Palavras-chave
enxerto ósseo - xenoenxerto ósseo - modelo animal experimental - consolidação da fratura
- hematologia
Introdução
O sangue reflete o estado de qualquer animal e, assim, tem sido usado para conhecer
estados fisiológicos e patológicos e em avaliações diagnósticas e prognósticas de
várias doenças.[1]
[2]
[3]
[4] A análise hematológica é, portanto, realizada para investigar metabólitos no corpo
e respostas à exposição a antígenos e doenças em animais, pois diferentes patologias
ou a exposição a certas condições influenciam alguns parâmetros sanguíneos específicos.[1]
[5]
[6]
[7]
Deve-se ter cuidado ao usar o hemograma com fins diagnósticos em coelhos, pois os
parâmetros hematológicos são afetados por muitos fatores. Idade, sexo, raça, temperatura
ambiente, ritmo diurno e até mesmo o transporte foram relatados como causas de alterações
no hemograma de coelhos.[8] Linfocitopenia, leucocitose e aumento do hematócrito, por exemplo, foram relatados
em coelhos transportados a 28° C por até 3 horas, enquanto o estresse pelo frio aumentou
o número de hemácias. Além disso, o número de leucócitos é variável por sofrer flutuações
diurnas, sendo menor no final da tarde e à noite em comparação às primeiras horas
do dia.[8] O número de hemácias também varia de acordo com o sexo do animal e é ligeiramente
maior em coelhos machos em comparação às fêmeas.[8] Doenças infecciosas normalmente não causam leucocitose em coelhos, mas mudam as
contagens diferenciais, passando da predominância de linfócitos para a predominância
de neutrófilos; ademais, as infecções agudas podem ser caracterizadas por leucopenia
com contagem diferencial normal.[8] Anemia, neutrofilia, leucocitose e monocitose foram relatadas em um modelo de coccidiose
hepática em coelhos, contrastando com a eosinofilia conhecida por acompanhar as doenças
parasitárias em outros animais.[8]
O monitoramento dos parâmetros hematológicos tem papel vital na cicatrização de fraturas,
já que qualquer desvio do intervalo de referência pode ser uma indicação de infecção
ou resposta ao enxerto e, assim, requer atenção urgente para evitar a possibilidade
de consolidação inadequada, tardia ou ausente.[9] A hematologia é, no entanto, caracterizada por flutuações dentro das faixas fisiológicas
normais, o que pode dificultar sua utilidade diagnóstica.[9] A diminuição no número total de hemácias é observada após trauma e cirurgia.[9] Estresse, trauma e cirurgia são conhecidos por causar leucocitose, linfocitopenia
e neutrofilia, com números que também podem flutuar dentro dos limites normais após
a diminuição do problema inicial. O aumento ou redução do número de basófilos, monócitos
e eosinófilos pode ser subjetivo no monitoramento da consolidação da fratura.[9] Devido à escassez de informações sobre a resposta hematológica à consolidação de
fratura em modelos animais, este estudo relata as alterações hematológicas observadas
em coelhos submetidos a xenoenxertos de matriz óssea desmineralizada caprina.
Materiais e Métodos
Delineamento Experimental
Este estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa com animais da faculdade
sob o número UDUS/FAREC/2019/AUP-R0–5. Vinte e quatro coelhos machos (2,5 ± 0,5 kg)
foram divididos aleatoriamente em 3 grupos de 8 indivíduos. Cada grupo foi submetido
a um tratamento: enxerto ósseo autólogo (EOA), controle negativo sem preenchimento
(SP) e matriz óssea desmineralizada caprina (MODC).
Preparo de MODC e Defeito Ósseo Crítico
O preparo da MODC, a criação do defeito na ulna e o enxerto ósseo foram realizados
segundo técnica modificada de Arpağ et al.,[10] Monazzah et al.[11] e Bigham-Sadegh e Oryan.[12]
Coleta de Amostra de Sangue e Análise Hematológica
As amostras de sangue foram coletadas antes da cirurgia para obtenção dos valores
basais do hemograma completo e da contagem diferencial de leucócitos. As amostras
de sangue foram coletadas por punção cardíaca sob anestesia com xilazina-quetamina.
As amostras foram armazenadas em frasco com ácido etilenodiamino tetra-acético (EDTA;
JRZ Plastilab, Beirute, Líbano) e processadas até 2 horas após a coleta, como adotado
por Chineke et al.[7] As amostras de sangue foram novamente coletadas no 28° e no 56° dia após a cirurgia,
conforme Ajai et al.,[13] Bigham-Sadegh et al.[14] e Korkmaz et al.[15] com modificações.
Análise de Dados
Os dados gerados foram analisados por uma abordagem de modelo misto de medidas repetidas
com análise de variância (ANOVA) de dois fatores para detecção de diferenças na interação
simultânea de dias e grupos, com nível de significância determinado como p < 0,05, em InVivoStat 4.0.2 (Chelmsford, Essex, UK).
Resultados
A cirurgia e o implante dos enxertos foram realizados com sucesso e os animais se
recuperaram da anestesia sem intercorrências. Houve uma leucocitose global significativa
(p = 0,0043) nos dias 28 e 56 em relação aos valores basais. No 56° dia, uma diferença
significativa também foi observada no número de neutrófilos (p < 0,0001). No 28° dia, uma neutrofilia significativa foi observada no grupo MODC
em comparação ao dia 0; o número de neutrófilos caiu no 56° dia e não foi estatisticamente
diferente de seu valor basal. Os grupos EOA e MODC apresentaram monocitose significativa
no 28° dia, com retorno aos valores basais no 56° dia. Embora não tenha havido diferença
estatística geral no número de linfócitos (p = 0,4923), os grupos EOA e MODC apresentaram valores significativamente maiores no
28° dia em comparação ao dia 0. Uma eosinofilia moderada foi observada nos grupos
SP e MODC no 56° dia. Uma diferença significativa geral também foi observada no número
de hemácias (p = 0,003), concentração de hemoglobina (p < 0,0001) e hematócritos (p < 0,0001) ao longo dos dias nos diferentes grupos de tratamento. No entanto, não
houve diferença global significativa no número de linfócitos (p = 0,4923), basófilos (p = 0,4183) e eosinófilos (p = 0,4806). Os resultados são apresentados na [Tabela 1], que mostra as diferenças significativas ao longo dos dias e entre os grupos.
Tabela 1
|
Dia 0
|
Dia 28
|
Dia 56
|
EOA
|
SP
|
MODC
|
EOA
|
SP
|
MODC
|
EOA
|
SP
|
MODC
|
Leucócitos X 109/L
|
3,71 ± 0,43
|
3,76 ± 0,36
|
4,53 ± 0,37
|
4,96 ± 0,36a
|
4,90 ± 0,72
|
6,75 ± 0,36*a
|
5,51 ± 0,34b
|
3,81 ± 0,19*
|
4,11 ± 0,24*
|
Neutrófilos X 109/L
|
0,76 ± 0,09
|
0,68 ± 0,08
|
0,81 ± 0,09
|
1,00 ± 0,07
|
0,84 ± 0,11
|
1,30 ± 0,11a
|
3,09 ± 0,27a
|
1,11 ± 0,13*a
|
1,19 ± 0,13*
|
Linfócitos X 109/L
|
2,90 ± 0,34
|
3,01 ± 0,28
|
3,63 ± 0,29
|
3,82 ± 0,29a
|
3,98 ± 0,61
|
5,24 ± 0,26*a
|
2,30 ± 0,09
|
2,55 ± 0,19
|
2,73 ± 0,14
|
Monócitos X 109/L
|
0,04 ± 0,01
|
0,07 ± 0,02
|
0,09 ± 0,02*
|
0,13 ± 0,02a
|
0,09 ± 0,01
|
0,21 ± 0,03a
|
0,07 ± 0,01
|
0,12 ± 0,02
|
0,12 ± 0,02
|
Eosinófilos X 109/L
|
0,00 ± 0,00
|
0,00 ± 0,00
|
0,00 ± 0,00
|
0,00 ± 0,00
|
0,00 ± 0,00
|
0,02 ± 0,01
|
0,03 ± 0,01
|
0,03 ± 0,01a
|
0,03 ± 0,01a
|
Basófilos X 109/L
|
0,00 ± 0,00
|
0,00 ± 0,00
|
0,00 ± 0,00
|
0,00 ± 0,00
|
0,00 ± 0,00
|
0,00 ± 0,00
|
0,00 ± 0,00
|
0,00 ± 0,00
|
0,01 ± 0,01
|
Hemácias X 1012/L
|
3,47 ± 0,34
|
3,55 ± 0,12
|
3,58 ± 0,30
|
3,10 ± 0,18
|
3,71 ± 0,31a
|
4,51 ± 0,27*a
|
3,49 ± 0,27
|
4,97 ± 0,23*a
|
3,92 ± 0,21
|
Hemoglobina (g/dL)
|
9,46 ± 0,46
|
14,09 ± 0,35*
|
11,23 ± 0,37*
|
8,37 ± 0,46
|
9,67 ± 0,47a
|
10,35 ± 0,80
|
10,43 ± 0,79
|
10,11 ± 0,39b
|
11,55 ± 0,41
|
Hematócrito (%)
|
26,00 ± 1,34
|
35,58 ± 1,24*
|
31,50 ± 1,32*
|
24,63 ± 0,57
|
23,63 ± 0,96a
|
28,50 ± 0,87*
|
29,63 ± 0,94a
|
27,63 ± 0,71b
|
31,38 ± 1,19
|
Discussão
Como o sangue reflete o estado de saúde dos animais e as respostas à exposição a corpos
estranhos e às doenças,[1]
[2]
[3]
[4]
[5]
[6]
[7] usamos a hematologia para avaliação das respostas dos coelhos experimentais ao enxerto
de MODC, que tem certa antigenicidade esperada. Vários relatos documentaram parâmetros
hematológicos normais em coelhos de diferentes zonas geográficas e condições,[4]
[7]
[8]
[16] mas a flutuação dentro das faixas fisiológicas normais dificulta seu uso diagnóstico,[9] especialmente em coelhos, já que o sexo, o ritmo diurno, a raça, a temperatura ambiente,
a idade e o estresse influenciam seus valores hematológicos.[7]
[8]
[16] É, portanto, imperativo comparar as respostas hematológicas com os achados basais
em qualquer condição experimental, como discutido em outros estudos.[1]
[17]
[18]
A leucocitose, que condiz com o estresse da cirurgia e a inflamação e a dor excruciante
associadas à fratura e sua consolidação,[1]
[9]
[16]
[18]
[19] foi observada nos três grupos. A leucocitose intensa e significativa apresentada
pelo grupo MODC no 28° dia pode ser o resultado da reação imune à MODC implantada.
O número de leucócitos caiu no 56° dia e se aproximou ao valor basal, o que é indicativo
de redução da reação ao implante. Este foi o mesmo padrão de reação observado para
neutrófilos e linfócitos. Isso está de acordo com relatos anteriores[16]
[20] de leucocitose com linfocitose acentuada em condições que desencadeiam respostas
imunes.
Muitos fatores, como o horário da coleta de sangue e o estresse, influenciam o número
de monócitos, eosinófilos e basófilos.[16]
[20] Ainda assim, a monocitose condiz com a inflamação crônica em coelhos,[16]
[20] como observado no grupo MODC no 28° dia em comparação aos valores basais. A eosinofilia
e a basofilia são marcadores de alergias e hipersensibilidades. A eosinofilia branda
não foi observada neste estudo até o 56° dia no grupo MODC. Isso pode ter sido causado
pela redução da imunogenicidade do osso pelo processo de desmineralização.[21]
[22]
O menor número de hematócritos observado no 28° dia em todos os grupos foi decorrente
da perda de sangue à cirurgia. Isso está de acordo com relatos anteriores[1]
[20] de anemia após hemorragia externa. No entanto, os animais de todos os grupos apresentaram
aumento do hematócrito no 56° dia, mas sem chegar aos valores basais correspondentes.
Isso mostra que houve resposta regenerativa à perda de sangue. Da mesma forma, a concentração
de hemoglobina também diminuiu no dia 28 e subiu até quase superar os valores basais
no 56° dia. Por outro lado, o número de hemácias aumentou nos dias 28 e 56 em todos
os grupos à exceção do EOA no 28° dia, no qual foi menor em comparação ao valor basal,
sem significado estatístico. Os diferentes padrões observados para o número de hemácias
podem ser decorrentes do tempo de coleta de amostra e da temperatura ambiente que
influenciam os animais experimentais.[16]
[20]
A incapacidade de monitorar o ritmo diurno e a temperatura ambiente em relação à variação
dos valores hematológicos obtidos são as limitações deste estudo.
Conclusão
Apesar das várias flutuações que prejudicam a interpretação da análise hematológica
em coelhos, este estudo concluiu que os animais responderam à MODC com leucocitose
intensa com neutrofilia, linfocitose e monocitose no 28° dia e retorno a valores próximos
aos normais no 56° dia após o procedimento. Estes dados podem, portanto, formar uma
base hematológica para monitoramento do estado dos modelos animais de enxerto ósseo.
No entanto, é fortemente recomendado que os valores basais sejam determinados em todos
os estudos hematológicos em coelhos, considerando o ritmo diurno e a temperatura ambiente.