Palavras-chave
ciática - deslocamento do disco intervertebral - região lombossacral
Introdução
A microdiscectomia aberta é o tratamento padrão ouro para hérnia de disco lombar.
No entanto, a Discectomia lombar endoscópica percutânea apresenta muitos benefícios
em comparação com a cirurgia aberta, tais como: menor trauma cirúrgico, mínima perda
sanguínea, menor tempo de internação, recuperação mais rápida e menor morbidade pós-operatória,
em virtude da preservação da musculatura dorsal e das estruturas osteoligamentares.
Este pequeno trauma tissular durante a cirurgia endoscópica resulta em uma reabilitação
mais rápida, levando a menores custos para a sociedade.[1]
[2]
[3]
[4]
[5]
O tratamento da hérnia de disco lombar com discopatia avançada, representada por estágios
mais avançados na classificação de Modic e Pfirrmann, ainda não tem uma definição
entre a discectomia ou artrodese.
Diante disso, o objetivo do presente estudo é avaliar a correlação entre as alterações
radiológicas (Pfirrmann e Modic) e a variação de intensidade da dor radicular (pré-
e pós-operatória), em pacientes submetidos a cirurgia endoscópica transforaminal para
hérnia de disco lombar.
Materiais e Método
Uma série de casos com uma amostra inicial de 80 pacientes submetidos a tratamento
cirúrgico para hérnia de disco lombar por via endoscópica transforaminal percutânea
entre 29 de janeiro de 2018 (primeira entrada deste procedimento no banco de dados)
e 28 de agosto de 2019 (último paciente com acompanhamento mínimo de 3 meses) no serviço
de cirurgia endoscópica da coluna.
Os critérios de inclusão foram: dor radicular, falha do tratamento conservador de
12 semanas e diagnóstico de hérnia de disco lombar por meio de ressonância magnética
(RM). Os critérios de exclusão foram: outra causa de dor que não a hérnia de disco
lombar, artrodese lombar prévia, espondilolistese, tumor, infecção, fratura lombar
e os graus de Pfirrmann I, II e III. Nos pacientes que apresentavam dor lombar e ciática,
foram incluídos apenas aqueles cuja fonte da dor era principalmente radicular. Devido
à pequena amostra e à incapacidade de análise da associação, foram excluídos os pacientes
com grau III de Pfirrmann.
Os pacientes selecionados foram investigados quanto aos dados demográficos, às indicações
cirúrgicas e aos detalhes cirúrgicos registrados nos prontuários, assim como ao registro
pré- e pós-operatório da escala visual analógica (EVA) (variando de 0 a 10, sendo
0 sem dor e 10 a dor mais intensa já experimentada na perna), onde a melhora em 2
pontos foi considerada como um bom resultado clínico.[6]
[7]
Os parâmetros radiológicos (classificações de Pfirrmann e Modic) foram realizados
por um radiologista experiente especializado em doenças da coluna vertebral, sem acesso
às características clínicas do paciente.
Os pacientes foram divididos em três grupos de acordo com a classificação Modic (ausência
de Modic, Modic 1 e Modic 2) e em dois grupos de acordo com a classificação de Pfirrmann
(Pfirrmann IV e Pfirrmann V).
Todos os procedimentos foram realizados por um único cirurgião (Carvalho P.S.T.),
com experiência de ∼ 30 anos em cirurgia endoscópica espinhal. Os pacientes receberam
anestesia local, sendo sedados com propofol e remifentanila. Os pacientes foram posicionados
em decúbito ventral em uma mesa radiotransparente sob controle fluoroscópico ortogonal
de dois planos, sobre um suporte para o quadril e tórax, a fim de aliviar os órgãos
abdominais e torácicos e diminuir a hemorragia epidural. A mesa cirúrgica pôde ser
ajustada para cifose intraoperatória no nível lombar. O cirurgião operou do lado do
prolapso discal, sendo que o monitor de vídeo e o braço em C foram posicionados no
lado oposto.
Após a determinação da posição da crista ilíaca, a incisão na pele tinha uma distância
desde a linha média até o ponto de punção, conforme o nível abordado (6 a 8 cm para
L2–L3, 8 a 10 cm para L3–L4 e 12 a 14 cm para L4–5 e L5–S1). Após a assepsia, o ponto
de entrada foi marcado, sempre superior à crista ilíaca, sendo traçada uma linha através
do processo articular superior (PAS) até a linha média da placa terminal inferior.
A agulha espinhal é inserida ortogonalmente ao espaço discal. O ideal é que, quando
observada por meio do fluoroscópio, a ponta da agulha avance até a linha posterior
do corpo vertebral na incidência lateral e até o meio da linha do pedículo medial
na incidência anteroposterior. Com a agulha espinhal alojada no disco, o núcleo pulposo
foi corado em azul (usando uma adsorção de 2 mL como meio de contraste e o corante
azul de metileno para discografia), prosseguindo para as etapas seguintes: passagem
do fio-guia através da agulha espinhal, remoção da agulha espinhal, incisão limitada
(8 mm) na pele do local de entrada, distribuição do obturador canulado cônico ao longo
do fio-guia, inserção do obturador no disco (ao atingir o anel), avanço da cânula
de trabalho de formato oval e chanfrada (para dentro do disco) ao longo do obturador
e a remoção do obturador. Em seguida, o endoscópio é inserido através da cânula, e
o núcleo patológico (corado em azul para facilitar a distinção e preso à fissura anular)
e qualquer tecido fibroso cicatricial são liberados, sendo completamente removidos
com o uso de um fórceps endoscópico e de um dispositivo de radiofrequência. A cânula
de trabalho é ajustada para localizar e remover a faceta superior hiperplásica, o
disco herniado, a borda posterior do corpo vertebral e os osteófitos que existem ao
redor da raiz transversal, com a utilização de uma broca de alta velocidade, escareador
ou cortador ósseo (de dentro para fora).
Para que a descompressão seja considerada satisfatória, é necessário que o nervo apresente
pulsações semelhantes à frequência cardíaca e que a quantidade de material removido
do disco seja equivalente à quantidade observada na RM. Ao completar o procedimento,
o endoscópio é retirado e a pele é suturada.
Os dados foram processados no programa IBM SPSS Statistics for Windows, Versão22.0
(IBM Corp., Armonk, NY, EUA), licença US # 10101131007, onde foram calculados as médias
e o desvio padrão (DP). A comparação das variáveis do grupo Modic foi realizada mediante
o teste da razão de verossimilhança e o teste de Kruskal-Wallis. O grupo Pfirrmann
utilizou o teste da razão de verossimilhança, o teste t de Student para dados pareados
e o teste de Mann-Whitney. O nível de significância considerado foi p < 0,005.
O estudo foi aceito pelo Comitê de Ética e Pesquisa sob o número de aceitação 4.191.443.
Resultados
A partir de uma amostra inicial com 80 pacientes, foram selecionados 39, sendo avaliados
50 discos intervertebrais. Não houve diferença entre o gênero dos pacientes; idade:
50,36 ± 15,05 anos; nível de cirurgia: L2–L3 1 (2%), L3–L4 2 (4%), L4–L5 9 (18%),
L5–S1 8 (16%), L3–L4 + L4–L5 4 (8%), e L4–L5 + L5–S1 26 (52%); localização da hérnia:
foraminal direito 7 (14%), foraminal esquerdo 15 (30%), central 9 (18%) e difuso 19
(38%); dor nas pernas: esquerda 25 (50%), direita 11 (22%), e dois lados 14 (28%);
EVA: pré-operatório 9,5 ± 0,91, pós-operatório 2,5 ± 1,79; tempo cirúrgico 100 ± 31,36 minutos,
e acompanhamento de 8,4 ± 6,7 meses.
Ao comparar os grupos com as alterações Modic, notou-se que houve menor intensidade
de dor radicular no pós-operatório do grupo Modic2 em comparação com o grupo Modic
1 ([Tabela 1]).
Tabela 1
|
AUSÊNCIA DE MODIC
|
MODIC 1
|
MODIC 2
|
valor-p
|
Gênero
|
Masculino
|
11/46%
|
6/25%
|
7/29%
|
0,7511
|
Feminino
|
10/38%
|
9/35%
|
7/27%
|
Idade (Anos)
|
50,14 ± 13,58
|
49,67 ± 20,61
|
46,64 ± 13,90
|
0,8002
|
Nível de Cirurgia
|
L5–S1
|
5/62%
|
1/13%
|
2/25%
|
0,2191
|
L4–L5
|
3/33%
|
1/11%
|
5/56%
|
L3–L4
|
1/50%
|
1/50%
|
0
|
L2–L3
|
1/100%
|
0
|
0
|
L4–L5 L5–S1
|
10/38%
|
9/35%
|
7/27%
|
L3–L4 L4–L5
|
1/25%
|
3/75%
|
0
|
Localização da Hérnia
|
Foraminal Direito
|
3/43%
|
3/43%
|
1/14%
|
0,8131
|
Foraminal Esquerdo
|
6/40%
|
3/20%
|
6/40%
|
Central
|
3/33,3%
|
3/33,3%
|
3/33,3%
|
Difusa
|
9/47%
|
6/32%
|
4/21%
|
Dor na Perna
|
Esquerda
|
10/40%
|
6/24%
|
9/36%
|
0,4661
|
Direita
|
6/55%
|
4/36%
|
1/9%
|
Ambos os Lados
|
5/36%
|
5/36%
|
4/28%
|
Dor na Perna Escala Visual Analógica
|
Pré-operatório
|
9,71 ± 0,78
|
9,20 ± 0,86
|
9,64 ± 0,92
|
0,8722
|
Pós-operatório
|
2,33 ± 1,68
|
2,93 ± 2,25
|
1,93 ± 1,14
|
p
< 0,0001
2
|
∆ (Pós-Pré)
|
−7,38 ± 1,77
|
−6,26 ± 2,31
|
−7,71 ± 1,54
|
0,1832
|
Acompanhamento (meses)
|
11,25 ± 7,33
|
7,65 ± 7,89
|
7,36 ± 5,81
|
0,1322
|
Ao analisar os grupos Pfirrmann (Pfirrmann IV versus Pfirrmann V), não houve diferença na comparação das características clínicas e radiológicas,
tampouco na intensidade da dor ciática ([Tabela 2]).
Tabela 2
|
Pfirrmann iv
|
Pfirrmann v
|
valor-p
|
Gênero
|
Masculino
|
16/73%
|
6/27%
|
0,7231
|
Feminino
|
17/68%
|
8/32%
|
Idade (Anos)
|
47,45 ± 16,17
|
53,29 ± 16,95
|
0,2712
|
Nível de Cirurgia
|
L5–S1
|
7/78%
|
2/22%
|
0,5621
|
L4–L5
|
7/78%
|
2/22%
|
L3–L4
|
2/100%
|
0
|
L2–L3
|
1/100%
|
0
|
L4–L5 L5–S1
|
13/59%
|
9/41%
|
L3–L4 L4–L5
|
3/75%
|
1/25%
|
Localização da Hérnia
|
Foraminal Direito
|
7/100%
|
0
|
0,0961
|
Foraminal Esquerdo
|
10/62%
|
6/38%
|
Central
|
7/78%
|
2/22%
|
Difusa
|
9/60%
|
6/40%
|
Dor na Perna
|
Esquerda
|
16/62%
|
10/38%
|
0,2011
|
Direita
|
9/90%
|
1/10%
|
Ambos os Lados
|
8/73%
|
3/27%
|
Pré-operatório
|
9,42 ± 0,97
|
9,29 ± 0,,91
|
0,5393
|
Pós-operatório
|
2,42 ± 1,56
|
2,43 ± 2,20
|
0,7373
|
∆ (Pós-Pré)
|
−7,00 ± 1,83
|
−6,85 ± 2,17
|
0,9023
|
Acompanhamento (meses)
|
8,57 ± 7,30
|
7,77 ± 6,90
|
0,8223
|
Discussão
Em um estudo de meta-análise com nove ensaios clínicos randomizados, ao comparar a
cirurgia endoscópica com a abordagem aberta para hérnia de disco lombar sintomática,
verificou que a satisfação do paciente foi maior e o tempo de hospitalização, menor,
no grupo que foi submetido à cirurgia endoscópica.[8]
Ao considerar a anatomia da coluna lombar, onde as dimensões do forame intervertebral
diminuem à medida que os espaços interlaminares aumentam de L1 para L5, a abordagem
transforaminal é recomendada para níveis lombares elevados incluindo L3/L4 e para
os casos que apresentam estenose foraminal ou do recesso lateral, A abordagem interlaminar
é sugerida para os níveis L4/L5 e L5/S1, além de para os casos nos quais ocorra estenose
do recesso central e lateral.[9]
A vantagem mais significativa da abordagem transforaminal, em detrimento da interlaminar,
seria o fato da primeira ser realizada sob anestesia local em ambiente ambulatorial,
evitando o risco da anestesia geral (utilizada para a abordagem interlaminar), principalmente
em pacientes idosos com comorbidades, resultando em menores custos com esse tipo de
paciente para o sistema de saúde.[10]
Xu et al.[11] estudaram a diferença no resultado clínico nos pacientes submetidos a cirurgia endoscópica
transforaminal para hérnia de disco lombar, considerando as alterações Modic. Nos
três grupos analisados (Controle, Modic tipo I e Modic tipo II), houve melhora significativa
na intensidade da dor radicular, medida por meio da EVA, em 3 meses, 1 ano e no último
ano de acompanhamento pós-operatório, em comparação com os valores pré-operatórios.
É importante mencionar que não houve diferença entre os três grupos.
Esses autores encontraram a presença de lesão nas raízes nervosas em 5 pacientes:
3 no grupo controle, 1 no Modic tipo I e 1 no Modic tipo II, com taxas de complicações
de 6,6, 6,8 e 8% nestes grupos, respectivamente. A recorrência ocorreu em 16 pacientes:
8 no grupo controle, 4 no grupo Modic tipo 1 e 4 no grupo Modic tipo II, com taxas
de 4,4, 9,1 e 8% nestes três grupos, respectivamente.[11]
Em nosso estudo, foi observada uma melhora significativa na dor ciática pós-operatória
nos três grupos analisados (ausência de Modic, Modic 1 e Modic 2), após a discectomia
endoscópica transforaminal. No entanto, houve uma diferença estatisticamente significativa
no valor da EVA pós-operatória entre os grupos Modic 1 e Modic 2, sendo de maior intensidade
no último grupo. A diferença não foi considerada clinicamente significativa porque
não era > 2 pontos na EVA.
A presente pesquisa evidenciou a presença de paresia (força muscular grau IV na escala
do Medical Research Council) em seis pacientes no pré-operatório: dois no grupo ausência
de Modic, um no grupo Modic 2, e três em pacientes não classificados. Um paciente
do grupo Modic 1 apresentou paresia após a cirurgia. Esses pacientes foram submetidos
a reabilitação motora pós-operatória, sendo que a fraqueza muscular foi normalizada
após ∼ 3 meses de tratamento. A recidiva foi observada em cinco pacientes, sendo três
no grupo ausência de Modic, um no grupo Modic 1, e um em um paciente não classificado.
Considerando as complicações, um estudo multicêntrico com > 26.000 casos encontrou
prevalência < 1% para discectomia endoscópica percutânea, tais como: disestesia 0,45%,
rupturas durais 0,17%, discite 0,25%, deficiência sensitivo-motora 0,32%, e recorrência
0,79%.[12]
Os fatores de risco gerais para a recorrência em cirurgia endoscópica percutânea são:
sexo masculino, obesidade, idade > 50 anos, história de trauma, e hérnia de disco
central. Porém, existem fatores relacionados à técnica cirúrgica, tais como: cirurgiões
menos experientes (< 200 casos) e uso de material inadequado.[9]
[13]
Em nosso estudo, todos os pacientes foram submetidos à técnica transforaminal para
hérnia de disco lombar em discos com degeneração avançada (Pfirrmann IV e V). Foi
observada uma melhora significativa, não só estatisticamente, mas também clinicamente,
na intensidade da dor ciática, de acordo com a EVA no último acompanhamento pós-operatório;
contudo, não houve diferença entre os dois grupos.
Na presente pesquisa, a cirurgia endoscópica transforaminal para hérnia de disco lombar
com discopatia avançada representada por estágios mais avançados nas classificações
de Modic e Pfirrmann demonstrou ser clinicamente eficaz na redução da dor (pré-operatório
forte a pós-operatório leve). Não houve diferença clínica para aqueles pacientes que
apresentavam doença degenerativa discal avançada.
As limitações da presente pesquisa foram o tamanho da amostra, o acompanhamento relativamente
curto dos pacientes, realizado em apenas um centro especializado; no entanto, a presente
pesquisa ainda traz dados importantes sobre a doença degenerativa discal avançada
tratada com método minimamente invasivo.
Conclusão
O presente estudo mostrou que, mesmo na degeneração discal avançada, a discectomia
endoscópica percutânea transforaminal parece ser um método eficiente na redução da
dor radicular em pacientes com hérnia de disco lombar.
A melhora da dor pós-operatória foi observada em todos os grupos analisados pela classificação
Modic (ausência de Modic, Modic 1 e Modic 2) ou pela classificação de Pfirrmann (Pfirrmann
IV e Pfirrmann V), sem diferença clínica na redução da dor ciática entre os grupos.