Palavras-Chave
doença de Rosai-Dorfman - convulsões - neurocirurgia - meningioma
Introdução
Em 1969, a doença de Rosai-Dorfman foi relatada pela primeira vez como histiocitose
sinusal com linfadenopatia maciça em um jovem negro.[1] A doença se apresenta com linfadenopatia cervical bilateral, indolor e maciça associada
a mal-estar, febre, anemia normocítica, anemia hemolítica, neutrofilia, velocidade
de hemossedimentação elevada e gamopatia policlonal.[2]
Estima-se que a incidência seja de 1 caso para cada 2 milhões de pessoas, afetando
predominantemente crianças e adultos jovens, com ligeira predominância no sexo masculino.[3] O envolvimento extranodal está documentado em 43% dos pacientes, ocasionalmente
acompanhado de linfadenopatia. Os sítios extranodais, pela ordem decrescente de frequência,
são pele, cavidade nasal, seios paranasais, pálpebra, órbita, osso, glândula salivar
e sistema nervoso central. O sistema nervoso central pode ser envolvido em menos de
5% dos casos, e em 90% destes, as leptomeninges são acometidas.[4]
Relato de Caso
Trata-se de um paciente do sexo masculino, com 57 anos ao diagnóstico. Apresentou-se
com crises convulsivas de repetição, retenção urinária e ataxia. Tomografia computadorizada
(TC) evidenciou formações expansivas heterogêneas em situação intraventricular ocupando
a porção posterior do terceiro ventrículo e parte do ventrículo lateral direito, além
de outra lesão extra-axial na fossa posterior. A [Fig. 1] demonstra estes achados.
Fig. 1 Tomografia computadorizada de crânio evidenciando lesão em fossa posterior, adjacente
à tenda do cerebelo. (A) corte coronal, (B) corte axial, (C) corte sagital.
Sugere-se que as lesões encontradas no exame de imagem podem corresponder a lesões
primárias do revestimento meningotelial (meningiomas) na tenda do cerebelo, além de
sinais de herniação subfalcina pelo efeito das massas intracranianas.
Durante a internação, o paciente apresentou melhora do quadro clínico com o uso de
corticosteroides. Uma derivação ventriculoperitoneal foi realizada para atenuar a
hidrocefalia. A cirurgia foi realizada por causa do suposto meningioma de tenda de
cerebelo. Tanto a cirurgia quanto o pós-operatório se deram sem intercorrências.
O tumor, devidamente ressecado, foi encaminhado para exame anatomopatológico, sob
a descrição de duas lesões expansivas cerebrais, uma em situação intraventricular
no terceiro ventrículo lateral direito e a outra extra-axial na fossa posterior. A
macroscopia apresentava-se como fragmentos irregulares de exérese de lesão de base
de crânio, de aspecto macio e castanho-claro.
Na microscopia, foi descrita como fragmentos de lesão cerebral com proliferação de
células com citoplasma microvacuolado de comportamento incerto e áreas de tecido conjuntivo
denso com focos de calcificação distrófica. Foi recomendado, para elucidação diagnóstica,
estudo de imuno-histoquímica.
O estudo de imuno-histoquímica sugeriu o diagnóstico de doença de Rosai-Dorfman por
se tratar de fragmentos de parênquima cerebral hipercelular à custa de células histiocíticas,
várias delas de aspecto xantomatoso, enquanto outras mostram citoplasma mais eosinofílico.
O marcador S-100 se revelou positivo ([Fig. 2]). Há infiltrado inflamatório crônico mononuclear de permeio, chamando a atenção
pela presença de células com ocasional localização intracitoplasmática nos histiócitos
(emperopolese).
Fig. 2 Imagem do estudo imuno-histoquímico demonstrando histiócitos reativos à proteína
S-100.
Discussão
A idade e o sexo do paciente deste caso se aproximam da idade e do sexo dos pacientes
de casos relatados na literatura.[5]
[6]
[7] A apresentação clínica dos tumores intracranianos é dependente da localização do
mesmo. O paciente deste relato apresentava crises convulsivas de repetição, retenção
urinária e ataxia. Outros relatos incluem cefaleia e convulsão,[7] além de declínio cognitivo, borramento visual e hemianopsia.[4]
Permanece obscura a origem da doença de Rosai-Dorfman, por vezes associada ao vírus
Epstein-Barr,[8] ou vírus da varicela-zóster, apresentando involução com uso de aciclovir.[9] Também pode estar associada a outras desordens imunes, como anemia hemolítica, poliartrite,
artrite reumatoide, glomerulonefrite, asma e diabetes juvenil.[8] Desta forma, o presente estudo objetivou descrever um caso de doença de Rosai-Dorfman
ocorrido no Sul do Brasil.
Não havendo sinal patognomônico, a radiologia sugere massa intracraniana. Deve-se
considerar para diagnóstico diferencial, além do meningioma, granuloma eosinofílico,
desordem linfoproliferativa, granuloma de células plasmáticas e doenças infecciosas.[7] À tomografia computadorizada, os tumores da doença de Rosai-Dorfman se mostram homogêneos,
lobulados, hiperatenuantes e sem calcificações.
Por sua vez, na ressonância magnética, na ponderação de T1, os tumores são homogêneos,
lobulados, isointensos ao parênquima cerebral. Na ponderação de T2, as nodulações
são heterogêneas, hipo/isointensas ao parênquima, e com intensidade semelhante à da
dura-máter.[4] Também apresentam sinal da “cauda dural,” indicando inserção na dura-máter das lesões.[7]
Dada a suspeita de meningioma, elegeu-se a cirurgia como opção terapêutica.[10] A cirurgia, seguida ou não de corticoterapia, consiste na melhor opção terapêutica
para os tumores da doença de Rosai-Dorfman.[4]
A descrição macroscópica na literatura é de massa amarelada de consistência elástica,[4] ou branco-acinzentada,[7] diferindo deste caso. Na microscopia, o fenômeno descrito como emperopolese consiste
em histiócitos com grandes núcleos vesiculares possuindo citoplasma eosinofílico pálido
contendo linfócitos ou eritrócitos em seu interior.[4] A imunorreatividade para proteína S-100 é muito sugestiva de doença de Rosai-Dorfman.[4]
[6]
[7] A imunorreatividade para marcadores CD1a deve ser negativa, sendo este, um marcador
para histiocitose de Langerhans.[6]
Por possuir caráter benigno do tumor, a cirurgia com excisão parcial ou total tem
resultado satisfatório.[7] A cirurgia pode ser seguida de corticoterapia, quimioterapia antineoplásica e radioterapia.[4] Resultados desfavoráveis foram relatados na doença multissistêmica extranodal, em
anormalidades imunológicas ou envolvimento de rim, fígado e trato respiratório inferior.[8] A doença de Rosai-Dorfman pode ter desfecho letal, apesar de tratamento intensivo
com radioterapia externa, interferon, ciclosporina, metilprednisolona, VP16 e vimblastina.[2]
Conclusão
A literatura demonstra uma essência benigna para a doença de Rosai-Dorfman, no entanto,
com etiologia obscura, podendo acometer todas as faixas etárias e com manifestações
clínicas heterogêneas.
A radiologia é incapaz de realizar diagnóstico fidedigno, sendo o principal diagnóstico
diferencial dos meningiomas. A anatomia patológica é fundamental para a confirmação
diagnóstica. A microscopia apresentou achado característico de emperopolese, e a imuno-histoquímica
mostrou imunorreatividade para proteína S-100, não sendo observada reatividade para
CD1a.
Deste modo, a cirurgia apresenta bons resultados quanto à sobrevida e tem sido adotada
como método terapêutico de escolha.