Palavras-chave
fraturas ósseas - fraturas do rádio - fixação interna de fraturas - estudos retrospectivos
Introdução
As fraturas do rádio distal são lesões frequentes, respondendo por entre 10 a 12%
das fraturas do esqueleto humano. A maioria ocorre após trauma de baixa energia, como
queda da própria altura, e está relacionada à perda de densidade óssea (osteoporose).[1]
Nos pacientes jovens, por outro lado, as fraturas do rádio estão associadas a traumas
de grande energia, como os que ocorrem nos acidentes de trânsito, esportivos e quedas
de altura.
Na literatura, não há um único método de tratamento que seja eficaz para todos os
tipos de fraturas do rádio distal.[2]
[3]
Dentre as formas de tratamento descritas, estão a imobilização gessada, o uso de fios
de Kirschner percutâneos intrafocais, extrafocais ou intramedulares, placas dorsais
e volares, e fixação externa.[4]
[5]
Os recentes avanços nos implantes e nas técnicas, como as placas bloqueadas, têm mudado
o tratamento ortopédico dessas fraturas. Os sistemas de placa e parafuso bloqueados
agem como uma unidade para a fixação da fratura, ao contrário das placas convencionais,
que necessitam de compressão entre o implante e o osso para a estabilização. Nos pacientes
idosos, que possuem uma menor densidade óssea, os sistemas de placa e parafuso bloqueados
fornecem maior rigidez e melhor estabilização do que as placas convencionais. Além
disso, o mecanismo parafuso-placa bloqueada funciona como um substituto da cortical
óssea, permitindo a utilização de parafusos monocorticais.[6]
A fixação interna estável possui vantagens, incluindo a mobilização precoce do punho
e dos dedos, facilitando a reabilitação pós-operatória e diminuindo a rigidez por
tempo de imobilização.[7]
Estudos biomecânicos demonstram maior estabilidade nas fraturas fixadas com placas
bloqueadas em relação às placas não bloqueadas, dorsais ou volares. As placas volares
possuem a vantagem de provocar menor incidência de complicações relacionadas aos tendões
extensores quando comparadas às dorsais.[8]
O objetivo do tratamento cirúrgico para as fraturas instáveis do rádio distal é obter
redução anatômica e permitir uma melhor recuperação funcional do paciente[9]
[10] No entanto, estudos mostram não haver correlação entre o restabelecimento da inclinação
volar, do comprimento radial e da inclinação radial com melhores resultados funcionais
subjetivos de pacientes tratados com imobilização gessada ou com fios de Kirschner.[9] A relação dessas medidas radiográficas com a recuperação da amplitude de movimento
é controversa.
O comprimento radial e a angulação volar são as mais citadas como responsáveis por
repercussões no movimento do punho dos pacientes tratados por fraturas do rádio distal.[10]
O objetivo do presente trabalho foi realizar um estudo retrospectivo, com base no
arquivo médico dos prontuários e das radiografias dos pacientes, avaliando seus dados
socioeconômicos, assim como clinicamente e radiograficamente, os pacientes submetidos
a osteossíntese de rádio distal com placas bloqueadas.
Material e Métodos
Realizamos um estudo retrospectivo, com base no arquivo médico dos prontuários e das
radiografias de 30 pacientes admitidos no Serviço da clínica de Ortopedia e Traumatologia
do Hospital Naval Marcílio Dias, submetidos a procedimento cirúrgico para o tratamento
das fraturas da extremidade distal do rádio, com placas com desenho de rádio distal,
de titânio, dupla coluna distal e bloqueadas com ângulo variável, operados pelos cirurgiões
Almeida S. F. e Câmara Filho J. A., entre 2016 e 2017. Foram excluídos pacientes com
esqueleto imaturo. Projeto aprovado pelo CEP com o número 2.447.319.
Os seguintes dados sociodemográficos dos pacientes foram obtidos e registrados: idade,
gênero, data da cirurgia, lado e mão dominante, dentre outros ([Tabela 1]).
Tabela 1
Paciente
|
Idade
|
Gênero
|
Membro superior acometido
|
Desvio ulnar
|
Desvio radial
|
Flexão
|
Extensão
|
Avaliação radiológica
|
1
|
91
|
M
|
E
|
26°
|
21°
|
55°
|
50°
|
Bom
|
2
|
66
|
M
|
E
|
29°
|
20°
|
58°
|
49°
|
Bom
|
3
|
49
|
F
|
D
|
28°
|
25°
|
62°
|
58°
|
Excelente
|
4
|
58
|
F
|
E
|
26°
|
25°
|
40°
|
50°
|
Excelente
|
5
|
63
|
M
|
D
|
29°
|
26°
|
45°
|
52°
|
Bom
|
6
|
54
|
F
|
D
|
28°
|
25°
|
59°
|
58°
|
Excelente
|
7
|
31
|
F
|
E
|
30°
|
25°
|
62°
|
59°
|
Excelente
|
8
|
43
|
M
|
E
|
30°
|
25°
|
80°
|
50°
|
Bom
|
9
|
76
|
F
|
D
|
29°
|
24°
|
56°
|
52°
|
Excelente
|
10
|
40
|
F
|
D
|
31°
|
23°
|
63°
|
60°
|
Excelente
|
11
|
67
|
F
|
E
|
25°
|
23°
|
55°
|
50°
|
Excelente
|
12
|
63
|
F
|
D
|
34°
|
25°
|
48°
|
56°
|
Excelente
|
13
|
79
|
F
|
E
|
30°
|
25°
|
80°
|
50°
|
Bom
|
14
|
50
|
M
|
E
|
30°
|
25°
|
70°
|
63°
|
Excelente
|
15
|
70
|
M
|
E
|
26°
|
24°
|
45°
|
50°
|
Excelente
|
16
|
52
|
M
|
D
|
31°
|
22°
|
55°
|
53°
|
Bom
|
17
|
83
|
F
|
E
|
21°
|
23°
|
55°
|
52°
|
Regular
|
18
|
68
|
F
|
E
|
30°
|
23°
|
80°
|
68°
|
Excelente
|
19
|
83
|
F
|
E
|
30°
|
20°
|
60°
|
55°
|
Excelente
|
20
|
84
|
F
|
E
|
32°
|
22°
|
55°
|
48°
|
Excelente
|
21
|
32
|
M
|
D
|
30°
|
23°
|
60°
|
56°
|
Excelente
|
22
|
49
|
M
|
E
|
30°
|
21°
|
72°
|
55°
|
Excelente
|
23
|
68
|
F
|
E
|
25°
|
20°
|
68°
|
45°
|
Excelente
|
24
|
80
|
F
|
E
|
26°
|
19°
|
63°
|
48°
|
Excelente
|
25
|
83
|
F
|
D
|
27°
|
18°
|
60°
|
49°
|
Excelente
|
26
|
58
|
F
|
D
|
30°
|
25°
|
55°
|
53°
|
Excelente
|
27
|
70
|
F
|
E
|
30°
|
24°
|
55°
|
52°
|
Excelente
|
28
|
20
|
M
|
E
|
20°
|
25°
|
58°
|
60°
|
Excelente
|
29
|
63
|
F
|
E
|
30°
|
22°
|
50°
|
58°
|
Excelente
|
30
|
58
|
F
|
D
|
29°
|
20°
|
59°
|
56°
|
|
Foram utilizadas classificações pré-operatoriamente através de radiografias nas incidências
anteroposterior e lateral do punho, de acordo com a classificação universal, proposta
por Cooney e Berger e com a classificação AO.
Os critérios de Lafontaine de instabilidade foram utilizados como parâmetros de estudos
para a indicação do procedimento cirúrgico em questão, a saber: desvio dorsal > 20°,
cominuição dorsal, encurtamento do rádio > 9 mm, envolvimento articular radiocárpico
e radioulnar distal, fraturas associadas da ulna, afastamento entre os fragmentos
intra-articulares > 2 mm e idade > 60 anos.
Clinicamente, foram observadas as amplitudes de movimentos do punho através da flexão,
da extensão, do desvio radial e ulnar entre 6 a 8 meses de pós-operatório. As medições
dos arcos de movimento foram efetuadas por pelo menos dois dos autores, e os valores
da média entre eles foram documentados com a utilização de um goniômetro.
Utilizamos radiografias nas incidências anteroposterior e lateral de ambos os punhos,
para fins comparativos de controle da redução cirúrgica. O controle radiográfico foi
avaliado de acordo com a classificação anatomorradiológica para as fraturas da extremidade
distal do rádio de Lidström em excelente, bom, regular e ruim ([Tabela 2]).
Tabela 2
Excelente
|
Deformidade insignificante:
|
- Angulação dorsal > 0°(neutro)
|
- Encurtamento radial < 3 mm
|
- Perda da inclinação radial não > 4°
|
Bom
|
Deformidade pequena:
|
- Angulação dorsal entre 1° e 10°
|
- Encurtamento radial entre 3 mm e 6 mm
|
- Perda da inclinação radial entre 5° e 9°
|
Regular
|
Deformidade moderada:
|
- Angulação dorsal entre 11° e 14°
|
- Encurtamento radial entre 7 mm e 11 mm
|
- Perda da inclinação radial entre 10° e14°
|
Ruim
|
Deformidade severa:
|
- Angulação dorsal > 15°
|
- Encurtamento radial > 11 mm
|
- Perda da inclinação radial > 15°
|
Os resultados clínicos e radiográficos foram analisados e comparados.
Resultados
Os resultados dos 30 pacientes encontram-se na [Tabela 1], sendo que o 30° paciente não tem em seu prontuário a avaliação radiológica.
Não foram observadas infecções, e as fraturas estavam consolidadas em todos os casos.
Analisando os resultados, verificou-se que as idades dos pacientes variaram de 20
a 91 anos, com média de 56 anos. Em relação ao gênero, 66,6% dos pacientes eram do
sexo feminino, e 33,3% do masculino. Em relação ao lado acometido, 63,3% das fraturas
ocorreram no lado esquerdo, e 36,3% no direito. Na avaliação radiográfica, foram encontrados
22 (75,86%) resultados excelentes, 6 (20,69%) bons, e 1 (3,45%) regular, conforme
demonstrado na [Fig. 1].
Fig. 1 Resultados das avaliações radiológicas.
Na avaliação clínica, o desvio ulnar obteve média de 28,40, desvio padrão (DP) de
3,0 e coeficiente de variação de 10,56%. O desvio radial obteve média de 22,93, DP
de 2,2 e coeficiente de variação de 9,59%. A amplitude de movimento em flexão obteve
média de 59,43, DP de 9,86 e coeficiente de variação de 16,59%. Já a extensão obteve
média de 53,83, DP de 5,09 e coeficiente de variação de 9,46% ([Tabela 3]).
Tabela 3
Estimativas
|
Desvio ulnar
|
Desvio radial
|
Flexão
|
Extensão
|
Média
|
28,40%
|
22,93%
|
59,43%
|
53,83%
|
Desvio padrão
|
3,00%
|
2,20%
|
9,86%
|
5,09%
|
Coeficiente de variação
|
10,56%
|
9,59%
|
16,59%
|
9,46%
|
Não houve nenhum relato, nos prontuários dos pacientes, de complicações no pós-operatório.
Discussão
A fratura da extremidade distal do rádio é uma lesão complexa. Ela é mais frequente
nos pacientes adultos após a 4ª década de vida, perfazendo ∼ 10 a 20% de todas as
fraturas atendidas na emergência. A faixa etária mais acometida está entre os 60 e
69 anos, sendo as mulheres as principais vítimas. No entanto, percebe-se que, nos
últimos 20 anos, um segundo pico de incidência surgiu entre aqueles com idades entre
20 e 40 anos.[11]
[12]
[13]
[14] Em nosso estudo, verificou-se que as idades dos pacientes variaram de 20 a 91 anos,
com média de 56 anos, sendo mais frequente em pacientes após a 5ª década de vida,
se aproximando com as médias encontradas pelos autores mencionados acima.
Não existem dados epidemiológicos brasileiros, mas no Reino Unido sua incidência é
de 9 por 10 mil homens e de 37 por 10 mil mulheres por ano.[15] No presente trabalho, foram avaliados 20 pacientes do sexo feminino, correspondendo
a 66,6% da amostra, e 10 pacientes do sexo masculino, correspondendo a 33,3%, evidenciando
a maior incidência deste tipo de fratura no sexo feminino. Em relação ao lado acometido,
63,3% das fraturas ocorreram no lado esquerdo, e 36,3% no lado direito.
Tem sido observado que a placa volar reduz o risco de irritação dos tendões, o que
é um dos maiores problemas da placa dorsal. E alguns autores têm relatado poucas complicações
utilizando esta placa. Entre as complicações do pós-operatório de fratura de rádio
distal encontradas na literatura estão a tenossinovite de tendão extensor ou de tendão
flexor, distrofia simpático reflexa, síndrome do túnel do carpo, atraso de consolidação,
soltura do implante, rupturas tendíneas (tendão flexor longo do polegar ou do tendão
extensor longo do polegar), consolidação viciosa, lesões neurais (nervo mediano) e
artrose radiocárpica e radioulnar.[8]
[12]
[16]
[17]
[18]
[19]
[20]
[21]
[22] Não foram observadas complicações em nosso trabalho
Leung et al[23] reportaram melhores resultados funcionais e radiográficos com a utilização da placa
volar bloqueada independentemente do tempo de seguimento pós-operatório observado
em relação à utilização de fixadores externos ou de fixação percutânea com fios de
Kirschner. O nosso trabalho corrobora com o autor quanto à obtenção de resultados
funcionais, porém discordamos quanto ao tempo de seguimento de pós-operatório, pois
observamos melhores resultados quando avaliamos após 6 meses.
Fujii et al[24] constataram não haver relação entre o resultado funcional com o restabelecimento
dos parâmetros radiográficos da extremidade distal do rádio conforme eram anteriormente
à fratura, assim como no estudo de Jaremko et al,[25] que avaliaram pacientes submetidos ao tratamento conservador para fratura da extremidade
distal do rádio e observaram que não houve relação entre os resultados funcionais
e a redução da fratura até níveis radiográficos “aceitáveis.” Xavier et al[18] relataram que os valores radiológicos não influenciam na amplitude de movimento;
nenhuma diferença significativa foi observada, pois, enquanto determinados pacientes
com uma pequena mobilização do punho mostraram radiografias classificadas como boas
ou excelentes, outros pacientes com ampla mobilização do punho apresentaram radiografias
classificadas como regulares ou ruins de acordo com van Eerten et al.[26] Drobetz et al,[20] em seu estudo, obtiveram resultados radiográficos de um total de 30 pacientes; 24
foram classificados como bons ou excelentes, sendo 7 deles classificados como excelentes
e 17 deles como bons de acordo com Lidström, o que correspondeu a 80% dos pacientes
do estudo; 4 pacientes foram classificados como regulares e 2 casos como ruins. Severo
et al,[27] em estudo de fratura de rádio distal tratado pela técnica de Ulson, obtiveram 64
resultados considerados como excelentes (43,2%), 62 bons (41,9%), 18 regulares (12,2%)
e 4 pobres (2,7%). A amplitude de movimento documentada obteve a média de flexão do
punho de 65° (normal até 80°), e de extensão de 61° (normal até 70°), radiográficos
através de análise estatística. Na avaliação radiográfica do nosso trabalho, foram
encontrados 22 (75,86%) resultados excelentes, 6 (20,69%) bons e 1 (3,45%) regular.
Analisando os dados, pode-se dizer que praticamente houve sucesso dos procedimentos
cirúrgicos, sendo que a maioria (75,86%) obteve resultados radiográficos excelentes.
E quanto ao arco de movimento, obtivemos como média para desvio ulnar 28,40°; desvio
radial 22,93°; flexão 59,43° e extensão 53,83°, o que nos leva a discordar de Fujii
et al[24] e de Jaremko et al,[25] que citam não haver relação entre o resultado funcional com o restabelecimento dos
parâmetros radiográficos da extremidade distal do rádio conforme eram anteriormente
à fratura. Porém, no nosso estudo radiográfico, o coeficiente de variação demonstrou
um resultado de dispersão homogêneo, corroborando com Drobetz et al[20] e Severo et al,[27] que em seus estudos obtiveram parâmetros radiográficos excelentes no pós-operatório.
Conclusão
Após a análise dos resultados, concluímos que:
-
As fraturas de rádio distal acometem os pacientes na 5ª década de vida.
-
O sexo feminino foi o mais acometido.
-
Houve um predomínio de acometimento do lado esquerdo.
-
Após avaliação clínica e radiológica, a utilização de placa bloqueada é um método
de tratamento com alto índice de sucesso no procedimento cirúrgico das fraturas de
rádio distal.