Introdução
A cirurgia plástica teve diversos avanços no campo da cirurgia reparadora. Desde os
estudos de Sir Harold Delf Gillies na Primeira Guerra Mundial até hoje, várias estratégias
foram desenvolvidas com foco na escada de reconstrução. Porém, o padrão-ouro atual
para tais procedimentos são retalhos autólogos cirúrgicos, os quais possuem diversas
desvantagens, como locais doadores limitados, morbidade do local doador e operações
complexas e prolongadas com seus próprios riscos. A fim de superar tais inconveniências,
a bioengenharia promete recursos ilimitados a partir de sua potencialidade por meio
de biotecidos para realizar tais reconstruções de forma mais segura, ao invés de retalhos
autólogos restritos.[1 ]
Biotecidos são qualquer combinação de substâncias de origem sintética e/ou biológica
que, de forma organizada e integrada, possa interagir com sistemas biológicos complexos
a fim de tratar, substituir ou remodelar quaisquer tecidos ou órgãos do corpo/ser-vivo
estudado.[2 ] Desse modo, devem seguir critérios específicos, tais como: permitir proliferação
celular adequada ao tecido a ser aderido; acompanhar taxas de biodegradação e evolução
biológica do organismo vivo; não promoverem tipos de rejeição imunológico-inflamatória
ao organismo recebedor do tecido, de modo a torná-lo viável.[3 ]
Porém, o ideal de utilização de biotecidos para formação de um tecido viável em cirurgias
reconstrutivas e estéticas humanas, a fim de alcançar a proporção e a função do órgão
a ser substituído, ainda possui suas limitações no conhecimento científico atual,
como a nutrição ineficaz de tais tecidos desenvolvida por engenharia tecidual e materiais
limitados para produção dos scaffolds .[4 ] As unidades básicas de construção da engenharia de tecidos são a matriz extracelular
(MEC) ou scaffold , células viáveis e a manutenção homeostática adequada dos tecidos.[1 ]
O objetivo desta revisão sistemática é, inicialmente, expor os princípios fundamentais
subjacentes à engenharia de tecidos e, posteriormente, realizar uma análise das principais
técnicas e suas inovações.
Materiais e Métodos
A pesquisa foi realizada nas bases de dados MEDLINE, LILACS, Scielo e Cochrane, utilizando
termos descritores obtidos no DECS/MESH. Os descritores utilizados para selecionar
os artigos desejados nas bases de dados foram: plastic surgery AND biomaterials AND tissue engineering AND scaffold AND stem cells . A busca restringiu-se a artigos publicados entre 2010 e 2023, em inglês, português
e espanhol, e incluiu apenas revisões sistemáticas, metanálises e estudos clínicos
e experimentais, englobando um total de n = 257 artigos. A seleção dos artigos foi realizada por meio da plataforma Rayyan
(Rayyan Systems, Cambridge, MA, EUA) para elaboração de revisões sistemáticas e sistematizadas
da literatura. Dois avaliadores diferentes atuaram no estudo. Em caso de dúvidas sobre
a inclusão do artigo, um terceiro avaliador foi convocado ([Fig. 1 ]).
Fig. 1 Fluxograma de seleção dos artigos segundo o Preferred Reporting Items for Systematic
reviews and Meta-Analyses (PRISMA).
A avaliação do artigo iniciou-se pelo título e resumo, e, em caso de não adequação
ao tema, houve exclusão primária. A exclusão secundária se deu pela leitura completa
dos artigos, seguida por uma segunda filtragem de modo a obter os artigos que de fato
fossem condizentes com metodologia, objetivos, aplicação prática e discussão compatíveis
com os objetivos desta revisão.
Na primeira exclusão foram retirados artigos em duplicata e com enfoque em: tratamento
odontológico, osteogenia, abordagem bioquímica específica, revisões narrativas e artigos
sem enfoque em cirurgia plástica. Na segunda exclusão foram retirados artigos que
expunham: foco apenas bioquímico, não consideravam aplicabilidade prática, protocolos
de reprodução exclusiva do scaffold e artigos que não tinham aplicabilidade na cirurgia plástica reconstrutiva. Experimentos
com resultados incompletos não foram considerados e os selecionados foram lidos na
íntegra.
Para a elaboração dos resultados e discussão, os artigos foram categorizados em temas
específicos de sua abordagem. Foram considerados in vitro artigos que não utilizaram animais para experimentação dos enxertos, e in vivo os demais que consideraram o respectivo uso. Foi considerado enfoque: adipogênico
para os artigos que almejavam a reconstrução de partes moles envolvendo técnicas de
coleta de tecido adiposo associadas às respectivas células-tronco teciduais como principal
objetivo; angiogênico para os que propunham a neovascularização e manutenção homeostática
do enxerto como objetivo; e condrogênico para os que almejavam a formação de neocartilagem.
Os termos scaffold , veículo e hidrogel foram utilizados como sinônimos dado contexto específico determinado no momento de
uso. Para distribuição dos artigos conforme nacionalidade, foi considerado o serviço
credenciado e país de origem do primeiro autor.
Resultados
Foram selecionados 37 artigos, dentre os quais 15 realizaram abordagem experimental
em modelo exclusivo in vitro ; 14 realizaram abordagem experimental em modelo exclusivo in vivo ; e 8 realizaram experimentação em ambas as abordagens no mesmo estudo ([Tabelas 1 ]
[2 ]
[3 ]).[5 ]
[6 ]
[7 ]
[8 ]
[9 ]
[10 ]
[11 ]
[12 ]
[13 ]
[14 ]
[15 ]
[16 ]
[17 ]
[18 ]
[19 ]
[20 ]
[21 ]
[22 ]
[23 ]
[24 ]
[25 ]
[26 ]
[27 ]
[28 ]
[29 ]
[30 ]
[31 ]
[32 ]
[33 ]
[34 ]
[35 ]
[36 ]
[37 ]
[38 ]
[39 ]
[40 ]
[41 ] Os países que mais publicaram sobre o assunto foram China (nove artigos), Alemanha
(cinco artigos), Bélgica (cinco artigos) e Estados Unidos (quatro artigos) ([Fig. 2 ]).
Tabela 1
Autor e ano
Técnica
Vantagens
Limitações
Flynn et al. (2010)[5 ]
hASCs foram semeadas em scaffold DAT em modelo in vitro
Compatibilidade, integração e adesão celular bem favoráveis
Necessidade de mais estudos sobre scaffold DAT
Wu et al. (2012)[6 ]
hASCs foram semeadas em scaffold DAT em modelo in vitro . Em seguida, o biotecido foi inserido no subcutâneo de camundongos
Compatibilidade, integração e adesão celular bem favoráveis
Necessidade de mais estudos sobre scaffold DAT
Alharbi et al. (2013)[7 ]
hASCs foram semeadas em veículo Matriderm em modelo in vitro
Comparação de cânulas para lipoaspiração para sobrevivência do enxerto
Não avalia a manutenção do tecido em longo prazo
Garg et al. (2014)[8 ]
rASCs foram semeadas em scaffold de hidrogel (colágeno-pululano) em modelo in vitro e, em seguida, inseridos de forma circular em feridas superficiais no dorso de camundongos
Quatro métodos de produção do enxerto analisados, produção rápida e angiogênese observada
Necessidade de estudos em humanos
Cheung et al. (2013)[9 ]
hASCs foram semeadas em scaffold (DAT + MGC ou DAT + MCS) em modelo 3D in vitro . Em seguida, criou-se o enxerto com rASCs, e o mesmo foi inserido no subcutâneo de
ratos
Método de encapsulamento oferece uma tecnologia minimamente invasiva para defeitos
irregulares em tecidos moles
Necessidade de mais estudos que analisem a manutenção da densidade celular no enxerto
implantado em longo prazo
Gugerell et al. (2015)[10 ]
hASCs foram semeadas em scaffolds de PLLG + Gel-MA sob condições estáticas. Em seguida, foram inseridas em biorreator
em modelo in vitro
Condições dinâmicas e angiogênese observada
Tempo de produção
Pati et al. (2015)[11 ]
hASCs foram semeadas em scaffold 3D impresso (DAT) em modelo in vitro
Compatibilidade, integração e adesão celular bem favoráveis
Necessidade de mais estudos sobre scaffold DAT
Zeng et al. (2015)[12 ]
hASCs foram semeadas em microgel (PMMA) cultivados em 2D e 3D em modelo in vitro . Em seguida, os enxertos foram inseridos em feridas superficiais no dorso de camundongos
Maior vantagem da estrutura 3D e facilidade na injeção da solução de hidrogel para
o enxerto e para a viabilidade celular
Necessidade de mais estudos sobre microgéis (PMMA)
Wahl et al. (2015)[13 ]
hASCs foram semeadas em 4 diferentes scaffolds comerciais (BioPiel, Smart Matrix, Integra DRT, Strattice ) em modelo in vitro e in vivo por membra na amniótica de ovos de galinha
Maior vantagem das matrizes de colágeno bovino e de fibrina na eficiência da cicatrização
Necessidade de mais estudos para corroborar alguma ineficiência de scaffold de quitosana ou de DAT suíno
Lequeux et al. (2015)[14 ]
hASCs foram injetadas junto ao veículo Cytocare no subcutâneo de camundongos
Compatibilidade, integração e adesão celular bem favoráveis
Não avalia a manutenção do tecido a longo prazo
Hanken et al. (2016)[15 ]
hASCs foram semeadas em scaffolds de seda com e sem fatores de crescimento em modelo in vitro
Manutenção do enxerto e neovascularização obtida por fatores de crescimento
Necessidade de mais estudos sobre scaffolds de seda e períodos mais longos de enxerto
Zhu et al. (2019)[16 ]
rASCs foram semeadas em scaffold (ADM suína) em modelo in vitro . Em seguida, os enxertos foram inseridos na fáscia subcutânea de ratos
Compatibilidade e manutenção do tecido bem favoráveis
Necessidade de mais estudos sobre scaffold de ADM
Buschmann et al. (2019)[17 ]
rASCs foram semeadas em scaffold de PLGA e injetados na parede torácica de camundongos
Compatibilidade, integração e adesão celular bem favoráveis. Neovascularização presente.
Alguma reação inflamatória observada
Tytgat et al. (2019a)[18 ]
hASCs foram semeadas em scaffold (Gel-SH/Gel-NB) em modelo in vitro
Candidato alternativo ao uso de Gel-MA
Resistência mecânica do scaffold ainda a ser avaliada em estudos futuros
Tytgat et al. (2019b)[19 ]
hASCs foram semeadas em scaffold 3D impresso (Gel-MA/Car-MA) em modelo in vitro
Compatibilidade, integração e adesão celular bem favoráveis. Mecânica similar ao tecido
mamário nativo.
Menor potencial de diferenciação do que quando comparado ao Gel-MA
Colle et al. (2020)[20 ]
hASCs foram encapsuladas e semeadas em scaffold 3D impresso (Gel-MA) em modelo in vitro
Facilidade de replicação do scaffold por impressão em molde 3D
Necessidade de mais estudos sobre esferóides (microcápsulas)
Benmeridja et al. (2020)[21 ]
Microesferas hASCs + HUVECs foram semeadas e moldadas em 3D em modelo in vitro
Facilidade de replicação do scaffold por impressão em molde 3D. Neovascularização presente.
Necessidade de mais estudos sobre esferóides (microcápsulas)
Pu et al. (2021)[22 ]
hASCs foram injetadas junto ao DAT-gel no subcutâneo de camundongos
Facilidade na injeção da solução de hidrogel para o enxerto e para a viabilidade celular
Baixo tempo de experimentação in vivo demanda novos estudos com enxerto a longo prazo
Tabela 2
Autor e ano
Técnica
Vantagens
Limitações
Wang et al. (2010)[23 ]
SMCs foram obtidas a partir de hASCs e semeadas em malhas de PGA. Em seguida, a malha
foi colocada em biorreator pulsátil em modelo in vitro
Vaso tridimensional de pequeno diâmetro formado com êxito. Biomecânica do tecido aprimorada
por condições pulsáteis do biorreator
Ausência de testagem in vivo
Zhang et al. (2011)[24 ]
VR-EPCs provenientes do tecido cardíaco foram semeadas em veículo Integra Matrix em modelo in vitro . Em seguida, os biotecidos foram inseridos em feridas de pele de espessura total
em camundongos
Utilização de fonte alternativa de tipos de células-tronco
Necessidade de mais estudos que envolvam a utilização de VR-EPCs e facilitação de
sua obtenção
Mestak et al. (2013)[25 ]
rASCs foram semeadas em scaffold de ADM suína em modelo in vitro . Em seguida, realizou-se excisão de parte da parede abdominal de camundongos onde
o enxerto foi suturado
Analisa utilização de telas cultivadas para reparo da parede abdominal, o que traz
ressalvas no benefício do seu uso em cenário clínico
Complexidade do processo de extração, cultivo e manutenção do enxerto ainda tornam
a técnica distante de aplicação em cenário clínico
Han et al. (2014)[26 ]
hUCMSCs foram semeadas e diferenciadas, in vitro , em fibroblastos. Em seguida, as células foram cultivadas em scaffold (ADM + colágeno-quitosana) e inseridos em feridas de pele de espessura total no dorso
de suínos
Eficiência no tratamento superficial de feridas isquêmicas e de úlceras crônicas
Necessidade de continuação dos estudos para garantia de uma aplicação clínica final
favorável
Zhang et al. (2015)[27 ]
Microesferas de PLGA/PEG contendo VEGF foram impregnados em scaffolds de colágeno-quitosana semeados com hASCs em modelo in vitro . Em seguida, o biotecido foi inserido em torno do pedículo vascular de camundongos.
Neovascularização significativa, promovendo manutenção do enxerto e disponibilidade
de nutrientes.
Necessidade de mais estudos pré-clínicos que analisem a manutenção do enxerto/retalho
em períodos mais longos de tempo
Freiman et al. (2016)[28 ]
Scaffolds PLLA/PLGA foram agregados à quatro diferentes combinações de células-tronco (hASCs,
HAMECs, HUVECs e HNDFs)
Neovascularização observada melhora na integração do enxerto no hospedeiro, bem como
sua manutenção
Necessidade de análise do enxerto em período superior a 14 dias, obtendo mais informações
sobre sua manutenção e nutrição a longo prazo
Du et al. (2017)[29 ]
BMSCs de coelhos foram semeadas em folhas e em seguida descelularizadas para formação
do enxerto (BMSC-MEC). Os enxertos foram inseridos em camundongos com feridas de pele
de espessura total.
Maturação dos tecidos de granulação, reepitelização rápida e angiogênese foram observados
no local do enxerto
Necessidade de mais estudos que envolvam o condicionamento químico da MEC como estratégia
para sua melhor adesão e manutenção in vivo
Steiner et al. (2018)[30 ]
Microcápsulas de ADA-GEL (com ou sem BMSCs) foram agregadas em câmara de teflon e
inseridas na virilha de ratos juntamente com uma alça arteriovenosa criada
O uso de microcápsulas junto à alça vascular promoveu vasculariizção favorável
Necessitade mais estudos envolvendo o uso de microcápsulas como veículo, bem como
a utilização de alças em “loop” para angiogênese
Duisit et al. (2018)[31 ]
ADM foi obtida a partir de orelha humana + pedículo. rASCs foram semeadas no scaffold para modelo experimental in vitro . Em seguida, foram inseridas em feridas no dorso de camundongos
Considera o uso de peças post-mortem humanas (estruturas complexas com vascularização) para obtenção de MEC
Scaffold de dificil obtenção. Necessita-se mais estudos para avanços no enxerto vascular proposto
Griffin et al. (2019)[32 ]
rASCs foram semeadas (com e sem PRP) em scaffolds de poliuretano e inseridas no subcutâneo do dorso de camundongos
Adesão e vascularização foram observadas
No estudo, faltam evidências que garantam a casualidade do uso de plasma de argônio
como responsável direto pela melhor adesão tecidual
Dash et al. (2020)[33 ]
hiPSCs derivadas de células musculares lisas vasculares humanas foram semeadas junto
ao scaffold Matrigel em modelo in vitro descrito
Descrição detalhada promove facilidade de replicação dos métodos utilizados
Impede avaliação mais aprofundada devido ao teor expositivo em protocolo
Tabela 3
Autor e Ano
Técnica
Vantagens
Limitações
Liu et al. (2010)[34 ]
BMSCs e condrócitos suínos foram cultivados em scaffold (PLGA). Em seguida, o biotecido foi inserido no subcutâneo de camundongos
Indução parácrina observada favoreceu condrogênese
Necessidade de mais estudos sobre condroindução parácrina e cultura mista
Xue et al. (2012)[35 ]
BMSCs suínas foram cultivadas em ACSs, cultivos em scaffold (PLGA) foram considerados controle. Em seguida, os biotecidos foram inseridos no
subcutâneo de camundongos
ACSs têm atividade antiangiogênica que promove estabilização da cartilagem recente
Necessidade comparativa com outros biomateriais sintéticos
Patel et al. (2013)[36 ]
BMSCs humanas foram cultivadas em scaffold de POSS-PCU em formato de aurícula humana em modelo experimental in vitro
A condrogênese foi verificada in vitro com a diferenciação celular induzida por fatores de crescimento adicionados
Necessitam mais estudos que envolvam scaffold POSS-PCU e testagem in vivo
Mendelson et al. (2014)[37 ]
Microesferas de hidrogel carregadas com fatores de cresimento humano foram inseridas
em scaffold (PLGA). O enxerto de hidrogel foi inserido sobre a cartilagem nasal nativa de camundongos
Enxerto formado sem a necessidade do uso de células-tronco
Necessidade de novos estudos sobre condroindução de tecidos nativos sobre enxertos
não cultivados com células-tronco
Zhang et al. (2014)[38 ]
Condrócitos humanos e BMSCs caprinas foram cultivadas em scaffold (PGLA) em modelo in vitro
Os condrócitos humanos retiveram forte capacidade inicial de formação de cartilagem,
podendo promover a condrogênese ectópica de BMSCs in vitro
Ausência de testagem in vivo
Herrero-Mendez et al. (2015)[39 ]
Uso de scaffold descelularizado com sGAG para reparo tecidual. Os scaffolds analisados foram uma mistura 50:50 e outra de 90:10 de HR007 enriquecido com HA.
Os scaffolds demonstraram propriedades biológicas importantes in vitro para uso clínico a fim de promover o reparo de defeitos condrais ou dérmicos
Ausência de testagem in vivo
Ding et al. (2016)[40 ]
BMSCs e cartilagem auricular suínos foram obtidas e cultivados com scaffold (PGLA) em grupos isolados e em conjunto. Os biotecidos foram inseridos no subcutâneo
suíno.
Demonstrou-se que a cartilagem engenheirada baseada em BMSC pode suprimir a inflamação
in vivo quando cultivada sem condrócitos
Necessidade de novos estudos sobre a aplicação de enxertos cultivados de BMSCs por
longas durações
Rajabian et al. (2017)[41 ]
BMSCs de coelhos foram semeadas em scaffold de quitosana. Em seguida, os biotecidos inseridos em feridas superficiais no dorso
desses animais
Promoção da reepitelização por fatores parácrinos
Curativos de quitosana com ou sem BMSCs, quando sem estímulos de proliferação, pioraram
a cicatrização de feridas
Fig. 2 Mapa mundial de distribuição dos artigos revisados de biotecidos.
No geral, as preocupações mais frequentemente encontradas nos estudos revisados se
basearam na análise da integração, compatibilidade e adesão das células-tronco ou
do biomaterial/enxerto no local alvo (scaffold ou animal). Foram relatadas também análises relacionadas à manutenção dos tecidos,
reações inflamatórias e reações adversas em modelos de testagem in vivo . Já em modelos de testagem in vitro , também foram observadas análises relacionadas ao modo de produção do scaffold e da cultura de células-tronco. Apenas um dos artigos revisados não fez uso de células-tronco.
Na divisão de temas e objetivos dos estudos, observou-se que 18 estudos expuseram
uma aplicação focada em adipogênese, 10 estudos focaram em angiogênese e nove focaram
em condrogênese.
Nos artigos de adipogênese, observou-se uso de células-tronco derivadas de tecido
adiposo (ASCs) em todos os estudos selecionados – anlternando entre células de origem
xenogênica ou humana. Nesse bloco também se destacaram aplicações voltadas para remodelamento
de grandes feridas excisionais e para o tratamento de feridas de partes moles.
Nos artigos de angiogênese observou-se o uso majoritário de ASCs, seguido por MSCs.
Nesse bloco também se destacaram aplicações voltadas para a manutenção de enxertos
e tecidos por neovascularização e sinalização parácrina para promoção da angiogênese.
Nos artigos de condrogênese observou-se o uso majoritário de células-tronco mesenquimais
(MSCs), geralmente retiradas da medula óssea (BMSCs) xenogênica ou humana. Um dos
artigos não fez uso de células-tronco. Nesse bloco também se destacaram aplicações
voltadas para remodelação/cicatrização de feridas dérmicas e sinalização parácrina
para diferenciação condrogênica.
Discussão
A bioengenharia tecidual tem potencial de se tornar uma das bases da medicina regenerativa
do século XXI. As técnicas descritas se aproximam da aplicabilidade prática conforme
o estudo da interação do enxerto com o meio in vivo avança.[24 ] Desse modo, o presente estudo discute nos seguintes subtemas as aplicações, vantagens
e desvantagens dos artigos revisados bem como sua relação com a literatura científica.
Scaffold /Arcabouço/Veículo
Observou-se utilização de hidrogéis em 23 artigos, como uma tentativa de promover
maior capacidade de integração do biomaterial acelular ao hospedeiro. Consoante ao
estudo de Gierek et al., 2022, esses estudos relataram uma facilidade de implantação
e manejo do biotecido proposto, assim como propriedades mecânicas capazes de simular
o tecido adiposo nativo.[36 ]
[42 ] No que cabe à aplicabilidade dos métodos, o uso de hidrogéis mostrou ser um potencial
meio de garantir propriedades mecânicas sem comprometer a biodegradação natural do
enxerto in vivo , visto que garante a difusão e suporte dos componentes biológicos.[25 ]
[31 ]
[38 ]
De acordo com Gierek et al., 2022, o uso de ADMs tem considerável potencial reconstrutivo
em cirurgia humanas, graças à biocompatibilidade e à estrutura.[42 ] Em concordância, o vasto uso de ADMs nos estudos revisados mostra um avanço nos
estudos que remetem ao potencial desses scaffolds , com destaque para técnicas de obtenção xenógenas ou por lipoaspiração humana. A
utilização de DAT se mostrou promissora graças à facilidade de obtenção e baixa morbidade
da área doadora em lipoaspirados, vide uso para obtenção do arcabouço e de ASCs por
meio de resíduos cirúrgicos antes descartados.[5 ]
[9 ]
[13 ]
As tecnologias de impressão e planejamento 3D já são amplamente utilizadas na cirurgia
reconstrutiva para preparar intervenções e produzir implantes personalizados conforme
reconhecido pelo Royal College of Surgeons na Comissão sobre o Futuro da Cirurgia.[43 ] Isso se mostra presente nesta revisão em cinco artigos[21 ]
[36 ]
[37 ]
[38 ]
[40 ] que utilizaram essa técnica para a obtenção de scaffolds estruturais “vazados” para injeção de conteúdos celulares e biológicos que pudessem
compor o enxerto final. Esse tipo de método se mostrou eficiente na garantia da viabilidade
do enxerto quando comparado à técnica de não impressão, com biomecânica e capacidade
tecidual mimética favoráveis.[37 ]
Com base em Salehi-Nik et al., 2013, os biorreatores de perfusão podem fornecer estímulos
físicos e ambientais quase in vivo para os tecidos de cultura.[44 ] Nesse sentido, compara-se favoravelmente à experimentação pulsátil obtida na formação
de vasos de pequeno calibre com biomecânica e elasticidade similares à veia safena
humana. Essa abordagem pode ser usada não só no aprimoramento das técnicas reconstrutivas
na cirurgia plástica, mas também na engenharia de outros tipos de condutos musculares
elásticos de pequenos diâmetros, como oureter, o ducto cístico e o ducto ovariano.[6 ]
Células-tronco
O manejo de ASCs e seu uso em estudos clínicos já vem sendo praticado há muitos anos
com resultados favoráveis.[45 ]
[46 ]
[47 ] Consoante a isso, 23 estudos consideraram o seu uso devido à facilidade de obtenção
desse tipo de célula e seu histórico na literatura. Nesse sentido, a aquisição xenogênica
objetivou uma baixa morbidade da área doadora.[24 ]
[35 ]
[37 ] Houve também a utilização de lipoaspirados como uma forma de aproveitamento de resíduos
hospitalares que antes eram descartados.[11 ] Isso reflete a facilidade de manejo e aplicabilidade das técnicas, visto que esses
métodos utilizam um tecido que possui considerável proporção de células-tronco, com
uma frequência variando de 0,01 a 5% do lipoaspirado, a depender do método de extração.[48 ] A respeito desse ponto, relatou-se uma congruência com Wu et al., 2012, que destacou
uma maior taxa de adesão e concentração das ASCs obtidas com métodos de micro-colheita
(cânula romba de 2 mm de diâmetro) em comparação às técnicas convencionais.[6 ]
Segundo Solchaga et al., 2011, o manejo de BMSCs ainda é complexo para aplicação em
técnicas de reconstrução, necessitando de maiores avanços.[49 ] Consoante a isso, esta revisão destaca as dificuldades encontradas nos nove estudos
que utilizaram esse tipo celular para controlar a resposta inflamatória e formar,
com êxito, tecidos cartilaginosos sem uma taxa de fibrose considerável.[7 ]
[10 ]
[17 ]
[26 ]
[27 ]
[30 ]
[31 ] Porém, resultados satisfatórios e alternativos foram obtidos a partir do cotransplante
com células da microtia humana e do uso de citocinas para diferenciação parácrina,
o que reflete os avanços na pesquisa acadêmica sobre o seu uso.[7 ]
[17 ]
[27 ]
Vale destacar também na comparação entre os tipos celulares descritos no artigo, que
ASCs têm vantagens potenciais sobre BMSCs. Isso fica evidente não só em sua simplificada
forma de obtenção e manejo, mas também em sua capacidade de se proliferar rapidamente
e secretar altos níveis de citocinas pró-angiogênicas.[50 ]
[51 ]
[52 ]
Manutenção do Enxerto
Considerando o estudo de Colazo et al., 2019, sabe-se que a vascularização é considerada
um grande desafio na engenharia e regeneração de tecidos, principalmente dentro do
scaffold utilizado.[53 ] Nesse contexto, para garantir a manutenção do tecido in vivo por longas durações, uma série de critérios tiveram que ser garantidos, como: a formação
de redes capilares, nutrição, hidratação e biocompatibilidade do enxerto inserido.[17 ] Nesse sentido, a presença de fatores imunorreguladores (como TGF-β, Cox-2, CD45
e CD68) e pró-angiogênicos (como VEGF, HGF, bFGF e CD31) propõe-se como forma de uma
regeneração dinâmica adequada do tecido, com base inclusive na velocidade e eficiência
da cicatrização avaliada.[18 ]
[23 ]
[33 ]
[34 ]
[35 ]
Adipogênese
As evidências das propriedades regenerativas do transplante autólogo de gordura incentivaram
pesquisas sobre o uso clínico de ASCs.[54 ] Nos artigos referidos com esse enfoque regenerativo, houve amplo uso de ASCs como
escolha padrão para coleta e cultivo de células-tronco ([Tabela 2 ]). Isso reflete não só a facilidade de manejo e coleta desse tipo celular, como também
o crescente uso de lipoenxertia e lipoaspiração nos procedimentos estéticos e reconstrutivos
na cirurgia plástica atual -– desde o período purificado (ou atraumático) que se seguiu
ao trabalho de Coleman (1994 até hoje).[55 ]
Segundo Rupnick et al., 2002, o tecido adiposo é altamente vascularizado, pois cada
adipócito é circundado por uma extensa rede capilar.[56 ] Assim, a angiogênese está intimamente relacionada com a manutenção e remodelação
do tecido adiposo. Em concordância, destacam-se nos resultados obtidos esse mesmo
potencial descrito na literatura: um baixo grau de fibrose dos enxertos e a capacidade
pró-angiogênica[19 ]
[28 ]
[35 ]
[40 ]–que pode ser melhor efetivada com a co-cultura de tipos celulares provenientes de
tecidos vasculares (por exemplo, HAMECs e HUVECs).[26 ]
[35 ]
Angiogênese
De acordo com Chen et al., 2017, enxertos tradicionais que não consideram a manutenção
homeostática e integração do tecido final limitam a eficácia dos tratamentos.[57 ] Dessa forma, os enxertos vasculares de engenharia de tecidos servem como a próxima
melhor alternativa à aplicabilidade dos métodos.[58 ] Consoante a isso, os artigos revisados desse bloco destacaram o grau de incorporação
dos enxertos e a medição de fatores de crescimento e secreção parácrina dos tipos
celulares envolvidos.[26 ]
[40 ] Nesse contexto, foram obtidos resultados favoráveis no tratamento de feridas e úlceras
isquêmicas.[15 ]
Com relação direta aos princípios da cirurgia plástica reconstrutiva e à necessidade
de técnicas microvasculares para manutenção de enxertos,[41 ] destacou-se o uso de biotecidos e técnicas que garantissem a perfusão tecidual:
a formação de vasos tridimensionais de pequeno calibre[6 ] e o uso de alças arteriovenosas para irrigação do enxerto.[31 ]
Condrogênese
Nos artigos com esse enfoque regenerativo, houve amplo uso de BMSCs como escolha de
células-tronco. Neste caso, essa preferência não reflete uma facilidade de manejo
e coleta, visto que a necessidade de isolamento celular da medula óssea pode ser um
procedimento complexo e invasivo, embora amplamente documentado.[59 ] Destaca-se também o seu difícil manejo devido à falta de conhecimento avançado sobre
os seus mecanismos de diferenciação.[60 ] Assim, a escolha se dá pelo conhecido potencial de diferenciação dessas células
na formação de neocartilagem quando em ambiente tridimensional.[61 ]
[62 ]
[63 ] Consoante a isso, avalia-se a crescente formação de tecido fibrótico irregular em
torno do implante em Ding et al., 2016, o que dificultou a manutenção in vivo por longas durações, o que distancia a aplicação clínica desses métodos.[27 ]
Como forma de contornar esse descontrole da diferenciação, o uso de fatores de crescimento,
como TGF-ßs, IGF-1 e BMPs, para iniciar a condrogênese elucidou resultados promissores
de forma coordenada.[7 ] Outra forma de contornar a inflamação foi o uso de folhas de cartilagem acelular
(ACSs), que apresentou resultados favoráveis à manutenção do tecido cartilaginoso
dada sua atividade anti-angiogênica, que estabiliza a cartilagem manipulada in vivo , fator benéfico para o manejo do enxerto final.[10 ] Foi descrita a reconstrução satisfatória da cartilagem do dorso nasal de camundongos
sem a utilização de células-tronco em Mendelson et al., 2014, que, por meio de um
sistema dose-dependente de TGF-β3, evitou as reações adversas aqui comentadas.[16 ]
Limitações
Embora os resultados tenham demonstrado ser bastante promissores, pode-se ressaltar
diversas limitações que foram encontradas universalmente nos estudos, as quais ainda
afastam a realidade de aplicabilidade clínica, uma vez que ela deve ser reprodutível,
controlável e viável. Além de um limitado acervo de pesquisas semelhantes, uma das
limitações encontradas nesta revisão sistematizada foi a escassez de estudos clínicos
randomizados e controlados, que são considerados o padrão-ouro para avaliação da eficácia
e da segurança de qualquer intervenção médica. A maioria dos estudos encontrados consistiu
em estudos em animais e pesquisas in vitro .
Conclusão
As técnicas e procedimentos descritos nesta revisão têm um elevado potencial de aplicação
prática futura na cirurgia plástica reconstrutiva, à medida que mais estudos avançam
nessa área. Destacam-se os avanços no uso de células-tronco e fatores de crescimento
como recursos fundamentais para promover a regeneração tecidual e a biocompatibilidade
dos enxertos. Dessa forma, esta revisão cumpre seu papel de esclarecer as evidências
atuais sobre o tema, tornando acessíveis aos cirurgiões plásticos as principais técnicas
e inovações no uso de biomateriais na cirurgia plástica reconstrutiva e seus princípios
fundamentais.
Bibliographical Record Rafael Silva de Araújo, Matheus Galvão Valadares Bertolini Mussalem, Nicole Tortoro
Silva, Elvio Bueno Garcia, Lydia Masako Ferreira. Aplicações dos biotecidos na cirurgia
plástica: Uma revisão sistemática. Revista Brasileira de Cirurgia Plástica (RBCP)
– Brazilian Journal of Plastic Surgery 2024; 39: s00441801341. DOI: 10.1055/s-0044-1801341