Palavras-chave
artroplastia de quadril - cirurgia de revisão - cirurgia ortopédica - tomografia computadorizada
Keywords
arthroplasty, replacement, hip - revision surgery - surgery, orthopedic - tomography,
x-ray computed
Introdução
A artroplastia total do quadril (ATQ) é um procedimento extremamente eficaz para o
tratamento de artrose do quadril. Com o aumento do número de ATQs realizadas, a diminuição
da idade dos pacientes operados e o aumento da expectativa de vida, o número de cirurgias
de revisão tem aumentado. Espera-se que a necessidade da cirurgia vai superar 130%
até 2030.[1]
[2]
[3]
As indicações para revisão da ATQ (rATQ) incluem osteólise, instabilidade, soltura
asséptica, fraturas, infecções e desgaste.[3]
[4] Em diferentes graus, todas as causas para revisão cursam com perda óssea. Devido
à alta complexidade nesse tipo de cirurgia, o planejamento pré-operatório deve ser
minucioso.
Por meio da classificação de Paprosky, com base na avaliação por imagem no pré- ou
no intraoperatório, o cirurgião é capaz de fazer o planejamento do melhor implante
e técnica a serem utilizadas.[5]
[6] Essa classificação para perda óssea femoral foi desenvolvida em 1994 e contempla
quatro estágios progressivos de defeito. O tipo I corresponde a um defeito metafisário
mínimo, o II a um extenso defeito metafisário e com mínima perda diafisária. Paprosky
tipo III é dividido em A e B, com o IIIA correspondendo a um extenso defeito metafisário
e diafisário, além da diáfise estar intacta até ≥ 4cm do ístmo; enquanto o tipo IIIB
representando um extenso defeito metafisário e diafisário e a diáfise intacta até < 4 cm
do ístmo. Os defeitos tipo IV são os mais graves e representam um extenso defeito
metafisário e diafisário com o ístmo insuficiente.[6] Há uma extensa documentação na literatura de que radiografias simples (raios-X)
e tomografia computadorizada (TC) garantem precisão e reprodutibilidade e minimizam
complicações intraoperatórias, melhorando a taxa de sucesso da cirurgia de revisão.
Este estudo teve como objetivo comparar a acurácia da classificação de Paprosky utilizando
radiografias simples e imagens de TC bidimensionais (2D), com o defeito femoral observado
no intraoperatório pelo cirurgião. Nosso objetivo é garantir um planejamento pré-operatório
da cirurgia de revisão do componente femoral de forma segura e tecnicamente reprodutível.
Materiais e Métodos
Um total de 80 pacientes com indicação de revisão de artroplastia do quadril foram
acompanhados neste estudo observacional e prospectivo entre janeiro de 2021 e dezembro
de 2022. Os critérios de inclusão para os pacientes foram idade superior a 30 anos
e radiografia evidenciando falha asséptica do componente femoral. Aqueles com fratura
periprotética ou infecção ativa foram excluídos.
Todos os pacientes foram avaliados de acordo com a classificação de Paprosky ([Tabela 1]) por 14 cirurgiões sênior (> 10 anos) e júnior (< 10 anos), membros do Centro Especializado
do Quadril do nosso hospital, com base em imagens de radiografia simples em anteroposterior
da pelve e, posteriormente, com base em TC-2D, reconstruídas nos planos axial, coronal
e sagital. As imagens utilizadas para análise foram extraídas do arquivo médico do
hospital, pelo programa MDICON.
Tabela 1
Classificação de Paprosky de perda óssea femoral
Tipo
|
Descrição
|
I
|
Defeito metafisário mínimo
|
II
|
Extenso defeito metafisário, com mínima perda diafisária
|
IIIA
|
Extenso defeito metafisário e diafisário, diáfise intacta até ≥ 4 cm do istmo
|
IIIB
|
Extenso defeito metafisário e diafisário, diáfise intacta até < 4 cm do istmo
|
IV
|
Extenso defeito metafisário e diafisário, istmo insuficiente
|
O planejamento cirúrgico contemplou a avaliação do implante femoral mais adequado
a ser utilizado, necessidade do uso de enxerto ósseo e a presença ou não de descontinuidade
pélvica. Uma nova avaliação foi feita 30 dias após a primeira, seguindo os mesmos
critérios de classificação e planejamento cirúrgico. A ordem das imagens foi alterada
aleatoriamente por meio do programa Excel (Microsoft Corp.) 2019. Não houve identificação
dos prontuários nem dos nomes dos pacientes. A classificação da perda óssea femoral
observada no intraoperatório foi considerada padrão-ouro.
Todos os cirurgiões e pacientes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido
(TCLE). O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o parecer n° 003760/2021
e CAAE n° 42181421.5.0000.5273.
A concordância entre as classificações foi expressa em termos percentuais e avaliada
pelo coeficiente kappa (κ), sendo separada em ruim (< 0,20), fraca (> 0,20 e < 0,40),
moderada (> 40 e < 0,60), boa (> 60 e < 0,80) e excelente (> 0,80), com um IC de 95%
apresentado por Landis e Koch.[7] A comparação entre os valores de κ foi feita por meio do IC, sendo considerado estatisticamente
diferente quando não há sobreposição.
Resultados
A concordância entre a avaliação feita por radiografia e TC é excelente para o defeito
ósseo femoral (94% de concordância; κ = 0,95; 0,90–0,99), como pode ser visto na [Tabela 2].
Tabela 2
Matriz de confusão para classificação de defeito ósseo femoral
|
|
Tomografia computadorizada
|
|
|
1
|
2
|
3A
|
3B
|
4
|
Radiografia
|
1
|
28
|
0
|
0
|
0
|
0
|
2
|
0
|
29
|
2
|
0
|
0
|
3A
|
0
|
0
|
20
|
1
|
0
|
3B
|
0
|
0
|
0
|
8
|
0
|
4
|
0
|
0
|
0
|
0
|
2
|
A classificação feita pela radiografia concorda com a classificação intraoperatória
em 85% dos casos. A TC demonstrou 86% de concordância. Não foi observada diferença
estatística entre os métodos ([Fig. 1]).
Fig. 1 Valores do coeficiente kappa (IC de 95%) para avaliação da concordância na classificação
de Paproski para defeitos ósseos do quadril. Abreviatura: TC, tomografia computadorizada.
O planejamento cirúrgico realizado por radiografias e TCs concordam plenamente. Observou-se
concordância de 90% entre o planejamento cirúrgico e o procedimento realizado no componente
femoral (κ = 0,74; 0,59–0,89).
Discussão
A classificação de Paprosky é uma das ferramentas que auxilia no planejamento pré-operatório
da cirurgia de revisão da ATQ. Além disso, é capaz de quantificar a perda óssea do
componente femoral com base na imagiologia e escolher o melhor implante e técnica
a ser utilizada. Assim, a classificação dos defeitos ósseos predeterminados deve ser
fiel ao que o ortopedista encontrará no intraoperatório.
Para que uma classificação seja útil, ela deve apresentar boa confiabilidade inter-
e intra-observador. Brown et al.[8] reuniu quatro cirurgiões de quadril para avaliar a perda óssea femoral pela classificação
de Paprosky de 205 radiografias de pacientes antes da revisão. Essas imagens foram
exibidas aleatoriamente um mês depois para todos os cirurgiões as classificarem novamente.
Encontrou-se confiabilidade interobservador substancial (0,61) e concordância intraobservador
consistente (0,81, 0,78, 0,76 e 0,75).
O objetivo do nosso estudo é analisar o valor preditivo da classificação de Paprosky
baseada na radiografia simples e na TC-2D, para o planejamento pré-operatório. Na
prática, um alto valor preditivo possibilita planejar e escolher o implante que provavelmente
será utilizado e o tipo ou quantidade de enxerto ósseo, se necessário.[9] Confirmamos que a classificação de Paprosky para perda óssea femoral tem concordância
substancial quando o que foi planejado no pré-operatório foi encontrado e realizado
no intraoperatório. No entanto, não encontramos uma diferença importante entre os
modelos de raio-X e TC-2D.
A literatura limita-se em artigos que avaliem a acurácia do planejamento pré-operatório
utilizando raio-X e TC-2D em casos de perda óssea femoral. Até a presente data, a
maioria dos autores avaliou os dados supracitados em cirurgias primárias de artroplastia
total do quadril. Muitos estudos já comprovaram que modelos de TC tridimensional (3D)
associam-se a uma excelente confiabilidade em relação ao tamanho e alinhamento dos
componentes planejados.[10]
[11]
[12] Sariali et al.[13] e Reinbacher et al.[14] compararam o uso de modelos 2D versus 3D para definir o tamanho da copa e da haste
femoral a serem implantados e observaram superioridade na eficiência, acurácia e reprodutibilidade
dos moldes em 3D.
No entanto, a literatura ainda é muito escassa no âmbito do planejamento das cirurgias
de revisão e ainda mais para a revisão do componente femoral. A vasta maioria inclusa
aqui vislumbra a revisão do componente acetabular. Winter et al.[15] avaliaram a precisão do planejamento pré-operatório através das impressões em 3D,
quando comparado a 2D, em 27 pacientes que necessitavam de gaiolas de reforço acetabular
(Burch-Schneider). O tamanho dos implantes planejados foram comparados com os tamanhos
finais. Os moldes customizados em 3D previram o tamanho exato do implante em 96,3%
dos pacientes, comparado a apenas 55,6% do planejamento em 2D. Embora isso sugira
fortemente que as reconstruções 3D são mais confiáveis, é importante destacar que
os pacientes incluídos apresentavam defeitos ósseos maciços, categorizados como Paprosky
tipo IIA-IIIB, e aqueles com menor perda óssea foram excluídos. Além disso, o estudo
não deixou claro o nível de experiência do cirurgião.
Plate et al.[16] compararam a classificação de Paprosky para perda óssea acetabular de 8 revisões
de ATQ com base em radiografias simples, TC-2D e reconstruções em 3D. As imagens foram
mostradas a 35 residentes do primeiro ano de treinamento da pós-graduação, 2 fellows
e 2 cirurgiões ortopédicos, cujas respostas foram comparadas com as dadas por 2 cirurgiões
de quadril experientes. Afirmou-se que o raio-X levou a um aumento do número de classificações
corretas (0,37), enquanto a TC-2D e as reconstruções em 3D não melhoraram a precisão
(0,33, 0,20; p < 0,001), o que contradiz a grande maioria dos estudos existentes. Os autores ressaltam
que o nível de experiência dos cirurgiões não influenciou na classificação correta
de Paprosky.
Alguns autores avaliaram a confiabilidade de outros sistemas de classificação de perda
óssea baseados em radiografias. Käfer et al.[9] contaram com dois cirurgiões de quadril para avaliarem a radiografia de 33 pacientes
quanto ao defeito ósseo presente e decidirem o melhor implante e técnica para cada
caso. Outro examinador foi responsável por verificar se o procedimento planejado seria
realizado pelo cirurgião. A classificação utilizada foi a de Saleh. A análise entre
as estimativas radiológicas pré-operatórias e as conclusões intraoperatórias referentes
ao implante e ao enxerto ósseo revelou coeficientes de correlação de 0,63 (p < 0,01) para a classificação femoral. Pode-se argumentar que a diferença encontrada
entre o uso da classificação de Paprosky e Saleh é que o primeiro afirma que se deve
considerar o defeito radiográfico visível e o provável a ser encontrado após a remoção
do implante. Além disso, o número de pacientes que participaram deste estudo é menor
do que o nosso.
Algumas limitações foram constatadas no presente estudo. Classificamos os cirurgiões
de quadril que contemplam menos de 10 anos de experiência como júnior e os com mais
de 10 anos classificamos como senior. Acreditamos que o tempo de experiência possa
interferir na acurácia da classificação de Paprosky tanto no pré- quanto no intraoperatório.
Apesar de comprovarmos que o planejamento pré-operatório com o auxílio da TC-2D não
apresenta benefícios em relação à radiografia, é sabido que modelos 3D são considerados
padrão ouro. Entretanto, esse recurso não foi utilizado para base de comparação.
Conclusão
A utilização da TC-2D não mostrou benefícios no reconhecimento da perda óssea femoral
pela classificação de Paprosky. Além disso, essa técnica de imagem, nesses casos,
está associada a custos mais elevados, em comparação à radiografia e a maior exposição
do paciente a elevados níveis de radiação. Portanto, deve-se questionar a importância
desse recurso assistencial no planejamento do componente femoral na cirurgia de rATQ.
Bibliographical Record
Rafaela Reis Torrealba, Maria Isabella Cruz de Castro, Phercyles Veiga-Santos, Marcelo
Felipe Almeida, Conrado Torres Laett, Lourenço Peixoto. A influência da tomografia
computadorizada no planejamento pré-operatório da revisão de artroplastia do quadril
– Componente femoral. Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2025; 60: s00451810035.
DOI: 10.1055/s-0045-1810035