Palavras-chave
ácido ascórbico - dor crônica - fraturas do rádio - síndrome da dor regional complexa
Keywords
ascorbic acid - chronic pain - complex regional pain syndromes - radius fractures
Introdução
As fraturas da extremidade distal do rádio (FEDR) são as mais comuns. Apresentam um
claro padrão bimodal em crianças menores de 15 anos e adultos com mais de 50 anos,
que têm maior risco de fratura. O tratamento inclui redução fechada e imobilização
gessada ou cirurgia.[1]
No período pós-operatório imediato, a ativação direta de nociceptores à resposta inflamatória
e à eventual lesão de estruturas nervosas provoca, do ponto de vista clínico, dor
em repouso no local da cirurgia e em região próxima, assim como dor desencadeada pelo
toque ou pelo movimento, indicando sensibilização periférica.[2]
A síndrome da dor complexa regional (SDCR) é uma complicação caracterizada por dor
crônica e persistente com ausência de dano celular. É descrita como dor autonômica
e sensorial, motora, trófica e alterações vasomotoras que culminam na disfunção da
extremidade.[3]
[4] A incidência da SDCR é de cerca de 4% dos pacientes com FEDR.[4] Alguns estudos mostram uma variação maior na incidência, de 1 a 37%, com impacto
direto na qualidade de vida, bem-estar e diminuição da capacidade de trabalho.[5]
[6] Varia na apresentação clínica, sendo classificada em tipos I e II, sem ou com evidência
de lesão nervosa, respectivamente.[3]
[4]
Vários estudos clínicos recentes mostraram que a administração de vitamina C nos pacientes
com SDCR, neuralgia herpética aguda e pós-herpética, além de dor relacionada com câncer
apresenta melhora significativa do quadro álgico, contribuindo para a qualidade de
vida. Também se constitui um potente antioxidante que neutraliza os radicais livres
e reduz o estresse oxidativo, o que pode contribuir para o tratamento da inflamação
e dor crônica. Provou ser segura e eficaz no alívio das dores aguda e crônica, incluindo
pacientes ambulatoriais, cirúrgicos e oncológicos, podendo moderar a necessidade de
opioides.[7]
[8]
A vitamina C tem um papel complexo e multifacetado na modulação da dor, principalmente
através de suas propriedades antioxidantes, modulação da inflamação e suporte à saúde
dos tecidos conjuntivos. No entanto, mais pesquisas são necessárias para esclarecer
completamente o seu impacto direto na dor e definir diretrizes específicas para sua
aplicação clínica.
O objetivo do presente estudo foi avaliar a eficácia da vitamina C para prevenção
no surgimento de dor neuropática e da SDCR em pacientes com FEDR, submetidos a tratamento
cirúrgico e avaliar o seu impacto no controle da dor pós-operatória.
Materiais e Métodos
Foi realizado um estudo clínico duplo cego randomizado em pacientes com FEDR, submetidos
a tratamento cirúrgico atendidos no serviço de ortopedia e traumatologia de um hospital
terciário.
A amostra incluiu pacientes com idade acima de 18 anos, admitidos no período de abril
de 2023 a abril de 2024, que apresentavam FEDR com indicação de tratamento cirúrgico.
Foram excluídos pacientes pediátricos, politraumatizados, com fraturas bilaterais,
com insuficiência renal crônica, histórico de cálculo renal, em uso de vitamina C
ou polivitamínico, FEDR ipsilateral, com diagnóstico prévio de dor neuropática, história
de deficiência da glicose-6-fosfato desidrogenase e hiperolaxúria, alérgicos à vitamina
C e os que não aceitaram participar do protocolo de pesquisa.
Foram avaliados os seguintes aspectos clínicos: faixa etária, gênero, dominância,
presença de comorbidades, lado acometido, mecanismo do trauma e técnica cirúrgica
utilizada. A avaliação radiográfica consistiu em imagens nas incidências anteroposterior
e perfil do punho lesionado, foram classificadas utilizando a classificação Arbeitsgemeinschaft
für Osteosynthesefragen (AO).
Os participantes foram randomizados em dois grupos usando uma ferramenta de pesquisa
online (https://www.randomizer.org/). O grupo placebo (N = 64) recebeu celulose microcristalina e o de intervenção (N = 58) recebeu 1 g/dia de vitamina C,[9] em uma dose, iniciando no pós-operatório imediato e por 60 dias. A medicação foi
prescrita por um membro da equipe sem o conhecimento do paciente e do pesquisador
principal, sendo este último o responsável pelo acompanhamento durante as 24 semanas.
Todos os pacientes seguiram o mesmo protocolo de analgesia, sendo dipirona 1 g a cada
6 horas a primeira escolha de analgésico comum e, em caso de alergia, paracetamol
750 mg a cada 6 horas, associado a um opioide fraco. No caso dos opioides, a primeira
escolha foi tramadol 100 mg a cada 12 horas e, na existência de alergia, codeína 30 mg
foi a segunda. O paciente foi orientado a fazer o uso das medicações de acordo com
a intensidade da dor.
No momento da admissão, a funcionalidade dos membros superiores foi determinada pelo
Quick Disabilities of the Arm, Shoulder and Hand (Quick-DASH),[10] composto de 11 questões que avaliam a função física na última semana. A pontuação
varia em cada item de 0 a 5 e o escore final varia de 0 a 100. Além disso, todos os
pacientes foram avaliados em relação à depressão e ansiedade, utilizando a escala
Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HAD).[11]
As avaliações clínica, funcional e radiográfica foram realizadas em cinco episódios
distribuídos em 2, 4, 6, 12 e 24 semanas. O paciente, o cirurgião assistente e o pesquisador
principal foram todos cegos para a randomização, sendo o último responsável pelo acompanhamento
no seguimento clínico e avaliação das radiografias para cicatrização de fraturas.
Em cada consulta de acompanhamento, foi solicitado aos pacientes que avaliassem a
intensidade da dor naquele momento, utilizando a escala visual analógica (EVA), instrumento
unidimensional, representado por uma linha com as extremidades numeradas de 0 a 10,
significando “nenhuma dor” e “pior dor imaginável,” respectivamente. Também foi verificada
a presença de complicações relacionadas ao tratamento empregado, bem como sinais e
sintomas da SDCR, utilizando os critérios de Budapeste.[12]
Na 12ª semana, para definir a presença de dor neuropática, foi utilizado o questionário
Douleur neuropathique 4 (DN4), composto de sete itens que se referem a sintomas e outros três relacionados
ao exame físico. Cada item pontua um, se a resposta for positiva, e zero se negativa.
A somatória de pontos maior ou igual a quatro sugere dor neuropática.[13]
Após 24 semanas de acompanhamento, os pacientes foram submetidos a nova avaliação
clínica, respondendo aos mesmos instrumentos, assim como à dor quantificada com auxílio
da EVA.
Aqueles diagnosticados com SDCR foram submetidos a tratamento medicamentoso, sendo
usadas pregabalina ou gabapentina, mantendo seguimento no serviço, e foram encaminhados
para acompanhamento com equipe de fisioterapia.
Para armazenamento dos dados coletados, utilizou-se o Excel 2013 (Microsoft Corp.)
e para realização das análises foi usado the Statistical Package Social Sciences (SPSS,
IBM Corp.) para Windows, versão 22.0. Os testes foram realizados com nível de significância
de 5%.
As características qualitativas avaliadas foram descritas segundo grupos com uso de
frequências absolutas e relativas, enquanto a associação com uso de testes qui-quadrado
ou testes exatos (Fisher ou razão de verossimilhanças) foi verificada. As características
quantitativas foram descritas segundo grupos com uso de medidas resumo (média, desvio
padrão [DP], mediana e quartis), comparadas entre os grupos com uso do teste t de
Student não pareado ou do teste de Mann-Whitney. Os escores da EVA e a presença de
dor neuropática aos cinco pontos foram descritos segundo grupos e momentos de avaliação
com uso de medidas resumo, frequências absolutas e relativas, sendo comparados entre
grupos e momentos respectivamente, com uso de equações de estimação generalizadas
(EEG) com distribuição normal, função de ligação identidade, distribuição binomial
e função de ligação lógica respectivamente, assumindo matriz de correlações autorregressivas
de primeira ordem (AR[1]) entre os momentos de avaliação de um mesmo paciente. Os
resultados foram seguidos de comparações múltiplas de Bonferroni para avaliar entre
quais grupos e momentos ocorreram as diferenças.
O estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE: 63013922.1.0000.0040).
Resultados
O universo pesquisado compunha-se de 137 pacientes, dos quais 122 concluíram o acompanhamento
por 24 semanas, sendo 55 mulheres (45,1%) e 67 homens (54,9%), com idade média de
48,1 anos. As características de cada grupo encontram-se detalhadas na [Tabela 1].
Tabela 1
Descrição das características pessoais e clínicas segundo grupos e resultado dos testes
estatísticos
Variável
|
Grupo
|
Total (N = 122)
|
p-value
|
Placebo (N = 64)
|
Vitamina C (N = 58)
|
Idade (anos)
|
média ± DP
|
47,9 ± 15,4
|
48,3 ± 15,5
|
48,1 ± 15,4
|
0,909**
|
mediana (p25; p75)
|
47 (37,3; 63,8)
|
48,5 (36,8; 60,8)
|
47,5 (37; 63)
|
Sexo, n (%)
|
Feminino
|
29 (45,3)
|
26 (44,8)
|
55 (45,1)
|
0,957
|
Masculino
|
35 (54,7)
|
32 (55,2)
|
67 (54,9)
|
Dominância, n (%)
|
Destro
|
62 (96,9)
|
54 (93,1)
|
116 (95,1)
|
0,422*
|
Sinistro
|
2 (3,1)
|
4 (6,9)
|
6 (4,9)
|
Comorbidades, n (%)
|
Nega
|
46 (71,9)
|
40 (69)
|
86 (70,5)
|
0,682#
|
HAS
|
6 (9,4)
|
7 (12,1)
|
13 (10,7)
|
DM
|
1 (1,6)
|
4 (6,9)
|
5 (4,1)
|
HAS + DM
|
5 (7,8)
|
3 (5,2)
|
8 (6,6)
|
Transtornos psiquiátricos
|
2 (3,1)
|
1 (1,7)
|
3 (2,5)
|
Outras
|
4 (6,3)
|
3 (5,2)
|
7 (5,7)
|
Lado lesionado, n (%)
|
Direito
|
33 (51,6)
|
22 (37,9)
|
55 (45,1)
|
0,131
|
Esquerdo
|
31 (48,4)
|
36 (62,1)
|
67 (54,9)
|
Mecanismo de trauma, n (%)
|
Baixa energia
|
27 (42,2)
|
29 (50)
|
56 (45,9)
|
0,387
|
Alta energia
|
37 (57,8)
|
29 (50)
|
66 (54,1)
|
AO, n (%)
|
Extra-articular
|
31 (48,4)
|
13 (22,4)
|
44 (36,1)
|
0,008
|
Articular parcial
|
6 (9,4)
|
5 (8,6)
|
11 (9)
|
Articular
|
27 (42,2)
|
40 (69)
|
67 (54,9)
|
Tratamento, n (%)
|
Redução fechada - Fio Kirschiner
|
45 (70,3)
|
34 (58,6)
|
79 (64,8)
|
0,177
|
RAFI
|
19 (29,7)
|
24 (41,4)
|
43 (35,2)
|
HAD
|
média ± DP
|
8,1 ± 6,6
|
7,7 ± 6,4
|
7,9 ± 6,5
|
0,768£
|
mediana (p25; p75)
|
7 (3; 12)
|
7 (3; 10)
|
7 (3; 11)
|
Abreviações: AO, classificação AO/OTA; DM, diabetes mellitus; DP, desvio padrão; HAD, escala hospitalar
de ansiedade e depressão; HAS, hipertensão arterial sistêmica; RAFI, redução aberta
e fixação interna.
Notas: Teste do qui-quadrado; * Teste exato de Fisher; # Teste da razão de verossimilhanças;
** Teste t de Student não pareado; £ Teste Mann-Whitney.
O comportamento dos grupos foi estatisticamente semelhante para dor neuropática e
EVA ao longo dos momentos de avaliação (p
Interação > 0,05), a dor neuropática diferiu estatisticamente entre os grupos independente
do momento (p
Grupo = 0,013), e a escala de dor diferiu em média entre os grupos independente do momento
de avaliação (p
Grupo = 0,001) e ao longo dos momentos independente do grupo (p
Momento < 0,001), como pode ser visto na [Tabela 2].
Tabela 2
Descrição da dor neuropática e da EVA segundo grupos, momentos de avaliação e resultado
das comparações
Variável
|
Grupo
|
pGrupo
|
pMomento
|
pInteração
|
Placebo (N = 64)
|
Vitamina C (N = 58)
|
Dor neuropática
|
|
|
0,013
|
0,091
|
0,355
|
12 semanas
|
DN4 < 4
|
45 (70,3)
|
50 (86,2)
|
|
|
|
DN4 ≥ 4
|
19 (29,7)
|
8 (13,8)
|
|
|
|
24 semanas
|
DN4 < 4
|
47 (73,4)
|
53 (91,4)
|
|
|
|
DN4 ≥ 4
|
17 (26,6)
|
5 (8,6)
|
|
|
|
EVA
|
|
|
0,001
|
<0,001
|
0,147
|
2 semanas
|
média ± DP
|
3,9 ± 3,1
|
2,8 ± 2,4
|
|
|
|
mediana (p25; p75)
|
5 (0; 7)
|
2 (1; 5)
|
|
|
|
4 semanas
|
média ± DP
|
3,5 ± 2,9
|
1,7 ± 2,2
|
|
|
|
mediana (p25; p75)
|
3 (0; 6)
|
1 (0; 3)
|
|
|
|
6 semanas
|
média ± DP
|
3 ± 3,2
|
1,4 ± 2,1
|
|
|
|
mediana (p25; p75)
|
2 (0; 6)
|
0 (0; 2)
|
|
|
|
12 semanas
|
média ± DP
|
2,1 ± 2,9
|
1,3 ± 2
|
|
|
|
mediana (p25; p75)
|
0 (0; 3,8)
|
0 (0; 2)
|
|
|
|
24 semanas
|
média ± DP
|
1,8 ± 2,8
|
0,9 ± 1,6
|
|
|
|
mediana (p25; p75)
|
0 (0; 2)
|
0 (0; 2)
|
|
|
|
Abreviações: AR(1), correlações autorregressivas de 1ª ordem; DP, desvio padrão; DN4, douleur neuropathique 4 questions; EEG, equação de estimação generalizada; EVA, escala visual analógica; HAD, escala
hospitalar de ansiedade e depressão.
Notas: EEG com distribuição binomial e função de ligação logito; EEG com distribuição normal
e função de ligação identidade. Para ambos os modelos foi assumida matriz de correlações
AR(1) entre os momentos.
A frequência de dor neuropática foi em média 17% maior no grupo placebo que o de vitamina
C nas semanas avaliadas (p = 0,008). A EVA foi em média 1,22 pontos maior no grupo placebo independente do momento
de avaliação (p = 0,001) e diminuiu em média estatisticamente ao longo das semanas independente do
grupo (p < 0,05), só não havendo diferença estatisticamente significativa entre avaliações
consecutivas, 4 para 6 semanas, 6 para 12 semanas e 12 para 24 semanas (p > 0,05), como pode ser visto na [Tabela 3].
Tabela 3
Resultado das comparações múltiplas entre grupos e momentos conforme diferenças encontradas
para a dor neuropática e EVA
Variável
|
Comparação
|
Diferença média
|
Erro padrão
|
Valor de p
|
IC (95%)
|
Inferior
|
Superior
|
Dor neuropática (%)
|
Placebo e vitamina C
|
|
17,0
|
6,4
|
0,008
|
5,0
|
30,0
|
EVA
|
Placebo e Vitamina C
|
|
1,22
|
0,37
|
0,001
|
0,50
|
1,94
|
2–4 semanas
|
|
0,76
|
0,18
|
< 0,001
|
0,25
|
1,28
|
2–6 semanas
|
|
1,20
|
0,24
|
< 0,001
|
0,53
|
1,87
|
2–12 semanas
|
|
1,71
|
0,27
|
<0,001
|
0,95
|
2,47
|
2–24 semanas
|
|
2,08
|
0,29
|
< 0,001
|
1,26
|
2,90
|
4–6 semanas
|
|
0,44
|
0,18
|
0,175
|
−0,08
|
0,95
|
4–12 semanas
|
|
0,94
|
0,24
|
0,001
|
0,27
|
1,62
|
4–24 semanas
|
|
1,31
|
0,27
|
< 0,001
|
0,55
|
2,08
|
6–12 semanas
|
|
0,51
|
0,18
|
0,059
|
−0,01
|
1,02
|
6–24 semanas
|
|
0,88
|
0,24
|
0,002
|
0,21
|
1,55
|
12–24 semanas
|
|
0,37
|
0,18
|
0,443
|
−0,15
|
0,89
|
Abreviaturas: EVA, escala visual analógica; IC, intervalo de confiança.
Notas: Comparações múltiplas de Bonferroni.
A observação da SDCR em 12 e 24 semanas foi estatisticamente mais frequente no grupo
placebo (p = 0,014 e 0,007, respectivamente). O Quick-DASH em 24 semanas foi estatisticamente
menor no grupo da vitamina C comparado ao placebo (p = 0,040), como pode ser visto na [Tabela 4].
Tabela 4
Resultado das análises estatísticas de SDCR e Quick-DASH segundo grupos nos diferentes
momentos de avaliação
Variável
|
Grupo
|
Total (N = 122)
|
Valor de p
|
Placebo (N = 4)
|
Vitamina C (N = 58)
|
SDCR 12 semanas
|
Não
|
57 (89,1)
|
58 (100)
|
115 (94,3)
|
0,014*
|
Sim
|
7 (10,9)
|
0 (0)
|
7 (5,7)
|
SDCR 24 semanas
|
Não
|
56 (87,5)
|
58 (100)
|
114 (93,4)
|
0,007*
|
Sim
|
8 (12,5)
|
0 (0)
|
8 (6,6)
|
Quick-DASH 24 semanas
|
média ± DP
|
15,2 ± 25,5
|
5,9 ± 13
|
10,8 ± 21
|
0,040£
|
mediana (p25; p75)
|
0 (0; 25)
|
0 (0; 0)
|
0 (0; 16)
|
Abreviaturas: DP, desvio padrão; Quick-DASH, Quick Disabilities of the Arm, Shoulder and Hand;
SDCR, síndrome da dor complexa regional.
Notas: *Teste exato de Fisher; # Teste da razão de verossimilhanças; £ Teste Mann-Whitney.
A gravidade da fratura, de acordo com a classificação AO, não apresentou associação
estatisticamente significativa com a SDCR e dor neuropática (p > 0,05).
Pacientes que apresentaram dor neuropática em 12 semanas apresentaram estatisticamente
maior escore HAD (p = 0,048), observando-se diferença parecida em 24 semanas, porém, não foi estatisticamente
significativa (p = 0,220).
Discussão
Pacientes que receberam vitamina C apresentaram um controle superior da dor pós-operatória
em comparação a aqueles que receberam placebo. Essa suplementação demonstrou reduzir
significativamente a intensidade da dor, o que pode ser atribuído ao seu efeito na
modulação da inflamação e na redução do estresse oxidativo. Esses resultados sugerem
que a vitamina C pode ser uma intervenção eficaz para melhorar o manejo da dor no
período pós-operatório, concordando com o que se encontra descrito na literatura.
Evidências indicam que a administração de ácido ascórbico (vitamina C) pode apresentar
propriedades analgésicas em algumas condições clínicas.[7] Trata-se de um micronutriente essencial, com evidências que apoiam seu papel para
uma infinidade de processos metabólicos relacionados à saúde mental, resposta ao estresse,
formação óssea, reparo tecidual, produção de colágeno e percepção da dor.[8]
[14] A vitamina C influencia a resposta inflamatória, podendo modular a produção de citocinas
inflamatórias e a atividade de células imunes, reduzindo inflamação associada à dor.[7]
A vitamina C é um antioxidante solúvel em água com elevada concentração no sistema
nervoso central, excedendo em 10 vezes a concentração sérica.[15]
[16]
[17] Trata-se de um poderoso agente antioxidante e anti-inflamatório, constituindo um
cofator na esteroidogênese adrenal e biossíntese de atecolaminas. Pode também aumentar
a síntese de endomorfinas e endorfina, e atua como cofator para a biossíntese de peptídeos
opioides amidados.[7]
[8]
Acredita-se que a resposta nociceptiva do ácido ascórbico é amplamente mediada pelos
receptores N-metil-D-aspartato (NMDA), mais especificamente através da interação com
os glutaminérgicos ionotrópicos. Existe boa evidência que revela o envolvimento dos
receptores NMDA na modulação da dor, compostos que reduzem a transmissão e exercem
ação antinociceptiva.[15]
[17]
[18]
Conforme descrito na revisão de Fukushima e Yamazaki, o aumento da demanda do corpo
por ácido ascórbico em contextos cirúrgicos é, provavelmente, devido ao estresse oxidativo.
Diante disso, pacientes necessitam de doses maiores do que as recomendadas para vitamina
C diária após a cirurgia, com sua administração exógena sendo associada a melhores
resultados cirúrgicos.[19] Estudos mostram que sua administração também está associada a uma menor necessidade
de analgésicos opioides em ambientes cirúrgicos.[20]
O impacto positivo significativo da vitamina C na prevenção da dor neuropática e no
surgimento da SDCR encontrado no presente estudo está de acordo com dados descritos
da literatura. Os pacientes que a receberam apresentaram uma redução notável na incidência
e intensidade da dor neuropática, além de uma menor ocorrência de SDCR, em comparação
com o grupo placebo. Esses efeitos podem ser atribuídos à capacidade da vitamina C
de reduzir a inflamação e o estresse oxidativo, fatores críticos no desenvolvimento
e manutenção dessas condições dolorosas.
Radicais livres estão criticamente envolvidos na geração de dor em várias condições,
incluindo a neuropática e a inflamatória. Os antioxidantes podem estar envolvidos
na inibição da modulação e atenuam a alodinia mecânica induzida por lesão. Sua associação
apresenta um efeito antialodínico maior no processamento da dor neuropática na medula
espinhal.[21]
Foi demonstrado que o ácido ascórbico protege os neurônios corticais dos efeitos tóxicos
do NMDA, efeito esse mediado ao longo de seus receptores.[15] Níveis de ácido ascórbico no cérebro estão associados com a atividade desses receptores
e aumentar sua concentração pode ser benéfico para pacientes em risco de complicações
neurológicas.[15]
[17]
[22]
[23]
Ensaios clínicos randomizados investigaram o efeito da vitamina C na incidência de
SDCR em pacientes com cirurgia de punho e tornozelo. A dose usada nestes estudos variou
de 0,2 a 1,5 g/dia por 45 a 50 dias após a cirurgia. Foi observada uma diminuição
na incidência da SDRC em pacientes que receberam vitamina C, sendo as doses de ≥ 0,5 g/dia
as mais eficazes.[9]
[24]
[25]
[26] Pesquisas anteriores indicaram que a suplementação necessária para pacientes cirúrgicos
é de > 0,5 g/dia para restaurar o status normal nesses pacientes.[7]
[19]
A suplementação de vitamina C tem sido associada com melhores resultados funcionais,
inclusive diminuição da dor e do risco de SDCR após cirurgia ortopédica.[27]
Contrariando os resultados apontados no presente estudo e os dados da literatura descritos
anteriormente, Ekrol et al.[24] não encontraram diferença significativa no escore DASH, na incidência da SDCR, ou
na consolidação das fraturas ao longo de 1 ano, concluindo que a administração de
vitamina C não confere nenhum benefício a pacientes com FEDR.
Uma metanálise de sete ensaios clínicos randomizados demonstrou que a suplementação
oral de vitamina C pode reduzir o risco para SDCR do tipo I, mas não melhorou os resultados
funcionais em pacientes ortopédicos.[28]
Uma limitação do estudo foi o número de participantes. Apesar de o cálculo amostral
ter indicado a necessidade de 850 indivíduos, o presente estudo obteve resultados
significativos com 122. Isso pode ser atribuído a um efeito terapêutico mais pronunciado
do que o previamente estimado, à menor variabilidade intra- e intergrupos, ou à alta
aderência ao protocolo de intervenção. Em determinadas situações, uma diferença clínica
substancial entre os grupos pode levar à significância estatística mesmo com uma amostra
menor. É importante destacar que, embora os resultados sejam promissores, essa limitação
pode impactar a robustez e a generalização dos achados. Portanto, estudos com maior
poder amostral são recomendados para confirmação e validação externa.
Conclusão
O presente estudo demonstrou que a vitamina C pode ter influência positiva na prevenção
da dor neuropática, da SDCR, bem como no controle da dor pós-operatória e fase inflamatória
em pacientes com FEDR.
Bibliographical Record
Fernando Antonio Silva de Azevedo Filho, Roberta Muniz Blunck, Abdouni Y Ali, Patrícia
Maria de Moraes Barros Fucs, Ricardo Britto Cotias. Vitamina C na síndrome da dor
complexa regional em pacientes com fratura distal do rádio. Rev Bras Ortop (Sao Paulo)
2025; 60: s00451810403.
DOI: 10.1055/s-0045-1810403