Palavras-chave
admissão do paciente - análise de gases sanguíneos - fraturas do colo femoral - unidades
de terapia intensiva
Keywords
arterial blood gas analysis - femoral neck fractures - intensive care units - patient
admission
Introdução
O trauma é a principal causa de morte no mundo.[1] As mortes prematuras e a incapacidade decorrente do trauma impõem uma carga econômica
substancial.[2]
[3] Os locais mais frequentes de trauma incluem as extremidades (particularmente fraturas
ósseas longas), seguidos por lesões craniocerebrais, abdominopélvicas, torácicas e
da coluna vertebral.[4]
[5] As fraturas de ossos longos podem ser fatais devido à hemorragia grave.[6] O conceito da “hora de ouro”, que constitui o alicerce do suporte avançado de vida
ao trauma (advanced trauma life support, ATLS, em inglês), enfatiza o reconhecimento precoce do choque hemorrágico e a intervenção
imediata para prevenir a hipoperfusão tecidual.[7]
As fraturas diafisárias do fêmur (FDFs) estão associadas a uma taxa de mortalidade
aguda de 0,04%, mas podem levar a mortalidade e morbidade significativas se não forem
tratadas prontamente nas horas iniciais.[8] As complicações sistêmicas comumente associadas a essas fraturas incluem dessaturação
transitória (DT), choque hemorrágico, síndrome da embolia gordurosa (SEG), síndrome
do desconforto respiratório agudo (SDRA) e tromboembolismo pulmonar (TEP). Portanto,
a identificação precoce de indicadores prognósticos é fundamental para a prevenção
dessas complicações.
Atualmente, contamos com os sinais vitais tradicionais, como pressão arterial e frequência
cardíaca, para orientar o exame inicial dessas fraturas. No entanto, os sinais vitais
devem ser apenas marcadores substitutos, e não medidas diretas de fornecimento de
oxigênio. Melhores marcadores da presença e da extensão da hemorragia em curso podem
ser os produtos do metabolismo resultantes da hipoperfusão tecidual, como o déficit
de base (DB) e o nível sérico de lactato (NL).[9]
[10] Estudos mostraram que a mortalidade de pacientes com trauma pode ser prevista com
base nos níveis de déficit de base nas primeiras 24 horas.[11]
[12]
[13]
Os parâmetros da gasometria arterial (GA) foram identificados como preditores úteis
da gravidade da lesão cerebral traumática e para a identificação dos desfechos do
paciente.[14]
[15] No trauma ortopédico, apenas alguns estudos examinaram o papel prognóstico dos parâmetros
da GA, e esses foram conduzidos principalmente em pacientes com fraturas pélvicas
isoladas ou associadas a fraturas de ossos longos.[16]
[17] Até onde sabemos, nenhum estudo avaliou especificamente o papel dos parâmetros da
GA na previsão de desfechos hospitalares desfavoráveis em pacientes com FDF isolada.
Portanto, o objetivo primário deste estudo foi avaliar o papel de diversos parâmetros
da GA na previsão de desfechos desfavoráveis intra-hospitalares em pacientes com FDFs
isoladas. O objetivo secundário foi analisar a associação de fatores demográficos,
comorbidades e parâmetros da GA na população estudada.
Materiais e Métodos
Este estudo observacional retrospectivo foi realizado no Departamento de Ortopedia
de um hospital terciário entre abril de 2020 e junho de 2021.
Os critérios de inclusão foram pacientes com idade entre 18 e 70 anos, com FDF isolada,
aberta ou fechada, ou fratura subtrocantérica do fêmur (FSF, unilateral ou bilateral),
ocorrida dentro de 48 horas do trauma.
Foram excluídos casos com apresentação após 48 horas, traumatismo craniano grave (pontuação
na Escala de Coma de Glasgow < 8), sangramento intracraniano, politrauma, lesões torácicas,
parada cardíaca pré-hospitalar, estabilização prévia/oxigenoterapia em outro local
e condições preexistentes que afetam os NLs (insuficiência cardíaca, doença pulmonar
obstrutiva crônica, doença hepática, infecção por doença do coronavírus 2019 (coronavirus disease 2019, COVID-19, em inglês) ativa ou terapia antirretroviral).
Os dados coletados retrospectivamente incluíram idade, sexo, mecanismo do trauma,
tipo de fratura, tempo desde a lesão, comorbidades, admissão na Unidade de Terapia
Intensiva (UTI), necessidade de suporte ventilatório à admissão, tempo de internação
e complicações sistêmicas. Complicações sistêmicas foram definidas como a ocorrência
de sepse, lesão renal aguda, SDRA, síndrome de disfunção de múltiplos órgãos (SDMO),
trombose venosa profunda (TVP), TEP ou infarto do miocárdio durante a hospitalização.
A análise da GA foi realizada em dois tempos padronizados: à admissão (dentro de 2
horas após a chegada ao hospital) e 24 horas após a admissão usando o sistema Cobas
b 221 (Roche Diagnostics). Os parâmetros registrados incluíram pH, bicarbonato (HCO3
−), pressão parcial de dióxido de carbono (PCO2), pressão parcial de oxigênio (PO2), NL e excesso de base.
As faixas de referência foram pH: 7,35 a 7,45; HCO3
−: 22 a 26 mEq/L; PCO2: 35 a 45 mmHg; PO2: 75 a 100 mmHg; NL: 0,20 a 1,80 mmol/L; e excesso de base: −2 a +2 mmol/L. Valores
anormais foram definidos como: pH < 7,35 (acidemia) ou > 7,45 (alcalemia); PCO2 > 45 mmHg com pH < 7,35 (acidose respiratória), ou PCO2 < 35 mmHg com pH > 7,45 (alcalose respiratória); HCO3
− < 22 mEq/L com pH < 7,35 (acidose metabólica), ou HCO3
− > 26 mEq/L com pH >7,45 (alcalose metabólica); excesso de base < −2 ou > +2 mmol/L;
e NL > 1,80 mmol/L (acidose lática).
Os dados foram inseridos no software Epicollect 5 (Centre for Genomic Pathogen Surveillance)
e analisados no IBM SPSS Statistics for Windows (IBM Corp.), versão 26. A estatística
descritiva foi apresentada como média ± desvio padrão (DP) para as variáveis contínuas
e como frequências com percentuais para as variáveis categóricas. A normalidade das
variáveis contínuas foi avaliada pelos testes de Kolmogorov–Smirnov e Shapiro–Wilk,
com p > 0,05 considerada distribuição normal, corroborada por gráficos quantil-quantil
(Q–Q). As associações entre os parâmetros da GA e as variáveis demográficas ou clínicas
foram avaliadas pelo teste do Qui-quadrado. A regressão logística multivariada foi
realizada para identificar preditores independentes de complicações sistêmicas, considerando
anormalidades da GA, o mecanismo do trauma e as comorbidades do paciente. Valores
de p < 0,05 foram considerados estatisticamente significativos.
O cálculo do tamanho da amostra baseou-se em uma incidência presumida de 25% de complicações
sistêmicas entre pacientes com fratura de fêmur. Para detectar uma diferença significativa
com poder de 80% e nível de confiança de 95%, foi necessário um mínimo de 120 registros
de pacientes. A aprovação do Comitê de Ética Institucional foi obtida antes do início
do estudo, com o número de referência: CSP-MED/21/NOV/72/138. Como este foi um estudo
retrospectivo, com dados anônimos de registros existentes, a exigência de consentimento
informado foi dispensada pela instituição.
Resultados
Dentre a população estudada, 29 pacientes (52,7%) apresentaram fratura subtrocantérica
e 26 pacientes (47,3%) apresentaram fratura da diáfise. O sexo masculino predominou
(n = 31, 56,4%) em relação ao feminino (n = 24, 43,6%). A média de idade foi de 53,84 ± 17,75
anos, sendo a maior proporção de pacientes (n = 21, 38,2%) na faixa etária de 66 a
70 anos, seguida por 16 (29,1%) na faixa etária de 51 a 65 anos, 10 (18,2%) na faixa
etária de 31 a 50 anos e 8 (14,5%) na faixa etária de 18 a 30 anos.
Escorregamento e queda foi o mecanismo de lesão mais comum (n = 30, 54,5%), seguido
por acidentes de trânsito (n = 25, 45,5%). As fraturas do fêmur direito (n = 36, 65,5%)
foram mais comuns do que as do lado esquerdo (n = 19, 34,5%). O atraso na análise
da GA, a partir do momento da lesão, foi distribuído da seguinte forma: 1 a 3 horas
em 17 pacientes (30,9%), 4 a 6 horas em 16 (29,1%), 7 a 9 horas em 11 (20,0%), 10
a 12 horas em 6 (10,9%) e mais de 12 horas em 5 (9,1%). Não foram observadas associações
significativas entre os parâmetros da GA e as variáveis demográficas (idade e sexo).
Da mesma forma, não foram identificadas associações significativas entre os parâmetros
da GA e fatores clínicos (tipo de fratura, mecanismo do trauma, lado da lesão ou tempo
desde a lesão).
Da população do estudo, 21 pacientes (38,2%) não apresentavam comorbidades, 18 (32,7%)
apresentavam hipertensão arterial sistêmica (HAS) isolada e 16 (29,1%) apresentavam
múltiplas comorbidades, como diabetes mellitus (DM), HAS e hipotireoidismo. Foram
comparados os parâmetros da GA entre pacientes com e sem essas comorbidades. Dentre
os parâmetros analisados, observaram-se diferenças significativas nos NLs entre hipertensos
e não hipertensos ([Tabela 1]). Na admissão, os pacientes com HAS apresentaram NLs significativamente mais elevados
(> 1,8 mmol/L) em comparação com os pacientes não hipertensos (p = 0,013). Essa diferença persistiu por 24 horas, com os NLs mantidos significativamente
elevados no grupo de hipertensos (p < 0,0001). Nenhum outro parâmetro da GA apresentou variação significativa entre os
grupos de comorbidades (DM, HAS e hipotireoidismo).
Tabela 1
Associação entre os parâmetros da GA e HAS
|
Variáveis
|
HAS
|
Sem HAS
|
Valor de p*
|
|
pH à admissão
|
|
< 7,35
|
5
|
9
|
0,402
|
|
7,35–7,45
|
18
|
20
|
|
> 7,45
|
1
|
2
|
|
pH em 24 horas
|
|
< 7,35
|
3
|
9
|
0,107
|
|
7,35–7,45
|
19
|
21
|
|
> 7,45
|
2
|
1
|
|
HCO3
− à admissão (mEq/L)
|
|
< 22
|
10
|
14
|
0,082
|
|
22–26
|
10
|
16
|
|
> 26
|
4
|
1
|
|
HCO3
− em 24 horas (mEq/L)
|
|
< 22
|
9
|
10
|
0,053
|
|
22–26
|
14
|
14
|
|
> 26
|
1
|
7
|
|
PCO2 à admissão (mmHg)
|
|
< 35
|
4
|
5
|
0,155
|
|
35–45
|
19
|
21
|
|
> 45
|
1
|
5
|
|
PCO2 em 24 horas (mmHg)
|
|
< 35
|
4
|
7
|
0,052
|
|
35–45
|
19
|
11
|
|
> 45
|
1
|
3
|
|
PO2 à admissão (mmHg)
|
|
< 83
|
11
|
20
|
0,068
|
|
83–108
|
9
|
5
|
|
> 108
|
4
|
6
|
|
PO2 em 24 horas (mmHg)
|
|
< 83
|
4
|
10
|
0,154
|
|
83–108
|
17
|
19
|
|
> 108
|
3
|
2
|
|
Base à admissão (mmol/L)
|
|
Déficit de base (< −2,0)
|
11
|
12
|
0,143
|
|
Normal (−2.0– + 2,0)
|
12
|
18
|
|
Excesso de base (> 2,0)
|
1
|
1
|
|
Base em 24 horas (mmol/L)
|
|
Déficit de base (< −2,0)
|
10
|
12
|
0,751
|
|
Normal (−2.0– + 2,0)
|
13
|
18
|
|
Excesso de base (> 2,0)
|
1
|
1
|
|
NL à admissão (mmol/L)
|
|
0,2–1,8
|
4
|
26
|
0,013**
|
|
> 1,8
|
20
|
5
|
|
NL em 24 horas (mmol/L)
|
|
0,2–1,8
|
6
|
19
|
< 0,001**
|
|
> 1,8
|
18
|
2
|
Abreviações: GA, gasometria arterial; HCO3
−, bicarbonato; HAS, hipertensão arterial sistêmica; NL, nível sérico de lactato; PCO2, pressão parcial de dióxido de carbono; PO2, pressão parcial de oxigênio. Notas: *Teste do Qui-quadrado; **estatisticamente significativo (p < 0,05).
Dentre os 55 pacientes do estudo, 19 (34,5%) necessitaram de internação na UTI, dos
quais 9 (47,4%) apresentaram FDF e 10 (52,6%) apresentaram FSF. Não foi observada
associação significativa entre a admissão na UTI e o tipo de fratura.
A DT foi a complicação mais comum, ocorrendo em 19 pacientes (34,5%) nos grupos de
fraturas de diáfise e subtrocantéricas. Seguiu-se a síndrome da embolia gordurosa
(SEG) e a SDRA, cada uma relatada em 4 pacientes (7,3%). O tromboembolismo pulmonar
(TEP) foi observado em apenas 1 paciente (1,8%) com fratura subtrocantérica. Não foi
encontrada associação significativa entre as complicações sistêmicas e o tipo de fratura.
Entre os pacientes com FDF, 14 (53,8%) tiveram internação de < 10 dias, enquanto 12
(46,2%) permaneceram ≥ 10 dias. Entre os pacientes com FSF, 17 (58,6%) tiveram permanência < 10
dias e 12 (41,4%) ≥ 10 dias. No entanto, não foi observada associação estatisticamente
significativa entre o tipo de fratura e o tempo de internação.
As [Tabelas 2], [3] e [4] apresentam as associações entre os parâmetros da GA e as complicações sistêmicas,
a admissão na UTI e o tempo de internação. Pacientes com complicações sistêmicas demonstraram
anormalidades significativas em vários parâmetros da GA: 1) níveis mais baixos de
pH em 24 horas (p = 0,026), indicando acidose contínua; 2) níveis reduzidos de HCO3
− tanto à admissão (p = 0,019) quanto em 24 horas (p = 0,025), sugerindo compensação metabólica inadequada; 3) NLs elevados à admissão
(p = 0,038); 4) oxigenação prejudicada com menor PO2 à admissão (p = 0,048) e em 24 horas (p < 0,0001); e 5) diferenças significativas nos níveis de PCO2 à admissão (p = 0,011) e em 24 horas (p = 0,029), refletindo distúrbios respiratórios e metabólicos combinados.
Tabela 2
Associação entre os parâmetros da GA e complicações sistêmicas
|
Variáveis
|
Sem complicações sistêmicas
|
Complicações sistêmicas
|
Valor de p*
|
|
pH à admissão
|
|
< 7,35
|
4
|
10
|
0,146
|
|
7,35–7,45
|
19
|
19
|
|
> 7,45
|
1
|
2
|
|
pH em 24 horas
|
|
< 7,35
|
2
|
10
|
0,0260**
|
|
7,35–7,45
|
25
|
16
|
|
> 7,45
|
1
|
1
|
|
HCO3
− à admissão (mEq/L)
|
|
< 22
|
8
|
16
|
0,019**
|
|
22–26
|
18
|
8
|
|
> 26
|
4
|
1
|
|
HCO3
− em 24 horas (mEq/L)
|
|
< 22
|
6
|
13
|
0,025**
|
|
22–26
|
20
|
8
|
|
> 26
|
4
|
4
|
|
PCO2 à admissão (mmHg)
|
|
<35
|
1
|
8
|
0,011**
|
|
35–45
|
26
|
14
|
|
> 45
|
4
|
2
|
|
PCO2 em 24 horas (mmHg)
|
|
< 35
|
2
|
9
|
0,029**
|
|
35–45
|
24
|
16
|
|
> 45
|
1
|
3
|
|
PO2 à admissão (mmHg)
|
|
< 83
|
15
|
16
|
0,048**
|
|
83–108
|
12
|
2
|
|
> 108
|
2
|
8
|
|
PO2 em 24 horas (mmHg)
|
|
< 83
|
1
|
13
|
0,001**
|
|
83–108
|
26
|
10
|
|
> 108
|
1
|
4
|
|
Base à admissão (mmol/L)
|
|
Déficit de base (< −2,0)
|
9
|
14
|
0,388
|
|
Normal (−2.0– + 2,0)
|
17
|
13
|
|
Excesso de base (> 2,0)
|
1
|
1
|
|
Base em 24 horas (mmol/L)
|
|
Deficit de base (< −2,0)
|
7
|
15
|
0,168
|
|
Normal (−2.0– + 2,0)
|
18
|
13
|
|
Excesso de base (> 2,0)
|
1
|
1
|
|
NL à admissão (mmol/L)
|
|
0,2–1,8
|
18
|
12
|
0,038**
|
|
> 1,8
|
8
|
17
|
|
NL em 24 horas (mmol/L)
|
|
0,2–1,8
|
20
|
14
|
0,417
|
|
> 1,8
|
10
|
11
|
Abreviações: GA, gasometria arterial; HCO3
−, bicarbonato; NL, nível sérico de lactato; PCO2, pressão parcial de dióxido de carbono; PO2, pressão parcial de oxigênio. Notas: *Teste do Qui-quadrado; **estatisticamente significativo (p < 0,05).
Tabela 3
Associação entre os parâmetros da GA e admissão na UTI
|
Variáveis
|
Não-UTI
|
UTI
|
Valor de p*
|
|
pH à admissão
|
|
< 7,35
|
6
|
8
|
0,038**
|
|
7,35–7,45
|
29
|
9
|
|
> 7,45
|
1
|
2
|
|
pH em 24 horas
|
|
< 7,35
|
6
|
8
|
0,006**
|
|
7,35–7,45
|
17
|
8
|
|
> 7,45
|
1
|
1
|
|
HCO3
− à admissão (mEq/L)
|
|
< 22
|
14
|
10
|
0,636
|
|
22–26
|
17
|
9
|
|
> 26
|
4
|
1
|
|
HCO3
− em 24 horas (mEq/L)
|
|
< 22
|
7
|
12
|
0,004**
|
|
22–26
|
23
|
5
|
|
> 26
|
6
|
2
|
|
PCO2 à admissão (mmHg)
|
|
<35
|
3
|
6
|
0,052
|
|
35–45
|
29
|
11
|
|
> 45
|
5
|
1
|
|
PCO2 em 24 horas (mmHg)
|
|
< 35
|
4
|
7
|
0,046**
|
|
35–45
|
30
|
10
|
|
> 45
|
2
|
2
|
|
PO2 à admissão (mmHg)
|
|
< 83
|
18
|
13
|
0,039**
|
|
83–108
|
13
|
1
|
|
> 108
|
5
|
5
|
|
PO2 em 24 horas (mmHg)
|
|
< 83
|
3
|
11
|
0,001**
|
|
83–108
|
32
|
4
|
|
> 108
|
1
|
4
|
|
Base à admissão (mmol/L)
|
|
Déficit de base (< −2,0)
|
13
|
10
|
0,261
|
|
Normal (−2.0– + 2,0)
|
23
|
7
|
|
Excesso de base (> 2,0)
|
1
|
1
|
|
Base em 24 horas (mmol/L)
|
|
Déficit de base (< −2,0)
|
10
|
12
|
0,053
|
|
Normal (−2.0– + 2,0)
|
24
|
7
|
|
Excesso de base (> 2,0)
|
1
|
1
|
|
NL à admissão (mmol/L)
|
|
0,2–1,8
|
23
|
7
|
0,027**
|
|
> 1,8
|
12
|
13
|
|
NL em 24 horas (mmol/L)
|
|
0.2–1.8
|
24
|
10
|
0,308
|
|
> 1.8
|
12
|
9
|
Abreviações: GA, gasometria arterial; HCO3
−, bicarbonato; NL, nível sérico de lactato; PCO2, pressão parcial de dióxido de carbono; PO2, pressão parcial de oxigênio. Notas: *Teste do Qui-quadrado; **estatisticamente significativo (p < 0,05).
Tabela 4
Associação entre os parâmetros da GA e internação
|
Variáveis
|
< 10 dias de internação
|
≥ 10 dias de internação
|
Valor de p*
|
|
pH à admissão
|
|
< 7,35
|
6
|
8
|
0,038**
|
|
7,35–7,45
|
29
|
9
|
|
> 7,45
|
1
|
2
|
|
pH em 24 horas
|
|
< 7,35
|
6
|
8
|
0,006**
|
|
7,35–7,45
|
17
|
8
|
|
> 7,45
|
1
|
1
|
|
HCO3
− à admissão (mEq/L)
|
|
< 22
|
14
|
10
|
0,636
|
|
22–26
|
17
|
9
|
|
> 26
|
4
|
1
|
|
HCO3
− em 24 horas (mEq/L)
|
|
< 22
|
7
|
12
|
0,004**
|
|
22–26
|
23
|
5
|
|
> 26
|
6
|
2
|
|
PCO2 à admissão (mmHg)
|
|
< 35
|
3
|
6
|
0,052
|
|
35–45
|
29
|
11
|
|
> 45
|
5
|
1
|
|
PCO2 em 24 horas (mmHg)
|
|
< 35
|
4
|
7
|
0,046**
|
|
35–45
|
30
|
10
|
|
> 45
|
2
|
2
|
|
PO2 à admissão (mmHg)
|
|
< 83
|
18
|
13
|
0,039**
|
|
83–108
|
13
|
1
|
|
> 108
|
5
|
5
|
|
PO2 em 24 horas (mmHg)
|
|
< 83
|
3
|
11
|
0,001**
|
|
83–108
|
32
|
4
|
|
> 108
|
1
|
4
|
|
Base à admissão (mmol/L)
|
|
Déficit de base (< −2,0)
|
13
|
10
|
0,261
|
|
Normal (−2.0– + 2,0)
|
23
|
7
|
|
Excesso de base (> 2,0)
|
1
|
1
|
|
Base em 24 horas (mmol/L)
|
|
Déficit de base (< −2,0)
|
10
|
12
|
0,053
|
|
Normal (−2.0– + 2,0)
|
24
|
7
|
|
Excesso de base (> 2,0)
|
1
|
1
|
|
NL à admissão (mmol/L)
|
|
0,2–1,8
|
23
|
7
|
0,027**
|
|
> 1,8
|
12
|
13
|
|
NL em 24 horas (mmol/L)
|
|
0,2–1,8
|
24
|
10
|
0,308
|
|
> 1,8
|
12
|
9
|
Abreviações: GA, gasometria arterial; HCO3
−, bicarbonato; NL, nível sérico de lactato; PCO2, pressão parcial de dióxido de carbono; PO2, pressão parcial de oxigênio. Notas: *Teste do Qui-quadrado; **estatisticamente significativo (p < 0,05).
Os pacientes que necessitaram de admissão na UTI apresentaram alterações significativos
nos parâmetros da AG: 1) níveis mais baixos de pH à admissão (p = 0,038) e 24 horas (p = 0,006), refletindo acidose persistente; 2) níveis reduzidos de HCO3
− em 24 horas (p = 0,004), indicando compensação metabólica inadequada; 3) NLs elevados à admissão
(p = 0,027); 4) oxigenação prejudicada com menor PO2 à admissão (p = 0,039) e em 24 horas (p < 0,0001); e 5) diferenças significativas na PCO2 em 24 horas (p = 0,046), sugerindo distúrbios respiratórios e metabólicos combinados associados
à necessidade de UTI.
O tempo de internação prolongado foi associado a anormalidades significativas da AG:
1) níveis mais baixos de pH à admissão (p = 0,003) e 24 horas (p = 0,001), indicando acidose persistente; 2) NLs elevados à admissão (p = 0,005); e 3) oxigenação prejudicada (PO2) em 24 horas (p = 0,038), refletindo comprometimento metabólico e respiratório contínuo. Embora HCO3
− e PCO2 não tenham atingido significância estatística, apresentaram tendência a valores anormais
em pacientes com internação prolongada.
Discussão
As fraturas pélvicas e de ossos longos, particularmente as da diáfise femoral, são
lesões graves devido à sua proximidade com as principais estruturas vasculares e ao
efeito de fortes contrações musculares, que exacerbam o dano tecidual.[18] A hemorragia dessas fraturas pode levar rapidamente ao choque, enquanto complicações
como SEG, SDRA, pneumonia e TEP contribuem significativamente para a morbidade e mortalidade.
Pacientes com fraturas de ossos longos foram relatados como tendo risco 2,35 vezes
maior de SDRA no período inicial do hospital. As anormalidades da GA foram identificadas
como indicadores confiáveis da gravidade do trauma.[19]
[20]
[21]
[22]
[23] Este estudo teve como objetivo avaliar a relevância clínica desses parâmetros na
previsão de desfechos desfavoráveis em pacientes com FDFs isoladas.
A falta de correlação entre os valores da GA e as variáveis demográficas ou relacionadas
à fratura neste estudo indica que os desfechos desfavoráveis não são determinados
apenas por idade, sexo ou tipo de fratura. Em vez disso, as respostas ao estresse
sistêmico e metabólico, refletidas em alterações da GA, parecem desempenhar um papel
central na determinação da progressão clínica.
Uma observação notável foi a forte associação entre HAS e NL elevado à admissão e
em 24 horas. A hipertensão é conhecida por causar disfunção endotelial e comprometimento
microvascular, o que pode reduzir a perfusão tecidual e retardar a depuração de NL
no trauma agudo. Esse achado é consistente com estudos anteriores que demonstraram
o impacto prognóstico do NL e dos marcadores de perfusão em pacientes com trauma.[24]
[25]
Mohsenian et al.[17] destacaram o valor prognóstico de índices da GA, como a saturação de O2, o excesso de base e o PCO2 em pacientes com fraturas femorais e pélvicas. Concordando com suas observações,
o presente estudo ressalta que anormalidades em PO2, pH e NL podem servir como sinais de alerta precoce para complicações sistêmicas
e necessidades de cuidados críticos. Embora a mortalidade não tenha sido observada
nesta coorte, um declínio na oxigenação e na compensação metabólica refletiu as tendências
descritas em estudos anteriores, sugerindo que o monitoramento da GA pode fornecer
informações prognósticas mesmo em casos isolados de fratura.
Curiosamente, hipocapnia, em vez de hipercapnia, foi observada em associação com desfechos
desfavoráveis. Isso provavelmente reflete a hiperventilação compensatória em resposta
à acidose metabólica. Clinicamente, esse achado é importante porque a hipocapnia pode
mascarar a gravidade do estresse metabólico quando interpretada isoladamente. Reconhecer
esse mecanismo compensatório é essencial, pois permite identificar pacientes com alto
risco de deterioração, apesar de parâmetros de ventilação aparentemente normais.[26] Ross et al.[27] demonstraram anteriormente que a acidose grave (pH < 7,0) se correlaciona com desfechos
ruins, e nossos achados reforçam o conceito de que alterações ainda mais leves no
pH (< 7,35) não devem ser negligenciadas no atendimento ao trauma.
Estudos anteriores enfatizaram o valor prognóstico do NL e de déficit de base em pacientes
com trauma. Ward et al.[28] relataram sobrevida significativamente menor entre pacientes com NL elevado ou déficit
de base inicial, enquanto Oladipo et al.[29] associaram essas elevações iniciais à morbidade pós-operatória e hospitalização
prolongada em trauma ortopédico. Essas observações se alinham aos achados desse estudo,
em que o NL elevado e o equilíbrio ácido–base comprometido foram preditivos de desfechos
desfavoráveis e de permanência hospitalar prolongada.
A alta incidência de hipoxemia inaparente, particularmente DT, destaca ainda mais
as complicações respiratórias subclínicas que acompanham as fraturas de ossos longos.
Rosenkrantz et al.[30] documentaram padrões semelhantes, atribuindo-os à SEG, à obstrução microvascular
e às respostas inflamatórias. Isso ressalta a importância do monitoramento rotineiro
de oxigênio e de avaliações seriadas da GA em pacientes com fratura aparentemente
estável.
Esses achados, em conjunto, sugerem que a análise da GA não é apenas um adjuvante
laboratorial, mas também uma ferramenta clinicamente relevante para a estratificação
precoce do risco em fraturas femorais. Alterações persistentes no pH, NL e PO2 refletem oxigenação tecidual inadequada e mecanismos compensatórios comprometidos,
o que pode orientar decisões sobre monitoramento de UTI, ressuscitação agressiva e
vigilância de complicações.
O presente estudo apresenta algumas limitações. Seu caráter retrospectivo e o tamanho
da amostra podem limitar a generalização. Não foram avaliados o impacto do momento
da fixação cirúrgica nem o papel do alargamento intramedular como contribuintes das
alterações da GA. Estudos prospectivos que incorporam monitoramento da GA perioperatório
em série podem esclarecer ainda mais esses aspectos.
Conclusão
Verificou-se que os valores da GA à admissão e 24 horas após a admissão desempenham
um papel na previsão precoce de desfechos desfavoráveis em pacientes com FDF isoladas.
Portanto, o monitoramento rotineiro dos parâmetros da GA é recomendado nesses pacientes.
Dada a natureza retrospectiva e o tamanho limitado da amostra deste estudo, estudos
prospectivos com coortes maiores são necessários para validar esses achados.
Bibliographical Record
D. Sidharth, Thatchinamoorthy Santhamoorthy, Anish Anto Xavier, Lalithambigai Chellamuthu,
S. Ahilan. A análise da gasometria arterial prevê uma evolução desfavorável em pacientes
internados com fraturas diafisárias isoladas do fêmur?. Rev Bras Ortop (Sao Paulo)
2025; 60: s00451814128.
DOI: 10.1055/s-0045-1814128