,60* (4,40)
|
Velocidade média (m/s):
|
1,20 (0,20)
|
0,68* (0,21)
|
Velocidade média (%altura/s):
|
80,00 (5,00)
|
60,05* (19,98)
|
Cadência (steps/min):
|
114,00 (4,20)
|
121,85* (18,02)
|
Parâmetros Espaciais
|
|
|
Comprimento da passada (m):
|
1.36 (0.11)
|
0,66* (0,15)
|
0,67* (0,17)
|
Comprimento da passada (%alt.):
|
80,00 (10,00)
|
58,29* (14,20)
|
59,27* (15,32)
|
Comprimento do passo (m):
|
0.62 (0.05)
|
0,35* (0,09)
|
0,33* (0,09)
|
Largura do Passo (m):
|
0.08 (0.05)
|
0,14* (0,07)
|
Ângulos estáticos
|
|
|
Obliquidade pélvica (graus):
|
0,00 (1,00)
|
4,74* (12,60)
|
−0,46* (4,00)
|
Tilt pélvico (graus):
|
10,00 (4,00)
|
13,85* (7,60)
|
13,85* (7,60)
|
Rotação pélvica (graus):
|
0,00 (5,00)
|
1,23 (5,13)
|
−1,23 (5,13)
|
Ab-adução do quadril (°):
|
0,00 (3,00)
|
−6,51* (8,46)
|
−8,74* (7,64)
|
Flexo-extensão do quadril (°):
|
10,00 (4,00)
|
17,25* (13,65)
|
20,32* (14,72)
|
Rotação do quadril (°):
|
0,00 (5,00)
|
3,45 (12,02)
|
3,05 (9,71)
|
Flexo-extensão do joelho (°):
|
5,00 (5,00)
|
13,25 (17,17)
|
17,28* (14,31)
|
Dorso-flexão plantar do tornozelo (°):
|
0,00 (5,00)
|
−2,46* (38,64)
|
−6,61* (41,77)
|
Progressão do pé (°):
|
−10,00 (5,00)
|
−26,59* (15,40)
|
−16,55* (13,51)
|
GPS
|
|
|
|
Obliquidade pélvica (graus):
|
< 7
|
14,85* (6,72)
|
11,71* (3,39)
|
GVS
|
|
|
Obliquidade pélvica (graus):
|
|
4,50 (1,87)
|
4,94 (1,86)
|
Tilt pélvico (graus):
|
|
7,86 (6,57)
|
7,85 (6,58)
|
Rotação pélvica (graus):
|
|
6,06 (4,33)
|
6,34 (4,03)
|
Ab-adução do quadril (°):
|
|
8,22 (4,41)
|
9,57 (5,86)
|
Flexo-extensão do quadril (°):
|
|
13,18 (5,87)
|
13,65 (6,89)
|
Rotação do quadril (°):
|
|
9,75 (5,36)
|
9,90 (4,74)
|
Flexo-extensão do joelho (°):
|
|
15,38 (7,73)
|
12,99 (7,02)
|
Dorso-flexão plantar do tornozelo (°):
|
|
13,19 (13,65)
|
13,33 (11,87)
|
Progressão do pé (°):
|
|
14,04 (8,80)
|
10,64 (5,68)
|
GDI
|
> 100
|
73,23* (14,50)
|
80,45* (17,05)
|
Na avaliação dos ângulos estáticos ([Tabela 2]), os quadris apresentaram média de flexão acima do valor de normalidade ([Fig. 3]). O arco de movimento dos joelhos também demonstrou importantes alterações, chegando
a um valor individual máximo de 56.8° de flexão no joelho direito e de 48,9° no esquerdo.
A maioria dos pacientes (54,5%) apresentou um padrão de marcha com aumento da flexão
e adução dos quadris e flexão dos joelhos.
Fig. 3 (a) Paciente durante o exame estático (standing) com protocolo Helen Hayes MM no laboratório
de marcha. (b) Reconstrução 3D no BTS SMART-Clinic. Notar o padrão em flexão dos quadris.
A média do GPS dos pacientes apresentou imp ortante desvio do parâmetro de normalidade.
Em relação ao Gait Variable Score (GVS), a flexo-extensão e a rotação dos quadris, o arco de movimento dos joelhos
e tornozelos e o ângulo de progressão do pé foram os valores médios mais elevados,
sendo os maiores contribuintes para elevação do GPS destes pacientes. Todos os pacientes
apresentaram GDI abaixo de 100, com menor valor individual sendo 59.67 ([Tabela 2], [Fig. 4]).
Fig. 4 Gráficos do BTS motion analysys de diferentes pacientes do estudo. Notar o desvio
da curva dos membros inferiores em relação ao parâmetro de normalidade em todas as
imagens.
Sobre os dados de EMG, foram obtidas as atividades dos retos femorais, tíbias anteriores,
gastrocnêmios (cabeça medial) e semitendinosos de 10 pacientes (um dos pacientes decidiu
realizar o exame sem EMG).
Nossos resultados demostraram intervalos de atividade muscular que seguem aproximadamente
o padrão habitual. No entanto, os resultados obtidos demostraram grande variabilidade
entre os pacientes. Diferentes modalidades de ativação foram captadas, estando presentes
mesmo em passadas consecutivas de um mesmo indivíduo. Houve variações no número de
ativações, no tempo de início e deslocamento do sinal. Os músculos mais ativados durante
o ciclo de marcha foram o tibial anterior (mais ativo em 60% dos pacientes) e o gastrocnêmio.
Foi notada assimetria na ativação muscular no comparativo entre os membros em um mesmo
paciente em 10% dos casos.
Discussão
As deformidades esqueléticas são características marcantes presentes nos diferentes
tipos de MPS. Defeitos angulares, como valgo dos joelhos e tornozelos, displasia progressiva
dos quadris, frouxidão/ hipermobilidade articular são exemplos de alterações que levam
a disfunções na marcha destes pacientes,[14] dificultando a deambulação e o equilíbrio e causando maior dependência funcional
nas atividades cotidianas.[15]
Um estudo realizado por Matos et al.[16] com 19 pacientes com MPS mostrou que as disfunções da marcha são as principais queixas
relatadas por este grupo, sendo consideradas uma das maiores causas de incapacidade
funcional nesta população.
A mobilidade humana representa um requisito fundamental para uma adequada qualidade
de vida. A habilidade de andar é um indicador de saúde geral, pois denota autonomia.[17] Como a caminhada é um requisito básico para muitas atividades diárias, a análise
da marcha fornece informações importantes sobre a capacidade funcional das pessoas.
O padrão de marcha dos indivíduos tornou-se uma área de grande interesse. A análise
da marcha é amplamente utilizada como meio para diagnosticar doenças, avaliação de
planos terapêuticos e do prognóstico de diversas patologias.[18] Desvios do padrão típico da marcha são características frequentes em doenças neurológicas,
musculares e esqueléticas.[19]
Cada tipo de MPS tem uma ampla gama de manifestações clínicas.[4]
[20] Além disso, um mesmo subtipo pode apresentar padrões muito variáveis de anormalidades
do sistema osteoarticular e, por conseguinte, apresentar padrões variados de marcha.
A avaliação 3D da marcha nestes pacientes permite uma melhor compreensão da história
natural da doença nos seus diferentes fenótipos.
A velocidade média e, principalmente, o comprimento da passada estavam abaixo do normal
em nosso estudo, semelhante ao descrito por Salazar-Torres.[21] Tal achado indica maior custo metabólico durante a marcha, como demonstrado por
Kimoto et al.[22]
O tempo de apoio mostra correlação importante com a estabilidade e o equilíbrio. Valores
elevados do tempo de apoio representam diminuição da capacidade de equilíbrio do paciente.[23] O tempo de apoio médio em nosso estudo foi normal, demostrando que estes pacientes
apresentam boa estabilidade durante a marcha.
Outro aspecto importante observado foi a assimetria entre os valores obtidos para
cada membro. Os parâmetros que mais apresentaram diferenças entre os membros durante
a marcha foram o arco de movimento dos joelhos e o ângulo de progressão do pé. Também
foi notada assimetria nos valores temporais e, em menor percentual, nos dados de EMG.
Sabe-se que quanto maior a assimetria dos membros inferiores durante a marcha, maior
é o seu consumo energético.[24]
A maioria dos nossos pacientes apresentaram um padrão de flexão e adução dos quadris
e flexão dos joelhos. As alterações destas articulações são bem descritas tanto na
síndrome de Maroteaux-Lamy quanto na de Morquio. Sabe-se que, especialmente nos quadris
e joelhos destes pacientes, pode haver comprometimento desde os primeiros anos de
vida.[25]
O GPS e o GDI são índices que representam um resumo da qualidade geral da marcha,
facilitando a comparação entre a deambulação patológica e a normal. Massad et al.[26] relataram o GDI como medida confiável para avaliação da marcha mesmo em uma única
sessão. Em nosso estudo, os valores de ambos mostraram importante desvio do padrão
da normalidade.
Os dados da EMG demonstraram intervalos de atividade muscular que seguiam aproximadamente
o modelo vigente. No entanto, cabe ressaltar a grande variabilidade de padrões desse
teste entre os pacientes, semelhante ao apontado por Agostini et al.[27] Um fator limitante na avaliação destes dados no presente estudo é que 54,5% dos
pacientes avaliados eram crianças, das quais 45,5% correspondem a uma faixa de 4 a
8 anos. Embora os indivíduos nessa faixa etária sejam considerados com uma deambulação
madura, em seu estudo, Granata et al.[28] demonstraram que a variabilidade da EMG intrasessão em crianças de 6 a 8 anos é
duas vezes maior que a dos adultos. Já Agostini et al.[27] afirmaram que a atividade desse exame pode variar drasticamente entre as crianças,
sendo que menos de 50% apresentam padrão similar. A grande variabilidade em crianças
pode indicar um controle de estabilização mais responsivo do que nos adultos.[27]
Um estudo de Fleming et al.[29] avaliou o nível de funcionalidade em 15 crianças com MPS, utilizando a Classificação
Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, relatando comprometimento leve
das funções corporais e comprometimento grave para mobilidade das articulações e marcha,
em linha com o apontado pelo nosso estudo.
A limitação deste estudo é o pequeno número de sujeitos. No campo das síndromes genéticas
de depósito, que cursam com acometimento de diferentes sistemas, sabe-se que a pesquisa
deve lidar com o problema da grande variabilidade entre os pacientes e, geralmente,
um grande número de indivíduos deve ser incluído nestes estudos. Assim, é necessário
o desenvolvimento de mais pesquisas, com uma amostra mais ampla de pacientes.
Conclusão
Os pacientes apresentaram uma velocidade média e comprimento da passada diminuídos.
Um padrão de marcha em flexão e adução dos quadris e flexão dos joelhos foi identificado
na maioria dos casos. Tanto GPS quanto GDI mostraram desvio importante da normalidade.
A análise dos dados EMG demonstrou intervalos de atividade muscular que seguem aproximadamente
o modelo vigente, ressaltando-se a grande variabilidade de padrões de ativação muscular
entre os pacientes.