Palavras-chave artroplastia do joelho - osteoartrite - procedimentos ortopédicos - prótese de joelho
- próteses e implantes
Keywords arthroplasty, replacement, knee - knee prosthesis - osteoarthritis - orthopedic procedures
- prostheses and implants
Introdução
A artroplastia total de joelho (ATJ) é a cirurgia padrão-ouro para o tratamento da
gonartrose em pacientes que não respondem ao tratamento medicamentoso e fisioterápico.
É um procedimento em crescimento mundial[1 ]
[2 ] e, ao mesmo tempo que as ATJ primárias aumentam, as taxas de revisões de artroplastias
também acompanham o crescimento. Nos Estados Unidos, as revisões de ATJ correspondem
a ∼ 10% dos números de artroplastias primárias.[1 ]
Revisões de ATJ são cirurgias desafiadoras para os cirurgiões devido à complexidade
provocada pela perda óssea associada às insuficiências ligamentares. Uma dificuldade
primária é a determinação da altura da linha articular (LA) diante das perdas ósseas
existentes. Restaurar o posicionamento da LA fisiológica é um dos princípios importantes
na ATJ de revisão para melhorar a amplitude de movimento, otimizar o funcionamento
do mecanismo extensor e manter a cinemática normal do joelho.[3 ]
Muitos autores estudaram métodos estimados para definir a LA utilizando marcadores
anatômicos como a cabeça da fíbula, a tuberosidade tibial e as distâncias epicondilares.[3 ]
[4 ] É preciso destacar que estudos em determinados grupos populacionais podem divergir
em seus aspectos anatômicos do joelho de outros grupos étnicos.[5 ]
[6 ]
[7 ]
Neste contexto, o objetivo do presente estudo foi analisar uma razão constante entre
os marcadores anatômicos do joelho: distância do epicôndilo medial clínico (DEM),
distância do epicôndilo lateral (DEL) e eixo bicortical condilar (EBC) para facilitar
o cirurgião a estimar o posicionamento da linha articular em procedimentos de revisões
de ATJ na população brasileira.
Materiais e Métodos
O presente estudo foi aprovado pelo comitê de ética da Universidade Federal de São
Paulo sob o número CAAE-83009724.5.0000.5505. Foram selecionados de maneira aleatória
e anônima 500 exames de ressonância magnética (RM) de joelhos de 250 mulheres e 250
homens.
O critério de inclusão foi pacientes de ambos os sexos esqueleticamente maduros.
Os critérios de exclusão foram exames com deformidade morfológica óssea do joelho
(osteófitos), exames com dispositivos médicos implantáveis e evidência de fratura
articular prévia.
Os pacientes elegíveis foram identificados no banco de imagens de RM da instituição
disponíveis em sua plataforma e no software Clinical Collaboration Platform (Carestream
Health). No caso de pacientes com exames bilaterais, foi incluído para análise apenas
o joelho direito.
As mensurações das DEM e DEL da linha articular femoral foram avaliadas em cortes
coronais em sequência T2 e a distância do EBC foi mensurada em cortes axiais em sequência
T2 de RMs no próprio software e mensuradas em milímetros (mm):
Distância do EBC: a 15mm anterior à linha articular posterior à distância do eixo
bicortical mediolateral femoral foi avaliada no nível do aparecimento dos dois epicôndilos
femorais no corte axial de RM ([Fig. 1.1 ]).
DEM femoral: distância do ponto mais proximal e proeminente da crista do epicôndilo
medial clínico até o ponto articular distal do côndilo femoral medial observado no
corte coronal de RM ([Fig. 1.2 ]).
DEL femoral: distância do ponto mais proximal e proeminente do epicôndilo lateral
da crista epicondilar até o ponto articular distal do côndilo femoral lateral observado
no corte coronal de RM ([Fig. 1.3 ]).
Fig. 1 A Fig. 1.1 expressa a mensuração da distância do eixo bicortical condilar; a Fig.
1.2 demonstra a distância epicondilar medial à linha articular e a Fig.1.3 demonstra
a distância epicondilar lateral à linha articular.
Todas as mensurações foram realizadas por um único cirurgião de joelho duas vezes
e em dias diferentes. Foram computadas somente as mensurações que apresentaram variação < 10%
na análise intraobservador.
As avaliações epidemiológicas como idade, sexo e distâncias morfológicas ósseas obtidas
foram submetidas a análise estatística de média e desvio padrão (DP).
A metodologia de amostra e os cálculos das amostras foram determinados para um intervalo
de confiança (IC) de 95%.
Para cada um dos 500 pares de valores da DEL versus EBC e DEM versus EBC, foram calculadas razões para o sexo masculino e feminino separadamente:
Resultados
A média etária dos pacientes analisados foi de 50,91 ± 14,76 anos. A média de idade
para o sexo masculino foi de 48,82 ± 15,43 anos e 53,01 ± 13,73 anos para o sexo feminino.
A média de distância do EBC foi 72,11 ± 5,93mm, sendo 76,21 ± 4,83mm para os homens
e 68,00 ± 3,64mm e para as mulheres. As DEM e DEL médias foram 33,39 ± 3,50mm e 26,32 ± 4,08mm,
sendo para o sexo masculino de 35,20 ± 3,15mm e 27,11 ± 4,60mm e para o sexo feminino
31,58 ± 2,86mm e 25,53 ± 3,25mm ([Tabela 1 ]).
Tabela 1
Dados epidemiológicos e antropomorfológicos dos joelhos com pacientes, idade, eixo
bicortical condilar, distância epicôndilo medial à linha articular, e distância epicôndilo
lateral à linha articular
Total (média ± DP)
Masculino (média ± DP)
Feminino (média ± DP)
Pacientes
500
250
250
Idade (anos)
50,91 ± 14,76
48,82 ± 15,43
53,01 ± 13,73
EBC (mm)
72,11 ± 5,93
76,21 ± 4,83
68,00 ± 3,64
DEM (mm)
33,39 ± 3,50
35,20 ± 3,15
31,58 ± 2,86
DEL (mm)
26,32 ± 4,08
27,11 ± 4,60
25,53 ± 3,25
Abreviações : DEL, distância epicôndilo lateral à linha articular; DEM, distância epicôndilo medial
à linha articular; DP, desvio padrão; EBC, eixo bicortical condilar.
A razão obtida no sexo feminino para o epicôndilo lateral foi de IC95% = 0,3720–0,3815
com margem de erro de ± 0,0048; já a razão obtida para o epicôndilo medial foi de
IC95% = 0,4599–0,4707, com margem de erro de ± 0,0054. A razão obtida no sexo masculino
para o epicôndilo lateral foi de IC95% = 0,3559–0,3671, com margem de erro de ± 0,0056,
e para o epicôndilo medial foi de IC95% = 0,4568–0,4668, com margem de erro de ± 0,0050.
Neste cenário, há evidências de que a verdadeira razão entre o epicôndilo lateral
ou medial e a distância EBC está, com 95% de confiança, nos intervalos supracitados.
Desta forma, foram estabelecidas as seguintes fórmulas para o determinar a linha articular
em relação aos EBC, DEM e DEL:
Discussão
A relação das referências anatômicas epicondilares e distância biepicondilar do joelho
como potencial de serem utilizadas na parametrização e determinação do posicionamento
da linha articular femoral se apresentou satisfatória em joelhos da população brasileira
com razões métricas adequadas em ambos os sexos.
Em procedimentos de ATJ de revisão, a manutenção da altura articular é uma condição
fundamental para preservação da funcionalidade biomecânica do joelho no pós-operatório,
de forma a garantir, com êxito, uma boa mobilidade e estabilidade articular do paciente.
No entanto, as dificuldades técnicas para determinar esta referência anatômica é relevante
devido às perdas ósseas. Quando o posicionamento da linha articular é sacrificado
cirurgicamente, há um maior risco de comprometimento biomecânico articular e este
fato está associado a desgaste, sobrecarga e instabilidade patelar seja por frouxidão
ligamentar ou tensão excessiva,[8 ]
[9 ]
[10 ] sendo que a modificação de posicionamento da LA em 8mm está associada a alterações
funcionais significativas e com piores desfechos clínicos de seguimento pós-operatório.[11 ]
[12 ]
Neste sentido, foram descritos estudos que se propuseram a investigar a relação entre
a linha articular e estruturas anatômicas como referência, a fim de estabelecer parâmetros
intraoperatórios para se identificar a LA com os epicôndilos laterais e mediais, estruturas
destacadas e fundamentais para tal propósito, demonstrando uma boa e precisa relação
entre tais marcações anatômicas para esta finalidade.[3 ]
[4 ] Contudo, não identificamos estudos na literatura que buscaram estabelecer estes
parâmetros específicos para a população brasileira.
Ressalta-se que diversas populações mundiais, como caucasianos, estado-unidenses,
asiáticos e europeus têm apresentado resultados variáveis para os aspectos morfológicos
dos joelhos, demonstrando que as características anatômicas podem divergir em algum
grau das relações anatômicas de diversas populações étnicas,[6 ]
[13 ]
[14 ]
[15 ]
[16 ] e por estes achados é fundamental que populações miscigenadas, como a brasileira,
tenha seus parâmetros articulares analisados para aumentar a confiança dos dados morfológicos
articulares. A importância da realização de estudos em populações específicas se pauta
na diversidade étnica mundial e em suas potenciais influências em características
anatômicas populacionais. Desta forma, o presente estudo atribui aos cirurgiões brasileiros
uma alternativa de aprimoramento de posicionamento do componente femoral, principalmente
nas ATJ de revisão, a fim de contribuir com mais um potencial parâmetro de acurácia
para se estimar a LA.
No presente estudo, optou-se por avaliar a relação do posicionamento da LA baseado
em parâmetros anatômicos evidentes – epicôndilos durante uma ATJ de revisão em imagens
de RM devido à maior facilidade para a identificação anatômica destes e mensurações
das distâncias epicondilares se comparado a radiografias simples. A distância bicondilar
é facilmente observada durante a cirurgia, ainda que os pontos proeminentes dos epicôndilos
possam proporcionar alguma dificuldade de identificação acurada, ainda assim possível
de se mapear intraoperatoriamente.
Os resultados encontrados demonstraram que é possível aplicar um multiplicador constante
às distâncias EBC durante a cirurgia de ATJ com perdas ósseas a fim de se estimar,
através dos epicôndilos mediais e ou laterais, o posicionamento da LA com IC95%, agregando
maior acurácia e segurança ao cirurgião quando analisada a população brasileira. Observou-se
que, em média, a DEM se apresentou mais proximal à DEL em 27% para o sexo masculino
e em 23% para o sexo feminino. A existência de dois parâmetros de estimativa da LA
baseado nos epicôndilos pode aumentar a acurácia cirúrgica para esta determinação,
já que, a depender das características anatômicas de cada paciente e das dificuldades
de acesso articular imputada pelas vias de acesso cirúrgicas, é possível que um determinado
epicôndilo seja mais factível para identificação do que o outro.
A obtenção da posição da LA a partir do epicôndilo medial é um fato bem estudado e
sedimentado na literatura vigente e sugere distâncias fixas entre 23mm e 35mm, dependendo
das relações biotípicas dos pacientes.[3 ]
[4 ]
[17 ] Outros autores avaliaram o posicionamento da LA a partir da cabeça da fíbula e encontraram
relação de 4mm a 22mm, sendo demonstrado que o parâmetro de menor variabilidade é
a referência epicondilar quando comparada à cabeça da fíbula para a mesma finalidade.[3 ]
[4 ]
[18 ]
[19 ] Rajagopal et al.[8 ] estudaram a relação de proporcionalidade entre a distância interepicondilar e os
epicôndilos até a superfície articular, que se demonstrou constante na população inglesa,
concluindo que esta medida pode ser usada para prever a posição da altura da linha
articular.
Os resultados do presente estudo possuem limitações e devem ser analisados com senso
crítico pelo leitor. Não foram analisados os perfis biométricos de altura e peso dos
pacientes a fim de compreender se as divergências anatômicas da população podem estar
relacionadas a outras características biotípicas. Não foram analisados os perfis de
miscigenação das amostras para determinar se os grupos estudados poderiam ter vieses
de raça ou cor. Os cortes ósseos parametrizados no estudo radiológico podem não corresponder
aos realizados por um cirurgião a depender das condições cirúrgicas, tais como hipoplasias
ou defeitos ósseos, fato que poderia agregar viés de transposição dos resultados encontrados
para estes casos.
Conclusão
A distância do eixo bicortical condilar femoral pode ser usado como referência para
a determinação do posicionamento da LA a partir das distâncias dos epicôndilos femorais
medial e lateral.
Bibliographical Record Leonardo Augusto Melo de Andrade, Márcio de Castro Ferreira, Carlos Eduardo da Siveira
Franciozi, Enzo Salviato Mameri, Marcelo Seiji Kubota, Marcus Vinícius Malheiros Luzo.
Determinação do posicionamento da linha articular do joelho por meio das distâncias
bicondilar femoral e epicondilar na população brasileira. Rev Bras Ortop (Sao Paulo)
2025; 60: s00451811629. DOI: 10.1055/s-0045-1811629