Palavras-chave fraturas do colo femoral - colo do fêmur - fraturas não consolidadas - osteotomia
Introdução
A não consolidação da fratura do colo femoral em um paciente jovem é uma complicação
desafiadora de abordar e tratar para qualquer cirurgião ortopédico. Em países em desenvolvimento
como a Índia, com a maioria da sua população vivendo em áreas rurais, a manifestação
tardia e a não consolidação deste tipo de fratura não é um fato incomum, devido à
causas como a falta de conhecimento, indisponibilidade de instalações para tratamento
adequado ou a fé em cuidadores de ossos locais para o tratamento primário. A cirurgia
de artroplastia do quadril nesses casos é uma escolha difícil de fazer, devido às
restrições financeiras, aos hábitos sociais como agachamento/sentar com as pernas
cruzadas, além do aumento da expectativa de vida que exige que a cabeça natural seja
preservada pelo máximo de tempo possível. As cirurgias de preservação da cabeça femoral
têm como objetivo melhorar a biologia, a biomecânica ou ambas no sítio da fratura.
O primeiro grupo inclui cirurgias como enxertos do pedículo muscular[1 ] e enxertos vascularizados de fíbula.[2 ] Estas cirurgias são tecnicamente muito exigentes, consomem muito tempo e requerem
muita experiência.
A fratura do colo do fêmur é causada por um tipo de força de cisalhamento, aumentando
à medida que a inclinação vertical da linha da fratura também aumenta. Isso levou
à conclusão de que se as forças de cisalhamento verticais são convertidas em forças
compressivas, por meio de uma osteotomia de angulação em valgo distal à fratura, ocorre
a melhora da consolidação nas extremidades da fratura e o encurtamento do comprimento
do membro, devido à fratura em varo, e a reabsorção do colo femoral também é compensada.[3 ]
A maioria dos autores no passado descreveu a fixação interna do sítio da osteotomia
mediante uma placa-lâmina de ângulo duplo.[4 ]
[5 ]
[6 ]
[7 ]
[8 ] Isso requer um ângulo de inserção muito preciso na cabeça, e até mesmo uma mudança
mínima na direção da lâmina pode alterar a direção da placa no plano sagital ou coronal
em relação à diáfise do fêmur, provocando, assim, um deslocamento dos fragmentos da
fratura. Desta forma, utilizamos um parafuso dinâmico de quadril (DHS, na sigla em
inglês) de ângulo duplo, que permite uma maior liberdade de fixação no plano sagital.
Apenas alguns estudos avaliaram o resultado do tratamento a longo prazo de fratura
não consolidada do colo femoral com a utilização deste implante.[9 ]
[10 ]
[11 ]
[12 ]
[13 ]
Materiais e Métodos
Trata-se de um estudo prospectivo de intervenção que incluiu 20 pacientes com pseudoartrose
por fratura do colo do fêmur internados em nossa instituição. Foram incluídos 13 homens
e 7 mulheres, com idade média de 40 anos (18–55 anos). Nossos critérios de inclusão
foram qualquer paciente com idade < 60 anos com pseudoartrose de fratura intracapsular
do colo femoral com ou sem qualquer fixação prévia. Os critérios de exclusão foram
a presença de alterações da necrose avascular (NAV) na radiografia simples ou ressonância
magnética (RM) e a reabsorção significativa do colo femoral com fragmento proximal < 2,5 cm.
Os pacientes que atenderam aos critérios acima foram investigados, tendo sido encaminhados
para a cirurgia após avaliação pré-anestésica.
No pré-operatório, foi planejada uma osteotomia em cunha de fechamento lateral logo
acima do trocânter menor, com um papel transparente sobre as radiografias com 100%
de amplificação e um marcador radiopaco colocado sobre a face lateral da coxa para
confirmação do fator de amplificação. O ângulo em cunha (W) e o tamanho da cunha (X)
desejados na cortical lateral do fêmur foram calculados de forma que o ângulo final
no sítio da fratura, após a osteotomia, ficasse em ∼ 30°. O ângulo de inserção (I)
do pino guia para o parafuso tipo Richard com uma linha paralela ao eixo vertical
do corpo também foi calculado subtraindo este ângulo de cunha de 120 graus, ou seja,
o ângulo do implante ([Figura 1 ]).
Fig. 1 (I) Cálculo do ângulo de inserção; W - ângulo em cunha, X - tamanho da cunha; P -
ângulo de Pauwels.
Todos os pacientes foram submetidos à cirurgia em uma mesa de tração padrão em posição
supina, sob o controle do braço em C. Foi utilizada uma abordagem lateral padrão,
utilizando a técnica cirúrgica de osteotomia femoral proximal, removendo qualquer
implante anterior sem a abertura do sítio da fratura. Foi realizada uma osteotomia
em cunha de fechamento lateral logo acima do trocânter menor em ângulo predeterminado.
Posteriormente, foi realizada a inserção do pino guia e do parafuso tipo Richard,
através do sítio da pseudoartrose, voltado para o centro da cabeça e no ângulo de
inserção medido previamente, a partir do eixo vertical ([Figura 2 ]). A articulação periosteal medial foi deixada intacta na osteotomia e o fragmento
distal foi retirado para o fechamento do sítio da osteotomia, sendo posteriormente
fixado com uma placa cilíndrica de ângulo duplo de 120° ([Figura 3 ]). Não foi realizado enxerto ósseo em nenhum dos pacientes.
Fig. 2 Imagem intraoperatória após a inserção do parafuso tipo Richard.
Fig. 3 Imagem intraoperatória após conclusão da fixação da osteotomia em valgo.
No pós-operatório, no 1° dia, foram iniciados os exercícios ativos do quadril e do
joelho. No 2° ao 3° dia do pós-operatório, foi iniciada a deambulação sem carga com
um andador, de acordo com a tolerância do paciente. Os pacientes foram acompanhados
mensalmente durante 3 meses, depois a cada 2 meses até completar 1 ano; após esse
período, o acompanhamento passou a ser semestral ([Figuras 4 ]
[5 ]
[6 ]
[7 ]). Os exercícios com carga foram adiados até que fossem observados quaisquer sinais
radiográficos de consolidação da fratura, então progredindo gradualmente para carga
total.
Fig. 4 Raio-X pré-operatório da pélvis na incidência anteroposterior.
Fig. 5 Radiografias imediatamente pós-operatórias.
Fig. 6 Radiografias de acompanhamento aos 3 meses.
Fig. 7 Raio-X da pélvis na incidência anteroposterior no acompanhamento final aos 6 meses.
O presente estudo está de acordo com as normas éticas para experimentos e estudos
em seres humanos do nosso país, tendo sido realizado após aprovação do comitê de ética
da nossa instituição. Antes do recrutamento, foi obtido um consentimento por escrito
e informado de cada participante do presente estudo.
Resultados
A duração média desde a lesão foi de 9,2 meses (5–14 meses). Duas das fraturas (10%)
localizavam-se na região subcapital do colo femoral, 6 (30%) na região basocervical,
e as outras 12 (60%) eram fraturas do tipo transcervicais. O ângulo de Pauwels médio
no pré-operatório foi de 57,35° (40–85°), e o encurtamento médio do membro foi de
2,12 cm (1–4,5 cm). Cinco pacientes haviam sido submetidos a uma cirurgia anterior
realizada em outro local (5 pacientes tinham vários parafusos canulados), levando
à não consolidação. O ângulo médio de Pauwels no pós-operatório foi de 28,45° (20–45°),
apresentando uma redução de ∼ 28,9° após a cirurgia. Todos os pacientes apresentaram
uma redução no encurtamento do membro, evidenciando um encurtamento pós-operatório
médio < 1 cm. A duração média do acompanhamento foi de 3,9 anos (4–7 anos). Um total
de 16 casos evoluíram para a consolidação (taxa de consolidação de 80%), com um tempo
médio de consolidação de 7,53 meses (4,5–12 meses), e 4 casos (20%) apresentaram os
seguintes eventos: 3 casos progrediram para falha na forma de “cut-out” do parafuso,
e 1 paciente evoluiu com colapso da cabeça femoral com NAV. Destes quatro casos de
falha, apenas um paciente fora submetido previamente à cirurgia com a fixação de parafuso.
Um paciente desenvolveu NAV tipo III e a extrusão do parafuso após a consolidação
do sítio da osteotomia. Não houve outras complicações significativas, como infecção,
tromboembolismo etc.
O resultado funcional foi medido pela escala Harris Hip Score (HHS). A média da escala
HHS no acompanhamento final foi de 86,45 (intervalo: 77–94). Um escore excelente foi
observado em 6 pacientes (30%), bom em 12 (60%), regular em 2 (10%), e não foi observado
escore insatisfatório em nenhum paciente. Dois pacientes com desfecho regular apresentaram
ocorrências: o primeiro paciente apresentou falha do implante com o “cut-out” do parafuso,
e o segundo apresentou colapso da cabeça com NAV.
Discussão
As fraturas do colo femoral estão associadas a altas taxas de NAV e de pseudoartrose.
A taxa de complicação é afetada pela geometria da fratura e pelo retardo no tratamento.[14 ]
[15 ] As fraturas que não são tratadas depois de 3 a 6 semanas são definidas como negligenciadas,
e após > 90 dias como pseudoartrose. As fraturas não tratadas após 3 semanas têm menos
chance de consolidação óssea, a qual só é possível por meio de fixação interna.[16 ]
A osteotmia intertrocantérica é o procedimento de escolha para esses casos em pacientes
jovens. A técnica utilizada para osteotomia descrita por Pauwels foi a osteotomia
intertrocantérica de fechamento lateral em forma de VY, com ressecção de cunha da
metade lateral ou de 2/3 do fêmur, sendo o fragmento distal fixado em abdução.[3 ] Isso converte a linha de fratura vertical em horizontal, convertendo assim as forças
de cisalhamento em forças compressivas. Mas esta osteotomia reduz a área da superfície
de contato, tornando-se tecnicamente desafiadora.
A outra alternativa é a osteotomia intertrocantérica valgizante em cunha de fechamento
lateral simples, que fornece uma área de superfície mais ampla para o contato ósseo,
sendo tecnicamente menos exigente.[4 ] Ela também causa lateralização do fragmento distal, resultando em alongamento. O
alongamento é geralmente desejável para compensar o encurtamento que está presente
nesses casos.
A fixação da osteotomia intertrocantérica em valgo costumava ser descrita no passado
com placa-lâmina angulada, procedimento tecnicamente mais exigente e com algumas desvantagens.
Martelar a lâmina pode deslocar a fratura, perfurar ou dividir a cabeça femoral, e
até mesmo uma ligeira mudança na direção da lâmina torna a fixação da placa à haste
muito difícil. Além disso, a lâmina não pode ser usada para obter compressão através
da fratura.[7 ]
[8 ]
As desvantagens acima relacionadas à placa-lâmina angulada são superadas pelo DHS,
sendo que o procedimento é tecnicamente mais simples. Porém, existe um risco teoricamente
maior de NAV da cabeça femoral por meio do emprego do DHS devido ao movimento rotatório,
e também de necrose térmica e de ruptura da vascularização intraóssea devido à colocação
de um parafuso de diâmetro maior.[11 ]
[12 ]
[13 ] Existem poucos estudos no passado que avaliaram os resultados a longo prazo da osteotomia
intertrocantérica em valgo fixada com DHS de ângulo duplo.
Sharma et al.[9 ] estudaram 22 casos de não consolidação do colo femoral e avaliaram os resultados
do tratamento com a osteotomia intertrocantérica valgizante (VITO) e a fixação com
DHS de ângulo duplo, com um acompanhamento médio de 18 meses (12–38 meses), A taxa
de consolidação no sítio da pseudoartrose foi de 82%, sendo que a duração média da
consolidação foi de 20 semanas (12–40 semanas). Dois pacientes com osteoartrose do
joelho pré-existente e com manifestação de dor leve não apresentaram alteração na
intensidade da dor ou na deformidade do joelho após a osteotomia. Os resultados classificados
como excelentes foram observados em 4 pacientes, bons em 10 pacientes, e resultados
regulares em 2 pacientes. Um resultado insatisfatório foi observado em seis pacientes,
dos quais quatro tiveram pseudoartrose no sítio da fratura e dois apresentaram NAV
com colapso da cabeça femoral após a consolidação da fratura.
Pruthi et al.[10 ] avaliaram os resultados de 28 casos de osteotomia intertrocantérica de reposicionamento
e fixação com placa cilíndrica de ângulo duplo de 120 graus, com um acompanhamento
médio de 26,5 meses. Em 26 dos 28 casos avaliados, a consolidação do sítio da fratura
ocorreu com uma média de 5,2 meses; em 2 casos, não ocorreu a consolidação, sendo
1 caso com resultado regular e o outro apresentando resultado insatisfatório. Os resultados
avaliados de acordo com o método de avaliação funcional de Larson foram considerados
bons em 26, resultado regular em 1 caso, e insatisfatório em 1 outro caso. Os fatores
relacionados ao resultado regular e insatisfatório incluíram fratura subcapital (insatisfatório
em 1 de 6 casos), fratura basocervical (regular em 1 de 8 casos), fratura de Pauwels
tipo III (1 regular e 1 insatisfatório de 22 casos), incapacidade de alcançar o ângulo
de Pauwels de até 250° no intraoperatório (1 regular e 1 insatisfatório de 14 casos),
e cirurgia após 12 semanas da lesão (1 regular e 1 insatisfatório de 7 casos). As
complicações incluíram: “cut-out” em um caso, não consolidação em dois casos, infecção
superficial em dois casos, e dismetria do membro em seis casos. Esses achados foram
semelhantes aos da nossa série.
Khan et al.[11 ] monitoraram os resultados de 16 pacientes com colo femoral negligenciado e sem consolidação
que foram tratados com a técnica VITO e DHS de ângulo duplo, durante um período de
19 meses (11–36 meses). A pontuação média da escala HHS aumentou de 66,6 pontos (variação
de 55 a 75 pontos) antes da cirurgia para 88 pontos (variação de 75 a 95 pontos).
Resultados excelentes foram alcançados em 14 pacientes. Dois pacientes apresentaram
resultados insatisfatórios, devido ao “cut-out” do implante. Em 14 dos 16 pacientes,
a fratura alcançou consolidação satisfatória após uma média de 14,7 semanas (10–26,7
semanas).
Gill et al.,[13 ] em um estudo prospectivo de intervenção abrangendo 36 pacientes com colo femoral
não consolidado, foram tratados com técnica VITO e placa cilíndrica de ângulo duplo,
sendo acompanhados por um período de 3 anos. A consolidação da fratura ocorreu em
32 casos ao longo de uma duração média de 12 semanas (10 a 18 semanas). Destes 36
casos, 13 (36%) casos mostraram resultados excelentes e 19 (53%) casos mostraram bons
resultados, de acordo com os critérios modificados de Askin e Bryan. Os quatro casos
restantes evoluíram com falha no implante e foram classificados como de resultado
regular, devido à perda de redução, ao “cut-out” do implante e à NAV da cabeça femoral.
A NAV foi observada em 7 casos, dos quais 3 evoluíram para consolidação no sítio da
fratura e até a reversão da NAV. Entre os 36 casos, 30 casos conseguiram realizar
o agachamento após 3 anos de acompanhamento.
Em nosso estudo, 90% dos pacientes alcançaram resultado satisfatório, com a avaliação
funcional HHS apresentando escores na faixa de excelente e bom. Isso foi semelhante
aos resultados da maioria dos outros estudos. Os fatores associados a um resultado
aceitável incluíram “cut-out” do implante, colapso da cabeça femoral com NAV, ângulo
de Pauwels pré-operatório de 75°, fratura subcapital e fixação prévia do parafuso
para a fratura do colo femoral. A taxa de consolidação de 80% foi alcançada com uma
duração média de 7,53 meses (4,5–12 meses). Isso foi comparável à maioria dos outros
estudos. Uma possível limitação do nosso estudo é a falta de qualquer grupo controle
para a comparação dos desfechos.
Conclusão
A osteotomia intertrocantérica valgizante e a fixação com DHS de ângulo duplo é um
método confiável e eficaz para a preservação da cabeça femoral, possibilitando a consolidação
de uma fratura do colo femoral em pacientes jovens. O implante é mais adequado do
que a placa-lâmina em sua colocação no plano sagital, e a técnica cirúrgica pode ser
facilmente reproduzida com uma pequena curva de aprendizado.