Palavras-chave
análise de elementos finitos - deformidades congênitas do pé - hallux valgus - procedimentos
cirúrgicos minimamente invasivos
Keywords
finite element analysis - foot deformities, congenital - hallux valgus - minimally
invasive surgical procedures
Introdução
O termo hallux valgus (HV) refere-se a uma deformidade tridimensional (3D) complexa,
composta pelo desvio medial do primeiro metatarso e desvio lateral do hálux. Embora
sua etiologia seja multifatorial e ainda não compreendida por completo, essa doença
é muito comum na população, especialmente em mulheres.[1] Essas deformidades no primeiro raio podem provocar diversas alterações na biomecânica
da marcha e causar sobrecarga mecânica no antepé, dependendo da gravidade do HV.[2]
[3]
O tratamento definitivo do HV é cirúrgico. Entretanto, há diversas técnicas descritas
na literatura. Nos últimos tempos, as técnicas minimamente invasivas vêm ganhando
popularidade devido ao seu potencial de correção de deformidades, baixa morbidade,
recuperação mais rápida e menor custo.[1]
Vários estudos destacaram os resultados da técnica de terceira geração, denominada
osteotomia minimamente invasiva de Chevron e Akin (MICA, do inglês minimally-invasive Chevron-Akin) para correção do HV.[4] Sabe-se que uma das possíveis complicações após a cirurgia de HV é a metatarsalgia
de transferência, causada principalmente pelo encurtamento excessivo e insuficiência
do primeiro metatarso.[5]
[6] Outra preocupação é a escolha do tipo de fixação do primeiro metatarso e sua influência
biomecânica no pé. Embora a fixação MICA clássica utilize dois parafusos (um bicortical
proximal e um intramedular distal), alguns autores descrevem modificações utilizando
apenas um parafuso.[7]
[8] Entretanto, poucos estudos investigaram a carga no antepé após a correção do HV
usando essa técnica.[9]
[10]
O modelo dos elementos finitos (MEF) tem sido utilizado para avaliação da biomecânica
do pé e do tornozelo em diversas situações. Por meio de predefinições validadas,[11] é possível simular doenças ou procedimentos cirúrgicos e, assim, avaliar os resultados
biomecânicos de forma eficaz.[12] Um estudo anterior[13] com análise por MEF demonstrou que, após a osteotomia em Chevron do primeiro metatarso,
o primeiro raio recebeu menos pressão com desvios de 2 a 4 mm e maior pressão com
desvios de 6 mm. Enquanto isso, o segundo raio recebeu menos pressão em todos os graus
de translação e os demais metatarsos receberam maior pressão, independentemente do
grau de translação do primeiro metatarso. Apesar de avaliar diferentes graus de translação
da osteotomia, este estudo não analisou o comportamento do primeiro metatarso em diferentes
técnicas de fixação.[13]
O objetivo deste estudo foi analisar as consequências biomecânicas nos metatarsos
menores após cirurgia de MICA para correção de HV, com diferentes técnicas de fixação
da osteotomia, por meio do MEF.
Métodos
Características Dimensionais e Técnica de Inserção de Parafusos
Os implantes foram aplicados como indicado pelo fabricante (Novastep), de acordo com
suas características dimensionais. A osteotomia MICA foi realizada na base da abertura
da metáfise distal/colo do primeiro metatarso, de acordo com a técnica original descrita
por Redfern e Vernois.[14] A cabeça do primeiro metatarso foi transladada lateralmente em 75%, com obtenção
de ângulo de HV (HVA) de 5° e ângulo intermetatarsal (IMA) de 4° ([Fig. 1]).
Fig. 1 Representação gráfica do modelo simulado pré- e pós-operatório para análise de elementos
finitos. Fonte: Lewis et al.[10]
Cinco grupos foram categorizados com base na técnica utilizada para a fixação da osteotomia
MICA. No grupo 1, denominado MICA, a fixação da osteotomia utilizou dois parafusos,
um bicortical e um monocortical (intramedular); no grupo 2, dois parafusos intramedulares;
no grupo 3, dois parafusos bicorticais; no grupo 4, apenas um parafuso intramedular;
e no grupo 5, apenas um parafuso bicortical ([Fig. 2]).
Fig. 2 Configuração de fixação do parafuso testada pelo modelo de análise de elementos finitos:
grupo 1, um parafuso bicortical e um parafuso intramedular (MICA); grupo 2, dois parafusos
intramedulares; grupo 3, dois parafusos bicorticais; grupo 4, um parafuso intramedular;
e grupo 5, um parafuso cortical. Fonte: Lewis et al.[10]
Preparação Biocad
O programa Rhinoceros 6 (Robert McNeel & Associates) criou os modelos virtuais tridimensionais
de cada sistema (osso e parafusos). A análise de elementos finitos foi realizada com
o programa SimLab (HyperWorks), aplicando o solucionador Optistruct (Altair Engineering
Inc.). Imagens de tomografia computadorizada (TC) foram obtidas do pé esquerdo de
uma mulher de 46 anos, com deformidade moderada do HV (HVA: 30°; e IMA: 14°), sem
outras deformidades. As imagens bidimensionais de TC foram usadas para a reconstrução
3D da estrutura anatômica da geometria da superfície do pé pelos programas InVesalius
(Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer) e STereo Lithography (STL, 3D Systems
Inc.). O tomógrafo utilizado foi o Emotion (16 canais, Siemens Healthineers) com intervalo
de corte de 2 mm. O estudo seguiu as diretrizes de “Considerations for Reporting Finite
Element Analysis Studies in Biomechanics”.[15]
Simulação
O MEF foi usado para simular a carga sobre os metatarsos após a fixação MICA com cinco
técnicas diferentes. Primeiro, os arquivos foram importados para o software SimLab
e cada parte dos modelos digitais foi identificada, garantindo a manutenção do tamanho
do elemento para evitar quaisquer problemas de contato entre as diferentes partes
durante as simulações.
A discretização do domínio geométrico foi realizada usando elementos tetraédricos
de segunda ordem com comprimento médio de borda de 3 mm nos ossos corticais e trabeculares,
0,5 mm na área, 2 mm nos ligamentos e refinamento nas regiões de contato com tamanho
médio de borda de 0,8 mm. Todos os tecidos foram definidos como homogêneos, isotrópicos
e linearmente elásticos. Um elemento tetraédrico foi adotado para formar as malhas.
As propriedades dos materiais usados para as simulações foram o módulo de Young e
o coeficiente de Poisson, seguindo um estudo anterior.[1] Uma análise padrão de sensibilidade da malha foi realizada para assegurar que a
densidade usada no MEF fosse suficiente para atingir resultados numéricos convergentes,
sem necessidade de maior refinamento.
Condições de Contorno e Carga
Considerando as condições fisiológicas, com o antepé e o retropé fixos, uma força
de reação do solo (FRS) vertical foi aplicada ao mediopé. Não houve aplicação de carga
nos eixos X e Y. A força vertical ascendente do tendão calcâneo também foi criada
com metade do valor da FRS. Todos os modelos foram testados em duas condições fisiológicas
diferentes (150 e 300 N). O MEF foi aplicado para medir a tensão máxima em cada um
dos metatarsos menores.
Resultados
Observou-se que, quando submetidos à carga fisiológica, os diferentes métodos de fixação
da osteotomia do primeiro metatarso apresentaram tensões principais máximas (forças
de tração) diferentes nos metatarsos menores. O grupo 1 apresentou os menores valores,
entre cerca de 30 e 70 MPa. Os maiores valores foram observados no segundo e no quarto
metatarsos dos grupos 2, 3 e, principalmente, do grupo 5, cujos valores foram de aproximadamente
150 MPa no segundo metatarso e 230 MPa no quarto. No grupo 4, o segundo e o quarto
metatarsos apresentaram tensões máximas de cerca de 70 e 115 MPa, respectivamente
([Fig. 3]).
Fig. 3 Tensão principal máxima em carga fisiológica (150 N) em 5 diferentes técnicas de
fixação.
Quando os MEFs foram submetidos à carga suprafisiológica, observou-se que a tensão
máxima foi maior nos metatarsos menores, principalmente no segundo e no quarto metatarsos.
Os grupos 3 e 5 apresentaram valores de cerca de 600 MPa no segundo e no quarto metatarsos.
Nos grupos 2 e 4, o segundo e o quarto metatarsos apresentaram tensão máxima de cerca
de 300 e 600 MPa, respectivamente. No grupo 1 (MICA), os metatarsos menores apresentaram
os menores valores de tensão máxima, variando entre cerca de 50 e 350 MPa ([Fig. 4]).
Fig. 4 Tensão principal máxima em carga suprafisiológica (300 N) em 5 diferentes técnicas
de fixação.
Por fim, observou-se que, tanto com cargas fisiológicas quanto suprafisiológicas,
a diáfise foi a região dos metatarsos menores que recebeu a maior concentração de
cargas, independentemente da técnica utilizada para fixação da osteotomia do primeiro
metatarso.
Discussão
Neste estudo, avaliamos, por meio do MEF, a carga sobre os metatarsos após a cirurgia
MICA para correção de HV com diferentes técnicas de fixação da osteotomia. Os principais
achados foram os menores valores apresentados nos metatarsos menores do grupo 1 sob
cargas fisiológicas e suprafisiológicas. Além disso, com ambas as cargas, todas as
outras técnicas de fixação apresentaram os maiores valores no segundo e no quarto
metatarsos, em especial nos grupos 3 e 5. Esses resultados confirmam a relevância
do uso de um parafuso intramedular, em conjunto com um bicortical, o que pode evitar
a sobrecarga sobre o metatarso menor.
A osteotomia MICA é uma técnica utilizada para correção da HV que tem resultados promissores,
com bons desfechos radiológicos e clínicos.[4] Um estudo prospectivo[9] com 31 pés de 25 pacientes com HV moderada e grave sem metatarsalgia, usou pedografia
para avaliar as transferências de carga para os metatarsos menores após a correção
cirúrgica de HV, com a técnica minimamente invasiva de quarta geração. O estudo demonstrou
uma redução nas cargas sobre o primeiro raio, com uma diminuição na carga sobre o
metatarso central, 3 meses após a cirurgia. Os autores concluíram que a técnica pode
não prevenir ou corrigir a metatarsalgia. Por outro lado, em nosso estudo, a técnica
MICA para correção de HV apresentou altas cargas nos metatarsos menores, especialmente
no segundo e quarto.
Estudos anteriores investigaram a fixação do primeiro metatarso após osteotomia MICA
com apenas um parafuso bicortical, demonstrando bons resultados clínicos e radiológicos.[7]
[8] No entanto, nenhum desses estudos analisou a transferência de carga para os metatarsos
menores no período pós-operatório. Em nosso estudo, o uso de um ou dois parafusos
intramedulares (grupos 2 e 4) ou bicorticais (grupos 3 e 5) gerou resultados semelhantes,
com cargas maiores no segundo e quarto metatarsos. Tais transferências de carga para
os metatarsos menores não foram observadas na técnica MICA, que apresentou os melhores
resultados biomecânicos. Isso sugere que a adição de um segundo parafuso na mesma
posição (ou seja, intramedular ou bicortical) não é vantajosa em relação à transferência
de carga para os metatarsos menores. Portanto, o uso de dois parafusos com posicionamentos
diferentes é ideal, conforme a técnica MICA.
Diversas complicações foram descritas após a osteotomia do primeiro metatarso para
correção da deformidade em HV. Uma delas é a metatarsalgia de transferência, com ocorrência
estimada de 5,4% em cirurgias percutâneas.[16] Uma de suas prováveis causas seria a insuficiência do primeiro raio, seja por encurtamento
excessivo ou fixação em posição de dorsiflexão.[5]
[6]
[17] Em nosso estudo, após a construção da osteotomia por MEF, não houve desvio no plano
sagital ou encurtamento. Esse fato poderia explicar o aumento da tensão nos metatarsos
menores. Além disso, curiosamente, em todos os tipos de fixação, as cargas se concentraram
mais na diáfise do metatarso menor, o que pode ocasionar metatarsalgia de transferência,
fratura por estresse ou deformidades nos dedos (dedos em garra). Portanto, os cirurgiões
devem estar atentos ao encurtamento excessivo e aos desvios da cabeça do primeiro
metatarso no plano sagital, evitando possíveis sobrecargas sobre os metatarsos.
Nosso estudo tem diversas limitações, em sua maioria relacionadas à análise por MEF.
Primeiro, nem todos os leitores estão familiarizados com esta ferramenta de análise.
Também consideramos a anatomia de um único pé, com translação de apenas 75% da cabeça
do primeiro metatarso e um tipo de modelo de carga. Além disso, para fins de modelagem,
considerou-se que as propriedades mecânicas dos materiais, incluindo osso cortical,
osso trabecular, ligamentos e sínteses, eram elásticas lineares contínuas, isotrópicas
e uniformes.
A precisão dos resultados do MEF depende dos parâmetros inseridos e das suposições
feitas durante o desenvolvimento do modelo. Logo, propriedades imprecisas do material
podem levar a resultados divergentes. Simplificações na modelagem, como assumir o
comportamento linear do material ou a anatomia limitada, podem afetar a precisão das
previsões. Também é importante destacar que uma simulação dinâmica pode originar resultados
diferentes, diferentemente da simulação estática realizada neste estudo. É impossível
considerar a variabilidade interindividual e outros mecanismos compensatórios in vivo.
Este modelo também não considerou diferentes configurações de osteotomia ou desvios
percentuais da cabeça do metatarso. Portanto, os resultados aqui apresentados podem
diferir daqueles obtidos em estudos in vivo. Porém, como nosso objetivo era avaliar
apenas os métodos de fixação, tentamos recriar um teste removendo as variações encontradas
em estudos em humanos ou cadáveres.
Conclusão
No presente estudo, a análise por MEF mostrou que, após a osteotomia MICA para correção
de HV, há um aumento nas forças de tensão nos metatarsos menores, especialmente no
segundo e quarto. A técnica de fixação do primeiro metatarso com um parafuso bicortical
e um intramedular apresentou os menores valores de cargas nos metatarsos menores.
Além disso, sob cargas fisiológicas e suprafisiológicas, independentemente da técnica,
as forças concentraram-se mais na diáfise do metatarso.
Bibliographical Record
Henrique Mansur, Bruno Abdo, Gabriel Ferraz Ferreira, Miguel Viana Pereira Filho,
Roberto Zambelli, Gustavo Araújo Nunes. Carga sobre os metatarsos menores após cirurgia
minimamente invasiva para correção de hallux valgus: Um modelo de elementos finitos.
Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2025; 60: s00451813000.
DOI: 10.1055/s-0045-1813000