Palavras-chave
analgesia - dor - dor pós-operatória - mama - analgésicos opioides
Introdução
A dor resulta de um conjunto de respostas orgânicas sensitivas, cognitivas e emocionais,
associadas a respostas autonômicas e comportamentais. Ela é parte essencial da evolução
pós-cirúrgica do paciente e, quando vigente e mal controlada, pode desencadear alterações
cardiovasculares, metabólicas, respiratórias, gastrointestinais, urinárias e imunológicas.[1]
Ao se tratar de cirurgias realizadas no tórax, o quadro doloroso, além dos demais
distúrbios organofuncionais, provoca dificuldade de realização de inspiração profunda,
aumento do fluido extracelular, diminuição da complacência pulmonar, hipoventilação
e hipoxemia, que podem ocasionar atelectasias e infecções respiratórias. Sendo assim,
o controle de dor pós-operatória é um fator de extrema importância para a recuperação
do paciente, a morbimortalidade pós-cirúrgica e a melhora da qualidade de vida.[2]
Os opioides, medicamentos amplamente utilizados no controle álgico do pós-operatório
de cirurgias mamárias, estão frequentemente relacionados a eventos adversos como náuseas,
vômitos, sedação, prurido, íleo paralítico e retenção urinária, que, além de incômodos
para o paciente, podem resultar em aumento do tempo de internação hospitalar. Na busca
de melhor resultado analgésico após a realização desse tipo de cirurgia, associado
ao benefício do menor uso de medicamentos da classe dos opioides, passou-se a realizar
bloqueios analgésicos periféricos nos nervos responsáveis pela inervação da musculatura
do peitoral, entre eles, o bloqueio do nervo peitoral (pectoralis nerve, PECS, em inglês).[3]
[4]
De acordo com o local a ser realizado o bloqueio, a técnica recebe um nome. Se o bloqueio
for realizado com anestesia local injetada somente entre os músculos peitoral maior
e menor, é conhecido como PECS I ([Fig. 1]), e, caso seja acrescido de uma injeção de anestésico entre o músculo peitoral menor
e o serrátil anterior, como PECS II. ([Fig. 2]).[5]
[6]
Fig. 1 Anatomia ultrassonográfica do bloqueio do nervo peitoral (pectoralis nerve, PECS,
em inglês) do tipo I.[5]
Abreviaturas: PMm, músculo peitoral maior; Pmm, músculo peitoral menor.
Fig. 2 Anatomia ultrassonográfica do bloqueio PECS do tipo II.[6]
Abreviaturas: PMm, músculo peitoral maior; Pmm, músculo peitoral menor; Sm, músculo serrátil anterior;
R3, terceira costela; R4, quarta costela.
No bloqueio PECS I, a solução a ser administrada é composta por 10 mL de anestésico
local (levobupivacaina, ropivacaina ou bupivacaina) diluído a uma concentração de
0,25%, sendo a solução injetada em cada sítio bilateralmente. Já o PECS II, conhecido
também como bloqueio do PECS modificado, além da injeção da solução anestésica, também é realizada a injeção de 20 mL da
mesma solução entre o músculo peitoral menor e o serrátil. Portanto, ambas as formas
têm como alvo o bloqueio dos nervos peitorais medial e lateral, além dos ramos cutâneos
laterais do nervo intercostal torácico.[2]
[7]
Entre as maneiras para atingir melhor controle de dor pós-operatória, estuda-se a
realização de bloqueios em nervos periféricos responsáveis pela inervação mamária,
ou seja, procedimentos capazes de causar bloqueios de nervos supraclaviculares, ramos
laterais dos nervos torácicos intercostais e ramos mediais dos nervos torácicos intercostais
([Fig. 3]). Tais estudos visam proporcionar maior conforto pós-operatório, com melhor controle
álgico, e contribuem para um menor uso de opioides e, consequentemente, menor número
de complicações relativas ao uso dessas drogas, além de menor tempo de internação
hospitalar.[6]
[8]
[9]
Fig. 3 Representação esquemática dos nervos que inervam a mama e a axila femininas.[6]
Abreviaturas: ICBN, nervo intercostobraquial; LPN, nervo peitoral lateral; LTN, nervo torácico
longo; MBCN, nervo cutâneo braquial medial; MPN, nervo peitoral medial.
Vale ressaltar que, pelo fato de o tecido mamário ser invervado por diversos nervos,
invariavelmente não serão todos capazes de receber o bloqueio analgésico, visto que
o estímulo doloroso gerado depende da técnica cirúrgica utilizada. Portanto, pode-se
encontrar uma variação importante no controle álgico pós-operatório conforme o tipo
e o modo de cirurgia mamária executada.[8]
[9]
Nesse sentido, este artigo objetivou revisar os dados encontrados na literatura sobre
o bloqueio PECS dos tipos I e II referente ao controle álgico pós-operatório de pacientes
submetidas a cirurgias mamárias, e avaliar a necessidade de associação do uso de opioides
de resgate para o controle de dor.
Materiais e Métodos
Trata-se de uma revisão bibliográfica realizada a partir de uma pesquisa na base de
dados PubMed, utilizando os descritores indexados nos sistemas Descritores em Ciências
da Saúde (DECS) e Medical Subject Headings (MeSH): cirurgia mamária, bloqueio de nervo peitoral e consumo de opioide. Para o refinamento da busca, foram empregados os operadores booleanos AND e OR,
conforme a estratégia de pesquisa.
Foram incluídos ensaios clínicos publicados entre janeiro de 2016 e abril de 2023,
nos idiomas português, inglês e espanhol, que avaliaram os efeitos do PECS I e II
em cirurgias mamárias. Os desfechos analisados incluíram controle da dor pós-operatória,
consumo de opioides, necessidade de antieméticos, tempo de internação e complicações
associadas ao bloqueio.
A busca inicial identificou 29 artigos. Após aplicação dos critérios de elegibilidade,
14 ensaios clínicos foram selecionados para a análise final. Os critérios de exclusão
foram: estudos que não abordavam especificamente o bloqueio PECS, ou que associavam
a técnica a outros bloqueios regionais (n = 10); artigos que não estavam relacionados
a procedimentos cirúrgicos mamários (n = 2); e estudos que não avaliavam o bloqueio
PECS para o controle da dor pós-operatória (n = 3).
A seleção dos estudos foi realizada por dois revisores independentes, e as divergências
foram resolvidas por consenso. A qualidade metodológica dos ensaios clínicos foi avaliada
utilizando a escala de Jadad, considerando randomização, cegamento e descrição das
perdas durante o seguimento.
Resultados
Conforme Kim et al.[6] (2018), a realização de bloqueio PECS II evidenciou um consumo de opioides maior
no grupo de controle quando comparado ao grupo que recebeu o bloqueio (média: 77,0 ± 41,9 μg
versus 43,8 ± 28,5 μg, respectivamente; p < 0,001), o que indiretamente também resultou em uma menor variabilidade pressórica
e de frequência cardíaca ([Fig. 4]).
Fig. 4 Comparação dos desfechos clínicos de pacientes submetidos aos bloqueios PECS I e
II e o grupo de controle em diferentes estudos. Os valores médios do consumo de opioides
são apresentados em microgramas (μg).
Karaca et al.[3] (2019) encontraram resultado similar: um consumo menor de opioides por 24 horas
nos pacientes submetidos ao PECS quando comparados aos pacientes do grupo controle
(média: 115,7 ± 98,1 µg versus 378,7 ± 54,0 µg, respectivamente; p < 0.001), bem como um menor tempo de internação hospitalar (24,4 ± 1,2 horas versus 27,0 ± 3,1 horas, respectivamente; p < 0.001) ([Fig. 4]).
Corroborando esses resultados, Najeeb et al.[10] (2019) compararam o controle de dor proporcionado pelo PECS em relação ao grupo
controle, que não foi submetido a bloqueio de nervo periférico, e observaram como
resultado uma pontuação média de dor imediatamente após o término da cirurgia (hora
0) de 1,05 ± 1,63 em pacientes submetidos ao bloqueio, e de 2,42 ± 2,17 no grupo controle
(p < 0.001).Esses achados foram reforçados pelos escores significativamente menores
de dor no grupo teste durante as primeiras 24 horas de pós-operatório (0,32 ± 0,87
versus 1,52 ± 1,85; p0,001), com padrão semelhante observado nas demais avaliações realizadas ao longo
do período.
Além do excelente controle álgico pós-operatório, Mendonça et al.[2] (2022) observaram que apenas 23,3% dos pacientes submetidos ao bloqueio PECS necessitaram
de fentanil no intraoperatório, comparados a 83,3% no grupo controle (risco relativo
[RR] = 0,28; IC95%: 0,14-0,54; p = 0,0002). A média de fentanil administrado também
foi significativamente menor no grupo teste (30 ± 59,6 µg) em relação ao grupo controle
(128,3 ± 103,95 µg; p0,001), representando uma redução de aproximadamente quatro vezes.
Quanto à realização do bloqueio antes ou após a cirurgia, Ciftci et, al.[5] (2021) dividiram os pacientes em 3 grupos: no primeiro, foi realizado o PECS I no
pré-operatório antes da incisão cirúrgica; no segundo, o PECS I após o término da
cirurgia; e no terceiro não era realizado nenhum tipo de bloqueio (grupo controle).
Os pacientes foram acompanhados da 1ª à 24ª horas do pós-operatório com a escala visual
analógica (EVA) de dor. Os autores[5] observaram um melhor controle álgico no primeiro grupo em todo o período estudado
em comparação ao grupo controle (p < 0,001). Partindo para a comparação do segundo grupo e do grupo de controle, não
observou-se melhor controle na 1ª hora do pós-operatório, mas, ao longo das 24 horas,
houve um melhor controle álgico (p < 0,001).[5]
Discussão
Desde a descrição da técnica do bloqueio PECS em 2011 até os dias atuais, diversos
estudos, conforme os aqui citados, comprovaram o amplo benefício do uso dessa. Os
resultados demonstram redução do consumo de opióides no pós-operatório, o que indiretamente
reflete o melhor controle álgico, e leva a maior conforto do paciente não só no que
tange à dor, como também na menor variabilidade pressórica e de frequência cardíaca.
Além disso, observou-se redução significativa da quantidade de efeitos colaterais
associados ao uso de opioides.[2]
[11]
A pergunta sobre o melhor momento para a realização do bloqueio (antes, durante ou
após o procedimento cirúrgico) é respondida por Ciftci et al.[5] (2021), que evidenciaram um melhor controle de dor em todo o período avaliado quando
o bloqueio foi realizado antes de incisão cirúrgica. Apesar disso, é importante ressaltar
que o bloqueio também apresentou benefício quando realizado após a cirurgia em comparação
aos pacientes não submetidos ao procedimento, o que deixa claro mais uma vez o benefício
da técnica.[5]
[12]
Esse achado é reafirmado por Najeeb et al.[10] (2019), que, ao analisar a escala numérica de dor (END), evidenciaram importante
controle álgico pós-operatório proporcionado pelo PECS ao avaliar imediatamente, com
30 minutos, 6 horas, 12 horas e 24 horas do término da cirurgia. Pacientes submetidos
ao PECS apresentaram, na END às 0, 0,5, 6, 12 e 24 horas, pontuações médias de 1,05 ± 1,63,
1,35 ± 1,23, 0,8 ± 1,23, 0,48 ± 0,72 e 0,32 ± 0,87), respectivamente (p < 0,001), ao passo que os pacientes não submetidos obtiveram, no mesmo período, médias
de 2,42 ± 2,17, 1,90 ± 1,38, 2,25 ± 1,90), 1,70 ± 2,02) e 1,52 ± 1,85, respectivamente
(p < 0,001). Em um estudo semelhante, Altıparmak et al.[13] (2019) encontraram resultados parecidos. Além do melhor controle de dor e, consequentemente,
redução da quantidade de opioides, Mendonça et al.[2] (2022) evidenciaram diminuição do tempo médio de internação, de 41.2 ± 13.4 horas
do grupo submetido ao PECS contra 45.1 ± 15.4 horas no grupo placebo.
Durante a preparação para a realização de cirurgias mamárias, além do PECS, diversos
outros bloqueios podem ser realizados, como o bloqueio torácico paravertebral e o
do músculo eretor da coluna. Estes foram avaliados e comparados por Martsiniv et al.[14] (2020) para encontrar a melhor alternativa quando se trata de cirurgias mamárias.
Num estudo realizado por Eskandr et al.[8] (2022), o bloqueio PECS apresentou melhores benefícios quando comparado ao controle
de dor pós-operatório, redução do uso de opioides durante e após a cirurgia e redução
de náuseas e vômitos. Além dos benefícios quanto ao controle de dor pós-operatório,
em comparação às demais técnicas regionais de bloqueio, o PECS apresentou menor risco
de complicações como pneumotórax, abscessos, neurite, toxicidade anestésica local,
punção vascular e hematomas que são intercorrências indesejáveis, principalmente,
em cirurgias realizadas em regime de hospital-dia.[8]
[14]
Devido ao fato de o PECS II ser capaz de provocar analgesia em parte da região mamária
e da axila, Kim et al.[6] (2018) reforçam que ele pode apresentar resultados excelentes quanto ao controle
de dor pós-operatória nas primeiras 24 horas em cirurgias mamárias, o que é reafirmado
por Karaca et al.[3] (2019) e por outros estudos avaliados, que relatam que, ao realizar o PECS II, além
do excelente efeito no controle álgico pós-operatório, apresentou, consequentemente,
uma redução importante no uso de opioides, bem como um menor tempo de internação hospitalar.
Diante do evidenciado nos estudos avaliados, torna-se importante o estímulo à difusão
e à implementação dos bloqueios PECS I e II em cirurgias mamárias, visto que foi comprovado,
por diversos ensaios clínicos, os benefícios e a superioridade de controle de dor
pós-operatória e, consequentemente, menor uso de opioides, além de menores riscos
inerentes ao procedimento e maior conforto aos pacientes, resultados ocasionam um
menor tempo de internação hospitalar.[6]
[7]
Conclusão
S presente revisão foi capaz de demonstrar que os bloqueios PECS I e II apresentam
um controle eficaz do quadro de dor pós-operatório em cirurgias mamárias, e reduzem
significativamente o consumo de opioides e seus efeitos adversos, além de proporcionar
maior estabilidade hemodinâmica e conforto ao paciente. Evidenciou-se, ainda, que
a realização do bloqueio no pré-operatório ocasiona resultados melhores em relação
ao controle álgico nas primeiras 24 horas do pós-operatório, embora a técnica também
apresente benefícios quando realizada após a cirurgia. Além do alívio da dor, a redução
do uso de opioides está associada a menor incidência de náuseas, vômitos e outros
efeitos colaterais, o que favorece a recuperação do paciente e reduz o tempo de internação
hospitalar.
Apesar da suposição de que o PECS II teria um melhor efeito analgésico do que o PECS
I por cobrir uma área maior, ainda não foi possível comprovar isso pelos estudos analisados.
Outras variáveis estudadas para o aperfeiçoamento da técnica têm sido a dose, o tipo
e a concentração dos anestésicos injetados nos sítios de bloqueio que são capazes
de aumentar a duração do controle álgico gerado. Considerando os benefícios apresentados,
conclui-se que a implementação do bloqueio PECS na prática clínica deve ser incentivada
como parte do manejo multimodal da dor em cirurgias mamárias, mas estudos futuros
com amostras maiores e análises de custo-benefício podem contribuir para consolidar
essa técnica como padrão na analgesia perioperatória.
Bibliographical Record
Mateus Casotti Colombo, João Cabas Neto, Guilherme Leonel Arbex, Renato Monteiro Andrade,
Abner Henrique Fleury. Eficácia do bloqueio de nervo peitoral no controle da dor pós-operatória
em cirurgias mamárias: Revisão bibliográfica. Revista Brasileira de Cirurgia Plástica
(RBCP) – Brazilian Journal of Plastic Surgery 2025; 40: s00451810594.
DOI: 10.1055/s-0045-1810594