CC BY-NC-ND 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2023; 58(01): 101-107
DOI: 10.1055/s-0042-1742342
Artigo Original
Mão

Validação de um instrumento simples e de aplicação rápida para rastrear incapacidade em pacientes com hanseníase

Article in several languages: português | English
1   Hospital Universitário Júlio Müller da Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, MT, Brasil
,
1   Hospital Universitário Júlio Müller da Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, MT, Brasil
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1   Hospital Universitário Júlio Müller da Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, MT, Brasil
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Resumo

Objetivo Avaliar um instrumento diagnóstico simples e rápido a ser utilizado por qualquer profissional da saúde para rastrear a incapacidade apresentada por pacientes com hanseníase.

Método Estudo de validação de teste de diagnóstico realizado em uma amostra de 156 pacientes com hanseníase para rastrear incapacidade funcional, por meio do questionário abreviado disabilities of arm, shoulder, and hand (QuickDASH). A avaliação neurológica simplificada proposta pela Organização Mundial da Saúde foi utilizada como referência. Construiu-se a curva de características operacionais do receptor (ROC) para determinação do ponto de corte do QuickDASH que melhor discriminou pacientes com incapacidade funcional provocada pela hanseníase.

Resultados Foram identificados 86 (55,5%) pacientes com incapacidade funcional pela avaliação neurológica simplificada. O desempenho do QuickDASH mostrou que, em ponto de corte de 30 pontos, a sensibilidade e a especificidade foram de 72,1% e 68,1% (acurácia de 70,3%), respectivamente, para identificar incapacidade funcional, com um valor preditivo positivo de 73,8%.

Conclusão O instrumento QuickDASH mostrou boa acurácia para rastrear incapacidade funcional no paciente com hanseníase, podendo ser útil na prática clínica da atenção básica e ambulatorial geral, com o objetivo de identificar pacientes que necessitam de referência especializada para sua prevenção e tratamento.


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Introdução

A hanseníase é uma doença infeciosa crônica de notificação compulsória, causada pelo Mycobacterium leprae e caracterizada por neuropatia periférica. Em sua evolução, principalmente de pacientes não adequadamente tratados, a hanseníase pode evoluir com diferentes lesões cutâneas e neurais, que podem resultar em mutilações e diferentes graus de incapacidade funcional.[1] O bacilo de Hansen apresenta tropismo pelo nervo periférico, principalmente pela célula de Schwann, provocando degeneração das fibras nervosas, levando a uma neuropatia mista, que compromete fibras nervosas sensitivas, motoras e autonômicas. A dor neuropática e o espessamento neural são manifestações clínicas consequentes, ocorrendo em 45,8% dos pacientes.[2]

Caaso não seja não abordada adequadamente, a disfunção neuromotora resultará em déficit funcional em um ou em mais segmentos do corpo, o que é conhecido como incapacidade provocada pela hanseníase. O diagnóstico e tratamento oportunos são ações importantes para a prevenção das incapacidades. É importante destacar que as frequentes lesões anestésicas de pele estão ausentes na forma neurítica pura da doença, que também pode levar à incapacidade por disfunção de algum nervo isolado, o que pode ocorrer em até 60% dos casos com comprometimento neural.[2]

A proporção de casos novos de hanseníase diagnosticados com grau 2 de incapacidade é um importante indicador para avaliar o diagnóstico tardio da doença.[3] Em 2015, de 14.000 novos casos da doença diagnosticados no mundo, 12% já portavam o grau 2 de incapacidade. O Brasil foi o país que mais contribuiu com essa proporção.[4] Essa incapacidade é identificada pela avaliação neurológica simplificada (ANS), considerada como referência para o seu diagnóstico.[5] [6] [7] A ANS é classificada em grau 0 (zero) quando não há evidência de comprometimento neural nos olhos, mãos ou pés; grau 1 quando há diminuição ou perda de sensibilidade em qualquer segmento do corpo; e grau 2 quando há presença de incapacidades e deformidades dos tipos lagoftalmo, garras, reabsorção óssea, perda das mãos e/ou pés, perda de visão, entre outros.[8]

Durante décadas, as políticas públicas para o diagnóstico da hanseníase têm se concentrado na busca de sinais dermatológicos em vez de sintomas neurológicos.[9] A identificação da desordem do nervo periférico é importante para orientar a prática regular de autocuidado e da intervenção pertinente.[10] Embora seja aparentemente simples, a ANS exige grande habilidade do profissional para sua execução. O exame completo recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) exige tempo e paciência do examinador e do paciente, além da habilidade para realização das técnicas propostas. A carência dessa habilidade pode resultar em atraso do diagnóstico da incapacidade.[11] Isto justifica a necessidade de recursos simples, de fácil aplicação e que não exijam alto grau de experiência para rastrear pacientes na fase inicial da incapacidade funcional.

O disabilities of the arm, shoulder and hand (DASH) é um instrumento que avalia tanto sintomas como a função de membros superiores sob a perspectiva do paciente. Trata-se de um questionário que avalia o membro superior como uma unidade funcional do indivíduo, independentemente da patologia ou mesmo de sua localização.[12] Pode apontar também para disfunção de outros segmentos ou sistemas orgânicos, cujo valor preditivo positivo atingiu 75% para o seu diagnóstico.[13] Por meio de 30 perguntas, o DASH avalia o grau de dificuldade em realizar diferentes atividades físicas usando os membros superiores, incluindo dor relacionada à atividade, formigamento, fraqueza, rigidez e o impacto dessa dificuldade sobre as atividades sociais, trabalho, sono e autoimagem.[13] [14] [15] Devido ao DASH ser extenso, um outro instrumento foi posteriormente proposto, sendo mais simples e de aplicação mais rápida. Esse novo questionário, chamado de QuickDASH, já foi traduzido e validado para o português, sendo considerado confiável quando utilizado em pacientes com doenças traumáticas e não traumáticas.[16] O instrumento é composto de 11 perguntas com 5 opções de resposta pontuadas em uma escala de Likert ([Quadro 1]).[17] Caso pelo menos 10 dos 11 itens sejam respondidos, os pontos são somados para formar uma pontuação bruta e, em seguida, convertidos em uma escala de 0 a 100 pontos. Para isto, subtrai-se um ponto da soma das respostas e multiplica-se o resultado por 25.[17] [18] Quanto maior a pontuação, maior será a deficiência funcional.

Considerando a necessidade de se identificar precocemente a incapacidade funcional provocada pela hanseníase, bem como a carência de recursos simples para o seu diagnóstico, o objetivo do presente estudo é validar o QuickDASH como instrumento a ser utilizado por qualquer profissional de saúde para o rastreio da incapacidade funcional apresentada por pacientes com hanseníase.


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Materiais e Método

Este é um estudo de validação de teste de diagnóstico realizado em uma amostra de 156 pacientes com hanseníase, tratados ou em tratamento, e em seguimento clínico no a mbulatório de infectologia do Hospital Universitário Júlio Müller (HUJM), localizado em Cuiabá, MT. Trata-se de um serviço de referência para o diagnóstico e tratamento da hanseníase no estado de Mato Grosso. A amostra foi de conveniência, com entrada sequencial de pacientes e com tamanho adequado para representar a população-alvo.[19]

Foram incluídos apenas pacientes maiores de 18 anos e que aceitaram participar da pesquisa ao assinar o termo de consentimento livre e esclarecido. Não foram incluídos pacientes previamente submetidos a cirurgias motivadas por neurites ou outra alteração ortopédica em decorrência da hanseníase. A avaliação clínica inicial foi realizada por dois médicos examinadores (autores A. B. P. e M. M. F.), de forma independente. Pacientes com concordância nessas duas avaliações clínicas foram incluídos na análise. Em seguida foi conduzida a ANS e aplicado o instrumento QuickDASH, originalmente proposto para ser autorrespondido, mas, neste estudo, ele foi aplicado na forma de entrevista, devido à baixa escolaridade dos pacientes.

Os dados foram tabulados e descritos em suas frequências absoluta e relativa ou em seus sumários estatísticos no programa Stata versão 12.0 (StataCorp, College Station, TX, USA). Utilizando como referência os resultados da ANS (padrão ouro) e estabelecendo como 0 a ausência e 1 a presença de algum grau de incapacidade funcional identificado no paciente, determinaram-se a sensibilidade, a especificidade, os valores preditivos e a acurácia do QuickDASH para o diagnóstico de incapacidade funcional. Além disso, visando avaliar o poder discriminador do QuickDASH para os grupos com e sem incapacidade funcional pela hanseníase, uma curva receiver operating characteristics (ROC) foi representada graficamente.

A validade de um recurso diagnóstico é a capacidade de um teste discriminar entre a presença e ausência da condição alvo, e pode ser quantificada por meio de medidas de precisão de diagnóstico, tais como sensibilidade, especificidade, valores preditivos e acurácia. Para recursos de mensuração quantitativa, a análise da curva ROC representa a ferramenta mais adequada para o estabelecimento desses parâmetros.[20]

A análise ROC é uma técnica que mede a capacidade de um teste diagnóstico de discriminar entre pacientes que têm e não têm uma determinada doença. A curva ROC é feita traçando a taxa de falsos positivos no eixo “x” com a taxa de verdadeiros positivos no eixo “y” para um conjunto de valores de limiar. A capacidade discriminatória de um teste pode ser calculada pela área sob a curva ROC (AUC). Uma AUC de 1,0 indica discriminação perfeita, enquanto uma AUC de 0,50 representa nenhum poder discriminatório do teste. Na prática clínica, uma AUC maior ou igual 0,75 é geralmente considerada clinicamente útil como recurso de diagnóstico.[13]

Após a determinação da AUC, procedeu-se à identificação de um ponto corte do QuickDASH pelo método de Liu[21] (2012), a partir do qual é possível diagnosticar, com acurácia satisfatória, os indivíduos verdadeiros positivos e verdadeiros negativos para incapacidade funcional causada pela hanseníase. Esse método identifica o valor que produz os maiores valores de sensibilidade e especificidade, junto com a menor probabilidade de ocorrência ao acaso.[22]

O presente estudo foi aprovado pelo comitê de ética e pesquisa do Hospital Universitário Júlio Müller, sob número CAAE: 12777719.5.0000.5541.


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Resultados

Foram estudados 156 pacientes em diferentes estágios do seguimento clínico da hanseníase, sendo 82 (52,6%) do sexo masculino e 74 (47,4%) do sexo feminino. A idade variou de 18 a 86 anos, com média (DP) de 49,6 (12,7) anos, com maior frequência de pacientes entre 40 e 60 anos. Predominaram pacientes procedentes de área urbana (82,6%), com ocupação braçal ou doméstica (60,0%), com renda familiar inferior a 2 salários-mínimos (65,9%) e com baixa escolaridade (64,7%) ([Tabela 1]).

Tabela 1

Característica

n

%

Faixa etária (anos)

18–30

11

7,0

31–40

30

19,2

41–50

33

21,2

51–60

50

32,1

> 60

32

20,5

Sexo

Masculino

82

52,6

Feminino

74

47,4

Ocupação

Administrativa

22

14,2

Trabalho braçal

62

40,0

Trabalho doméstico

31

20,0

Comércio

26

16,8

Saúde

14

9,0

Zona de residência

Rural

27

17,4

Urbana

129

82,6

Renda familiar (salário-mínimo)

< 1

22

14,1

1–2

84

53,8

2–3

19

12,2

≥ 3

31

19,9

Escolaridade (anos)

0–8

79

50,6

8–9

22

14,1

9–12

33

21,2

≥ 12

22

14,1

Classificação operacional (n = 155)*

Multibacilar

127

81,9

Paucibacilar

28

18,1

Poliquimioterapia

Atual

92

59,0

Anterior

64

41,0

Retratamento

Sim

30

19,2

Não

126

80,8

Os pacientes do estudo foram, em sua maioria, classificados como multibacilares (81,9%), sendo que 92 (59,0%) deles estavam em tratamento atual com a poliquimioterapia (PQT). Trinta (19,2%) pacientes estavam recebendo a PQT pela segunda vez ([Tabela 1]).

Observou-se que 86 (55,5%) pacientes apresentavam algum déficit funcional pela ANS, representando 140 manifestações disfuncionais, que foram devidas a alterações visuais em 31 pacientes, dos membros superiores em 49 pacientes, e dos membros inferiores em 60 pacientes, o que resultou em uma classificação final de incapacidade de 0, 1 e 2 para 70 (44,9%), 46 (29,5%), e 40 (25,6%) pacientes, respectivamente ([Tabela 2]).

Tabela 2

Incapacidade

n

%

Tipo*

Qualquer déficit

86

55,5

Visual

31

19,9

Membros superiores

49

31,4

Membros inferiores

60

38,5

Grau de incapacidade

0

70

44,9

1

46

29,5

2

40

25,6

A pontuação obtida pelos pacientes após a aplicação do instrumento QuickDASH variou de 0 a 81,8, com média (DP) de 35,2 (24,1) pontos e mediana de 29,5 pontos. Cerca de 1/3 dos pacientes (30,8%) apresentaram pontuação ≥ 50 pontos e ¼(25%) deles tiveram pontuação ≥ 54,5 ([Tabela 3]).

Tabela 3

Ponto de corte

Sensibilidade (%)

Especificidade (%)

Valor preditivo positivo (%)

Valor preditivo negativo (%)

Acurácia

(%)

15,0

87,2

42,0

65,2

72,5

67,1

20,0

84,9

46,4

66,4

71,1

67,7

25,0

77,9

58,0

69,8

67,8

69,0

30,0

72,1

68,1

73,8

66,2

70,3

35,0

66,3

75.4

77,0

64,2

70,3

40,0

59,3

79,7

78,5

61,1

68,4

45,0

57,0

82,6

80,6

60,6

68,4

A curva ROC construída a partir da pontuação obtida no QuickDASH para discriminação de pacientes com e sem déficit funcional demostra que a AUC de 0,76 representa a acurácia (76,0%) desse instrumento para o diagnóstico da incapacidade funcional provocada pela hanseníase ([Fig. 1]). Pelo método de Liu[21] (2012), estimou-se o ponto de corte do QuickDASH em 32,2 pontos, cujas sensibilidade e especificidade foram de 66% e 75%, respectivamente, com acurácia de 71%. Porém, a análise da validade de diferentes níveis da pontuação do QuickDASH mostrou que o ponto de corte de 30 pontos resultou em melhor equilíbrio entre sensibilidade (72,1%) e especificidade (68,1%), com acurácia de 70,3%, bem como valores preditivos positivo e negativo de 73,8% e 66,2%, respectivamente ([Tabela 3]).

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Fig. 1 Curva ROC dos valores da pontuação QuickDASH para diagnóstico de incapacidade funcional de pacientes com hanseníase.

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Discussão

No presente estudo, foi possível demonstrar que o QuickDASH foi sensível, específico e acurado para rastrear pacientes suspeitos de incapacidade funcional. Trata-se de um recurso diagnóstico de aplicação simples e rápida, já validado na língua portuguesa para o diagnóstico de déficit funcional consequente a diversos outros agravos e sem qualquer custo adicional para a sua aplicação. Além disso, também foi alto o valor preditivo positivo da pontuação superior a 30 no Quick-DASH, para indicar pacientes com mais necessidade de encaminhamento para a um nível mais elevado de complexidade. Esse achado demonstra que o Quick-DASH, que pode ser aplicado por qualquer profissional de saúde, podendo contribuir para uma identificação mais oportuna das incapacidades funcionais provocadas pela hanseníase.

Foi alta a frequência de pacientes que apresentaram qualquer tipo de déficit funcional pela ANS (55,5%), quer tenha sido visual, do membro superior ou do membro inferior. Esse achado pode ser justificado pela sua realização em centro de referência, para onde casos mais complexos são encaminhados e pela amostra incluir indivíduos já tratados e em retratamento (19,2%). No entanto, é importante levar-se em conta que a cada ano são registrados no Brasil cerca de 47.000 novos casos de hanseníase, dos quais 23,3% com graus de incapacidade 1 e 2, podendo chegar, em alguns serviços, a até 70% na data do diagnóstico.[23]

Verificou-se que a maioria dos pacientes do estudo tinha características sociodemográficas comuns à população geral de pacientes com hanseníase, sendo mais frequentes a idade adulta, o equilíbrio proporcional entre os sexos, o exercício de ocupações que exigem esforço físico, residência em área urbana, baixa escolaridade, e renda familiar precária. Esse perfil sociodemográfico já foi observado por diversos autores, mesmo em estudos de base populacional.[24]

O diagnóstico precoce é fundamental para prevenir incapacidade funcional e para diminuir a cadeia de transmissão da doença. Pode-se inferir que a frequência de incapacidade funcional causada pela hanseníase no momento de seu diagnóstico é um marcador da qualidade do trabalho assistencial em saúde. Tratamentos iniciais da doença para pacientes com grau 2 de incapacidade significam atraso no diagnóstico e ineficiência do rastreio feitos pelos serviços. Alguns fatores são amplamente conhecidos como causas desse atraso, tais como a procura tardia por parte dos pacientes, a dificuldade de acesso aos serviços de saúde e a falta de treinamento específico pelos profissionais da área de saúde. Sobre esse último, é sabido que a qualidade das ações de controle da hanseníase desempenhadas pelos profissionais de saúde produz efeitos em todos os indicadores de monitoramento da doença.[25] Portanto, é inquestionável a importância da capacitação permanente dos profissionais que cuidam do paciente com hanseníase. Recursos diagnósticos que sejam simples e de aplicação rápida tornam-se fundamentais para contribuir com o enfrentamento desse importante agravo de saúde.

O desempenho satisfatório do QuickDASH para o rastreio de incapacidade funcional em pacientes com hanseníase foi demonstrado neste estudo quando o resultado do instrumento atingiu 30 pontos, com classificação correta (acurácia) dos pacientes em 71% dos casos. Mesmo sendo um instrumento proposto para avaliação funcional do segmento superior do corpo, o QuickDASH mostrou-se sensível no rastreio de outras condições de saúde, tais como insônia, depressão, artrite reumatoide e dor pós-operatória.[26] [27] [28] Pelo fato de a hanseníase acometer mais de um seguimento do corpo simultaneamente e em diferentes proporções ou estágios, o instrumento pode ser capaz de detectar alterações que estejam ocorrendo em diversas áreas além dos membros superiores.

Estudos afirmam que uma acurácia ≥ 70% na curva ROC deve ser considerada adequada para indicar testes para o rastreio de condições de saúde.[29] Existem várias circunstâncias em que um teste pode ser escolhido por sua alta sensibilidade, mesmo tendo baixa especificidade (ou vice-versa), se for mais barato, de simples realização ou mais acessível.[20] Tais testes são geralmente utilizados para o rastreio de diversas condições de saúde.

No Brasil, as políticas de ciência e tecnologia para a saúde vêm sendo implementadas desde 1994.[30] As ferramentas em saúde estão sendo cada vez mais utilizadas e podem ser qualquer tipo de dispositivo eletrônico, sistema de monitoramento, ou um instrumento que possa ser aplicado por profissionais de saúde na prática clínica, como o objetivo de caracterizar, diagnosticar, monitorar ou melhorar o estado de saúde dos indivíduos.[31] O principal achado deste estudo contempla essa política, uma vez que propõe um recurso de aplicação simples e rápida a ser incorporada em cenários de atenção primária ou na rede ambulatorial de assistência à saúde. A utilização desse recurso de rastreio diagnóstico poderá contribuir para o adequado e oportuno encaminhamento de pacientes com hanseníase, para confirmação de sua real situação em relação à incapacidade funcional provocada pela doença.

Algumas limitações devem ser consideradas na interpretação dos resultados deste estudo. A inclusão de pacientes de um ambulatório de referência pode superestimar a frequência de incapacidades. Embora uma prevalência alta do evento de interesse tenha impacto no valor preditivo dos recursos diagnósticos, essa medida de frequência não interfere na sensibilidade e nem na especificidade dos mesmos e, consequentemente, não produz efeito sobre a acurácia do teste.[29] Embora o QuickDASH tenha sido originalmente extraído do DASH, que é um recurso focado na avaliação dos membros superiores, esse instrumento acabou se mostrando sensível para o rastreio de outras patologias, como insônia, artrite reumatoide e dor pós-operatória.[26] [27] [28]


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Conclusão

O QuickDASH mostrou boa acurácia para rastrear incapacidade funcional em pacientes com hanseníase, podendo ser útil na prática clínica, com o objetivo de identificar pacientes que necessitam de referência especializada para sua prevenção e tratamento.

Quadro 1

Difuldade na realização

Nenhuma

Pouca

Alguma

Muita

Incapaz

1. Abrir um frasco novo ou com tampa bem fechada.

1

2

3

4

5

2. Fazer tarefas domésticas pesadas (lavar o chão)

1

2

3

4

5

3. Carregar um saco de compras ou uma pasta

1

2

3

4

5

4. Lavar as costas

1

2

3

4

5

5. Usar uma faca para cortar alimentos

1

2

3

4

5

6. Realizar atividade que exija força (martelo, foice, enxada)

1

2

3

4

5

Interferênca no cotidiano

Nenhuma

Pouca

Alguma

Muita

Total

7. Em que medida os problemas acima interferiram em sua relação social com a família, vizinhos, amigos e outras pessoas

1

2

3

4

5

8. Em que medida os problemas acima interferiram em sua capacidade de trabalho ou de outras tarefas

1

2

3

4

5

Gravidade dos sintomas na última semana

Nenhuma

Pouca

Alguma

Muita

Extrema

9. Dor no braço, ombro ou mão?

1

2

3

4

5

10. Dormência (formigamento) no braço, ombro ou mão?

1

2

3

4

5

11. Dificuldade para dormir, por causa dessa dor?

1

2

3

4

5


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#

Conflito de Interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Suporte Financeiro

Não houve suporte financeiro de fontes públicas, comerciais, ou sem fins lucrativos.


Trabalho desenvolvido no Hospital Universitário Júlio Müller, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, MT, Brasil.


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Endereço para correspondência

Adriano Bastos Pinho, MD
Rua Alfenas, 400 Edifício Reserva Bonifácia, Apt 191 (Bloco A), Bairro Jardim Mariana, Cuiabá, MT, 78040-600
Brasil   

Publication History

Received: 28 April 2021

Accepted: 14 October 2021

Article published online:
27 June 2022

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Fig. 1 Curva ROC dos valores da pontuação QuickDASH para diagnóstico de incapacidade funcional de pacientes com hanseníase.
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Fig. 1 ROC curve of the Quick-DASH score values for diagnosis of functional disability of leprosy patients.