Palavras-chave
lesões do ligamento cruzado anterior - lesões do joelho - menisco - ruptura
Keywords
anterior cruciate ligament injuries - knee injuries - meniscus - rupture
Introdução
O ligamento cruzado anterior (LCA) é fundamental para a estabilização da articulação
do joelho, impedindo o deslocamento anterior excessivo para frente e a rotação interna
da tíbia. Uma ruptura parcial ou completa do LCA constitui uma lesão substancial no
joelho. Sua taxa de incidência anual na população geral varia de 30 a 80 casos por
100.000 pessoas-ano. Essa lesão é notavelmente prevalente entre indivíduos mais jovens,
com cerca de 70% dos casos sendo decorrentes de traumas relacionados à prática de
esportes.[1]
[2]
O diagnóstico precoce de lesões do LCA é crucial para escolha do esquema terapêutico
adequado e otimização dos desfechos.[3] O padrão-ouro para essa condição é a imagem artroscópica direta, mas os achados
da ressonância magnética (RM) também são considerados um padrão de referência, com
sensibilidade e especificidade entre 94 e 98%.[4] No entanto, nem todas as unidades de saúde em países menos desenvolvidos têm acesso
aos equipamentos diagnósticos necessários. Assim, o exame clínico para a detecção
de lesões do LCA continua sendo bastante valioso.
Os três métodos clínicos mais aceitos para o diagnóstico de rupturas do LCA são o
gaveta anterior, Lachman e pivot-shift. Em 2014, o médico italiano Allesandro Lelli publicou um trabalho sobre o teste do
sinal de alavanca (também conhecido como teste de Lelli), realizado em 400 pacientes.
Em comparação à RM, os resultados preliminares mostraram uma sensibilidade de quase
100% no diagnóstico de rupturas parciais ou completas do LCA, tanto agudas quanto
crônicas. Este é um método clinicamente viável que não depende da gravidade da lesão.[3]
Em 2020, o cirurgião ortopédico alemão Fabian Blanke introduziu um novo método clínico
para o diagnóstico de rupturas do LCA em fase subaguda, denominado sinal de flambagem
ativa forçada (FAB, do inglês forced active buckling). Acredita-se que este exame tenha maior sensibilidade e especificidade do que os
testes de Lachman e pivot-shift.[5] Para aprimorar o arsenal diagnóstico de rupturas do LCA na prática clínica, a presente
pesquisa foi conduzida para investigar o valor de diversos exames clínicos para a
detecção de lesões do LCA.
Materiais e Métodos
Participantes
Este estudo transversal foi realizado em 165 pacientes com lesão no joelho e indicação
para artroscopia no Hospital Danang entre janeiro de 2022 e dezembro de 2022. Os critérios
de inclusão foram: indivíduos com (1) idade igual ou superior a 14 anos, (2) histórico
de lesão no joelho e (3) cirurgia artroscópica unilateral agendada. Foram excluídos
do estudo aqueles com histórico de cirurgia no joelho, infecção no joelho, doenças
bilaterais do joelho ou fraturas adjacentes ao joelho.
Todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. O estudo
foi conduzido de acordo com a Declaração de Helsinque e aprovado pelo comitê de ética
sob o número HDYD2021/45, em 15 de dezembro de 2021.
Delineamento Experimental
Os pacientes foram selecionados para o estudo com base nos critérios da agenda cirúrgica
diária. Foram registradas informações gerais, como idade, sexo, lesão no joelho, causa
da lesão, estágios da lesão (agudo < 3 semanas; subagudo 3–12 semanas; crônico, ≥
12 semanas). Em seguida, os exames clínicos pré-operatórios foram avaliados por um
único cirurgião ortopédico (sem conhecimento do diagnóstico do paciente).
As artroscopias de joelho foram realizadas por nosso cirurgião sênior, especializado
em cirurgia do joelho, que desconhecia os resultados dos exames físicos. Os resultados
intraoperatórios (presença ou ausência de ruptura do LCA) foram documentados. A seguir,
os resultados dos exames clínicos foram comparados ao padrão-ouro para determinar
o valor dos testes clínicos.
Exames Físicos
Os testes de gaveta anterior, Lachman e pivot-shift foram conduzidos como descrito na literatura.[2]
Para realização do teste do sinal de alavanca (ou teste de Lelli), o paciente ficou
deitado em decúbito dorsal sobre uma superfície rígida com o joelho totalmente estendido.
O examinador colocou uma mão sob o terço inferior da panturrilha e exerceu uma força
moderada para baixo sobre o terço inferior do quadríceps com a outra mão. O teste
é positivo quando o calcanhar não se levanta da mesa de exame. Esse resultado sugere
uma ruptura do LCA, pois a tíbia não consegue se alavancar para frente com a força
aplicada no fêmur. Por outro lado, o teste é negativo quando o calcanhar se levanta
da mesa.[6]
No sinal de FAB (para exame do membro inferior esquerdo), o paciente foi colocado
em decúbito dorsal. O examinador se posicionou ao lado esquerdo do paciente e flexionou
o quadril esquerdo até que o joelho estivesse em cerca de 20 a 30° de flexão. Com
a mão esquerda, o examinador segurou o tornozelo do paciente e aplicou uma rotação
interna à perna, enquanto mantinha a mão direita sobre o joelho, exercendo uma leve
força de rotação externa. O paciente era, então, instruído a estender ativamente o
joelho. O teste é positivo se houver subluxação tibial anterior, o que indica ruptura
do LCA. O teste é negativo caso o paciente consiga estender o joelho por completo,
sem subluxação tibial.[5]
Análise Estatística
A análise estatística foi realizada pelo IBM SPSS Statistics for Windows (IBM Corp.),
versão 20.0. A sensibilidade, a especificidade, o valor preditivo positivo (VPP),
o valor preditivo negativo (VPN) e a acurácia foram utilizados para descrever o desempenho
diagnóstico.
Resultados
A idade média dos 165 pacientes foi de 37,3 ± 12,4 anos (17–65 anos). No total, 107
pacientes eram do sexo masculino e 58 do feminino. As lesões acometeram 90 joelhos
esquerdos e 75 joelhos direitos. As principais causas de lesão foram acidentes de
trânsito (41,3%) e lesões relacionadas à prática de esportes (44,2%), como apresentado
na [Tabela 1].
Tabela 1
Dados demográficos e epidemiológicos basais
|
Variáveis
|
Número (%)
|
|
Idade, anos (média ± DP)
|
37,3 ± 12,4 [17;65]
|
|
Sexo (masculino/feminino)
|
107 (64,5) / 58 (35,2)
|
|
Lado (esquerdo/direito)
|
90 (54,5) / 75 (45,5)
|
|
Causas da lesão
|
|
|
Acidentes de trânsito
|
68 (41,3)
|
|
Lesões relacionadas à prática de esportes
|
73 (44,2)
|
|
Acidentes pessoais
|
18 (10,9)
|
|
Acidentes de trabalho
|
6 (3,6)
|
|
Estágios da lesão
|
|
|
Agudo
|
54 (32,7)
|
|
Subagudo
|
61 (37,0)
|
|
Crônico
|
50 (30,3)
|
|
Diagnóstico artroscópico (presença/ausência de lesão LCA)
|
129 (78,2) / 36 (21,8)
|
Abreviações: LCA, ligamento cruzado anterior; DP, desvio padrão.
Os testes clínicos com alta sensibilidade no diagnóstico de rupturas do LCA foram
o sinal da alavanca (93,8%), Lachman (87,6%) e o sinal de FAB (81,4%). Os com especificidade
mais alta foram o sinal de FAB (97,2%), o sinal da alavanca (94,4%) e o pivot-shift (94,4%). Todos os 5 testes clínicos têm alto valor preditivo positivo, superior a
90% ([Tabela 2]).
Tabela 2
Valores diagnósticos dos cinco testes para detecção de rupturas do LCA
|
Itens
|
GA
|
TL
|
TPS
|
TSA
|
FAB
|
|
Verdadeiro-positivo, n
|
100
|
113
|
85
|
121
|
105
|
|
Verdadeiro-negativo, n
|
31
|
32
|
34
|
34
|
35
|
|
Falso-positivo, n
|
5
|
4
|
2
|
2
|
1
|
|
Falso-negativo, n
|
29
|
16
|
44
|
8
|
24
|
|
Sensibilidade, %
|
77,5
|
87,6
|
65,9
|
93,8
|
81,4
|
|
Especificidade, %
|
86,1
|
88,9
|
94,4
|
94,4
|
97,2
|
|
Acurácia, %
|
79,4
|
87,9
|
72,1
|
93,9
|
84,8
|
|
VPP, %
|
95,2
|
96,6
|
97,7
|
98,4
|
99,1
|
|
VPN, %
|
51,7
|
66,7
|
43,6
|
81,0
|
59,3
|
Abreviações: FAB, sinal de flambagem ativa forçada (do inglês, forced active buckling); GA, teste da gaveta anterior; LCA, ligamento cruzado anterior; TL, teste de Lachman;
TPS, teste de pivot-shift; TSA, teste do sinal de alavanca; VPP, valor preditivo positivo; VPN, valor preditivo
negativo.
Discussão
O LCA é uma estrutura crucial para a manutenção da estabilidade da articulação do
joelho, tornando essencial o diagnóstico para o tratamento eficaz e a prevenção de
outras lesões nesta articulação. Tradicionalmente, o diagnóstico clínico de rupturas
do LCA baseia-se em três testes: gaveta anterior, Lachman e pivot-shift.
O teste da gaveta anterior é historicamente o método mais popular e utilizado. No
entanto, não apresenta a sensibilidade necessária para diagnóstico de rupturas agudas
do LCA em comparação a lesões crônicas. O teste de Lachman é considerado o método
mais preciso e confiável para o diagnóstico de rupturas do LCA, enquanto o pivot-shift é o mais específico, porém menos sensível, dos três.[7]
[8]
Em nosso estudo, observamos que a sensibilidade e a especificidade do teste da gaveta
anterior foram de 77,5% e 86,1%, do Lachman 87,6% e 88,9% e do pivot-shift 65,9% e 94,4%. Na recente meta-análise de Huang et al.,[9] a sensibilidade e a especificidade do teste da gaveta anterior foram de 64% e 87%,
do Lachman de 76% e 89%, e do pivot-shift de 59% e 97%, respectivamente. Sokal et al.[10] constataram que a sensibilidade e a especificidade do teste da gaveta anterior foram
de 83 e 85%, do Lachman de 81% e 85%, e do pivot-shift de 55% e 94%, respectivamente.
Nossos resultados são compatíveis aos relatados na literatura. Todos esses estudos
indicaram que a acurácia dos testes clássicos é influenciada por vários fatores, como
aumento de volume, inflamação articular reativa e proteção muscular devido à dor.[11] Além disso, a mão pequena do examinador ou o pé grande do paciente pode dificultar
a realização desses testes e levar a resultados imprecisos.[12]
Em nosso estudo, introduzimos dois testes clínicos recentemente desenvolvidos, o sinal
de alavanca e o sinal de FAB, que apresentam diversas vantagens. Sua simplicidade,
facilidade de administração e independência da experiência do examinador os tornam
particularmente valiosos em cenários clínicos desafiadores. Os resultados mostraram
que o sinal de FAB apresenta alta especificidade diagnóstica, de 97,2%, semelhante
a do sinal de alavanca (94,4%) e do pivot-shift (94,4%). Por outro lado, o sinal de FAB apresenta sensibilidade superior, de 81,4%,
comparado ao pivot-shift, de 65,9%.
Tanto o sinal de FAB quanto o teste de pivot-shift compartilham um mecanismo comum para a detecção de lesões do LCA, que é a subluxação
da tíbia em relação ao côndilo femoral. O sinal de FAB, porém, é menos doloroso para
o paciente pivot-shift, o que pode facilitar a obtenção de uma resposta positiva durante o exame. O sinal
de FAB, desenvolvido por Blanke et al.,[5] relatou sensibilidade e especificidade de 78 e 95%. As diferenças entre estes resultados
e os nossos achados podem ser atribuídas ao estudo original incluir somente pacientes
com lesões após 6 semanas ou mais,[5] enquanto não tivemos limitação de tempo dentre os pacientes selecionados.
O sinal da alavanca é o teste com maior sensibilidade e especificidade (93,8% e 94,4%,
respectivamente). Os autores do teste do sinal da alavanca, Lelli et al.,[6] relataram 100% de sensibilidade. No entanto, Kulwin et al.[13] mostraram que a sensibilidade e a especificidade do sinal da alavanca foram bastante
baixas, de 44,4% e 88,3%, respectivamente, em comparação à RM.
Em meta-análises, o sinal da alavanca apresentou resultados relativamente favoráveis.
Huang et al.[9] relataram uma sensibilidade de 79% e especificidade de 92%, enquanto no estudo de
Sokal et al.[10] os valores foram 83% e 91%, respectivamente.
Na prática clínica, descobrimos que os resultados dos testes são influenciados pela
mesa de exame. Caso o paciente seja posicionado em uma mesa acolchoada pode ocorrer
um resultado falso-negativo. Portanto, conduzimos os testes em uma mesa de exame rígida
ou colocamos uma tábua sob o pé do paciente para obter resultados mais precisos. Além
disso, a escolha do posicionamento da mão sob a panturrilha é crucial durante o exame.
Nossa experiência é examinar primeiro a perna saudável, escolher um ponto sob a panturrilha
em que a elevação do calcanhar é mais alta e, então, usá-lo como referência para exame
da perna lesionada.
Outro fator que pode afetar os resultados do sinal da alavanca é a presença de lesões
condrais. Massey et al.[14] observaram que sua precisão diminui de 89 para 74% na presença de lesão condral,
com significância estatística. Este fator pode explicar por que alguns estudos relatam
que o sinal da alavanca apresenta sensibilidade relativamente baixa.
Conclusão
Existem diversos testes de clínicos para o diagnóstico de rupturas do LCA. O método
diagnóstico ideal deve ser de fácil realização e ter alta sensibilidade e especificidade.
Neste contexto, o sinal da alavanca é um teste clínico útil para exame e diagnóstico
dessa condição. Nossos resultados demonstraram que ele não apenas é um teste prático
e simples, mas também apresenta acurácia diagnóstica superior em comparação aos métodos
tradicionais. Isso o torna uma ferramenta inestimável, em especial em ambientes onde
o acesso a técnicas avançadas de diagnóstico por imagem é limitado.
Bibliographical Record
Son Van Truong, Uyen Thi Phuong Nguyen, Long Thanh Nguyen. Valor dos exames clínicos
para o diagnóstico de rupturas do ligamento cruzado anterior: O que há de novo?. Rev
Bras Ortop (Sao Paulo) 2025; 60: s00451813006.
DOI: 10.1055/s-0045-1813006