Palavras-chave
sacro - ferimentos e lesões - traumatismos da coluna vertebral - fraturas da coluna
vertebral
Introdução
As fraturas do sacro correspondem a 1% de todas as fraturas da coluna vertebral, e,
na maioria das vezes, estão associados a lesões do anel pélvico. Aproximadamente 60%
das fraturas sacrais passam despercebidas no atendimento inicial do paciente. Elas
geralmente são causadas por traumas de alta energia, como acidentes automobilísticos,
quedas de altura, e tentativas de suicídio,[1]
[2] estas também conhecidas como suicidal jumper's fractures (“fraturas do saltador suicida”).
Inicialmente, as fraturas do sacro foram classificadas por Denis em lesões do tipo
I, II e III. Em complemento à classificação de Denis, Isler classificou o tipo II
em subtipos A, B e C, com relação ao traço de fratura através da faceta articular
de L5-S1. Posteriormente, Roy-Camille descreveu o tipo III com traço transverso, conforme
o mecanismo de trauma: flexão, extensão e cominutiva. Finalmente, as fraturas que
envolvem ambos os lados do sacro podem ser classificadas conforme se assemelham a
letras dos alfabetos latino e grego (U, T, H e λ [lambda])[1]
[3]
[4] ([Figura 1]).[5] Outra forma de classificar as fraturas do sacro é por meio da classificação Arbeitsgemeinschaft
für Osteosynthesefragen (AO, “Associação para o Estudo da Fixação Interna”, em alemão)
Spine.[6]
Fig. 1 Diferentes classificações de fratura sacral. Reproduzido de: Vaccaro et al.[5]
O tratamento varia de acordo com a estabilidade da fratura. Pode ser realizado tratamento
conservador com repouso e retirada da carga axial sobre o sacro. O tratamento cirúrgico
pode ser realizado de diferentes formas: parafusos e placas sacrais, e, nos casos
de fraturas complexas do sacro com instabilidade vertical, é necessário realizar estabilização
cirúrgica entre a coluna lombar e a pelve com sistemas que oferecem maior estabilidade.[1]
[4]
Na técnica de Schildhauer et al[7] para inserção do parafuso de osso ilíaco, a asa do ilíaco é exposta parcialmente.
Após isso, é identificado o ponto de entrada do parafuso 1 cm abaixo da espinha ilíaca
posterossuperior. Neste ponto, realiza-se uma osteotomia de 1,5cm para acomodar a
cabeça do parafuso no ilíaco. Com um perfurador, ou procurador de pedículo, direciona-se
o túnel em uma trajetória caudal de 45° e lateral de 35°, apontando o perfurador ou
o procurador de pedículo para a incisura glútea superior. Após a confirmação da trajetória
com auxílio do fluoroscópio, o parafuso é inserido, sendo que, de acordo com a técnica
utilizada, ele deve ter no mínimo 70 mm de comprimento[7]
[8] ([Figura 2]).
Fig. 2 Trajeto do parafuso de ilíaco pela técnica de Schildhauer et al.[7] Reproduzido de: Schildhauer et al.[7]
Este trabalho tem por objetivo revisar a literatura médica existente e relatar a experiência
de um serviço terciário de trauma no tratamento de uma série de casos de fratura sacral
com instabilidade vertical em que foi realizada a fixação espinopélvica, utilizando
a técnica de Schildhauer et al[7] para a inserção dos parafusos do ilíaco.
Método
Este é um estudo retrospectivo, em que foi realizada uma análise da evolução clínica
de uma série de casos, bem como de suas complicações, e os resultados desta análise
foram comparados aos da literatura médica disponível atualmente.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do hospital universitário sob o número
2.661.464.
Foram selecionados seis casos de fraturas complexas de sacro com instabilidade vertical,
em que se optou pelo tratamento cirúrgico com fixação espinopélvica pela via posterior.
Para a escolha da técnica e planejamento cirúrgico, foram realizadas radiografias
nas incidências anteroposterior (AP), de perfil (P) do sacro, inlet e outlet da bacia, além de tomografias com reconstruções tridimensionais ([Figura 3]). Por meio de uma abordagem mediana, foram expostos os níveis de L4 e L5 da coluna
vertebral, o sacro e ambos os ilíacos para a instrumentação. Nos casos com compressão
nervosa, foram realizadas laminectomia e descompressão posterior com remoção de fragmentos
do canal e liberação foraminal. Nas fraturas com grande desvio (> 1 cm) foi realizada
a redução indireta com o auxílio de pinças de redução, tração e pinos de Schanz como
joysticks. Foram inseridos parafusos pediculares em L4, L5, S1 (quando o traço de fratura permitiu),
e dois parafusos em cada ilíaco pela técnica de Schildhauer et al[7] ([Figura 4]).[7]
[8]
Fig. 3 Exames de imagem complementares. a) Radiografia na incidência outlet da bacia; b) tomografia axial computadorizada (TAC) com instabilidade espinopélvica
e fratura do processo articular L5-S1; c) reconstrução tridimensional (3D) da TAC.
Fig. 4 Radiografias pós-operatórias nas incidências anteroposterior e de perfil demonstrando
o sistema de fixação utilizado.
Os critérios de inclusão foram: casos de fraturas do sacro, com instabilidade vertical
e dissociação espinopélvica, com indicação de tratamento cirúrgico, em vítimas de
trauma de alta energia, com ou sem lesões associadas, independente do sexo e do tipo
da fratura, nos quais a opção cirúrgica foi a fixação espinopélvica pela técnica supracitada.
Foram excluídos do estudo os casos de fraturas sacrais que não apresentavam instabilidade
lombo pélvica, os que não apresentavam indicação cirúrgica, os tratadas com fixação
diferente da fixação espinopélvica, e as fraturas patológicas causadas por mecanismos
de baixa energia.
Após a seleção dos pacientes, foram analisados fatores epidemiológicos, como sexo
e idade. Outros fatores analisados foram: presença ou ausência de lesão neurológica;
lesões associadas; mecanismo do trauma; complicações clínicas relacionadas ao trauma;
complicações relacionadas ao procedimento cirúrgico e ao tratamento; e a evolução
clínica com segmento mínimo de 12 meses. O acompanhamento ambulatorial deu-se conforme
os retornos regulares: após 15 dias da cirurgia, após 45 dias, após 90 dias, após
180 dias do procedimento, e retorno semestral após esse período, caso não houvesse
particularidades do caso. A avaliação clínica foi baseada em dados registrados nos
prontuários e nas pontuações no índice de incapacidade de Oswestry,[9] versão 2.0, e na escala visual analógica (EVA) da dor, que, como protocolo do serviço,
são aplicados em todos os casos operados.
Análise de casos
Entre os 6 casos analisados nesta série, 3 (50%) foram em consequência de acidentes
automobilísticos, e 3 (50%) por tentativa de suicídio. A média de idade foi de 29
anos (variação: 20 a 48 anos), sendo 4 pacientes (66,6%) do sexo feminino e 2 (33,4%)
do sexo masculino. A lesão associada mais comum foi a fratura de pelve, em 66,6% dos
casos. Outras lesões encontradas foram: fratura de rádio distal, fratura de processos
transversos da coluna lombar, trauma abdominal, e fratura de fêmur. Estas tiveram
uma incidência menor (2 casos; 33,4%) ([Tabela 1]).
Tabela 1
Sexo
|
Idade
|
Mecanismo
|
Lesões associadas
|
Tempo de acompanhamento
|
Feminino
|
20
|
Colisão entre motocicleta e automóvel
|
Fratura bilateral dos ramos isquiopúbicos
|
15 meses
|
Feminino
|
26
|
Colisão entre motocicleta e automóvel
|
Fratura da pelve
|
|
|
|
|
Fratura bilateral dos ramos isquiopúbicos
|
12 meses
|
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|
|
Disjunção de anel pélvico
|
|
|
|
|
Hérnia diafragmática traumática
|
|
Feminino
|
21
|
Tentativa de suicídio (15 m)
|
Fratura cirúrgica em T12
|
24 meses
|
|
|
|
Lesão do complexo ligamentar posterior lombar
|
|
Feminino
|
33
|
Tentativa de suicídio (8 m)
|
Fratura bilateral dos ramos isquiopúbicos
|
12 meses
|
|
|
|
Abertura de sínfise púbica
|
|
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|
Fratura subtrocantérica direita
|
|
|
|
|
Fratura dos processos transversos T11 a L5
|
|
|
|
|
Fratural distal do rádio esquerdo
|
|
Masculino
|
26
|
Tentativa de suicídio (30 m)
|
Luxação subtalar exposta
|
12 meses
|
|
|
|
Fratura do processo transverso L5
|
|
Masculino
|
48
|
Colisão entre automóveis
|
Fratura dos ramos isquiopúbicos
|
16 meses
|
|
|
|
Fratura do punho direito
|
|
|
|
|
Fratura do cotovelo esquerdo
|
|
Apesar de todos os casos que deram entrada no pronto-socorro terem sido classificados
como Frankel E,[10] dois destes apresentavam parestesia perineal, e um caso apresentava síndrome de
far-out,[11] nome dado à compressão da raiz de L5 entre o processo transverso de L5 e o fragmento
fraturado do sacro, descrita inicialmente por Wiltse em 1984, e observada mais comumente
nas fraturas tipo II de Denis.[3]
Ao classificar as fraturas de sacro, verificou-se que metade dos casos foram classificados
por Denis como de tipo 2, e metade, como de tipo 3. Dentre as de tipo 2 de Denis,
2 casos foram classificados como Isler tipo B. Utilizando a classificação descritiva,
quando aplicável, foram encontradas duas fraturas em “U” e uma em “H”. De acordo com
a classificação da AO Spine, não foi identificado um padrão dominante.
Após a realização do procedimento de fixação, todos os pacientes foram mobilizados
precocemente, permitindo-se que eles se sentassem no leito no primeiro dia de pós-operatório
e praticassem mobilização ativa e passiva com exercícios de fisioterapia. Já no segundo
dia de pós-operatório o paciente foi estimulado a se levantar com o auxílio de andadores
de acordo com a limitação álgica e as limitações das lesões associadas.
Os casos foram acompanhados ambulatorialmente, com retornos pós-cirúrgicos em 15 dias,
45 dias, 3 meses, 6 meses, e 12 meses após o procedimento, e retorno semestral até
a atualidade. O acompanhamento variou entre 12 e 24 meses, tendo início na data do
procedimento cirúrgico.
Resultados
Os três pacientes com alteração neurológica que necessitaram de descompressão apresentaram
recuperação completa no seguimento (dois casos com parestesia perineal e um com síndrome
de far-out).
No índice de incapacidade de Oswestry, versão 2.0, 1 paciente foi classificado como
tendo incapacidade mínima, 4 deles com incapacidade moderada, e 1 com incapacidade
grave ([Tabela 2]). O pior escore foi 50%, de uma paciente que tentou suicídio e que apresentava fibromialgia
e depressão grave, e era refratária ao tratamento psiquiátrico.
Tabela 2
EVA
|
Oswestry
|
Denis
|
Isler
|
Descritiva
|
AO
|
3
|
24%
|
Tipo 2
|
Tipo B
|
Não se aplica
|
C2
|
2
|
30%
|
Tipo 2
|
Tipo C
|
Não se aplica
|
C2
|
3
|
28%
|
Tipo 3
|
Não se aplica
|
em U
|
C0
|
4
|
50%
|
Tipo 3
|
Não se aplica
|
em H
|
C3
|
1
|
0%
|
Tipo 2
|
Tipo B
|
Não se aplica
|
B2
|
3
|
36%
|
Tipo 3
|
Não se aplica
|
em U
|
C0
|
Como complicações, 1 paciente evoluiu com trombose venosa profunda no 21o dia de pós-operatório, e 1 paciente, com deiscência de sutura, ambos com melhora
após terapia adequada.
Durante o período de acompanhamento de 24 meses, foi necessária a retirada do material
de síntese em 2 casos (33,4%) devido a complicações já descritas na literatura:[12] o primeiro, devido à soltura do material; o segundo, devido à proeminência e dor
sobre o material de implante devido ao baixo índice de massa corporal.
Discussão
As fraturas complexas de sacro com instabilidade lombopélvica são graves, com múltiplas
lesões associadas, e alto índice de morbidade e mortalidade. Mesmo quando tratadas
de forma correta, devolvendo a estabilidade espinopélvica e evoluindo com a consolidação
da fratura, os pacientes que sofreram este tipo de lesão podem cursar com sequelas
da própria lesão ou do tratamento instituído. De acordo com a literatura, menos de
50% dos pacientes que sofreram fraturas complexas de sacro retornam às suas condições
de trabalho e funcionalidades prévias.[13]
Apesar de serem consideradas raras,[14]
[15] as fraturas causadas por tentativas de suicídio perfizeram 50% dos casos analisados
neste estudo, mostrando-se uma parcela significativa das fraturas complexas de sacro.
Após a análise dos casos operados em nosso serviço, até o momento obtivemos resultados
superiores aos descritos na literatura com um acompanhamento evolutivo dos pacientes.
Foi observada uma boa evolução clínica, com poucos pacientes apresentando dor residual,
e bons resultados cirúrgicos, com boa recuperação da função no curto e médio prazos.
Cabe salientar que foram analisadas tanto artigos que utilizaram a mesma técnica cirúrgica
(fixação iliolombar com parafusos de ilíaco pela técnica de Schildhauer et al[7]), quanto aqueles que diferiram apenas na técnica do parafuso do ilíaco. Quanto às
complicações cirúrgicas, tivemos um caso de soltura do material de síntese e um caso
de infecção do sítio cirúrgico, ambos solucionados com desfecho satisfatório. A literatura
nos mostra que essas complicações, tanto clínicas quanto cirúrgicas, são de grande
incidência nos pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico com fixação espinopélvica.[15]
[16]
Apesar da gravidade, risco de morte e morbidade envovlidos na fratura de sacro, observou-se
boa evolução com a fixação espinopélvica nesta série de casos. Três casos foram em
consequência de acidentes automobilísticos, e três, por tentativa de suicídio, o que
corrobora os dados da literatura.[1]
[2]
A fixação espinopélvica é uma boa técnica de síntese para as fraturas de sacro com
dissociação lombopélvica, pois permite mobilização imediata, bem como a sustentação
de carga no pós-operatório.[17] Nesta série, todos os casos evoluíram com consolidação completa, e não observamos
perda de redução da fratura em consequência da sustentação de carga e da mobilidade
imediata.
Tendo em vista as diferentes técnicas para fixação, optou-se pela técnica de fixação
espinopélvica com parafusos pediculares associados a duas hastes de titânio, que,
comparada às técnicas citadas na literatura, como a osteossíntese rígida com placas
e parafusos e a osteossíntese com banda de tensão posterior, possibilita a liberação
de sustentação de carga e movimentos precoces, apresenta vantagem sobre os parafusos
iliossacrais percutâneos, provendo maior estabilidade vertical ao sistema de fixação,[18] e até 25% a mais de resistência quando comparada à fixação associada com apenas
uma haste.[19] Levando em consideração as diferentes técnicas de inserção dos parafusos no ilíaco,
a literatura apresenta a técnica de Schildhauer et al[7] como superior em relação às técnicas de Berry e de Miller, pois a triangulação convergente
dos parafusos na primeira fornece uma maior resistência tensional e rotacional.
De acordo com o estudo de Guimarães et al,[20] uma opção seria o tratamento com fixador externo supra-acetabular associado a parafusos
sacroilíacos percutâneos; entretanto, os casos desse estudo eram especificamente fraturas
classificadas como Tile tipo C, não havendo inclusão de outros tipos de fraturas complexas
de sacro na análise.
Segundo a EVA de dor, quatro foi a maior pontuação, sendo que a dor melhorou com o
uso de analgésico simples.
Analisando a evolução funcional por do pindice de incapacidade de Oswestry, versão
2.0, o pior resultado foi 50%, verificado em apenas 1 (16,6%) dos casos, o que denota
uma incapacidade funcional grave; os demais casos foram classificados como disfunções
mínima e moderada.
Quanto ao caso em nossa série que apresentou síndrome de far-out, foi realizada a descompressão da raiz L5 por via posterior além da fixação espinopélvica,
levando a um bom resultado clínico, com alívio dos sintomas de compressão da raiz.
Este fato corrobora as técnicas comumente usadas no tratamento dessa patologia, quando
encontrada.[17]
Entre as complicações comuns associadas à fixação, há a dor sobre os implantes devido
à saliência do parafuso e à soltura do material de síntese em longo prazo. Três pacientes
apresentaram dor sobre o material de síntese, sendo que um deles apresentava consolidação
e sinais de soltura nos parafusos do ilíaco bilateral, e, em outro caso, os parafusos
tornaram-se salientes após perda ponderal do paciente, sendo necessária a retirada
dos parafusos. Os demais não apresentaram tais complicações até o momento.[2]
[16]
[20]
É provável que retirar eletivamente o material de síntese após a consolidação da fratura
diminua a dor residual no local da cirurgia; entretanto, devemos lembrar que. por
se tratar de uma lesão grave e de difícil tratamento, a dor referida pode não ser
proveniente somente do material, podendo ser sequela da própria lesão.
Nos pacientes em que o material foi retirado, houve uma melhora significativa da dor
residual na região lombar baixa, tendo em vista que a localização superficial do material
de síntese causava a sensação dolorosa na posição sentada.
Visto que na literatura se afirma que a maioria das complicações relacionadas ao material
de síntese ocorrem dois anos após o procedimento, ainda podemos esperar que haja soltura
do material de síntese tardiamente, principalmente após a consolidação da fratura
sacral e da artrodese espinopélvica.
Conclusão
Mais de 80% dos casos acompanhados demonstraram resultado satisfatório em médio prazo
com a técnica de fixação utilizada. Isso sugere que a técnica de Schildhauer et al[7] para fixação espinopélvica é segura e com boa resistência para liberação de carga
no pós-operatório imediato.
Entretanto, por se tratar de um estudo retrospectivo que avaliou um número limitado
(6) de pacientes tratados somente em um serviço, novos estudos prospectivos e com
uma amostra maior devem ser conduzidos para se chegar a conclusões melhores sobre
a eficácia e segurança da técnica empregada.