Palavras-chave articulação do cotovelo - contratura - rigidez pós-traumática - liberação da cápsula
articular - resultado do tratamento
Introdução
O cotovelo tem a função de movimentar e posicionar a mão no espaço.[1 ] Sua amplitude de movimento (ADM) é essencial para a maioria das atividades diárias.
É aceito que a ADM funcional do cotovelo é entre -30° de extensão e 130° de flexão,
e de 100° de pronossupinação, sendo 50° para cada direção.[2 ] Atividades contemporâneas, como utilizar o computador e o telefone celular, aparentemente
exigem respectivamente uma maior pronação e flexão do que as definidas na ADM funcional.[3 ]
A rigidez pós-traumática do cotovelo (RPTC) é definida como a perda de qualquer grau
de movimento após um trauma; porém, a maioria dos autores considera como indicação
de tratamento apenas quando ocorre perda da ADM funcional.[4 ]
[5 ]
[6 ] A verdadeira incidência da RPTC não é conhecida. Aproximadamente 12% das lesões
no cotovelo resultam em contraturas que requerem algum tipo de liberação cirúrgica.[7 ]
[8 ]
O tratamento da RPTC apresenta inúmeros desafios. Devido à variabilidade das lesões,
das causas e da sintomatologia, existem grandes dificuldades na homogeneização dos
protocolos e na comparação de resultados entre os diferentes tratamentos. Pacientes
com diferentes níveis de gravidade, de tempo de rigidez, de dor e de artrose, evoluem
de maneiras distintas com tratamentos semelhantes.[9 ]
[10 ]
[11 ]
[12 ]
Para os pacientes com RPTC sem consolidação viciosa, pseudartrose, material de síntese
intra-articular ou ossificação heterotópica (OH), e sem melhora com a fisioterapia
convencional, existem duas opções de tratamento:[13 ]
[14 ] liberação cirúrgica ou protocolos de reabilitação com terapia ocupacional, com mobilização
leve e progressiva associada ao uso de órteses.
Diversas técnicas cirúrgicas já foram descritas para o tratamento da RPTC, desde as
mais agressivas, com liberação extensa associada ao fixador externo,[15 ] até as minimamente invasivas[5 ] e por via artroscópica.[16 ] Os autores relatam bons resultados, com ganho significativo da função e ADM do cotovelo,
com taxas de complicação que variam de 0% a 88%.[6 ] Porém, existem poucos estudos com bom nível de evidência, com apenas duas séries
prospectivas de casos.[14 ]
[17 ]
Nosso objetivo é demonstrar os resultados clínicos e a taxa de complicação de uma
técnica de liberação aberta, por via posterior única, sem o uso de fixador externo,
seguida de um protocolo de reabilitação padronizado. O desfecho primário deste estudo
é avaliar a ADM de flexoextensão dos pacientes. Os desfechos secundários são avaliar
o resultado clínico, de acordo com a escala Mayo Elbow Performance Score (MEPS),[18 ] o questionário Disabilities of the Arm, Shoulder and Hand (DASH)[19 ] e a escala visual analógica (EVA) de dor, o ganho absoluto e relativo da ADM de
flexoextensão,[20 ] a flexão e extensão máximas, a ADM de pronossupinação, e a taxa de complicações.
Materiais e Métodos
Desenho do Estudo
Realizamos um estudo prospectivo envolvendo 33 pacientes com RPTC. Os pacientes foram
operados entre maio de 2013 e junho de 2018 em um único centro. As cirurgias foram
realizadas por dois cirurgiões, que seguiram a mesma técnica cirúrgica. O protocolo
foi aprovado pela Comissão de Ética de nosso serviço, e registrado na Plataforma Brasil.
Participantes
Os critérios de inclusão foram idade entre 18 e 65 anos, histórico prévio de trauma
que evoluiu com rigidez articular do cotovelo, ADM de flexoextensão do cotovelo menor
do que 100° ou extensão máxima menor do que -30°, ou flexão máxima menor do que 130°,
com mais de 6 meses do trauma inicial. Não foram incluídos os pacientes com bloqueio
articular (arco de movimento igual a 0°), lesão neurológica do membro superior acometido,
doença mental ou incapacidade para compreender os questionários, infecção prévia no
cotovelo, e OH.
Intervenção
As cirurgias tiveram início após realização de bloqueio do plexo braquial interescalênico
associado à anestesia geral sem colocação de garrote. Os pacientes foram posicionados
em decúbito dorsal. Todos os pacientes receberam antibioticoprofilaxia com cefazolina
1 g por via intravenosa de 8 em 8 horas, por um período de 24 horas, sendo a primeira
dose administrada 30 minutos antes do início da cirurgia.
Foi realizado acesso ao cotovelo por via posterior ampla de 12 cm a 15 cm, desviando
lateralmente da ponta do olécrano. O nervo ulnar foi identificado, liberado e protegido,
seguido de dissecção lateral e medial do músculo tríceps braquial até o úmero, sem
desinserção do tendão tricipital. A massa extensora do antebraço foi elevada da cápsula
anterior, seguida de liberação de sua inserção umeral em conjunto com o ligamento
colateral lateral. A porção posterior do ligamento colateral medial foi liberada.
Realizamos a liberação de aderências articulares entre o músculo tríceps braquial
e o úmero, excisão de osteófitos periarticulares, desbridamento e limpeza da fossa
olecraniana, e liberação da cápsula anterior da porção distal do úmero. Após liberação
completa e ganho total da amplitude de movimento, foi realizada a reinserção dos ligamentos
colateral lateral e medial com pontos transósseos com fios não absorvíveis Ethibond
Excel 2-0 (Johnson&Johnson, New Brunswick, NJ, EUA). Antes do fechamento por planos,
foi checada a manutenção da amplitude de movimento e colocado dreno a vácuo em todos
os casos, em volta da articulação, de modo a não ficar interposto nela. Foi realizada
transposição subcutânea anterior do nervo ulnar. O curativo foi realizado com gaze
e enfaixamento seguido de imobilização em extensão máxima com tala gessada anterior.
A técnica utilizada é demonstrada no vídeo suplementar ao artigo e na [Figura 1 ].
Fig. 1 Imagem da técnica cirúrgica. (A ) via posterior ampla; (B ) dissecção medial e localização do nervo ulnar; (C ) dissecção lateral e visualização da cabeça do rádio e capítulo; (D ) fechamento e aspecto final com colocação de dreno a vácuo.
Os pacientes permaneceram três dias internados para controle da dor, edema (manutenção
do membro elevado) e mobilização precoce. O seguimento deles foi feito pela equipe
de terapia ocupacional, e eles foram submetidos a um protocolo de reabilitação padronizado.
No primeiro dia pós-operatório, foi realizada uma órtese de polietileno em extensão
máxima com a equipe de terapia ocupacional, que foi utilizada em período integral,
sendo retirada apenas para a higienização e para os exercícios. Os pacientes foram
submetidos a movimento passivo contínuo (MPC) diariamente por uma hora durante o período
de internação, e duas vezes na semana após a alta hospitalar, durante as sessões de
terapia ocupacional. Os pacientes fizeram exercícios ativos livres e assistidos durante
o dia, realizando extensão, flexão, pronação e supinação, e foram estimulados a realizar
atividades diárias sem carga com o membro. Durante as sessões de terapia ocupacional,
os pacientes aprenderam a fazer os exercícios em casa, visando não ultrapassar quatro
pontos de dor de acordo com a EVA. Eles foram instruídos a praticar diariamente os
exercícios em casa, a cada 2 horas por 5 a 10 minutos. O dreno a vácuo foi retirado
após 48 horas da cirurgia, sendo realizado o MPC com o uso do dreno. Na primeira semana,
os pacientes utilizaram a órtese estática em extensão, retirando-a para a higienização
e para os exercícios feitos em casa. Após este período, retiraram-na apenas para dormir.
Após 1 mês da cirurgia, eles começaram a utilizar a órtese dinâmica para ganho de
flexão, 3 vezes ao dia, por períodos de 30 minutos. As órteses foram reajustadas conforme
a necessidade durante as sessões de terapia ocupacional. As órteses são demonstradas
na [Figura 2 ].
Fig. 2 Caso ilustrando o (A ) aparelho de movimento passivo contínuo (MPC); (B ) a órtese estática para ganho da extensão; e (C ) a órtese dinâmica para ganho da flexão.
Desfechos
O desfecho primário do estudo foi a ADM de flexoextensão do cotovelo após seis meses
da cirurgia.
Os desfechos secundários foram as escalas MEPS e EVA, o questionário DASH, a ADM de
pronossupinação, o ganho relativo da ADM, as incidências de complicações clínicas
e radiográficas, e a necessidade de nova abordagem cirúrgica. Os resultados da escala
MEPS foram categorizados em excelentes (> 90 pontos), bons (entre 75 e 89 pontos),
regulares (entre 60 e 74) e ruins (< 60 pontos).
Variáveis Analisadas
A avaliação da ADM de flexoextensão do cotovelo foi realizada em graus com o auxílio
de um goniômetro manual por um avaliador treinado, não participante da equipe de reabilitação,
com o paciente em posição ortostática e com ombro elevado a 90°. Para a pronossupinação,
o paciente foi avaliado com o ombro em adução e rotação neutra, e com o cotovelo fletido
a 90°. Com a mão, o paciente segurou um bastão.
Outras variáveis clínicas foram avaliadas, tais como: características gerais (gênero,
idade, dominância e lado acometido); hábitos (tabagismo); doenças pré-existentes (diabetes,
hipertensão arterial e hipotireoidismo); presença de fraturas prévias; e tratamento
prévio realizado (cirúrgico ou conservador).
Antes do início do tratamento, foram realizadas tomografia computadorizada e radiografias
de frente e perfil do cotovelo em todos os pacientes. Foram avaliados a presença de
corpos livres e de osteófitos, o grau de degeneração articular,[21 ] e a presença de material de síntese.
As complicações foram anotadas de acordo com a sua ocorrência, e o número total delas
e de pacientes foram registrados separadamente. A reabordagem cirúrgica e o tipo de
cirurgia realizada também foram registrados.
Análise Estatística
Avaliamos a normalidade dos dados por meio do teste de Shapiro-Wilk, e a homogeneidade,
por meio do teste de Levene. Apresentamos as variáveis contínuas em médias e desvio
padrão. As variáveis categóricas foram apresentadas em valores absoluto e percentual.
Para a análise da evolução ao longo do tempo dos desfechos clínicos, foi realizado
o teste de Friedman. A análise dos dados categóricos foi realizada com o teste exato
de Fischer ou do qui-quadrado.
Valores de p < 0,05 foram considerados estatisticamente significativos.
Para a análise dos dados, utilizou-se o programa Statistical Package for the Social
Sciences (SPSS, IBM Corp., Armonk, NY, EUA), versão 21.0.
Resultados
Foram operados 33 pacientes com RPTC. Destes, seis foram excluídos por perda de seguimento.
Foram analisados 26 pacientes, com 6 meses de seguimento. Os dados gerais da amostra
podem ser vistos na [Tabela 1 ]. Os dados radiográficos estão expostos na [Tabela 2 ].
Tabela 1
Características clínicas
Casos
Gênero, n (%)
Masculino
17 (65,4)
Feminino
9 (34,6)
Idade, anos
Média (desvio padrão)
37,3 (11,3)
Tabagismo, n (%)
Sim
2 (7,7)
Ex-tabagista
3 (11,5)
Não
21 (80,8)
Diabetes, n (%)
Sim
2 (7,7)
Não
24 (92,3)
Problemas no trabalho, n (%)
Sim
7 (26,9)
Não
19 (73,1)
Lado acometido, n (%)
Direito
14 (53,8)
Esquerdo
12 (46,2)
Lado dominante acometido, n (%)
Sim
14 (53,8)
Não
12 (46,2)
Fratura prévia, n (%)
Sim
19 (73,1)
Não
7 (26,9)
Cirurgia prévia, n (%)
Sim
8 (30,8)
Não
18 (69,2)
Tabela 2
Características radiográficas
Casos
Presença de material de síntese, n (%)
Sim
8 (30,8)
Não
18 (69,2)
Cabeça do rádio, n (%)
Sem deformidade
16 (61,5)
Com deformidade
7 (26,9)
Ausente
2 (7,7)
Prótese
1 (3,8)
Corpos livres, n (%)
Sim
10 (38,5)
Não
16 (61,5)
Osteófitos, n (%)
Sim
13 (50,0)
Não
13 (50,0)
As causas que levaram à RPTC foram: sete casos por fratura do úmero distal; cinco
pacientes por fratura isolada da cabeça do rádio; quatro casos por tríade terrível;
quatro pacientes por fratura do coronoide; dois casos por luxação do cotovelo isolada;
e quatro pacientes por outras causas (um por ferimento corto-contuso, dois por imobilização
prolongada por contusão, e um por contusão do cotovelo associada a traumatismo cranioencefálico).
A média da ADM de flexoextensão do cotovelo, ao final de 6 meses de seguimento, foi
de 98,3° ± 22,0°, com um ganho de ADM de flexoextensão do cotovelo de 40,0° ± 14,0°
em relação ao pré-operatório, com diferença estatisticamente significativa (p < 0,001). A média de ganho relativo da ADM de flexoextensão do cotovelo, ao final
de 6 meses de seguimento, foi de 51,7% ± 17,1%, com diferença estatisticamente significaiva
na análise temporal (p < 0,001).
A média da ADM de pronossupinação do cotovelo, no pré-operatório, foi de 115,2° ± 52,3°
e, ao final de 6 meses de seguimento, de 129,0° ± 42,7°, com diferença estatisticamente
significativa na análise temporal (p < 0,001).
Metade dos casos apresentava rigidez moderada e grave no pré-operatório, contra apenas
7,7% aos 6 meses de pós-operatório (p < 0,001). Os resultados categóricos são apresentados na [Tabela 3 ]. Os valores das médias de ADM do cotovelo e do ganho de ADM são apresentados na
[Tabela 4 ] e nas [Figuras 3 ] e [4 ].
Tabela 3
Pré-operatório
6 meses
Valor de p
Grau da rigidez
I
1 (3,8)
18 (69,2)
II
12 (46,2)
6 (23,1)
III
9 (34,6)
2 (7,7)
IV
4 (15,4)
0 (0)
< 0,0001
Grau da artrose
0
5 (19,2)
4 (16,0)
1
8 (30,8)
8 (32,0)
2
11 (42,3)
9 (36,0)
3
2 (7,7)
4 (16,0)
0,811
Mayo Elbow Performance Score (MEPS) categórica
Excelente
0 (0)
4 (15,4)
Bom
5 (19,2)
11 (42,3)
Regular
8 (30,8)
7 (26,9)
Ruim
13 (50,0)
4 (15,4)
0,011
Tabela 4
Casos
Valor de p
Média
Desvio padrão
ADM de flexoextensão (°)
Inicial
58,4
22,7
6 semanas
78,0
22,5
3 meses
89,4
26,0
6 meses
98,3
22,0
< 0,001
Ganho de ADM (°)
6 semanas
15,6
23,2
3 meses
31,9
20,9
6 meses
40,0
14,0
< 0,001
Ganho relativo de ADM (%)
6 semanas
16,4
28,9
3 meses
39,5
24,0
6 meses
51,7
17,1
< 0,001
ADM pronossupinação (°)
Inicial
115,2
52,3
6 semanas
117,4
42,7
3 meses
124,3
43,8
6 meses
129,0
42,7
< 0,001
Fig. 3 Resultados da amplitude de movimento de flexoextensão e pronossupinação ao longo
do seguimento.
Fig. 4 Resultados do ganho da amplitude de movimento absoluta e relativa de flexoextensão
ao longo do seguimento.
Todas as médias finais da ADM (flexão, extensão, pronação e supinação) apresentaram
melhora estatisticamente significativa na análise temporal, e são apresentadas na
[Tabela 5 ].
Tabela 5
Casos
Valor de p
Média
Desvio padrão
Flexão (°)
Inicial
99,3
24,8
6 semanas
101,7
20,3
3 meses
108,8
21,0
6 meses
116,0
17,6
< 0,001
Extensão (°)
Inicial
−40,9
20,9
6 semanas
−30,2
17,7
3 meses
−19,4
11,1
6 meses
−17,7
10,6
< 0,001
Pronação (°)
Inicial
58,1
27,6
6 semanas
55,4
24,7
3 meses
59,0
24,0
6 meses
62,5
24,1
0,017
Supinação (°)
Inicial
57,5
29,4
6 semanas
62,4
26,3
3 meses
66,1
26,6
6 meses
67,5
26,0
< 0,001
A média da pontuação pelas escalas MEPS e DASH, ao final dos 6 meses de seguimento,
foi de 74,4 ± 16,8 pontos e de 31,7 ± 21,9 pontos, respectivamente. Ambas apresentaram
diferença estatisticamente significativa na análise temporal (p < 0,001). A EVA não apresentou diferença estatisticamente significativa na análise
temporal (p = 0,096). Os valores das médias são apresentados na [Tabela 6 ] e na [Figura 5 ].
Tabela 6
Casos
Valor de p
Média
Desvio padrão
Mayo Elbow Performance Score (MEPS)
Inicial
54,4
20,1
3 meses
70,2
20,1
6 meses
74,4
16,8
< 0,001
Disabilities of the Arm, Shoulder and Hand (DASH)
Inicial
47,5
19,2
3 meses
37,1
23,4
6 meses
31,7
21,9
< 0,001
Escala Visual Analógica (EVA) de dor
Inicial
5,1
3,1
6 semanas
4,4
3,0
3 meses
4,0
2,9
6 meses
4,1
2,5
0,096
Fig. 5 Resultados das escalas funcionais Mayo Elbow Performance Score (MEPS) e Disabilities
of the Arm, Shoulder and Hand (DASH) ao longo do seguimento.
Obtivemos 15 pacientes com resultado excelente ou bom, e 11 com resultado regular
ou ruim, de acordo com a escala MEPS, com diferença estatisticamente significativa
em relação ao pré-operatório (p = 0,011). Os dados são apresentados na [Tabela 3 ].
A ressecção da cabeça do rádio foi realizada em dois casos devido a deformidades,
e em um paciente foi retirada uma artroplastia da cabeça do rádio. Dois pacientes
já apresentavam ressecção prévia da cabeça do rádio, totalizando cinco pacientes com
ausência da cabeça do rádio no pós-operatório. Esses pacientes apresentavam uma média
de 66 pontos pela escala MEPS (±18,8 pontos), média inferior à dos pacientes sem deformidade
da cabeça do rádio (81 ± 11,9 pontos), mas sem diferença estatisticamente significativa.
Não observamos diferença na análise univariada de subgrupo para as demais variáveis
clínicas e características da lesão. A presença de osteófitos (no coronoide, na tróclea
ou no olécrano) também não demonstrou diferença estatisticamente significativa no
pós-operatório, apesar de o grupo sem osteófitos ter obtido melhores resultados na
escala MEPS e na ADM de flexoextensão (78,1 ± 17,0 versus 70,8 ± 16,3, e 100,1 ± 20,2
versus 95,7 ± 24,3, respectivamente).
As seguintes complicações foram observadas em 6 (23%) pacientes: neuropraxia transitória
do nervo ulnar (4 casos); subluxação da cabeça do rádio (1 caso); infecção superficial
(1 caso); e OH (1 caso). A OH ocorreu no tendão distal do tríceps, e o paciente apresentou
flexão final de 90° e extensão de -15°, não desejando novo procedimento cirúrgico.
Os quatro casos de neuropraxia transitória do nervo ulnar apresentaram melhora completa
em até cinco meses de pós-operatório, não necessitando de nova abordagem. O paciente
com infecção superficial apresentou melhora com antibioticoterapia oral.
Nenhum paciente evoluiu com lesão grave de partes moles ou infecção profunda. Nenhum
paciente necessitou de novo procedimento cirúrgico em razão das complicações.
Discussão
Este estudo teve como objetivo avaliar a liberação cirúrgica do cotovelo seguida de
um protocolo de reabilitação padronizado para os pacientes com RPTC que já haviam
sido submetidos ao tratamento fisioterápico convencional sem sucesso. O tratamento
da rigidez do cotovelo é tecnicamente complexo, com riscos moderados de complicações.
A indicação do tratamento cirúrgico ainda é controversa, principalmente devido à ausência
de estudos comparativos para a RPTC. Em nossos critérios de indicação, levamos em
consideração o desejo e a motivação do paciente em melhorar sua amplitude de movimento,
assim como um limite mínimo de ADM de flexoextensão do cotovelo menor do que 100°
ou extensão máxima menor do que -30°, ou flexão máxima menor do que 130°, com mais
de 6 meses do trauma inicial.
A técnica estudada apresentou resultados bons e excelentes em mais da metade dos pacientes
operados, com uma média de ADM de flexoextensão de 98,3°, semelhante à média encontrada
na revisão sistemática de Kodde et al.,[6 ] de 103° para as liberações abertas.
Em relação ao ganho da ADM de flexoextensão do cotovelo após 6 meses de tratamento,
demonstramos um ganho de 40°, semelhante aos valores apresentados por Higgs et al.,[14 ] Koh et al.[22 ] e Miyazaki et al.[23 ] Já Ayadi et al.[24 ] observaram ganho de 51° da ADM de flexoextensão em série de pacientes submetidos
à liberação cirúrgica aberta, mas apenas 18% dos pacientes alcançaram a ADM funcional,
enquanto em nosso estudo observamos que 42% dos pacientes atingiram a ADM funcional
aos 6 meses de seguimento. Devido a esse achado, é importante ressaltar que, na comparação
dos resultados de ganho da ADM entre estudos, o ganho da ADM é inversamente proporcional
à ADM pré-operatória.[22 ] Assim, em estudos em que a ADM inicial é menor, os pacientes terão uma tendência
a um maior ganho de ADM pós-tratamento. Tal fato torna a comparação entre os resultados
dos estudos de difícil execução e interpretação, podendo levar a conclusões equivocadas.
Na tentativa de contornar esse problema, Cauchoix e Deburge[20 ] criam uma fórmula levando em consideração o ganho possível pré-tratamento e o ganho
atingido após o tratamento, sendo o resultado em porcentagem; eles chamaram isso de
ganho relativo da ADM. Nosso estudo alcançou 51,7% de ganho relativo da ADM, próximo
aos 57% observados por Boerboom et al.[25 ]
O protocolo de reabilitação aplicado aos pacientes foi baseado na experiência do serviço
e nos recursos disponíveis. Semelhante a Lindenhovius et al.,[9 ] os pacientes foram submetidos aos exercícios de alongamento ativo e passivo leve
durante as sessões de terapia ocupacional, e foram orientados a realizá-los diariamente
em casa. Diferentemente de Tan et al.,[26 ] em nenhum momento foi realizada manipulação forçada, que aumenta o risco de formação
de hematomas, de OH, e de piora da dor e da rigidez.[11 ]
A técnica cirúrgica foi a mesma para todos os pacientes, sendo realizada por dois
cirurgiões. Semelhante a Koh et al.,[22 ] a via utilizada foi a via posterior, devido à versatilidade de acesso a todos os
compartimentos do cotovelo. Nenhum paciente evoluiu com instabilidade ao término da
cirurgia ou teve necessidade de uso do fixador externo. Semelhantemente a Higgs et
al.,[14 ] a mobilização articular se iniciou no primeiro dia pós-operatório com o uso do MPC,
mas sem o uso de cateter para bloqueio contínuo do plexo braquial. Os pacientes toleraram
a dor apenas com o uso de analgésicos e anti-inflamatórios, conseguindo fazer o uso
do MPC sem intercorrências.
Apesar de alguns cirurgiões evitarem a liberação cirúrgica por via posterior alegando
risco maior de complicações da ferida como deiscência, em revisão sistemática sobre
complicações, Cai et al.[27 ] não observaram tal relação. Observamos apenas 1 (6,7%) caso de complicação da ferida,
sendo uma infecção superficial tratada com antibioticoterapia por via oral por 7 dias.
Já Tan et al.,[26 ] que utiliazaram as vias medial e/ou lateral, e relataram 3 casos (5,8%) de complicações
da ferida, mas com infecção profunda e necessidade de limpeza cirúrgica, desbridamento
e antibioticoterapia por via endovenosa.
Foram realizadas neurólise e transposição anterior do nervo ulnar em todos os casos
do grupo cirúrgico, a fim de se evitar lesão do nervo ulnar ou eventual síndrome compressiva
desse nervo no período pós-operatório. Nosso estudo apresentou quatro casos de neuropraxia
transitória do nervo ulnar com melhora completa dos sintomas. Não há um consenso na
literatura sobre qual é a melhor abordagem em relação ao nervo ulnar na RPTC.
Nosso estudo tem como principais vantagens a descrição de uma técnica e de uma reabilitação
padronizada e de baixo custo, com o uso de escalas e questionários clínicos em tempos
padronizados. Também avaliamos a ADM de flexoextensão do cotovelo de diversas maneiras,
com a ADM, ganho da ADM, ganho relativo da ADM, extensão e flexão máximas, o que permite
uma melhor comparação com outros estudos.
Entre as limitações deste estudo, o período de 6 meses pode ser considerado curto,
mas estudos demonstram não haver diferenças estatisticamente significativas na ADM
do cotovelo a partir desse período no tratamento da RPTC.[17 ]
[28 ]
[29 ] O seguimento dos pacientes continuará até completar cinco anos do início do tratamento,
para maior compreensão da relação do tempo pós-tratamento com a ADM do cotovelo e
as escalas funcionais. Outra limitação é o fato de o tamanho da amostra ser relativamente
pequeno, o que limitou a análise dos desfechos secundários.
Conclusão
A liberação cirúrgica do cotovelo associada ao protocolo de reabilitação é uma técnica
segura, em que são obtidos resultados satisfatórios, com ganho absoluto de ADM de
flexoextensão de 40° e ganho relativo de 51,7%, com uma baixa taxa de complicações.