Palavras-chave
síndrome do túnel carpal - ultrassonografia de intervenção - anestesia local
Introdução
A síndrome do túnel do carpo (STC) é a mais frequente das síndromes compressivas do
corpo humano, e é definida pela compressão do nervo mediano no carpo. A prevalência
estimada é de 5% da população, com predomínio no sexo feminino, entre a quarta e sexta
décadas da vida.[1]
Estão contidos no túnel osteofibroso o nervo mediano e mais nove tendões flexores
delimitados superficialmente pelo retináculo dos flexores (RF).[1] O território sensitivo do nervo mediano na mão corresponde à face volar do polegar,
segundo, terceiro e a metade radial do quarto dedo, o que explica os sintomas de parestesia
no território mais radial da face volar da mão.[1]
O tratamento incruento da STC consiste na administração de medicações analgésicas,
anti-inflamatórios e moduladores da dor neuropática, infiltração de corticoide, e
o uso de órtese no punho para a melhora sintomatológica do paciente.[2] O tratamento cruento consiste na seção cirúrgica do RF. A retinaculotomia melhora
o sintoma de parestesia por descomprimir e diminuir a pressão intratúnel do nervo
mediano no carpo.[2] A técnica pode ser aberta, miniaberta ou endoscópica.[2]
[3]
A anestesia pode ser geral, locorregional ou local. A anestesia local consiste no
bloqueio do nervo mediano no punho e no local da incisão cirúrgica, e pode ser empregada
a associação de adrenalina e lidocaína com o propósito de diminuir o sangramento intraoperatório,
dispensar o uso do torniquete no braço, e a necessidade de sedação do paciente.
Esta última técnica é conhecida wide-awake local anesthesia no tourniquet (WALANT, em inglês), ou seja, cirurgia com paciente acordado, sob anestesia local,
e sem torniquete.[2]
[4]
[5] A administração de adrenalina se mostra vantajosa ao dispensar o garroteamento e
a sedação do paciente. Possibilita um início de ação mais rápido e efeito mais duradouro
da anestesia, um campo cirúrgico com mínimo sangramento, menor quantidade de anestésico
a ser administrado para alcançar o controle da dor, menor custo, menor tempo pré-operatório,
e menores chances de complicações, principalmente nos pacientes idosos.[4]
[6] A técnica foi apresentada por Lalonde e Martin (apud Kang et al.[6]), que demonstraram ser um método seguro em pacientes de qualquer idade, e capaz
de prevenir sangramento no campo cirúrgico sem o uso do torniquete. Recentemente,
as indicações cirúrgicas deste tipo de anestesia têm se expandido além do tratamento
de STC, e ela é usada em cirurgias de punho, tenoplastias e neurolises na mão, por
exemplo.[5]
A administração do anestésico local pode ser ainda mais precisa quando a introdução
da agulha é guiada pela ultrassonografia músculo-esquelética. O ultrassom (US) permite
identificar, avaliar e diagnosticar lesões, além da visualização da agulha e do local
da infiltração em tempo real. Confere eficácia e precisão ao procedimento, e segurança,
agilidade e conforto ao paciente.[7]
[8]
A anestesia local com vasoconstritor na cirurgia da STC guiada por US consiste na
injeção do anestésico perineural com distribuição circunferencial, o que confere maior
taxa de bloqueio sensorial,[7] e na injeção subdérmica volar do carpo, correspondente à incisão cirúrgica, a fim
de evitar sangramento.[5]
[7]
[8]
[9] A orientação em tempo real prevista pelo US melhora a precisão do local de injeção,
torna o bloqueio nervoso um processo mais rápido, e possibilita a administração de
uma menor quantidade de anestésico, com menor risco de toxicidade sistêmica. O tratamento
cirúrgico da STC se mostra uma modalidade ideal para injeções terapêuticas guiadas
por US.[9]
Materias e Métodos
Um paciente voluntário foi submetido à cirurgia de descompressão do túnel do carpo
após falha do tratamento conservador. Este paciente foi operado pelo cirurgião ortopédico
especialista que é um dos autores deste artigo. Previamente à cirurgia, o paciente
foi devidamente informado sobre os procedimentos de anestesia local guiada por US
e da cirurgia propriamente dita. A participação como voluntário foi confirmada após
a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. O presente estudo foi
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o parecer 4.304.166.
Descrição da Técnica
A técnica WALANT guiada por US para descompressão do túnel do carpo consiste em duas
etapas. Na primeira, faz-se o bloqueio anestésico circunferencial do nervo mediano
proximal ao túnel do carpo, e na segunda, a infusão da mesma solução no subdérmico
na projeção da incisão cirúrgica volar no carpo. Foi utilizado um aparelho de US portátil
sem fio, com sonda linear e frequência de 7,5MHz a 10MHz, (Mobissom, São Paulo, SP,
Brasil), apropriado para a visualização de estruturas anatômicas musculoesqueléticas
no punho e na mão, necessária ao bloqueio pré-operatório. As imagens são transmitidas
por bluetooth a um iPad (Apple, Cupertino, CA, EUA).
Com o paciente posicionado em decúbito dorsal e o membro superior sobre uma mesa de
mão, após degermação e antissepsia, o transdutor linear de US é posicionado transversalmente
no punho, e o nervo mediano é identificado. Um volume de 10 mL de xilocaína a 2% com
vasoconstritor é diluído com 10 ml de soro fisiológico a 0,9%, obtendo um volume de
20 ml de xilocaína a 1%. Da solução anestésica obtida, entre 6 ml e 10 ml são utilizados
na primeira etapa, e o restante, na região subdérmica da incisão cirúrgica, por meio
de agulha hipodérmica cinza, de 25 mm x 0,70 mm, que pode ser visualizada pelo US,
conforme se mostra nas [Figs. 1B] e [2B].
Fig. 1 (A) Membro superior direito do paciente em supino sobre a mesa de mão. Um ultrassom
portátil com sonda linear* (Mobissom) é posicionado transversalmente no punho, com
a identificação em tempo real do nervo mediano*** na imagem transmitida a um iPad
(Apple). Uma agulha hipodérmica cinza, de 25 mm x 0,70 mm, acoplada a uma seringa
de 20 ml contendo solução de xilocaína a 1% com vasoconstritor,** é introduzida na
direção ulnorradial até o perineuro do nervo mediano, conforme as setas brancas (B). Circunferencialmente, em torno de 6 ml a 10 ml são infundido ao redor do nervo
mediano.
Fig. 2 (A) Membro superior direito do paciente em supino sobre a mesa de mão. Um ultrassom
portátil com sonda linear* (Mobissom) é posicionado longitudinal e volarmente no carpo,
na projeção da incisão cirúrgica. Uma agulha hipodérmica cinza, de 25 mm x 0,70 mm,
acoplada a uma seringa de 20 ml,** é introduzida pela prega do punho e direcionada
distalmente entre a derme e o retináculo dos flexores (RF). Com a imagem ultrassonográfica
transmitida a um iPad (Apple) (B), a agulha (setas brancas) é posicionada entre a derme e o RF, *** e um volume de
cerca de 10 ml de solução de xilocaína a 1% com vasoconstritor é injetado. Observa-se,
ainda na imagem B, o nervo mediano profundo ao RF, longitudinal.****
Na primeira etapa, o nervo mediano é bloqueado circunferencialmente e proximalmente
ao túnel do carpo após a inserção da agulha radial no plano evidenciado com sonda
linear transversa no punho, conforme mostra a [Fig. 1A]. À medida que a ponta da agulha é posicionada adjacente ao nervo, a aspiração de
conteúdo é indicada para a certificação de ausência de lesão de vasos da região, e,
então, o anestésico é injetado acima e abaixo do nervo.
Na segunda etapa do bloqueio, conforme se vê na [Fig. 2], o transdutor de US é posicionado longitudinalmente no carpo, na projeção do acesso
cirúrgico. É identificado o espaço entre o subcutâneo e o RF. Com ponto de entrada
na prega volar do punho, com direção distal e longitudinal, a agulha é introduzida
no espaço visualizado, e são injetados em torno de 10 ml da solução anestésica. Esse
volume é suficiente para promover uma vasoconstrição e obter um campo cirúrgico sem
sangramento. Passados de cinco a dez minutos, tempo para preparação dos campos cirúrgicos
e paramentação médica, o procedimento cirúrgico propriamente dito pode ser realizado.
Discussão
Tradicionalmente, a cirurgia para descompressão do nervo mediano em pacientes com
STC é feita por meio de torniquete. Pela necessidade de sedação do paciente, apresenta
desvantagens, como maior tempo cirúrgico, maior custo, e possíveis complicações da
sedação, principalmente nos pacientes idosos com comorbidades. A técnica WALANT, pela
associação de xilocaína e adrenalina, permite a cirurgia com segurança, sem necessidade
de torniquete e de sedação do paciente. O emprego do US permite o refinamento da técnica.
Kang et al.,[6] em um estudo para comparar o alívio da dor e a eficácia da técnica WALANT em 20
pacientes submetidos à cirurgia de STC, detectaram um resultado significativamente
mais baixo na escala visual analógica (EVA) da dor quando comparado aos resultados
obtidos com as técnicas tradicionais de anestesia locorregional dentro das primeiras
24 horas de pós-operatório. Também constataram menor consumo de opioides devido à
menor sensação de dor no pós-operatório.
Em um estudo feito por Liebmann et al.[8] com objetivo de identificar a viabilidade do bloqueio guiado por US dos nervos radial,
ulnar e mediano no antebraço de pacientes admitidos no setor de emergência hospitalar,
foi evidenciada uma redução média na EVA da dor de 5.0 em 15 minutos após o procedimento.
Durante o estudo, também foi mensurado o tempo para um bloqueio completo do nervo,
começando com a iniciação do US e terminando com o bloqueio total do nervo, e resultando
em um tempo médio de três minutos.
Em um estudo, de Freitas Novais Junior et al.[4] abordaram 41 pacientes submetidos à cirurgia de mão sob a técnica de anestesia local
com associação de lidocaína e adrenalina na concentração 1:100.000. O sangramento
observado durante a cirurgia foi mínimo em 32 pacientes, moderado em 6, e intenso
em 3, sendo que dois desses pacientes estavam em tratamento para insuficiência renal
crônica. Em nenhum dos casos foi necessário interromper a cirurgia devido ao sangramento.
No pós-operatório, não houve casos de necrose, hematoma ou qualquer complicação.[4]
Em outro estudo, Barros et al.[10] concluíram que a técnica WALANT é eficaz e segura no tratamento cirúrgico da STC.
A pesquisa evidenciou uma melhora significativa da dor no pós-operatório, e 75% dos
pacientes relataram que o procedimento se equivale ou é melhor do que uma punção venosa,
evidenciando uma satisfação com a técnica e a sua eficácia. Sardenberg et al.[11] concluíram que cirurgias do punho, mão e dedos podem ser realizadas de forma segura
com a técnica WALANT, após avaliação de 488 pacientes operados sem nenhum desfecho
adverso.
Quanto aos gastos cirúrgicos da cirurgia de STC realizada em centro cirúrgico tradicional
em hospitais no Canadá, Leblanc et al.[12] concluíram ser quatro vezes mais cara e menos eficiente (menos da metade) comparada
à cirurgia WALANT realizada em sala de pequenos procedimentos. O artigo de atualização
de Pires Neto et al corrobora essa conclusão.[5]
Assim como na cirurgia da mão, em que o uso de anestésico com vasoconstritor deixa
de ser um mito causador de isquemia, a ultrassonografia musculoesquelética tem mudado
alguns dogmas na ortopedia, com um número crescente de intervenções e de possibilidades
terapêuticas. O emprego da ultrassonografia na técnica WALANT para o tratamento cirúrgico
da STC é um exemplo desta evolução, que confere precisão e eficácia à técnica, e segurança
e conforto ao paciente.