wounds and injuriesIntrodução
A pele é o maior órgão do corpo e é composta pela epiderme, derme e hipoderme. Um
indivíduo de tamanho médio tem cerca de 2 m2 de pele, com espessura média de 2 mm. Apesar de sua aparência simples, a manutenção
da integridade da pele requer vários processos fisiológicos importantes; assim, essa
camada fornece proteção, imunidade e regulação de temperatura.[1 ]
O comprometimento de camadas da pele ou órgãos por diversos traumas leva à formação
de lesões conhecidas como feridas, que podem evoluir para feridas complexas. O tratamento
dessas feridas representa um desafio significativo de saúde pública que afeta todos
os estratos da população. É também uma dificuldade significativa para os profissionais
de saúde e para o próprio sistema de saúde, que deve alocar recursos humanos, materiais
e financeiros para lidar com essa questão.[2 ]
A busca por métodos que promovam a cicatrização de feridas ocorre há milhares de anos.
Em tempos pré-históricos, as feridas eram tratadas com curativos de ervas para controlar
o sangramento e promover a cicatrização.[3 ]
[4 ] No final do século XIX e início do século XX, os antissépticos foram introduzidos
e, no século XX, a enfermeira Florence Nightingale observou que a limpeza com água
pura, drenagem eficiente de secreções e iluminação adequada poderiam auxiliar a cura
de feridas infectadas. Esses métodos tornaram-se parte integrante das práticas de
assistência médica.[5 ]
Hoje, os curativos são aplicados com materiais estéreis e o tratamento de feridas
segue o conceito de assepsia, utilizando antissépticos e materiais de aplicação direta
nas feridas para facilitar a cicatrização, prevenir complicações, absorver secreções,
conferir proteção física às feridas e aumentar o conforto do paciente.[1 ]
Em 1997, durante o American Wound Care Congress, um novo conceito de tratamento de
feridas foi introduzido: o fechamento assistido por vácuo (vacuum-assisted closure , VAC, em inglês). Seu mecanismo de ação envolve a aplicação de pressão negativa (subatmosférica)
à ferida para remover o excesso de fluidos, aumentar a vascularização e reduzir a
colonização bacteriana, elevando assim a mitose celular e a produção de fatores de
crescimento.[6 ]
Embora o VAC tenha demonstrado reduzir o tempo de hospitalização e os riscos de complicações
em pacientes com feridas complexas, sua disponibilidade e utilização são limitadas
em pacientes com feridas complexas no Sistema Único de Saúde (SUS).[7 ]
Vários pacientes apresentam feridas complexas de difícil tratamento e cuja cicatrização
muitas vezes leva semanas, meses ou até anos. Neste período, os pacientes sofrem por
vários motivos: dor, infecções secundárias, incapacidade de trabalhar, necessidade
de consultas frequentes para tratamento de feridas ou complicações decorrentes dessas
feridas complexas. Portanto, a utilização generalizada de curativos a vácuo pode ser
benéfica na redução do tempo de tratamento e hospitalização de pacientes com feridas
complexas. Tal utilização pode diminuir o número de internações hospitalares, aliviar
a carga sobre hospitais e profissionais responsáveis por este tratamento e reduzir
os custos do SUS.[8 ] Surge, então, a questão do custo-benefício e da viabilidade de elaboração de um
protocolo que facilite a recomendação do uso desse tratamento no SUS em detrimento
dos curativos convencionais.
Nesse contexto, o objetivo deste estudo foi realizar uma revisão de literatura sobre
o tratamento de feridas complexas utilizando curativos assistidos por vácuo, explorando
a relação custo-benefício dessa abordagem terapêutica. Além disso, o estudo teve como
objetivo propor um protocolo para facilitar a recomendação e implementação de curativos
assistidos por vácuo em pacientes internados em serviços públicos de saúde do SUS.
Materiais e Métodos
Esta revisão integrativa de literatura atual foi baseada em uma busca bibliográfica
aplicada e exploratória de abordagem qualitativa. Foram pesquisadas bases de dados
eletrônicas, visando resumir dados para dar uma compreensão abrangente da utilização
de curativos assistidos por vácuo.
A abordagem com uso de curativos assistidos a vácuo e uma comparação a curativos tradicionais
levou à formulação da questão norteadora de pesquisa: “Há lugar para curativos assistidos
a vácuo no tratamento de feridas complexas em pacientes do SUS?” Esta questão foi
derivada da estratégia PICO, em que o tema abrange quatro elementos: (P) paciente
– pacientes com feridas complexas; (I) intervenção e abordagem – tratamento de feridas
complexas com curativos assistidos a vácuo; (C) comparação – comparação do tratamento
de feridas complexas com curativos assistidos a vácuo ou técnicas convencionais; e
(O, outcome , em inglês) desfecho – eficácia do tratamento e análise de custo-benefício.
Coleta de Dados
Os dados foram coletados nas bases de dados PubMed, Scientific Electronic Library
Online (SciELO) e Google Acadêmico usando os descritores: feridas e Llsões ; técnicas de fechamento de feridas e terapia de feridas por pressão negativa nos idiomas português, inglês e espanhol. Artigos originais, revisões sistemáticas,
meta-análises, capítulos de livros e relatos de casos publicados em um período de
20 anos, de 2002 a 2022, foram incluídos se estivessem alinhados ao tema e discutissem
curativos assistidos a vácuo patenteados. Estudos não relacionados ao tema, textos
incompletos, discussões sobre curativos assistidos a vácuo simplificados, trabalhos
de autoria da indústria, estudos que não utilizavam curativos assistidos a vácuo em
feridas complexas e estudos publicados antes de 2002 foram excluídos.
Análise de Dados
Para síntese e interpretação dos resultados, as análises foram realizadas de forma
a concentrar os estudos que atendiam aos critérios de inclusão e empregavam abordagens
abrangendo o custo do material de tratamento, a infraestrutura de cuidados ao paciente
(equipe médica e de enfermagem, custos de hospitalização e possíveis complicações),
melhora do paciente ao longo do tempo e bem-estar. Este processo de seleção agrupou
e resumiu as evidências dessas publicações.
Discussão
A aplicação de curativo assistido por vácuo, também chamado de terapia por pressão
negativa (TPN), começou na década de 1990 com o objetivo principal de acelerar o tempo
de cicatrização de feridas complexas em pacientes e, assim, reduzir a duração de sua
hospitalização. Após sua introdução comercial em 1997, a TPN foi adotada como um tratamento
adjuvante de feridas, visando reduzir despesas médicas e financeiras.[9 ]
A terapia assistida por vácuo (TAV), ou TPN, destaca-se como um dos métodos mais eficientes
para tratamento de feridas complexas, agilizando o processo de cicatrização por meio
da sucção contínua da secreção gerada pela resposta inflamatória desencadeada pela
lesão. Esta abordagem pode ser indicada para o tratamento de feridas agudas, crônicas,
traumáticas, com deiscências, úlceras por pressão, úlceras diabéticas, retalhos, enxertos
e alguns casos de queimaduras.[7 ]
A TPN permite a cicatrização de feridas em um ambiente úmido por meio da aplicação
de pressão subatmosférica localizada e monitorada a um material usado como interface
(espuma ou gaze) colocado sobre todo o leito da ferida, com o objetivo de remover
continuamente o exsudato presente. Um tubo de sucção é fixado e conectado a um reservatório
que coleta o material extraído e todo o processo é monitorado por meio de um sistema
de computador pré-programado.[9 ]
As contraindicações para seu uso incluem feridas com suspeitas de malignidade, fístulas
em órgãos e cavidades, osteomielite não tratada, fístulas não entéricas ou não explantadas,
exposição de vasos, nervos, órgãos ou sítios de anastomose.[9 ]
[10 ]
Segundo Navsaria et al., a TAV promove o processo de cicatrização, acelerando o reparo
tecidual, reduzindo a colonização bacteriana, diminuindo a dor, o edema, o tempo de
tratamento e a duração da hospitalização, levando, em última análise, à economia de
custos em comparação aos curativos convencionais existentes.[8 ]
Demonstrando sua eficácia, Milcheski et al. publicaram um artigo em 2013 descrevendo
o uso da TPN em 178 pacientes com feridas traumáticas. Os autores concluíram que a
TPN é um método útil no tratamento de feridas traumáticas agudas, atuando como uma
ponte entre o tratamento de emergência e a cobertura cutânea final dessas lesões.
Comparada a métodos mais tradicionais de cirurgia plástica, demonstrou resultados
satisfatórios, reduzindo significativamente a morbidade e o tempo de cicatrização
dessas lesões.[11 ]
Em comparação ao tratamento convencional de feridas exsudativas, a TPN reduziu o tempo
de tratamento em até 74%, melhorou a extensão da lesão em 77% e contribui para o controle
do exsudato em 96% dos pacientes.[12 ]
Na comparação de custo-benefício, Nunes et al. demonstraram que o custo do tratamento
da fístula brônquica após a introdução da TPN foi 6,5 vezes menor do que o custo dos
tratamentos convencionais realizados anteriormente. Este estudo reafirma a vantagem
de custo-benefício da TPN, que decorre de períodos de hospitalização mais curtos e
uma menor prevalência de complicações em comparação aos métodos de tratamento convencionais.[13 ]
Nos pacientes com alto risco de complicações no sítio cirúrgico (CSSs), Sanders et
al., em 2021, concluíram que o uso do dispositivo de TPN reduziu o tempo médio de
internação hospitalar e a incidência de CSSs.[14 ]
Apesar de sua eficácia significativa, esta terapia[7 ] tem altos custos e sua indisponibilidade no SUS limita o número de pacientes que
podem acessá-lo no Brasil. Ao longo dos anos, vários dispositivos comerciais—RENASYS,
Smith & Nephew, Londres, Reino Unido; SIMEX Medizintechnik GmbH, Deisslingen-Lauffen,
Alemanha; VivanoTec, Hartmann, Amtsgericht Ulm, Alemanha)—foram introduzidos no mercado
brasileiro, mas isso não reduziu os custos do tratamento, mantendo o acesso limitado
de uma grande parcela de pacientes com feridas complexas a esse tipo de tratamento
([Tabela 2 ]).
Tabela 2
FABRICANTE
MODELO
Custo em dólares americanos
Smith & Nephew (Londres, Reino Unido)
TPN PICO portátil softport
595,45
Convatec (Londres, Reino Unido)
Avelle ultraportátil
388,25
Em 2014, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (CONITEC) do SUS, por
meio da Portaria n° 34, de 26 de setembro de 2014, tornou pública sua decisão de não
incorporar a TAV em feridas traumáticas agudas extensas no âmbito do SUS. Essa decisão
foi baseada na incerteza quanto à eficácia do tratamento e seu significativo impacto
orçamentário.[15 ] A busca foi realizada nos bancos de dados primários MEDLINE e LILACS, resultando
em 8 revisões sistemáticas, 14 ensaios clínicos e 1 estudo de caso-controle. Após
a análise, apenas dois estudos preencheram os critérios de inclusão. Um estudo demonstrou
eficácia e menor tempo de fechamento de feridas usando um dispositivo “caseiro”, relatando
à comissão a ausência de evidências de que dispositivos comerciais produzam resultados
melhores. Esta revisão contradiz vários artigos científicos publicados em todo o mundo
e carece de uma análise completa dos custos totais (curativos, hospitalização e tempo
de enfermagem) de curativos convencionais e assistidos a vácuo durante todo o tratamento
de pacientes com feridas complexas.[15 ]
[16 ]
Em 2021, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) aprovou a TPN para o tratamento
de úlceras do pé diabético, o que tem grande relevância, pois um número substancial
de pacientes diabéticos com feridas complexas pode se beneficiar dessa modalidade
terapêutica.[16 ]
Há poucos estudos na literatura comparando economicamente as vantagens da terapia
assistida por vácuo com outros métodos de tratamento de feridas complexas. No entanto,
alguns autores tentaram comparar o custo do tratamento convencional com o da TAV,
como Mouës et al., que avaliaram os custos médios de despesas para 54 pacientes internados
no Departamento de Cirurgia Plástica e Reconstrutiva. Esses autores compararam os
custos de material para TPN e terapia convencional, além das despesas de enfermagem,
e concluíram que as despesas de material foram maiores com a TAV; no entanto, os custos
de enfermagem e hospitalização foram menores devido ao período menor para que os pacientes
se tornassem elegíveis para a terapia cirúrgica. Além disso, os autores não observaram
diferenças de custo entre os dois tratamentos.[17 ] À luz destes resultados, o bem-estar dos pacientes deve ser uma consideração primária.
Searle e Mirle[18 ] desenvolveram ferramentas simples (planilhas de computador) para comparar o custo
semanal do tratamento com curativos convencionais periódicos e curativos assistidos
por vácuo. Essa abordagem produziu informações diretas, fáceis de usar e replicáveis.
Os autores calcularam os custos dos recursos usados em curativos convencionais (materiais,
tempo de enfermagem e aluguel de materiais) necessários por semana de tratamento.
Os autores multiplicaram o valor por custo unitário apropriado de cada material e
compararam aos custos dos recursos usados na TAV, considerando a frequência de trocas
de curativos e reservatórios, custos de bombas e o número de consultas semanais necessárias
para troca de curativos. Após essa análise, os autores calcularam o custo semanal
total de ambos os tratamentos (incluindo custos de material e enfermagem). Isso revelou
que o custo da TAV (incluindo material e enfermagem) é menor do que o dos curativos
convencionais, mesmo que o preço unitário da TAV seja maior.
Brakenburg et al.[19 ] avaliaram 65 pacientes, dos quais 32 foram submetidos à TAV e 33 receberam curativos
modernos. Comparando esses grupos com vários tipos de feridas complexas (desde feridas
traumáticas agudas a feridas crônicas, como úlceras de pressão e feridas diabéticas)
de características semelhantes, os autores notaram que pacientes com doença cardiovascular
e/ou diabetes se beneficiaram mais da TAV.
Apesar das feridas graves, o tempo de cicatrização foi menor devido ao estresse mecânico
aplicado e à estimulação da neoangiogênese. Este estudo não revelou custos globais
significativamente maiores, apesar dos custos mais altos dos materiais da TAV. O benefício
está no tempo de enfermagem reduzido em comparação aos tratamentos com curativos convencionais,
que exigem várias trocas ao longo do dia. Nenhuma diferença significativa foi encontrada
nos custos totais calculados para ambos os tratamentos. No entanto, o tempo gasto
pelos enfermeiros foi significativamente maior no tratamento convencional, alinhando-se
ao mesmo resultado obtido por Searle e Mirle.[18 ]
Em vista disso, um protocolo ([Fig. 2 ]) foi desenvolvido para a indicação de TPN em um grupo específico de pacientes com
o objetivo de auxiliar a tomada de decisões quanto ao tratamento de feridas complexas.
Fig. 2 Diagrama para indicação da terapia por pressão negativa em feridas complexas.
Este protocolo descreve opções de tratamento para pacientes com feridas complexas,
defendendo o uso da TPN em pacientes sem sítio ativo de infecção e sem possibilidade
de fechamento primário. A TPN induz uma deformação que permite a contração das bordas
e a estimulação da divisão celular, promovendo também a angiogênese e a formação de
tecido de granulação. Além disso, melhora o desbridamento contínuo em um ambiente
isolado, controlando o exsudato da ferida, promovendo a depuração bacteriana, prevenindo
a infecção do sítio cirúrgico e proporcionando fechamento temporário da ferida, que
facilita a ponte ou a fixação de enxertos ou retalhos.
Conclusão
O tratamento de feridas complexas, que demandam maior cuidado médico e de enfermagem,
longos períodos de hospitalização, elevando os custos hospitalares e gerando sofrimento
significativo dos pacientes, deve ser reconsiderado. A TAV deve ser considerada uma
opção já que, em muitos casos, seu custo seria comparável ao dos métodos convencionais,
com benefícios superando as desvantagens.
Por essa razão, os administradores do sistema público de saúde brasileiro, juntamente
com as partes interessadas responsáveis pelas diretrizes de saúde, devem reavaliar
como expandir a implementação e a utilização da TPN em feridas no SUS para assegurar
sua ampla disponibilidade e utilização em todo o país. Isso permitiria que mais indivíduos
tivessem acesso a essa ferramenta potente, que contribui para uma recuperação mais
rápida das feridas, reduz complicações e morbidades secundárias e promove um retorno
mais rápido do paciente às atividades normais.
Dessa forma, sugere-se um protocolo para indicação de TPN em um grupo específico de
pacientes, facilitando a tomada de decisão de profissionais de saúde especializados
em feridas complexas e administradores de saúde.