Palavras-chave osteoartrite do joelho - imagem por ressonância magnética - protocolos clínicos
Introdução
A osteoartrose (OA) é uma doença degenerativa crônica considerada um problema de saúde
pública. Isto porque é a doença articular mais prevalente no mundo, e a causa isolada
mais comum de incapacidade em indivíduos maiores de 18 anos. A articulação mais acometida
pela OA é a do joelho, sendo muito prevalente em pacientes com idade superior a 50
anos, e atualmente afeta algo em torno de 250 milhões de pessoas no planeta.[1 ]
No Brasil, com o rápido envelhecimento da população associado ao aumento epidêmico
da obesidade, deve ocorrer um crescimento exponencial de pacientes com suspeita e
diagnóstico de OA do joelho nos próximos anos.[2 ]
O diagnóstico da OA normalmente é estabelecido por meio da anamnese, e dos exames
clínico e radiográfico, sendo a radiografia o método de imagem mais utilizado, por
ser barato, amplamente disponível e validado, e por facilitar a classificação da gravidade
da doença. A utilização de outros exames subsidiários, como a ressonância magnética
(RM), pode ser importante em situações específicas.
A RM é especialmente útil para se confirmar a suspeita do diagnóstico quando a avaliação
clínica e os achados das radiografias são divergentes ou duvidosos, uma vez que, além
de ser um método não invasivo de obtenção de imagens multiplanares, apresenta alta
definição, sensibilidade e especificidade.[3 ]
A escolha do exame mais indicado e adequado faz com que a doença possa ser diagnosticada
mais rapidamente, aumentando a probabilidade de sucesso no tratamento, além disso,
evitando custos desnecessários ao sistema de saúde.[4 ]
No entanto, tratar de custos na área da saúde é complexo, uma vez que se discute o
bem estar e a vida humana.[5 ] Desta forma, a discussão não deve centrar-se somente nos custos, como também, no
esforço para que o serviço seja realizado com a máxima eficiência e qualidade.[6 ]
Assim sendo, desenvolver um protocolo, baseado na literatura médica e de fácil utilização,
que guie a solicitação de exames de RM em pacientes idosos com suspeita de OA do joelho
é de suma importância, pois permite não só melhorar a abordagem terapêutica ao paciente,
como também provoca a diminuição de pedidos desnecessários de RM, com melhor distribuição
e uso dos recursos de saúde disponíveis.[7 ]
O objetivo deste estudo é desenvolver um protocolo, baseado em evidências, para guiar
a solicitação de exames de RM em pacientes idosos com suspeita de OA do joelho e avaliar
a sua eficácia após a implementação.
Materiais e Métodos
O estudo contou com a avaliação de 22.654 consultas de pacientes ambulatoriais da
ortopedia do Hospital Sancta Maggiore, em São Paulo, atendidos por médicos ortopedistas
especialistas em joelho durante o período de 1o de janeiro a 31 de dezembro de 2018. Após a aplicação dos critérios de inclusão e
exclusão, totalizaram-se 826 pacientes com suspeita de OA de joelho que foram submetidos
ao exame de RM.
Protocolo Institucional
A estratégia metodológica consistiu na pesquisa nos bancos de dados do PubMed e SciELO
para identificar estudos sobre diagnóstico de OA e dor no joelho publicados nos cinco
anos anteriores ao início da pesquisa. A busca foi direcionada para artigos escritos
em português e inglês, com acesso total, público e eletrônico. A combinação das palavras-chave
utilizada na busca foi: knee osteoarthritis , knee pain , diagnosis , MRI e magnetic resonance .
As publicações de interesse foram selecionadas inicialmente a partir da leitura do
título e do resumo. Também foram analisadas as publicações relevantes citadas nos
artigos escolhidos.
Editoriais e cartas ao editor não foram incluídos. Após a seleção final dos artigos
e a leitura integral dos mesmos, propôs-se o protocolo a seguir, atualizado e específico
para a solicitação de exame de RM do joelho em pacientes idosos com diagnóstico ou
suspeita diagnóstica de OA.
Critérios para a solicitação de RM do joelho em pacientes maiores de 60 anos com dor
crônica (> 6 meses) no joelho e suspeita/diagnóstico de OA do joelho:
Realização prévia de radiografias nas incidências anteroposterior (AP) e de perfil
(P) do joelho com carga;
Histórico de trauma/entorse agudo do joelho;
Sinais e Ssntomas de bloqueio articular;
Testes meniscais positivos, sem presença de dor difusa no joelho;
Dor aguda/súbita no joelho, sem trauma (suspeita de OA);
Dor desproporcional aos achados presentes nas radiografias;
Suspeita de fratura por insuficiência em pacientes com osteoporose; e
Suspeita de tumoração no joelho.
Seleção dos Pacientes
Os critérios de inclusão foram: 1) idade acima de 60 anos; 2) suspeita ou diagnóstico
de OA do joelho; e 3) atendimento no ambulatório de ortopedia da instituição no ano
de 2018. Já os critérios de exclusão foram: 1) osteoartrose secundária; 2) pacientes
com doenças inflamatórias sistêmicas; 3) pedidos de RM com finalidades diversas, como
laudo, relatório e fins trabalhistas; e 4) prontuário com informações insuficientes.
Aplicação e Avaliação do Protocolo
O protocolo institucional foi desenvolvido durante o primeiro semestre de 2018, e,
após a sua conclusão e revisão, foi massivamente divulgado nos diversos canais de
contato com os médicos ortopedistas especialistas em joelho da instituição (e-mail,
intranet, Whatsapp) durante o segundo semestre do mesmo ano.
Desse modo, definiu-se como grupo de controle os pacientes antendidos no primeiro
semestre de 2018, antes da aplicação/divulgação do protocolo institucional, e o grupo
de estudo foi composto por pacientes atendidos no segundo semestre após a padronização
dos pedidos de RM por suspeita de OA do joelho.
Análise Clínica
Os fatores incluídos na análise clínica foram: idade, gênero, lateralidade, número
de RMs solicitadas em cada semestre, número de consultas em cada grupo, existência
de solicitação prévia (nos doze meses anteriores) de radiografias do joelho e alteração
da conduta, ou o diagnóstico do paciente após análise do exame de RM.
Análise Estatística
A análise estatística foi realizada usando-se o pacote stats do programa R (R Foundation for Statistical Computing, Viena, Áustria).[8 ] As variáveis nominais foram descritas pela sua medida de proporção, e as contínuas,
pela média e desvio padrão. Realizou-se o teste de Shapiro[9 ] para avaliar a distribuição das variáveis contínuas em cada grupo, e aplicou-se
o teste t de Student para as paramétricas, e o teste U de Mann-Whitney para as não paramétricas.
Realizou-se o teste do qui-quadrado de Pearson[10 ] para a comparação das variáveis categóricas entre os grupos. A significância estatística
foi estabelecida com valores de p ≤ 0.05.
Resultados
A amostra total foi de 22.654 consultas médicas com ortopedistas especialistas em
joelho, sendo 10.869 consultas no grupo de controle (primeiro semestre de 2018) e
11.785 no grupo de estudo (segundo semestre de 2018), e demonstrou uma similaridade
entre o número de consultas realizadas nos dois períodos. A idade média da amostra
foi de 69,3 anos. Pode-se observar a densidade da distribuição da idade na [Figura 1 ].
Fig. 1 Densidade da idade ao longo da amostra total.
As características epidemiológicas dos grupos podem ser observadas na [Tabela 1 ].
Tabela 1
Característica
Antes do protocolo
Após o protocolo
Valor de p
Idade
69,3 (7,6)*
69,4 (7,9)*
0,62
Sexo
Feminino = 73,7%
Masculino = 26,3%
Feminino = 69,1%
Masculino = 30,9%
0,34
Lateralidade
Direito = 50,5%
Esquerdo = 49,5%
Direito = 44,7%
Esquerdo = 55,3%
0,22
A radiografia foi solicitada previamente à ressonância magnética ?
Sim = 23,9%
Não = 76,1%
Sim = 47,1%
Não = 52,9%
p < 0,001
O exame de ressonância magnética alterou a conduta ou o diagnóstico ?
Sim = 13,8%
Não = 86,2%
Sim = 11,2%
Não = 88,8%
0,30
Houve uma redução de 47.5% no número de pedidos de RM pelos médicos ortopedistas especialistas
em joelho após a divulgação do protocolo institucional. Essa redução variou de 559
(67,7%) pedidos no primeiro semestre de 2018 para 267 (32,3%) solicitações deste exame
no segundo semestre, como se pode observar na [Figura 2 ].
Fig. 2 Número de ressonâncias magnéticas (RMs) solicitadas nos grupos de estudo e de controle.
Quando analisamos o número de RMs em cada grupo relacionado ao número de consultas,
chegamos ao valor de duas RMs para cada cem consultas após a instauração do protocolo.
Já no grupo de controle, ou seja, antes do protocolo, encontrou-se a relação de cinco
pedidos de RM para cada cem consultas, totalizando uma redução aproximada de três
exames a cada cem consultas.
Em relação às radiografias solicitadas previamente à RM, os pedidos aumentaram após
a implementação do protocolo, com uma elevação de quase 96%. A porcentagem de radiografias
prévias foi de 23,9% no grupo de controle, e de 47,1% do grupo de estudo ([Figura 3 ]), sendo considerada a diferença estatisticamente significativa (p < 0.001).
Fig. 3 Número de radiografias solicitadas previamente ao pedido de RM nos grupos de estudo
e de controle.
Após análise do exame de ressonância magnética, a conduta ou diagnóstico sofreram
uma alteração de 11.2% nos pacientes no grupo de estudo, e em 13.8% no grupo de controle,
sem diferença significativa entre os grupos (p = 0.30).
Discussão
Os principais resultados deste estudo foram o desenvolvimento de um protocolo institucional,
baseado na literatura vigente, para solicitação de exames de RM do joelho em pacientes
idosos com suspeita de OA do joelho e posterior demonstração da sua eficácia após
implementação na equipe de ortopedistas especialistas em joelho da instituição.
No presente estudo, observamos uma redução de 52% no número de pedidos de RM do joelho
após a implementação do protocolo institucional. Isto representou uma diminuição de
292 exames no segundo semestre do ano, ou seja, aproximadamente 49 RMs de joelho a
menos por mês. Esssas vagas puderam ser ocupadas com outros pedidos de RM mais urgentes
e essenciais, diminuindo o tempo e a fila de espera para a realização desses exames.
Spence et al.[7 ] encontraram resultados semelhantes com redução de 71% de pedidos inapropriados de
RM do joelho em pacientes com OA depois da implementação do protocolo. A queda proporcionou
a liberação de 45 vagas por mês para realização de exames mais urgentes e necessários.
Já Kandiah et al.[11 ] demonstraram uma queda de 21% nas requisições de RMs do joelho, ombro e quadril
após o desenvolvimento e a aplicação de protocolo para solicitação destes exames em
pacientes maiores de 55 anos de idade. Os resultados encontrados foram inferiores
aos observados em outros estudos; no entanto, estes achados podem ter ocorrido devido
à análise conjunta de pedidos de exames de diversas articulações, como as do ombro
e do quadril.
As diferenças encontradas em relação a outros estudos prévios também podem ser relacionadas
aos médicos solicitantes dos exames, visto que outros autores[5 ]
[12 ] demonstraram diferenças nos padrões de solicitação de exames entre ortopedistas
gerais, ortopedistas especialistas, e médicos de atenção primária. A implantação do
protocolo desenvolvido neste estudo foi realizada somente em médicos especialistas
em joelho.
Outro achado importante deste trabalho foi o aumento de 96% no número de pedidos de
radiografias do joelho após divulgação do protocolo institucional. A mudança proporcionou
uma queda de 76% para 52% no número de pacientes com suspeita diagnóstica de OA que
realizavam RM do joelho sem ao menos ter realizado radiografias anteriormente. Apesar
da redução observada, os números ainda demonstram uma baixa adesão do protocolo vigente,
visto que um dos critérios presentes não foi respeitado nessas solicitações.
Gonzalez et al.[13 ] também observaram baixa aderência ao protocolo (57%), por parte de médicos da atenção
primária, num estudo com pacientes com dor não aguda do joelho e média de idade dos
participantes de 53 anos. Glover et al.,[14 ] num estudo que avaliou pedidos de RM de extremidades no pronto-socorro, demonstraram
que a razão mais comum para pedidos inapropriados de exames de RM foi a não realização
de radiografias prévias. Parent et al.,[15 ] em um estudo que avaliou idosos, observaram que somente 38% dos pacientes submetidos
a RM do joelho tinham sido submetidos a radiografias do joelho nos 24 meses anteriores.
Observamos neste estudo que aproximadamente 86% dos pacientes não tiveram suas condutas
alteradas após a análise do resultado do exame de RM solicitado pelo médico. Outro
estudo[13 ] semelhante demonstrou que aproximadamente 20% dos pacientes tiveram suas condutas
clínicas alteradas pelos resultados dos exames de RM do joelho. E Lehnert et al.[16 ] demonstraram que 76% dos exames gerais de RM solicitados por médicos generalistas
apresentavam resultados normais, e o tratamento dos pacientes não sofreu mudanças.
O desenvolvimento de protocolos institucionais orientando as práticas médicas é fundamental
para padronização e tomada acertada de decisões. Além disso, estes guias proporcionam
um melhor uso dos finitos e escassos recursos financeiros da área da saúde. Parker
et al.[17 ] projetaram custo de 2 bilhões de dólares em 2020 somente com pedidos de RM musculo-esqueléticas
para beneficiários do Medicare nos Estados Unidos. Desta forma, o surgimento e aplicação
de protocolos nesta área é vital para um melhor controle dos gastos, evitando desperdícios.
Apesar de a classificação da OA do joelho ter sido descrita por Kellgren-Lawrence,[18 ] ela permanece atual para o diagnóstico e a conduta em casos de OA do joelho, mesmo
com algumas divergências entre os achados radiológicos e clínicos. Já a RM é um exame
mais sensível e específico do que a radiografia, podendo ser utilizado em algumas
situações, haja vista que o exame não altera o diagnóstico e a classificação radiográfica.
Este estudo apresenta algumas limitações. Por ter sido realizado em uma única instituição,
com equipe própria de ortopedia e facilidade de comunicação interna, fica difícil
generalizar os achados encontrados para outros serviços. Segundo, o protocolo foi
implementado somente para médicos especialistas de joelho, não tendo, desta maneira,
comparação com médicos generalistas e da atenção primária. Também não foram avaliados
os motivos para não adesão e seguimento, por parte dos médicos, do protocolo desenvolvido.
Conclusão
Após o desenvolvimento e a implementação de um protocolo institucional para a solicitação
de exames de RM do joelho em pacientes idosos com suspeita de OA, observamos uma redução
47.5% no número de pedidos de RM do joelho, um aumento de 96% no número de pedidos
iniciais de radiografias do joelho, e que a maioria (89%) dos pacientes não tiveram
suas condutas alteradas após a análise do resultado do exame de RM solicitado pelos
médicos.