Palavras-chave
coluna vertebral/cirurgia - comorbidade - linfócitos - morbidade - mortalidade - metástase
neoplásica - complicações pós-operatórias
Introdução
Por estar relacionado a uma alta incidência de complicações pós-operatórias,[1] o tratamento cirúrgico para metástase vertebral é controverso, e vem sendo debatido
no ambiente acadêmico há décadas.[2] Outras formas de tratamento, como a radioterapia, têm menos efeitos adversos,[3] e se tornam cada vez mais atraentes, principalmente por se tratar de um grupo de
pacientes que, frequentemente, não atinge doze meses de sobrevida.[4] O portador de doença metastática vertebral (DMV) tem em média 60 anos de idade,
e um estado de saúde fragilizado por comorbidades como imunodepressão e desnutrição.[5]
Nos casos de tratamento cirúrgico da DMV, as complicações pós-operatórias ocorrem
em 17-51% dos casos,[1]
[6] e, muitas vezes, interferem negativamente na história natural da doença, abreviando
a já curta sobrevida do paciente. Por outro lado, quando se leva em consideração a
cirurgia, há evidências científicas dos benefícios desse tratamento, inclusive com
resultados superiores aos da radioterapia isolada,[7] pois possibilita a descompressão intracanal direta das estruturas (ressecção da
massa tumoral), e também a estabilização mecânica da coluna vertebral pela fixação
cirúrgica. Esses procedimentos podem levar à manutenção/recuperação da função urinária,
redução da dor, e recuperação, em alguns casos, da capacidade de deambulação.[8]
[9]
[10]
A antecipação de eventos adversos resultantes da cirurgia em casos de DMV e a previsão
da evolução positiva ou negativa dos casos operados por meio de modelos preditivos
(MPs) também originam muitas pesquisas. Vários MPs estão disponíveis na literatura,
sendo que alguns ajudam na seleção de pacientes, mas a maioria tem como função principal
estimar o tempo de sobrevida do paciente.[11] Os autores não encontraram na literatura atual nenhum MP que ajudasse a estimar
a morbimortalidade precoce após o tratamento cirúrgico de DMV. Assim, os objetivos
do presente estudo foram avaliar os parâmetros clínicos e laboratoriais que influenciam
a morbimortalidade precoce após o tratamento cirúrgico da DMV e determinar, com base
na análise multivariada desses parâmetros, um MP que ajude o médico assistente a estimar
a morbimortalidade pós-operatória precoce em pacientes com lesões metastáticas vertebrais.
Materiais e Métodos
Foi realizada uma análise retrospectiva de uma coorte de pacientes operados por DMV
entre janeiro de 2002 e 31 de dezembro de 2015. Este estudo foi aprovado pelo Comitê
de Ética da instituição onde foi realizado o estudo. Por se tratar de estudo retrospectivo,
não houve necessidade de aplicação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Critérios de Inclusão
(1) Pacientes únicos e consecutivos submetidos a cirurgia aberta; e (2) presença de
estudo anatomopatológico confirmando o diagnóstico de neoplasia maligna vertebral
metastática.
Critérios de Exclusão
(1) Cirurgia primária ou revisão em outra instituição; (2) dados incompletos de prontuário;
e (3) perda de seguimento.
Determinação dos fatores de risco possivelmente prognósticos
Os autores consideraram as seguintes características pré-operatórias como possíveis
fatores de risco para a ocorrência dos desfechos negativos na DMV:
-
sexo masculino;
-
idade ≥ 70 anos;
-
presença de pelo menos uma comorbidade da lista do [Quadro 1]. As comorbidades listadas foram obtidas pela união das comorbidades significativas
propostas por Charlson et al[12] e Elixhauser et al;[13]
-
tumor primário considerado de progressão não lenta. Adotou-se o modelo de Tomita et
al,[14] em que são consideradas neoplasias de progressão lenta o câncer de mama, de próstata
e de tireoide. Neste grupo, foram também considerados tumores de progressão lenta
o mieloma múltiplo e o linfoma;
-
contagem de leucócitos ≥ 13.000 células/µL no sangue periférico; e
-
contagem de linfócitos < 1.000 células/µL no sangue periférico.
Quadro 1
• Diabetes
• Doença pulmonar crônica
• Infarto do miocárdio prévio
• Insuficiência cardíaca congestiva
• Arritmia cardíaca
• Doença da circulação pulmonar
• Doença vascular periférica
• Doença vascular cerebral
• Demência
• Insuficiência renal
• Insuficiência hepática
• Doença do tecido conjuntivo
• Coagulopatia
• Paralisia prévia
• Úlcera péptica
• Síndrome da imunodeficiência adquirida
|
Possíveis Desfechos do Tratamento da Doença Metastástica Vertebral Para Elaboração
de Modelo Preditivo
Para a elaboração do MP, foram considerados os seguintes desfechos:
-
mortalidade em 30 dias de pós-operatório;
-
mortalidade em 90 dias de pós-operatório; e
-
incidência de pelo menos uma complicação.
Foram consideradas complicações pós-operatórias aquelas ocorridas em até 30 dias do
procedimento, com base na definição da Organização Mundial da Saúde (OMS).[15] Elas foram caracterizadas e classificadas pelo método de Rampersaud et al,[16] sendo incluídas apenas as maiores, que foram agrupadas em:
-
locais/sistêmicas; e
-
infecciosas/não infecciosas.
Modelo Preditivo
A comparação da frequência de ocorrência dos desfechos em indivíduos expostos e não
expostos aos possíveis fatores de risco, e a análise multivariada, determinando os
fatores com significância estatística e os fatores associados a todos os desfechos,
permitiram a hierarquização dos riscos em baixo, moderado, alto e extremo. O MP foi
testado com relação à tendência de ocorrência de eventos, à capacidade de discriminação,
e à calibração.
Análise Estatística
Variáveis contínuas foram dicotomizadas e tratadas como variáveis categóricas. Os
testes de Fisher e qui-quadrado foram aplicados para a avaliação de risco. A análise
da mortalidade em 30 e 90 dias de pós-operatório foi realizada de forma separada para
cada ponto no tempo. O método de Kaplan-Meier foi utilizado para elaboração das curvas
de sobrevida. As categorias do MP final foram comparadas quanto à tendência de ocorrência
de eventos por meio do teste qui-quadrado. A capacidade de discriminação e a calibração
do modelo final foram analisadas por meio da curva da característica de operação do
receptor (COR) e do teste de Hosmer-Lemeshow, respectivamente. Modelos de regressão
logística foram aplicados aos grupos de variáveis, desde que p < 0,05 na análise bivariada. O intervalo de confiança foi de 95% para todas as análises.
Os programas de computador R (R Foundation for Statistical Computing, Viena, Áustria),
versão 3.3.1, e MedCalc (MedCalc Software, Ostende, Bélgica), versão 17.6, foram utilizados
para a realização dos testes estatísticos.[17]
[18]
Resultados
Pacientes
Foram operados 306 pacientes, e, após a adoção dos critérios de inclusão e exclusão,
restaram 205 pacientes que compõem este estudo. Na [Tabela 1], estão apresentadas as características gerais dos pacientes estudados.
Tabela 1
Variável
|
n (%)
|
Sexo masculino
|
114 (55%)
|
Idade (anos), média ± desvio padrão
|
58,9 ± 13,3
|
Óbitos antes da alta
|
14 (7%)
|
Vivos durante a coleta dos dados
|
12 (6%)
|
Abordagem
|
|
Cervical/cervicotorácica
|
11 (5%)
|
Torácica
|
70 (34%)
|
Toracolombar
|
71 (35%)
|
Lombar/lombossacra
|
49 (24%)
|
Múltipla
|
4 (2%)
|
Via de acesso posterior
|
201 (95%)
|
Tumor primário
|
|
Próstata
|
51 (24%)
|
Mama
|
43 (21%)
|
Mieloma múltiplo
|
26 (13%)
|
Desconhecido
|
20 (10%)
|
Útero
|
12 (6%)
|
Outros
|
53 (25%)
|
Comorbidades
|
|
Diabetes
|
25 (12%)
|
Doença pulmonar crônica
|
20 (10%)
|
Insuficiência cardíaca
|
7 (3%)
|
Infarto do miocárdio prévio
|
5 (2%)
|
Arritmia cardíaca
|
4 (2%)
|
Outras
|
13 (6%)
|
Fatores de Risco Possivelmente Prognósticos
Um total de 114 pacientes (55%) eram do sexo masculino; 48 pacientes (23%) apresentavam
idade ≥ 70 anos; 65 pacientes (32%) apresentavam 1 ou mais comorbidades; 81 pacientes
(40%) eram portadores de tumores de progressão não lenta; 40 pacientes (20%) apresentavam
leucócitos ≥ 13.000 células/µL (média de 9.700 células/µL); e 51 pacientes (25%) apresentavam
linfócitos < 1.000 células/µL (média de 1.600 células/µL).
Possíveis Desfechos do Tratamento da Doença Metastástica Vertebral Para a Elaboração
de Modelo Preditivo
A mortalidade em 30 dias foi de 17% (n = 36), e em 90 dias, de 43% (n = 88). A incidência
de complicações pós-operatórias foi de 31% (n = 64), e está apresentada na [Tabela 2].
Tabela 2
Variáveis
|
n (%)
|
Sistêmicas
|
|
Pneumonia
|
14 (6,8)
|
Óbito de causa desconhecida
|
11 (5,4)
|
Hemorragia digestiva
|
4 (2,0)
|
Insuficiência respiratória
|
3 (1,5)
|
Insuficiência renal
|
2 (1,0)
|
Sepse de foco urinário
|
1 (0,5)
|
Sepse de foco desconhecido
|
1 (0,5)
|
Outras
|
4 (2,0)
|
Subtotal
|
40 (19,5)
|
Complicações Locais
|
|
Infecção de ferida
|
20 (9,8)
|
Deiscência
|
2 (1,0)
|
Hematoma
|
1 (0,5)
|
Piora neurológica
|
1 (0,5)
|
Subtotal
|
24 (11,7)
|
Infecciosas
|
36 (17,5)
|
Não infecciosas
|
28 (13,7)
|
Grau III
|
19 (9,3)
|
Grau IV
|
45 (21,9)
|
Total
|
64 (31,2)
|
Análise Estatística
As [Tabelas 3] e [4] apresentam estudo analítico de risco com relação aos possíveis fatores preditivos
dos desfechos. Detectou-se que as características que se comportam como fator de risco
independente para a ocorrência de complicações do tipo sistêmicas são: idade ≥ 70
anos (razão de probabilidades [RP]: 2,44; p < 0,05); tumor primário de progressão não lenta (RP: 2,54; p < 0,05); e contagem total de linfócitos < 1.000 células/µL (RP: 3,19; p < 0,01). Tumor primário de progressão não lenta é a única característica pré-operatória
associada com infecção de sítio cirúrgico (RP: 2,52; p < 0,05). Idade ≥ 70 anos e tumor primário de progressão não lenta são fatores de
risco independentes para complicação do tipo infecciosa (RP: 2,82; p < 0,05; e RP: 3,22; p < 0,01, respectivamente). Após análise multivariada, a mortalidade advinda de complicação
está associada com idade ≥ 70 anos (RP: 3,35; p < 0,01), presença de comorbidades (RP: 2,74; p < 0,01), e contagem total de linfócitos < 1.000 células/µL (RP: 3,61; p < 0,0001). O óbito relacionado a complicações infecciosas, após análise de múltiplas
variáveis, tem correlação com idade ≥ 70 anos (RP: 2,61; p < 0,05), tumor primário de progressão não lenta (RP: 2,82; p < 0,05), e contagem total de linfócitos < 1.000 células/µL (RP: 4,23; p < 0,01).
Tabela 3
Característica
|
n (%)
|
Razão de probabilidades para mortalidade em 30 dias (IC)
|
Razão de probabilidades para mortalidade em 90 dias (IC)
|
Razão de probabilidades para incidência de complicação (IC)
|
Sexo
|
|
|
|
|
Feminino
|
91
|
Ref.
|
Ref.
|
Ref.
|
Masculino
|
114
|
1,00* (0,48–2,06)
|
1,05* (0,60–1,83)
|
1,15* (0,63–2,10)
|
Idade (anos)
|
|
|
|
|
< 70
|
157
|
Ref.
|
Ref.
|
Ref.
|
≥ 70
|
48
|
2,94*** (1,37–6,31)
|
2,08** (1,08–4.00)
|
3,13**** (1,60–6,14)
|
Comorbidades
|
|
|
|
|
Ausente
|
140
|
Ref.
|
Ref.
|
Ref.
|
Presente
|
65
|
2,60*** (1,24–5,41)
|
2,87**** (1,57–5,27)
|
2,61*** (1,40–4,88)
|
Tumor primário de progressão lenta
|
|
|
|
|
Sim
|
124
|
Ref.
|
Ref.
|
Ref.
|
Não
|
81
|
2,21** (1,07–4,59)
|
3,79**** (2,10–6,85)
|
2,48*** (1,35–4,56)
|
Leucócitos (µL)
|
|
|
|
|
< 13.000
|
165
|
Ref.
|
Ref.
|
Ref.
|
≥ 13.000
|
40
|
1,78* (0,77–4,08)
|
3,17*** (1,54–6,52)
|
1,81* (0,88–3,74)
|
Linfócitos (µL)
|
|
|
|
|
≥ 1.000
|
154
|
Ref.
|
Ref.
|
Ref.
|
< 1.000
|
51
|
3,06*** (1,44–6,52)
|
1,96** (1,03–3,72)
|
2,71*** (1,40–5,25)
|
Tabela 4
Característica
|
n (%)
|
Razão de probabilidades para mortalidade em 30 dias (IC)
|
Razão de probabilidades para mortalidade em 90 dias (IC)
|
Razão de probabilidades para incidência de complicação (IC)
|
Idade (anos)
|
|
|
|
|
< 70
|
157
|
Ref.
|
Ref.
|
Ref.
|
≥ 70
|
48
|
2,73** (1,20–6,20)
|
2,06* (0,98–4,36)
|
3,15*** (1,51–6,59)
|
Comorbidades
|
|
|
|
|
Ausente
|
140
|
Ref.
|
Ref.
|
Ref.
|
Presente†
|
65
|
2,33** (1,07–5,07)
|
2,60*** (1,33–5,12)
|
2,37** (1,21–4,65)
|
Tumor primário de progressão lenta
|
|
|
|
|
Sim
|
124
|
Ref.
|
Ref.
|
Ref.
|
Não†
|
81
|
2,56** (1,17–5,62)
|
4,30**** (2,23–8,30)
|
3,07*** (1,56–6,04)
|
Leucócitos (µL)
|
|
|
|
|
< 13.000
|
165
|
Ref.
|
Ref.
|
Ref.
|
≥ 13.000
|
40
|
––
|
2,94** (1,29–6,70)
|
––
|
Linfócitos (µL)
|
|
|
|
|
≥ 1.000
|
154
|
Ref.
|
Ref.
|
Ref.
|
< 1.000†
|
51
|
3,07*** (1,37–6,87)
|
2,19** (1,06–4,51)
|
2,84*** (1,37–5,85)
|
Modelo Preditivo
Na [Tabela 4], estão explicitados os fatores de risco independentes para a ocorrência dos desfechos
desta pesquisa. Aqueles que apresentaram significância estatística para os três desfechos
foram incluídos no MP, que está ilustrado no [Quadro 2].
Quadro 2
Fatores de risco
|
Fatores presentes
|
Categoria de risco
|
• Presença de pelo menos uma comorbidade
• Tumor primário de progressão não lenta
• Contagem total de linfócitos no sangue periférico abaixo de 1.000 células/µL
|
0
|
Baixo
|
1
|
Moderado
|
2
|
Alto
|
3
|
Extremo
|
As [Figuras 1], [2] e [3] mostram as curvas de sobrevida em 90 dias de pós-operatório, de acordo com as características
utilizadas para desenvolver o MP final. A exposição a nenhum, um, dois ou três fatores
foi o critério que definiu as categorias de baixo, moderado, alto e extremo risco,
respectivamente. A [Figura 4] ilustra a incidência de morbimortalidade precoce de acordo com cada categoria de
risco do MP. A [Figura 5] mostra a sobrevida em 90 dias de pós-operatório, de acordo com as 4 categorias de
risco. Comparando-se as categorias do menor para o maior risco, houve aumento progressivo
na ocorrência dos desfechos, seguindo tendência linear (p < 0,0001). O mesmo ocorreu quando analisadas as complicações sistêmicas (p < 0,0001), infecciosas (p < 0,0001), óbito por complicação (p < 0,0001), óbito por complicação infecciosa (p < 0,0001) e infecção de ferida operatória (p < 0,05). A capacidade de discriminação do modelo, segundo a curva COR, foi de 72%
para mortalidade em 30 dias, de 73% para mortalidade em 90 dias, e de 70% para incidência
de complicações. Não houve evidência de falta de calibração pelo teste de Hosmer-Lemeshow.
Fig. 1 Sobrevida em 90 dias de pós-operatório de acordo com a presença de comorbidades.
Fig. 2 Sobrevida em 90 dias de pós-operatório de acordo com a velocidade de progressão tumoral.
Fig. 3 Sobrevida em 90 dias de pós-operatório de acordo com a contagem pré-operatória de
linfócitos no sangue periférico.
Fig. 4 Morbimortalidade precoce após tratamento cirúrgico para metástase vertebral, de acordo
com o modelo preditivo (MP) proposto.
Fig. 5 Sobrevida em 90 dias de pós-operatório de acordo com o modelo preditivo (MP) proposto.
Discussão
As complicações da DMV em relação a desfechos cirúrgicos desfavoráveis, incluindo
o óbito, que é o pior deles, em nada se comparam às obtidas no tratamento cirúrgico
da maioria das doenças ortopédicas. Na cirurgia da DMV, a mortalidade em 90 dias é
importante, e a maioria dos autores concorda que esse intervalo de tempo seja o mínimo
previsto para se indicar um procedimento altamente mórbido e paliativo.[19] No entanto, há poucos estudos que abordam esse ponto de corte na sobrevida pós-operatória.[20]
Supõe-se que características clínicas pré-operatórias exerçam maior influência nos
resultados cirúrgicos precoces quando comparados com resultados de longo prazo. Os
MPs tradicionais, como o sistema de pontuação de Tokuhashi,[21] focam mais em características que se mostram associadas a resultados cirúrgicos
de médio e longo prazo, como a presença de metástases viscerais. Talvez por isso,
o escore de Tokuhashi só estime eventos a partir de 180 dias do procedimento. Mais
recentemente, Schoenfeld et al[20] apontam o nível sérico de albumina como um forte fator de risco para mortalidade
em 30 dias, superando até mesmo a velocidade de progressão tumoral. O presente estudo,
com a esperança de identificar fatores prognósticos mais significativos, e que possam
alterar positivamente os desfechos em até três meses do procedimento, avalia algumas
características clínicas menos valorizadas em estudos prévios, tais como os índices
de comorbidades e a contagem celular no sangue periférico.
Os índices de comorbidades são abordados em raras pesquisas sobre DMV. Patil et al[1] relatam risco aumentado em 50% de complicações da cirurgia em DMV em pacientes que
apresentam duas comorbidades, de acordo com as citadas por Elixhauser et al.[13] Arrigo et al[22] observam risco aumentado em até cinco vezes em pacientes com duas ou mais comorbidades
citadas por Charlson et al.[12] O presente trabalho mostra que a presença de pelo menos uma comorbidade entre aquelas
obtidas pela união das citadas por Charlson et al[12] e Elixhauser et al[13] representa um fator de risco independente para morbimortalidade precoce após cirurgia
em metástase vertebral. Esse é um fator de risco não relatado anteriormente na literatura.
A linfocitopenia secundária pode ter diversas etiologias, entre elas desnutrição,
infecção, uso de corticosteroides, radioterapia e quimioterapia. Essas condições são
frequentes na DMV. A linfocitopenia reduz a ação dos linfócitos B, T e dos exterminadores
naturais contra bactérias, vírus e fungos, deixando o organismo suscetível a infecções
locais ou à distância. O zinco e algumas vitaminas têm um papel na maturação celular,
e a sua carência pode explicar em parte a linfocitopenia apresentada pelos pacientes
desnutridos.[23] Embora a baixa contagem de linfócitos seja um antigo marcador nutricional[24] e um conhecido fator de mau prognóstico no câncer,[25] surpreendentemente, a revisão da literatura não mostra a linfocitopenia pré-operatória
como fator de risco para cirurgia em DMV. Os trabalhos revisados utilizam ponto de
corte diferente para contagem celular (1.500/µL), o que pode explicar os achados conflitantes.[5]
[26] Por outro lado, na atual pesquisa, a contagem total de linfócitos < 1.000/µL se
mostrou um forte fator de risco. A presença deste dado representa um fator de aumento
significativo na ocorrência precoce de complicações e óbito. Ele esteve relacionado
a um risco aumentado em quase cinco vezes para a ocorrência de óbito advindo de complicação
infecciosa. Nesta série, uma paciente com contagem total de linfócitos pré-operatória
de 245/µL foi a óbito em decorrência de sepse por Candida sp, um raro agente causador de infecção sistêmica.
Estudos prévios apontaram que pacientes idosos apresentam piores resultados cirúrgicos
em DMV.[26]
[27] Neste estudo, identificou-se que indivíduos com 70 anos ou mais têm risco aumentado
em 2,73 vezes de mortalidade em 30 dias; em 3,15 vezes de complicações totais; em
2,44 vezes de complicações sistêmicas; em 2,82 vezes de complicações infecciosas;
em 3,35 vezes na incidência de óbito por complicação; e em 2,61 vezes na incidência
de óbito por complicação infecciosa. No entanto, por falhar na previsão de mortalidade
em 90 dias, essa característica foi excluída do MP final.
Não surpreendem os resultados encontrados sobre a influência da agressividade do tumor
primário em relação à incidência de complicações e à mortalidade em 30 e 90 dias da
cirurgia. Diversos estudos pregressos relatam pior prognóstico em grupos de pacientes
portadores de tumores com tipos histológicos mais agressivos.[26]
Neste trabalho, foi proposto um MP para estimar morbimortalidade precoce em DMV que
leva em consideração não somente a agressividade do tumor primário, como também a
condição sistêmica do paciente ([Quadro 2]). Laufer et al,[28] em seu algoritmo para conduta, afirmam que a condição sistêmica do paciente é fator
decisivo na tomada de decisão cirúrgica. No entanto, nenhum dos muitos MPs existentes
na literatura considera a presença de comorbidades e a capacidade imunológica do paciente.[11] Apenas Ghori et al[29] fazem referência à influência no estado nutricional analisando a albumina sérica,
e sugerem esse fator como uma possível ferramenta estimadora de complicações.
O MP proposto estima, por categoria, a ocorrência de eventos desfavoráveis em 90 dias
da cirurgia. Neste trabalho, os pacientes de baixo risco apresentaram as menores taxas
de morbimortalidade pós-operatória, enquanto os pacientes na categoria de extremo
risco apresentaram os piores resultados ([Figuras 4] e [5]). Pesquisas futuras poderiam esclarecer se este MP é útil para orientar a decisão
terapêutica. Acredita-se que, devido à simplicidade de aplicação, este MP poderia
ser uma das primeiras ferramentas utilizadas na avaliação do paciente com DMV.
Esta pesquisa tem diversas limitações, e, sem dúvida, necessita validação futura,
principalmente em relação aos resultados do MP. Pelo desenho retrospectivo, pode ter
ocorrido viés de seleção, de aferição e de suscetibilidade. Os resultados podem não
ser generalizáveis pelo fato de o estudo ter sido realizado em uma única instituição
e sobre uma amostra tipicamente heterogênea.
Conclusões
Os fatores pré-operatórios que permitem predizer a morbimortalidade precoce em casos
de DMV são: idade ≥ 70 anos; presença de pelo menos uma comorbidade de índice específico;
tumor primário de progressão não lenta; leucócitos ≥e 13.000 células/µL; e contagem
total de linfócitos < 1.000 células/µL. O MP proposto permite estimar a morbimortalidade
da cirurgia na DMV e hierarquizar os riscos cirúrgicos em baixo, moderado, alto e
extremo.