CC BY-NC-ND 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2019; 54(04): 440-446
DOI: 10.1016/j.rbo.2018.01.002
Artigo Original | Original Article
Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. Published by Thieme Revnter Publicações Ltda Rio de Janeiro, Brazil

Confiabilidade das classificações artroscópicas das lesões condrais do quadril[]

Article in several languages: português | English
1   Hospital Madre Teresa, Belo Horizonte, MG, Brasil
,
Carlos César Vassalo
1   Hospital Madre Teresa, Belo Horizonte, MG, Brasil
,
Lincoln Paiva Costa
1   Hospital Madre Teresa, Belo Horizonte, MG, Brasil
,
Juan Gómez-Hoyos
2   Centro de Preservação do Quadril, Baylor Scott and White Research Institute, Dallas, TX, EUA
,
Vinícius de Oliveira Paganini
1   Hospital Madre Teresa, Belo Horizonte, MG, Brasil
,
Marco Antônio Percope de Andrade
3   Departamento do Aparelho Locomotor, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil
› Author Affiliations
Further Information

Endereço para correspondência

Antônio Augusto Guimarães Barros, Master
Hospital Madre Teresa
Belo Horizonte, MG
Brasil   

Publication History

12 November 2017

09 January 2018

Publication Date:
20 August 2019 (online)

 

Resumo

Objetivo Avaliar a confiabilidade inter- e intraobservador das classificações de Outerbridge, Beck e Haddad para lesões da cartilagem articular acetabular com o uso da via artroscópica.

Métodos Foram avaliados 60 vídeos de artroscopias do quadril por 4 cirurgiões em 2 momentos para avaliar a reprodutibilidade inter- e intraobservador das classificações. Os dados foram analisados a partir do cálculo do índice Kappa de Cohen ponderado.

Resultados Os valores do Kappa ponderado médio na avaliação interobservador das classificações de Outerbridge, Beck e Haddad foram, respectivamente, 0,72, 0,78 e 0,68. As três classificações foram consideradas como de boa concordância interobservador. Com relação à avaliação intraobservador das classificações de Outerbridge, Beck e Haddad, os valores Kappa foram, respectivamente, 0,9, 0,9 e 0,93. As três classificações foram consideradas excelentes na comparação intraobservador.

Conclusão Na presente série, as classificações de Outerbridge, Beck e Haddad apresentaram boa reprodutibilidade interobservador e excelente reprodutibilidade intraobservador ao avaliar lesões condrais acetabulares por via artroscópica.


#

Introdução

A artroscopia do quadril surgiu como um método minimamente invasivo para o tratamento e diagnóstico de diversas doenças intra- e extra-articulares do quadril.[1] Essa via de acesso fornece excelente visualização da superfície articular e permite que o cirurgião identifique estágios precoces de dano cartilaginoso.[2] As lesões da cartilagem articular do quadril podem ser causadas principalmente por trauma, artrites inflamatórias, displasia acetabular ou impacto femoroacetabular (IFA).[3]

Após tratar jovens adultos com o diagnóstico de artrose idiopática do quadril, Ganz et al,[4] perceberam que certas características morfológicas dessa articulação resultavam de contato anormal entre o fêmur proximal e o rebordo acetabular, o chamado IFA. Posteriormente, foi observado que esse contato anormal leva a padrões característicos de dano do labrum acetabular e da cartilagem adjacente. Lesão labral anterossuperior juntamente com o dano cartilaginoso posteroinferior por contragolpe na cabeça femoral e na superfície acetabular são associados ao impacto tipo Pincer. A separação do labrum anterossuperior do rebordo acetabular e o cisalhamento ou a delaminação da cartilagem articular acetabular adjacente são mais indicativos do impacto tipo CAM.[5] Comumente, os pacientes com IFA apresentam a associação das duas deformidades. Estudos recentes apontam para uma forte associação entre a osteoartrite (OA) do quadril e o IFA.[6] Por isso, atualmente, há grande interesse no tratamento das lesões labrais e condrais no quadril com o objetivo de avaliar se essas intervenções serão capazes de retardar ou até mesmo de evitar o desenvolvimento da OA do quadril nesses pacientes.

Com o rápido crescimento do diagnóstico do IFA e da artroscopia do quadril como via de acesso para o tratamento, houve também um crescimento exponencial das publicações relacionadas a esse assunto.[7] Porém, há uma grande variabilidade na literatura a respeito das indicações, dos resultados, dos métodos de avaliação, do manuseio da cápsula articular e das partes moles, assim como da reabilitação. Parte dessa variabilidade está associada à comparação de pacientes com lesões labrais e condrais em estágios e gravidade diferentes. Com o objetivo de reduzir essa variabilidade, deve-se comparar pacientes com lesões classificadas em estágios de gravidade semelhantes.

Os sistemas de classificação ajudam na comunicação, no planejamento do tratamento e na avaliação do prognóstico. Um sistema ideal de classificação deve ser de fácil aplicabilidade, confiável, reprodutível, incluir todo espectro de lesões, ser mutuamente excludente, lógico, e clinicamente útil.[8]

O objetivo do presente estudo é avaliar a confiabilidade inter- e intraobservador das classificações das lesões da cartilagem articular do quadril através da via artroscópica e, com isso, definir quais são as classificações de maior reprodutibilidade a partir do cálculo do índice Kappa de Cohen ponderado. Com o presente estudo, espera-se encontrar as classificações por via artroscópica que apresentam maior reprodutibilidade para que a comunicação, o resultado do tratamento e a avaliação do prognóstico sejam feitos de modo confiável. A hipótese é que as três classificações estudadas tenham moderada confiabilidade inter- e intraobservador.


#

Materiais e Métodos

A partir de uma base de dados de 278 vídeos de artroscopia do quadril, com gravação previamente autorizada pelo paciente, foram selecionados inicialmente 70 vídeos. Estes pacientes foram convidados a participar do estudo e a assinar um termo de consentimento. O critério de inclusão consistiu de todos os pacientes submetidos a artroscopia do quadril para IFA. Os critérios de exclusão incluíram presença de artrose radiológica (Tonnis > 2),[9] história de cirurgia prévia no quadril (aberta ou artroscópica), vídeos com imagem de má qualidade, visualização inadequada, palpação inadequada das lesões, e recusa a participar do estudo. Após aplicados os critérios acima, a amostra final foi de 60 vídeos.

As operações foram feitas por 2 cirurgiões experientes em artroscopia do quadril (> 200 procedimentos feitos por cada cirurgião) e seguiram um padrão já usado rotineiramente por ambos os cirurgiões. As artroscopias foram feitas com o paciente em posição supina na mesa de tração com o uso dos portais anterolateral e medioanterior. A avaliação intra-articular do acetábulo foi feita com a câmera no portal anterolateral e, com um instrumento de palpação no acesso medioanterior, foi feita a inspeção da superfície articular, do labrum e da junção condrolabral.

Um dos autores, cirurgião de quadril treinado em artroscopia, o qual não participou das cirurgias, reviu cada gravação e as editou. Após a edição, cada gravação teve duração de ∼ 1 minuto e incluiu a inspeção da superfície articular, do labrum e da junção condrolabral. Este processo resultou em 60 gravações digitais de artroscopias do quadril.

Quatro cirurgiões de quadril com experiência em artroscopia do quadril (todos com pelo menos 2 anos de experiência e participação em > 150 casos de artroscopia de quadril) participaram do estudo. Durante uma reunião, os quatro cirurgiões discutiram os esquemas de classificação descritos para as lesões da cartilagem articular: Outerbridge,[10] Beck et al[11] e Konan et al[12] ([Tabela 1]). Após 15 dias, houve um novo encontro para a prática do uso das classificações em vídeos não incluídos no presente estudo. Após o treinamento dos médicos, cada cirurgião, separadamente, classificou as lesões encontradas nos vídeos de acordo com as classificações propostas acima. Se > 1 achado fosse encontrado, os revisores foram instruídos a relatar apenas o achado mais grave. Os valores iniciais de cada revisor foram usados para a análise interobservador. Em um segundo momento, 1 mês depois, foi solicitado aos revisores que as lesões dos mesmos vídeos fossem novamente classificadas em ordem diferente. Esses valores foram pareados por caso e revisor e foram comparados com os primeiros resultados para uma análise intraobservador.

Tabela 1

Tipos

Descrição

Outerbridge

 0

Cartilagem sem alterações macroscópicas

 1

Amolecimento ou edema

 2

Fragmentação/lesão < 1,3 cm

 3

Fragmentação/lesão > 1,3 cm

 4

Exposição óssea

Beck

0

Cartilagem sem alterações macroscópicas

1

Malacia; Rugosidade da superfície, fibrilação

2

Destacamento; Perda de fixação ao osso subcondral, cartilagem macroscopicamente sólida, fenômeno de carpete

3

Clivagem; Perda de fixação ao osso subcondral, bordas desgastadas, adelgaçamento da cartilagem, flap

4

Defeito de espessura total

Haddad

 0

Cartilagem sem alterações macroscópicas

 1

Sinal de onda; Perda de fixacão do osso subcondral

 2

Clivagem; Óbvia separação na juncão condrolabral, mas a sondagem artroscópica da lesão mostra aderência da cartilagem articular ao osso subjacente sem evidência de delaminação

 3

Delaminação; Destacamento macroscópico da cartilagem do osso acetabular

 4

Osso exposto

A avaliação estatística da confiabilidade das classificações incluiu a porcentagem de concordância e os valores ponderados de Kappa propostos por Cohen.[13] Os valores Kappa foram classificados como descrito por Landis et al:[14] entre 0,81 e 1,0 indicaram excelente concordância; de 0,61 a 0,80, boa concordância; de 0,41 a 0,60, moderada concordância; de 0,21 a 0,40, razoável concordância; e de 0 a 0,20, fraca concordância. As análises estatísticas foram feitas nos programas R versão 3.3.2 e Minitab versão 18 (Minitab, LLC, State College, PA, USA).

A pesquisa foi previamente aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa e feita de acordo com a Declaração de Helsinque da Associação Médica Mundial.


#

Resultados

As características demográficas dos participantes do estudo estão resumidas na [Tabela 2]. A análise descritiva da classificação das lesões por cada observador com os sistemas de Outerbridge, Beck e Haddad observados no primeiro momento é apresentada na [Tabela 3]. Esses resultados são ilustrados nas [Figs. 1], [2], [3]. Com esses dados, ao se avaliar a concordância interobservador, observa-se que, em um caso, a concordância da classificação de Outerbridge foi moderada (I e IV), em quatro foi boa (I e II; I e III; II e IV; III e IV), e em um foi excelente (II e III). Os Kappa variaram entre 0,58 e 0,82, com um valor médio de 0,72, ou seja, a classificação média entre os observadores foi considerada boa.

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Fig. 1 Frequência das lesões da cartilagem, segundo os quatro observadores, com a classificação de Outerbridge.
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Fig. 3 Frequência das lesões da cartilagem, segundo os quatro observadores, com a classificação de Haddad.
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Fig. 2 Frequência das lesões da cartilagem, segundo os quatro observadores, com a classificação de Beck.
Tabela 2

Gênero, n (%)

 Masculino

32 (53%)

 Feminino

28 (47%)

Idade, média (desvio padrão)

33 anos ( ± 7)

Deformidade, n (%)

 Combinada (CAM e Pincer)

31 (52%)

 CAM

27 (45%)

 Pincer

2 (3%)

Tabela 3

Classificações

Observador

I

II

III

IV

n

%

n

%

n

%

n

%

Outerbridge

 0

8

13,33

8

13,33

5

8,33

19

31,67

 1

25

41,67

28

46,67

30

50,00

16

26,67

 2

11

18,33

13

21,67

8

13,33

15

25,00

 3

8

13,33

7

11,67

11

18,33

2

3,33

 4

8

13,33

4

6,67

6

10,00

8

13,33

Beck

 0

8

13,33

6

10,00

7

11,67

14

23,33

 1

22

36,67

13

21,67

12

20,00

8

13,33

 2

11

18,33

19

31,67

21

35,00

15

25,00

 3

10

16,67

16

26,67

14

23,33

14

23,33

 4

9

15,00

6

10,00

6

10,00

9

15,00

Haddad

 0

10

16,67

10

16,67

13

21,67

15

25,00

 1

22

36,67

15

25,00

18

30,00

5

8,33

 2

10

16,67

13

21,67

9

15,00

17

28,33

 3

10

16,67

16

26,67

13

21,67

15

25,00

 4

8

13,33

6

10,00

7

11,67

8

13,33

Com relação à classificação de Beck, conclui-se que em quatro casos a concordância foi boa (I e II; I e III; I e IV; II e IV) e em dois foi excelente (II e III; III e IV). Os Kappa variaram entre 0,74 e 0,84, com um valor médio de 0,78, ou seja, a classificação média entre os observadores foi considerada boa.

Os resultados da classificação de Haddad para a concordância interobservador foram moderados em um caso (III e IV), e foram bons em cinco (I e II; I e III; I e IV; II e III; II e IV). Os Kappa variaram entre 0,60 e 0,78, com um valor médio de 0,68, ou seja, a classificação média entre os observadores foi considerada boa. A [Tabela 4] apresenta o resumo da avaliação interobservador.

Tabela 4

Classificação

Kappa

Classificação do Kappa

IC95%

Taxa de concordância

IC95%

Outerbridge

0,72

Boa

Observador I e II

0,73

Boa

0,53–0,94

0,62

0,48–0,74

Observador I e III

0,72

Boa

0,52–0,92

0,58

0,45–0,71

Observador I e IV

0,58

Moderada

0,37–0,80

0,43

0,31–0,57

Observador II e III

0,82

Excelente

0,72–0,89

0,63

0,50–0,75

Observador II e IV

0,72

Boa

0,60–0,87

0,52

0,39–0,65

Observador III e IV

0,73

Boa

0,58–0,83

0,43

0,31–0,57

Beck

0,78

Boa

Observador I e II

0,77

Boa

0,64–0,90

0,57

0,43–0,69

Observador I e III

0,74

Boa

0,59–0,90

0,53

0,40–0,66

Observador I e IV

0,74

Boa

0,62–0,86

0,50

0,37–0,63

Observador II e III

0,84

Excelente

0,77–0,91

0,68

0,55–0,79

Observador II e IV

0,78

Boa

0,66–0,91

0,62

0,48–0,74

Observador III e IV

0,82

Excelente

0,81–0,84

0,63

0,50–0,75

Haddad

0,68

Boa

Observador I e II

0,68

Boa

0,48–0,88

0,50

0,37–0,63

Observador I e III

0,78

Boa

0,66–0,90

0,60

0,47–0,72

Observador I e IV

0,61

Boa

0,39–0,82

0,42

0,29–0,55

Observador II e III

0,75

Boa

0,54–0,96

0,67

0,53–0,78

Observador II e IV

0,66

Boa

0,45–0,86

0,50

0,37–0,63

Observador III e IV

0,60

Moderada

0,37–0,82

0,43

0,31–0,57

Com relação à avaliação intraobservador, a classificação de Outerbridge apresentou valores Kappa entre 0,83 e 0,94, com um valor médio de 0,90, ou seja, a classificação média entre os observadores foi considerada excelente. Os quatro observadores tiveram concordância da classificação Beck para as lesões da cartilagem classificada como excelente. Os Kappa variaram entre 0,87 e 0,92, com um valor médio de 0,90, ou seja, a classificação média entre os observadores foi considerada excelente. Da mesma forma, a classificação Haddad foi considerada excelente, com valores de Kappa entre 0,89 e 0,97, com um valor médio de 0,93. A [Tabela 5] apresenta o resumo da avaliação intraobservador.

Tabela 5

Classificação

Kappa

Classificação do Kappa

IC95%

Taxa de concordância

IC95%

Outerbridge

0,90

Excelente

Observador I

0,83

Excelente

0,70–0,96

0,72

0,58–0,82

Observador II

0,90

Excelente

0,84–0,94

0,73

0,60–0,84

Observador III

0,94

Excelente

0,89–0,96

0,83

0,71–0,91

Observador IV

0,91

Excelente

0,82–0,96

0,78

0,65–0,88

Beck

0,90

Excelente

Observador I

0,90

Excelente

0,83–0,95

0,77

0,64–0,86

Observador II

0,92

Excelente

0,79–1,00

0,87

0,75–0,94

Observador III

0,87

Excelente

0,70–1,00

0,80

0,67–0,89

Observador IV

0,91

Excelente

0,80–1,00

0,87

0,75–0,94

Haddad

0,93

Excelente

Observador I

0,93

Excelente

0,87–0,97

0,80

0,67–0,89

Observador II

0,89

Excelente

0,75–1,00

0,85

0,73–0,93

Observador III

0,94

Excelente

0,88–0,98

0,85

0,73–0,93

Observador IV

0,97

Excelente

0,94–0,99

0,88

0,77–0,95


#

Discussão

O presente estudo mostrou que as classificações para avaliação das lesões condrais do acetábulo por via artroscópica são reprodutíveis tanto na avaliação inter- quanto intraobservador. Na avaliação interobservador, por meio do valor do coeficiente Kappa ponderado, foi observada boa concordância nas três classificações estudadas, e na avaliação intraobservador o coeficiente Kappa ponderado foi considerado excelente em todas as classificações avaliadas.

Os estudos que avaliaram a reprodutibilidade das classificações das lesões condrais no quadril mostram resultados com grande variação. Amenabar et al,[3] ao avaliarem a reprodutibilidade das classificações de Outerbridge, Beck e Haddad no diagnóstico das lesões condrais por via artroscópica, encontraram um valor Kappa interobservador de 0,28, 0,33 e 0,47, respectivamente. A classificação de Outerbridge foi considerada de fraca concordância, e as classificações de Beck e Haddad foram consideradas como de moderada concordância. Os valores Kappa intraobservador foram de 0,62, 0,63 e 0,68 para as classificações de Outerbridge, Beck e Haddad, respectivamente; todas apresentaram moderada concordância. No presente estudos, os valores do coeficiente Kappa ponderado encontrados foram maiores, o que pode ser explicado parcialmente pela presença de duas reuniões prévias para discussão e treinamento das classificações. Além disso, Amenabar et al[3] fizeram a segunda rodada de classificações 4 meses após a primeira. No presente estudo, o intervalo entre as rodadas de classificação foi de apenas 1 mês; talvez, se os cirurgiões as classificassem novamente após um intervalo de tempo maior, a reprodutibilidade intraobservador tivesse sido menor.

Em um estudo retrospectivo que envolveu 40 vídeos e 4 observadores, Nepple et al[15] avaliaram a reprodutibilidade da classificação de Beck para as lesões labrais e condrais do acetábulo. Com relação às lesões condrais, foram encontrados valores Kappa médios de 0,65 (de 0,49 a 0,74) e de 0,80 (de 0,68 a 0,86) para a reprodutibilidade interobservador e intraobservador, respectivamente. Assim como no presente estudo, a classificação de Beck interobservador foi considerada como de boa concordância, mas a reprodutibilidade intraobservador foi boa, e não excelente, como no presente estudo. No presente estudo, a classificação de Beck mostrou-se como a de maior reprodutibilidade interobservador, com um valor Kappa médio de 0,78. Ao estudar a classificação de Haddad, Konan et al[12] observaram uma alta reprodutibilidade com coeficiente de correlação intraclasse de 0,88 na avaliação interobservador, e de 0,81 na avaliação intraobservador. No presente estudo, a classificação de Haddad apresentou a maior reprodutibilidade intraobservador, com um valor Kappa médio de 0,93.

Lasmar et al[16] avaliaram a reprodutibilidade da classificação de Outerbridge para as lesões condrais no joelho diagnosticadas por via artroscópica, e foi encontrado um valor Kappa interobservador de 0,43, e intraobservador de 0,31, indicando concordância moderada. Porém, entre os seis observadores, foram incluídos dois residentes, e em outros dois observadores não ficou clara a experiência em cirurgia do joelho. A presença de um valor Kappa interobservador maior do que o intraobservador se mostrou inesperada. No presente estudo, todos os observadores são cirurgiões de quadril com experiência em procedimentos artroscópicos, o que teoricamente aumenta a probabilidade de concordância entre os observadores. Em outro estudo que também avaliou a reprodutibilidade da classificação de Outerbridge para lesões no joelho, Cameron et al[17] encontraram um Kappa interobservador de 0,72, e intraobservador de 0,91 entre médicos com > 5 anos de prática; valores bem próximos dos encontrados no presente estudo, o qual também incluiu como observadores apenas cirurgiões experientes em artroscopia do quadril.

O presente estudo mostra que as classificações de Outerbridge, Beck e Haddad são reprodutíveis o bastante para serem aplicadas na prática clínica. Porém, além da reprodutibilidade, uma classificação deve descrever de modo adequado as lesões e oferecer orientação para o tratamento e o prognóstico. A classificação de Outerbridge não foi desenvolvida para avaliar as lesões condrais do acetábulo e não leva em consideração lesões características produzidas pelo IFA, como o sinal da onda ([Fig. 4]) ou a presença de destacamento da cartilagem com formação de flap ([Fig. 5]). Portanto, a nosso ver, as classificações de Beck e de Haddad oferecem informações mais precisas e coerentes com os tipos de lesões acetabulares normalmente encontradas, e depende da familiaridade de cada cirurgião escolher entre uma delas na sua rotina.

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Fig. 4 Imagem artroscópica do quadril indica lesão da cartilagem acetabular através do “sinal da onda” (estrelas) e do labrum acetabular (seta amarela)
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Fig. 5 Imagem artroscópica do quadril indica lesão da cartilagem acetabular com formação de flaps (estrelas).

O presente estudo apresenta algumas limitações. Por se tratar de um estudo retrospectivo, ele está sujeito a viés de seleção na escolha dos vídeos. Em segundo lugar, os observadores incluídos fazem parte de uma mesma equipe e participam de reuniões constantes para discussão do tema, o que pode ter aumentado a taxa de concordância entre os observadores. Por último, os vídeos foram editados para durar relativamente pouco tempo quando comparados com a duração total do procedimento cirúrgico, portanto os observadores obtiveram informações limitadas para classificar as lesões. Caso os observadores classificassem as lesões com base no vídeo completo da cirurgia, a presença de um maior número de informações poderia diminuir a reprodutibilidade encontrada.


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Conclusão

Na nossa série, as classificações de Outerbridge, Beck e Haddad apresentaram boa reprodutibilidade interobservador e excelente reprodutibilidade intraobservador ao avaliar lesões condrais acetabulares por via artroscópica.


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Conflitos de Interesses

Os autores declaram não haver conflitos de interesses.

* Trabalho desenvolvido no Hospital Madre Teresa, Belo Horizonte, MG, Brasil. Publicado originalmente por Elsevier Editora Ltda.


  • Referências

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Endereço para correspondência

Antônio Augusto Guimarães Barros, Master
Hospital Madre Teresa
Belo Horizonte, MG
Brasil   

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Fig. 1 Frequência das lesões da cartilagem, segundo os quatro observadores, com a classificação de Outerbridge.
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Fig. 3 Frequência das lesões da cartilagem, segundo os quatro observadores, com a classificação de Haddad.
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Fig. 2 Frequência das lesões da cartilagem, segundo os quatro observadores, com a classificação de Beck.
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Fig. 1 Frequency of cartilage lesions, according to the four observers, using the Outerbridge classification system.
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Fig. 2 Frequency of cartilage lesions, according to the four observers, using the Beck classification system.
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Fig. 3 Frequency of cartilage lesions, according to the four observers, using the Haddad classification system.
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Fig. 4 Imagem artroscópica do quadril indica lesão da cartilagem acetabular através do “sinal da onda” (estrelas) e do labrum acetabular (seta amarela)
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Fig. 5 Imagem artroscópica do quadril indica lesão da cartilagem acetabular com formação de flaps (estrelas).
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Fig. 4 Arthroscopic image of the hip indicating an acetabular cartilage lesion through a “wave sign” (stars) and acetabular labrum lesions (yellow arrow).
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Fig. 5 Arthroscopic image of the hip indicating an acetabular cartilage lesion with flap formation (stars).