Palavras-chave abdominoplastia - cirurgia bariátrica - cirurgia plástica - contorno corporal - gravidez
- obesidade
Introdução
A obesidade é uma doença com aumento significativo de prevalência na atualidade. Segundo
dados fornecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS), no ano de 2022, mais de
1 bilhão de pessoas no mundo eram obesas, sendo que 650 milhões eram adultas, 340
milhões, adolescentes, e 39 milhões, crianças. Dessa forma, houve um aumento maciço
na realização de cirurgias bariátricas na última década como opção de tratamento para
pacientes com obesidade.
A obesidade em mulheres em idade fértil aumentou em todo o mundo nas últimas décadas,
e cada vez mais pacientes submetidas à cirurgia bariátrica são mulheres nesta faixa
etária.[1 ] De acordo com um relatório da International Federation of Surgery for Obesity and
Metabolic Diseases (IFSO) apresentado em 2019, foram realizados 833.687 procedimentos
bariátricos em 61 países, sendo que 77,1% dos pacientes eram do sexo feminino, com
idade média de 43 anos. Um estudo-piloto[2 ] para o registro nacional de dados brasileiros em cirurgia bariátrica, implementado
em 7 centros de referência selecionados pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica
e Metabólica (SBCBM), identificou que 67,2% da amostra eram do sexo feminino, com
média de idade de 39 anos. Alguns autores[3 ]
[4 ]
[5 ] relatam que a cirurgia bariátrica tem um efeito positivo nos desfechos maternos
e fetais, pois reduz o risco de diabetes gestacional, doenças hipertensivas gestacionais,
prematuridade, macrossomia fetal e complicações maternas durante o parto.
A abdominoplastia pós-cirurgia bariátrica é um procedimento cirúrgico realizado posteriormente
à perda maciça de peso, com o objetivo de melhorar o contorno corporal por meio da
remoção do excedente de pele e de gordura subcutânea da parede abdominal, além da
restauração da integridade musculoaponeurótica, o que ocasiona melhora no bem-estar
físico, psicológico e social.[6 ]
[7 ]
Nesses casos, costuma-se aplicar duas técnicas. A abdominoplastia horizontal convencional
permite predominantemente o tratamento da região abaixo da cicatriz umbilical e a
plicatura da aponeurose anterior dos músculos retos abdominais na linha média para
o tratamento da diástase, quando presente, sendo necessário realizar um amplo descolamento
do retalho abdominal, mantendo a cicatriz umbilical aderida ao seu pedículo profundo
para posterior transposição.[8 ] E a abdominoplastia “em âncora”, também conhecida como “em flor de lis”, e mais
frequentemente empregada em pacientes após grande emagrecimento, utiliza, além da
incisão horizontal, um componente vertical xifopúbico, de modo a realizar o tratamento
tanto em sentido vertical quanto latero-lateral, especialmente na região epigástrica.
Atualmente, utiliza-se em conjunto com essa abordagem a neoumbilicoplastia, ou seja,
descarta-se a cicatriz umbilical original e se realiza a reconstrução umbilical com
retalhos cutâneos do remanescente da pele abdominal. Nossa preferência é pela utilização
de dois retalhos quadrangulares laterais; a técnica mostrou resultados superiores
em termos de formato e aparência do umbigo.[9 ]
[10 ]
A gravidez é um período no qual ocorre distensão progressiva da parede abdominal com
alargamento da linha alba e da aponeurose dos músculos retos abdominais, o que constitui
a principal etiologia da flacidez e do excedente cutâneo abdominal tratados cirurgicamente
em pacientes não pós-bariátricas. Assim, pacientes que engravidassem após a abdominoplastia
poderiam, além de prejuízo quanto aos resultados estéticos, ter comprometida a estabilidade
da plicatura da musculatura realizada, o que favoreceria sua distensão ou rompimento,
e até mesmo o aparecimento de hérnias epigástrica, incisional ou umbilical,[11 ]
[12 ]
[13 ]
[14 ]
[15 ]
[16 ]
[17 ] além de nova flacidez e excesso cutâneo.
Por outro lado, a plicatura do músculo reto do abdome pode aumentar a pressão intra-abdominal
e, consequentemente, potencialmente diminuir a função pulmonar materna durante a gestação.
O aumento da pressão intra-abdominal poderia ainda diminuir a perfusão uterina e,
consequentemente, ocasionar restrição de crescimento intrauterino do feto, alterar
a dinâmica do trabalho de parto e aumentar o número de cesárias.[18 ]
[19 ]
[20 ]
Existem poucos trabalhos publicados que relacionam os efeitos da gestação no resultado
estético da abdominoplastia, assim como as possíveis consequências materno-fetais
durante a gestação causadas pela abdominoplastia: somente duas casuísticas[21 ]
[22 ] foram publicadas até o momento. Embora uma delas[21 ] tenha incluído pacientes pós-bariátrica, não houve discriminação quanto ao tipo
de procedimento realizado nas abdominoplastias.
Objetivo
O objetivo deste estudo foi avaliar os impactos da gravidez no resultado estético
da parede abdominal das pacientes submetidas previamente à abdominoplastia pós-bariátrica
e a ocorrência de complicações materno-fetais.
Materiais e Métodos
Trata-se de um estudo observacional, retrospectivo e descritivo realizado no Ambulatório
de Cirurgia Plástica do Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp) e na clínica privada do pesquisador principal (DRC).
Foram incluídas pacientes que engravidaram posteriormente à abdominoplastia pós-cirurgia
bariátrica, operadas entre 2012 e 2023. Excluíram-se os casos em que houve negativa
do consentimento para participação no estudo ou cujos dados não puderam ser coletados
de maneira completa.
Após a identificação das pacientes submetidas à abdominoplastia pós-bariátrica em
âncora por meio do levantamento do prontuário médico, incluindo documentação fotográfica,
realizou-se contato telefônico para a identificação das que haviam engravidado após
o procedimento.
Mediante aceitação para participar do estudo, após preencher o termo de consentimento
livre e esclarecido, as pacientes foram convidadas a responder a um questionário online na plataforma Google Forms, no qual foram coletados dados relativos a data de nascimento,
data do parto, idade gestacional, antecedentes obstétricos e gestacionais, doenças/complicações
durante e após a gestação, comorbidades prévias e uso de medicamentos, altura, peso
e possíveis doenças do recém-nascido, e a avaliação pessoal quanto ao resultado estético
da parede abdominal após a gestação. Foram obtidos dos prontuários dados referentes
às cirurgias realizadas (bariátrica e abdominoplastia).
O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de
Ciências Médicas da Unicamp (CAAE: 71036423.4.0000.5404).
Resultados
Características clínicas das pacientes
Foram identificadas 7 pacientes operadas entre 2012 e 2023 que engravidaram posteriormente
à abdominoplastia em âncora pós-cirurgia bariátrica. Todas foram submetidas à gastroplastia
redutora com reconstrução em Y de Roux, sendo que em 1 delas optou-se pela colocação
do anel gástrico concomitante. A idade média no momento da cirurgia bariátrica foi
de 26 anos, e variou entre 20 e 30 anos. O peso médio antes da cirurgia bariátrica
foi de 113 kg, com um Índice de Massa Corporal IMC médio de 41,7 kg/m2 . Já o peso médio antes da abdominoplastia foi de 68 kg, com perda de peso média de
45 kg no período entre a cirurgia bariátrica e a abdominoplastia. Todas as pacientes
operaram o abdome com IMC abaixo de 28 kg/m2 , sendo o índice médio de 25,4 kg/m2 . O peso atual médio no momento da realização da pesquisa foi de 76 kg, correspondendo
a um IMC médio de 28 kg/m2 .
Em relação aos antecedentes obstétricos, 6 pacientes eram multigestas, e 1, primigesta.
Apenas uma paciente relatou aborto nas gestações anteriores. Apenas 2 pacientes eram
tabagistas, e não houve outros achados em relação a hábitos como etilismo ou uso de
substâncias ilícitas ([Tabela 1 ]).
Tabela 1
Paciente 1
Paciente 2
Paciente 3
Paciente 4
Paciente 5
Paciente 6
Paciente 7
Idade atual (anos)
38
39
39
36
41
31
30
Hábitos/vícios
Nenhum
Tabagismo
Tabagismo
Nenhum
Nenhum
Nenhum
Nenhum
Data da bariátrica
2013
2014
2015
2013
2009
2018
2014
Idade na cirurgia bariátrica (anos)
28
29
30
26
26
25
20
Peso pré-bariátrica (kg)
100
112
143
113
130
104
95
Índice de Massa Corporal pré-barátrica (kg/m2 )
39,1
42,7
44,6
39,6
48,9
39,6
37,6
Perda de peso entre a cirurgia bariátrica e a abdominoplastia (kg)
35
42
53
43
75
34
39
Data da abdominoplastia
2019
2019
2016
2016
2012
2019
2019
Peso pré-abdominoplastia (kg)
65
70
90
70
55
70
56
Índice de Massa Corporal pré-abdominoplastia (kg/m2 )
25,5
26,7
28,1
24,5
20,7
26,7
22,2
Peso atual (kg)
75
70
96
75
72
82
65
Índice de Massa Corporal atual (kg/m2 )
29
26
29
26
27
31
25
Total de gestações
3
4
3
2
1
2
2
Caracterização do processo gestacional pós-abdominoplastia
O intervalo entre a gestação e a abdominoplastia foi de 4 anos em média, e nenhuma
paciente apresentava comorbidade ao engravidar após a abdominoplastia. O peso médio
pré-gestação foi de 70 kg, o que corresponde a um IMC médio de 26,7 kg/m2 . Uma paciente (paciente 4) evoluiu com aborto com idade gestacional de 12 semanas,
eao passo que as demais completaram a gestação. Cinco pacientes apresentaram doenças
durante o período gestacional, e uma evoluiu com hérnia inguinal à esquerda com aparecimento
ao final da gestação.
Quatro das pacientes referiram dor ou desconforto abdominal durante a gestação, que
julgaram diferentes dos percebidos em gestações anteriores. Cinco pacientes, cuja
gestação evoluiu a termo, relataram alteração no padrão de crescimento do abdome durante
a gestação, sendo que 4 referiram maior aumento de volume de forma atípica na parte
superior ([Tabela 2 ]).
Tabela 2
Paciente 1
Paciente 2
Paciente 3
Paciente 4
Paciente 5
Paciente 6
Paciente 7
Tempo entre a abdominoplastia e a gestação (anos)
4
4
5
5
3
4
5
Peso antes da gestação (kg)
70
68
95
70
55
80
57
Índice de Massa Corporal antes da gestação (kg/m2 )
27,3
25,9
29,6
24,5
20,7
30,5
22,5
Aborto após a abdominoplastia
Não
Não
Não
Sim
Não
Não
Não
Doenças gestacionais
Anemia gestacional
Placenta prévia
Carcinoma uterino
Nenhuma
Nenhuma
Anemia gestacional
Diabetes gestacional
Dor/desconforto abdominal durante a gestação
Sim
Sim
Não
Não se aplica
Sim
Sim
Não
Hérnia durante a gestação
Não
Não
Não
Não
Sim (inguinal esquerda)
Não
Não
Formato diferente no abdome durante a gestação (padrão de crescimento)
Sim (pouco aumento de volume abdominal)
Sim (cresceu mais superiormente)
Sim (cresceu mais superiormente)
Não se aplica
Sim (cresceu mais no centro)
Sim (cresceu mais superiormente)
Não
Tabela 3
Paciente 1
Paciente 2
Paciente 3
Paciente 5
Paciente 6
Paciente 7
Data do nascimento
25 de fevereiro de 2023
17 de abril de 2021
15 de outubro de 2021
14 de abril de 2015
24 de maio de 2023
02 de dezembro de 2022
Idade gestacional
38 semanas
38 semanas
34 semanas
39 semanas
38 semanas
39 semanas
Via de parto
Cesariana
Cesariana
Cesariana
Cesariana
Cesariana
Vaginal
Peso ao nascimento
2.622 g
1.820 g
2.600 g
3.075 g
3.660 g
2.800 g
Comprimento ao nascer
45 cm
41 cm
48 cm
48 cm
47 cm
42 cm
Resultados fetais e do parto da gestação pós-abdominoplastia
Cinco pacientes tiveram gestações a termo, e 1 paciente, pré-termo, sendo que a via
de parto em 5 casos foi cesariana, e vaginal somente em 1 caso. Dois recém-nascidos
foram considerados pequenos para a idade gestacional, tendo os outros três tamanho
adequado para a idade gestacional. Nenhum recém-nascido apresentou alterações patológicas
ao nascimento ou durante a gestação.
Resultados estéticos da parede abdominal pós-gestação
Cinco pacientes apresentaram novas estrias no abdome após a gestação, e 4 referiram
alargamento da cicatriz da abdominoplastia. Seis pacientes apresentaram novo excesso
de pele no abdome e referiram que o abdome ficou mais expandido para a frente após
o período gestacional ([Fig. 1 ]). Solicitou-se às pacientes que atribuissem uma nota de 0 a 10 aos resultados da
abdominoplastia antes e após a gestação. A média pré-gestação foi de 8,7 pontos, e
a média após, de 5,8 pontos, uma redução de 2,9 pontos, ou 33,3%. Apenas uma paciente
achou que não houve piora nos resultados da abdominoplastia ([Fig. 2 ]). As [Figs. 3 ]
[4 ]
[5 ] exemplificam a evolução dos resultados estéticos da parede abdominal, nos casos
das pacientes 6 (que relatou piora de 10 para 7 na nota autoatribuída) e 7 (que relatou
piora de 10 para 6 na nota autoatribuída). Nenhuma das pacientes foi submetida a nova
abdominoplastia após a última gestação.
Fig. 1 Frequência de alterações relatadas em componentes do resultado estético da parede
abdominal após a gestação.
Fig. 2 Notas autoatribuídas (escala de 0–10) pelas pacientes aos resultados da abdominoplastia
antes e após a gestação.
Fig. 3 Evolução do formato e do resultado estético da parede abdominal da abdominoplastia
antes, durante e após gestação no caso da paciente 6 (visão anterior). Sequência das
imagens da esquerda para a direita: pré-operatório da abdominoplastia; pós-operatório
de 2 anos e 11 meses da abdominoplastia; com 33 semanas de gestação; após 1 ano e
5 meses do término da gestação; e após 4 anos e 9 meses da abdominoplastia.
Fig. 4 Evolução do formato e do resultado estético da parede abdominal da abdominoplastia
antes, durante e após gestação no caso da paciente 6 (visão em perfil). Sequência
das imagens da esquerda para a direita: pré-operatório da abdominoplastia; pós-operatório
de 2 anos e 11 meses da abdominoplastia; com 33 semanas de gestação; após 1 ano e
5 meses do término da gestação; e após 4 anos e 9 meses da abdominoplastia.
Fig. 5 Resultado da abdominoplastia em visões anteroposterior (AP), oblíqua e de perfil
no pós-operatório de 3 anos (antes da gestação) em comparação com o pós-operatório
de 5 anos e 2 meses (1 ano e meio após a gestação).
Discussão
O aumento da população obesa no Brasil nos últimos anos elevou, por consequência,
o número das cirurgias bariátricas realizadas. Dados compilados pela SBCBM apontam
que foram realizados 74.738 procedimentos em 2022, sendo que em 2011 esse número foi
de 34.629. Além disso, um estudo[2 ] realizado em 7 centros de cirurgia bariátrica no Brasil, no qual foram incluídos
1.363 procedimentos, mostrou que a maioria das pacientes eram mulheres (67,2%), com
idade média de 39 anos. Todas as pacientes incluídas no presente estudo foram submetidas
a cirurgia bariátrica em idade fértil, com média de idade de 26 anos.
Devemos observar um número maior de gestantes submetidas previamente a abdominoplastia
pós-bariátrica nos próximos anos, e não há estudos que avaliem o grau de satisfação
das pacientes que engravidaram posteriormente a esse procedimento quanto aos resultados
pós-gestacionais.
Existem poucos artigos científicos publicados na literatura que relacionam os impactos
estéticos do pós-operatório da abdominoplastia após a gestação. A abdominoplastia
é um procedimento de contorno corporal normalmente realizado devido à flacidez da
parede abdominal e, entre as intervenções realizadas, estão especialmente a excisão
do excedente de pele e a plicatura da aponeurose para o tratamento da diástase dos
músculos retos abdominais. A literatura[6 ]
[7 ]
[8 ]
[23 ]
[24 ] aponta que a elevação da pressão intra-abdominal durante a gravidez pode comprometer
os resultados estéticos e funcionais da abdominoplastia, com evoluição com recidiva
do excesso de pele e da diástase da musculatura, abaulamento abdominal, alterações
nas cicatrizes e aparecimento de novas estrias.
Segundo Faessen et al.,[25 ] o tecido fibrótico formado secundariamente ao reparo da diástase do músculo reto
do abdome é forte o suficiente para suportar as alterações da pressão intra-abdominal
durante a gravidez. No entanto, ainda no período pós-operatório imediato, o tecido
fibrótico pode não ser forte o suficiente para suportar a gravidez, sendo que sua
maturação estará completa aproximadamente 1 ano após a cirurgia. Além disso, os hormônios
liberados durante a gestação promovem a elasticidade dos tecidos, o que ocasiona um
alongamento dos outros músculos da parede abdominal (transverso, oblíquo interno e
oblíquo externo) e reduz a tensão do músculo reto do abdome. A última etapa do processo
de cicatrização fisiológica das feridas é a maturação, que dura aproximadamente de
1 a 2 anos, na qual ocorre o remodelamento das fibras de colágeno e a substituição
do colágeno de tipo III para o colágeno de tipo I, o que promove o aumento da força
tênsil da cicatriz e a contração da ferida.[26 ] Todas as pacientes do presente estudo engravidaram com um intervalo maior de 1 ano
da abdominoplastia (variação: 3 a 5 anos), e referiram alterações no padrão de crescimento
da parede abdminal durante a gravidez, o que pode ser explicado pela maior pressão
intra-abdominal, que faz com que a parede abdominal não consiga se expandir centralmente
devido à plicatura do músculo reto do abdome realizada na abdominoplastia.
De acordo com Oma et al.,[15 ] em um estudo descritivo com mais de 20 mil gestantes, 0,08% e 0,12% das mulheres
apresentaram hérnias primária ventral e inguinal, respectivamente. Em nosso estudo,
apenas uma gestante evoluiu com hérnia inguinal ao final da gestação, o que não sugere
uma frequência aumentada, especialmente quando comparado à casuística prévia de gestações
pós-abdominoplastia, que encontrou uma frequência de 6,3%.[22 ] Porém, em função da pequena amostra e da ausência de um grupo de controle, não podemos
concluir sobre a incidência de hérnias da parede abdominal após a gestação em pacientes
submetidas a abdominoplastia pós-cirurgia bariátrica.
Sagie et al.[22 ] realizaram um estudo descritivo transversal com 32 pacientes que engravidaram após
abdominoplastia, sendo que 15% apresentaram partos prematuros tardios, 1 paciente
evoluiu com aborto espontâneo, e 1 paciente, com cesariana de emergência. No presente
estudo, cinco pacientes incluídas tiveram a via de parto por cesariana, o que não
destoa da incidência global de cesarianas no Brasil, que é de mais de 50% dos partos.[27 ] Cinco pacientes tiveram gestações a termo, com idade gestacional entre 38 e 39 semanas,
e 1 paciente, pré-termo, com idade gestacional de 34 semanas. Dois recém-nascidos
foram considerados pequenos para a idade gestacional, sendo que os outros 4 foram
considerados com tamanho adequado para a idade gestacional. Nenhum recém-nascido apresentou
complicação ao nascimento. A despeito de o pequeno tamanho da amostra não permitir
conclusões estatísticas sobre esses dados, as frequências observadas de prematuridade
e de recém-nascidos pequenos para a idade gestacional não parece diferir de dados
epidemiológicos brasileiros prévios,[28 ]
[29 ]
[30 ] o que a priori não corrobora as suspeitas de que a abdominoplastia implicaria uma restrição significativa
do crescimento intrauterino.
Ainda, segundo Sagie et al.,[22 ] os resultados estéticos foram comprometidos após a gravidez, como aparecimento de
novas estrias em 50% dos casos avaliados, alargamento da cicatriz da abdominoplastia
em 28%, novo excesso de pele abdominal em 37%, e abaulamento abdominal em 25%. Duas
pacientes realizaram revisão de abdominoplastia após a gestação, e todas referiram
algum grau de comprometimento estético após a gestação. No presente estudo, a maioria
(n = 6; 85,7%) das pacientes relatou algum grau de comprometimento estético no resultado
da abdominoplastia após a gestação ([Fig. 2 ]), incluindo o aparecimento de estrias, alargamento de cicatriz, recidiva do excesso
de pele ou alteração no formato do abdome ([Fig. 1 ]). A despeito da avaliação realizada pelas pacientes, que em sua quase totalidade
referiram alguma piora perceptível dos resultados, não observamos uma piora muito
significativa do aspecto geral nos casos em que houve acompanhamento mais longo, ainda
havendo melhora importante em relação ao pré-operatório da abdominoplastia ([Figs. 3 ]
[4 ]). Assim, conclui-se que, apesar das alterações referidas, a maior parte do resultado
foi mantida, e nenhuma das pacientes do estudo se sentiu motivada a buscar uma nova
intervenção cirúrgica.
Deve-se considerar também, ao se analisar a alteração dos resultados, que todas as
pacientes apresentaram aumento de peso durante o período considerado, e progrediram
de um IMC médio pré-operatório de 25,4 kg/m2 para 26,7kg/m2 pré-gestação e, finalmente, 28 kg/m2 no momento em que a autoavaliação foi feita, o que corresponde a um aumento médio
de peso em todo o período de 8kg. O reganho de peso pode interferir na manutenção
dos resultados de cirurgias do contorno corporal, é um fenômeno frequente na população
pós-bariátrica,[31 ] e pacientes pós-bariátrica tendem a apresentar maior ganho de peso do que indivíduos
não submetidos a bariátrica após cirurgias do contorno corporal.[32 ]
É interessante observar os aspectos específicos da abdominoplastia em âncora, quais
sejam, o aspecto da cicatriz vertical e o formato do neoumbigo. As alterações da cicatriz
umbilical são frequentes após a gestação, e não havia relatos prévios de como a reconstrução
umbilical utilizada hoje como padrão na abdominoplastia em âncora evoluiria nesses
casos. Nos casos avaliados com comparação fotográfica, houve boa manutenção do diâmetro
e do formato do neoumbigo, que não cursou com o alargamento frequentemente observado
nos casos de flacidez abdominal pós-gestacional.
Existem poucos estudos na literatura que avaliam a morbidade materna e fetal em gestantes
submetidas previamente a abdominoplastia. Os estudos atuais[20 ]
[21 ] sugerem que a abdominoplastia pode aumentar a frequência de cesariana. Menz[17 ] relatou 1 caso de gravidez de uma mulher de 37 anos sem intercorrências, submetida
a abdominoplastia 3 anos antes, com parto cesárea. Nahas[13 ] relatou o caso de uma paciente de 25 anos que engravidou após 2 anos da abdominoplastia,
que transcorreu sem intercorrências. Wallach[33 ] descreveu 1 caso de uma mulher de 24 anos, que engravidou 6 meses após a abdominoplastia,
e teve o parto por via vaginal sem intercorrências. Nos resultados desta pesquisa,
5 pacientes foram submetidas a cesariana, 1 paciente, ao parto por via vaginal, e
1 paciente evoluiu com aborto espontâneo. As doenças gestacionais relatadas, como
anemia gestacional, placenta prévia, diabetes gestacional e carcinoma uterino, não
parecem estar relacionadas à abdominoplastia prévia.
Em relação à cirurgia bariátrica, segundo Pajula et al.,[21 ] os procedimentos bariátricos prévios não aumentaram o risco de parto prematuro ou
de baixo peso ao nascer, sendo considerada segura a gravidez após a abdominoplastia.
Todavia, os primeiros 12 a 16 meses após a cirurgia bariátrica são um período de perda
de peso excessiva e alterações metabólicas importantes, que podem ocasionar deficiências
nutricionais, sendo aconselhável esperar 2 anos para uma futura gestação.[34 ]
[35 ] No presente estudo, incluímos apenas pacientes que engravidaram posteriormente à
abdominoplastia realizada após cirurgia bariátrica, com intervalo de tempo superior
a 2 anos entre os procedimentos. Dois recém-nascidos foram considerados pequenos para
a idade gestacional. Apenas 1 recém-nascido (16%) foi considerado pré-maturo ao nascimento.
Acreditamos que a abdominoplastia prévia não tenha relação com a prematuridade, visto
que a prevalência de prematuridade no Brasil entre 2011 e 2021 foi de 11%,[28 ] taxa semelhante à do estudo realizado.
Acreditamos que os resultados obtidos podem ser usados para apoiar pacientes e cirurgiões
no processo de decisão de realizar a abdominoplastia pós-bariátrica em âncora com
neoumbilicoplastia em pacientes que desejam engravidar posteriormente. Algumas limitações
do estudo devem ser, no entanto, mencionadas, como a casuística pequena, sem grupo
controle, e o desenho retrospectivo, que, portanto, não permite que se tirem conclusões
definitivas, principalmente sobre os desfechos gestacionais em termos de complicações.
Embora de difícil execução, estudos prospectivos que comparem os resultados estéticos
entre as mulheres que engravidaram após a abdominoplastia ou não e entre gestantes
submetidas ou não à cirurgia bariátrica e subsequente abdominoplastia poderiam oferecer
conclusões mais precisas.
Conclusão
Embora os resultados estéticos da abdominoplastia tenham sido impactados pela gestação,
o grau de comprometimento não foi intenso. O processo de gestação e parto em pacientes
submetidas previamente à abdominoplastia pós-bariátrica em âncora não resultou em
aumento de complicações maternas e fetais.
Bibliographical Record Renato Lazarin Ricci, Paulo Kharmandayan, Davi Reis Calderoni. Desfechos da gestação
em pacientes submetidas à abdominoplastia pós-bariátrica em âncora. Revista Brasileira
de Cirurgia Plástica (RBCP) – Brazilian Journal of Plastic Surgery 2025; 40: s00451807273.
DOI: 10.1055/s-0045-1807273