Palavras-chave
osteoartrite - vértebras lombares - vértebras torácicas
Introdução
A sintomatologia álgica com origem na coluna vertebral é uma queixa prevalente, sendo
responsável por consideráveis custos diretos, inerentes à prestação de cuidados de
saúde, e indiretos, devidos ao absentismo e perda de produtividade. O seu esclarecimento
etiológico pode impor-se como um verdadeiro desafio diagnóstico dada a sua proximidade
a órgãos vitais e ao fenômeno de dor referida que resulta da convergência neuronal
aferente de fibras viscerais e somáticas ao nível da coluna dorsal.[1]
[2] Isso explica o amplo espectro de diagnósticos diferenciais de dorsalgia, incluindo
hérnia discal, fratura vertebral, alterações degenerativas facetárias, neuralgia intercostal,
fraturas de costelas, e ainda patologias do foro não ortopédico, nomeadamente, cardíacas,
renais, pulmonares e abdominais.[3]
Apesar de a osteoartrose (OA) da articulação costovertebral ser um achado degenerativo
comum em idade geriátrica,[4] a sua ocorrência isolada no paciente jovem é rara, sendo uma condição pouco reconhecida
na origem de dor dorsal.[5] Os autores apresentam o caso de um paciente jovem com um quadro de dor dorsal, irradiada
ao hemitórax esquerdo, com origem na OA de uma articulação costovertebral. Esse caso
destaca a complexidade do diagnóstico de dor dorsal e visa sensibilizar os médicos
para a existência desse diagnóstico, a fim de evitar exames complementares dispendiosos
e muitas vezes desnecessários direcionados à exclusão de patologia cardíaca ou pulmonar.
Descrição do caso
Um paciente de 40 anos de idade, do gênero masculino, relatou dor torácica com 4 semanas
de evolução, de aparecimento insidioso, irradiada para o tórax esquerdo. A dor motivou
duas idas ao serviço de emergência, onde o paciente foi avaliado por um especialista
em medicina interna e submetido à realização de eletrocardiograma, radiografia de
tórax, ecocardiograma, ecografia abdominal e estudo analítico (hemograma, velocidade
de sedimentação, e proteína C reativa). Todos os exames foram negativos para patologia
cardíaca, pulmonar ou abdominal, sendo a dor interpretada num contexto de contratura
do músculo trapézio inferior. Foram-lhe prescritos relaxantes musculares, fisioterapia,
e o paciente foi, posteriormente, encaminhado para avaliação na nossa instituição.
Os sintomas tornaram-se progressivamente incapacitantes com dor excruciante durante
os movimentos de torção do tronco, inspiração profunda ou tosse, limitando significativamente
as atividades de vida diária e a qualidade do sono. O paciente negou qualquer história
de trauma, febre, fadiga ou perda ponderal. Relatou episódios prévios de dor, de natureza
semelhante à atual, mas de menor intensidade e autolimitados, passíveis de alívio
sintomático com a toma de antiinflamatórios. Ao exame objetivo, não apresentou assimetrias
ou massas torácicas. A palpação das apófises espinhosas torácicas, do ligamento interespinhoso
e da junção costotransversa foi indolor; no entretanto, a compressão das costelas
inferiores esquerdas desencadeou dor paravertebral. O exame neurológico foi normal.
O paciente foi submetido à ressonância magnética da coluna dorsal, que revelou hiposinal
nas sequências ponderadas em T1 e hipersinal nas sequências ponderadas em T2 ao nível
da articulação costovertebral esquerda de D10. A patologia discal intervertebral foi
excluída. Devido à natureza incerta da lesão, foram solicitadas uma tomografia computadorizada
(TC) dorsal e uma cintigrafia óssea. A TC revelou a presença de alterações degenerativas
da articulação costovertebral de D10 ([Figura 1]), em concordância com um aumento focal da captação de tecnécio-99m (Tc-99m) na mesma
localização ([Figura 2]), sendo os resultados a favor do diagnóstico de OA costovertebral. O doseamento
dos marcadores inflamatórios (velocidade de sedimentação e proteína C reativa), marcadores
reumatológicos (fator reumatoide, anticorpo antinuclear, anticorpos anti-dsDNA), HLA-B27,
marcadores víricos e hemoculturas foram todos negativos. Foi proposta a injeção intralesional
de corticoide guiada por TC com intuito diagnóstico e terapêutico. A articulação costovertebral
esquerda de D10 foi primeiro devidamente identificada pela injeção local de 1 mL de
lidocaína (20 mg/mL), que resultou num alívio imediato da dor. A resposta positiva
ao anestésico local permitiu-nos não só confirmar a localização da lesão, bem como
a confirmação do diagnóstico. Posteriormente, foram administrados localmente 2 mL
de metilprednisolona (40 mg/mL). O procedimento decorreu sem intercorrências.
Fig. 1 Tomografia computadorizada. Corte axial (à esquerda) e coronal (à direita). A décima
articulação costovertebral esquerda apresenta alterações degenerativas significativas,
com esclerose nos níveis do corpo vertebral, do pedículo e da cabeça da costela.
Fig. 2 Cintigrafia óssea marcada com Tc-99m. Hipercaptação isolada no nível da décima articulação
costovertebral esquerda (L- lado esquerdo; R-lado direito).
Foi observado um alívio progressivo da dor ao longo dos dias seguintes, com resolução
completa às 3 semanas após a injeção de corticoide. A recorrência da dor não foi observada
nos últimos 2 anos.
Discussão
O papel da OA costovertebral na origem da dorsalgia é pouco representado na literatura.
A elevada prevalência de alterações degenerativas costovertebrais em pacientes assintomáticos
obriga a uma interpretação cautelosa dos achados imagiológicos, sendo essencial a
existência de uma correlação clínico-imagiológica. Apesar de estas serem bastante
comuns em idade geriátrica,[4] a sua ocorrência em pacientes jovens sem doenças do foro reumático é rara. Clinicamente,
possuem um espectro extremamente variável, podendo ser assintomáticas ou ter uma apresentação
altamente debilitante, com os pacientes a referirem dor torácica posterior, que pode
irradiar para o tórax ou ser sentida ao longo da costela respectiva.[3] A dor pode ser exacerbada por manobras provocatórias, nomeadamente com a inspiração
profunda, tosse, flexão ou rotação do tórax e compressão da costela correspondente.
A publicação mais relevante sobre este tema é da autoria de Sales et al.,[5] que apresentou uma série de cinco casos de OA costovertebral isolada (idade média
de 40,6 anos) tratados favoravelmente com a realização de artroplastia de resseção
da costela.
A validade diagnóstica da cintigrafia óssea em condições degenerativas permanece questionável.[6] Verdoorn et al.[7] avaliaram a correlação entre a captação aumentada de Tc-99m nas articulações costovertebrais,
a presença de dor local e resposta favorável à injeção percutânea de anestésico e
corticoide. Os autores verificaram que mais da metade dos casos com hipercaptação
de Tc-99m eram assintomáticos, não existindo uma correlação entre a presença de dor
e a previsibilidade de resposta ao tratamento por injeção percutânea. Estes resultados
são justificados pela possibilidade de existirem pontos dolorosos confundidores e
pela presença de mais do que uma área de captação aumentada de Tc-99m, o que reduz
a eficácia diagnóstica e a previsibilidade de resposta favorável ao tratamento com
injeção percutânea de corticoide.
No nosso paciente, foi possível obter um alívio completo dos sintomas com a injeção
de corticoide; no entanto, de acordo com os resultados relatados por Sales et al.,[5] é possível que haja uma recorrência dos sintomas a médio/ longo prazo, podendo a
artroplastia de ressecção ser considerada com vista à obtenção de resultados duradouros.