CC BY-NC-ND 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2023; 58(01): 173-178
DOI: 10.1055/s-0042-1748964
Nota Técnica
Joelho

Ensaios mecânicos monoaxiais nos ligamentos do joelho porcino[*]

Article in several languages: português | English
1   Divisão de Ensino e Pesquisa (DIENP), Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
2   Programa de Pós-graduação em Engenharia Mecânica e Tecnologia de Materiais – PPEMM – CEFET/RJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
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1   Divisão de Ensino e Pesquisa (DIENP), Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
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2   Programa de Pós-graduação em Engenharia Mecânica e Tecnologia de Materiais – PPEMM – CEFET/RJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
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2   Programa de Pós-graduação em Engenharia Mecânica e Tecnologia de Materiais – PPEMM – CEFET/RJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
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3   Universidade de Valença, Valença, RJ, Brasil
› Author Affiliations
Suporte Financeiro O presente estudo não recebeu nenhum suporte financeiro de fontes públicas, comerciais ou sem fins lucrativos
 

Resumo

A falha da reconstrução ligamentar tem diferentes fatores de risco, dentre os quais podemos destacar o período antes da sua incorporação, o qual configura um período mecânico vulnerável. A perda de resistência ao longo do tempo é uma característica dos tecidos vivos. A dissecção com as inserções ósseas dos ligamentos cruzados de modelos animais não é descrita; todavia, para os ensaios monoaxiais, é fundamental extrair as informações de ensaios como os de relaxação. O presente trabalho realiza a descrição da dissecção utilizada para a geração de corpo de prova para a realização de ensaios não destrutivos para avaliar o comportamento mecânico. Realizamos dissecção de quatro ligamentos de joelho porcino, propondo uma técnica de dissecção para os ligamentos cruzados com as inserções ósseas para comparação com os colaterais. Os ligamentos foram submetidos a testes de relaxação e foram colocadas strain gauges durante os testes. Os resultados mostraram comportamento viscoelástico, validado pelas strain gauges e com uma perda ao longo do tempo, sendo que, em alguns ligamentos, as perdas chegaram a até 20%, fator este a ser considerado em trabalhos futuros. O presente trabalho dissecou os quatro principais ligamentos do joelho, demonstrando a abordagem posterior que permite manter as suas inserções ósseas e descrevendo a fixação para os ensaios uniaxiais monotônicos, além de ter conseguido extrair o comportamento viscoelástico dos quatro ligamentos do joelho dentro dos limites fisiológicos do joelho.


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Introdução

A falha da reconstrução ligamentar tem diferentes fatores de risco, dentre os quais podemos destacar o período antes de sua incorporação, o qual configura um período mecânico vulnerável.[1]

As lesões ligamentares do joelho apresentam uma frequência elevada devido a prática esportiva, dentre os quais destacamos as lesões dos quatro principais ligamentos: ligamento colateral medial (LCM), ligamento colateral lateral (LCL), ligamento cruzado anterior (LCA) e ligamento cruzado posterior (LCP).

A perda de resistência ao longo do tempo é uma característica dos tecidos vivos, como, por exemplo, o que ocorre com o comportamento viscoelástico de cada estrutura. Caso não haja na reconstrução ligamentar a mimetização deste comportamento, esta pode ser a causa de falha, mesmo com ressonâncias normais, como descrito por Ekdahl et al.,[2] causando, em consequência, a redistribuição inadequada dos esforços nas estruturas do joelho.

Inúmeros trabalhos realizaram ensaios limite da resistência dos ligamentos,[3] [4] [5] mimetizando a ruptura ligamentar ou de enxertos. Todavia, não existe na literatura nenhum trabalho que estude os ligamentos de forma isolada dentro da faixa fisiológica de deformação e que tenha extraído as informações deste comportamento principalmente dos ligamentos cruzado anterior e posterior.

Os estudos podem ser destrutivos ou não destrutivos, embora os ensaios limite do tipo destrutivo sejam os mais encontrados na literatura. Todavia, para a extração dos comportamentos dos ligamentos e simular situações de comportamento que ocorrem dentro da fisiologia normal, alguns autores sugerem realizar os testes dentro dos limites fisiológicos de deformações (de 3 a 6%).

A dissecção com as inserções ósseas dos ligamentos cruzados de modelos animais não é descrita; todavia, para os ensaios monoaxiais, é fundamental extrair as informações de ensaios como os de relaxação, como proposto por Duenwald et al.[6] O presente trabalho realiza a descrição da dissecção dos quatro ligamentos utilizada para a geração de corpo de prova e a realização de ensaios não destrutivos (relaxação) em ensaios de tração monoaxial, com ênfase no LCA do joelho do porco.


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Material e Método

O protocolo do estudo foi aprovado pela Comissão de Ética na Utilização de Animais como prescreve o Regulamento de Inspeção Sanitária e Industrial de Produtos de Origem Animal (MAPA).

Foram dissecados os quatro ligamentos (LCM, LCL, LCA e LCL) de joelho de porco com as suas inserções ósseas conforme descrito a seguir.

A dissecção foi realizada iniciando pelos ligamentos colaterais, sendo o primeiro o colateral medial, pela sua facilidade de abordagem, que é bem superficial. As inserções ósseas foram mantidas com o comprimento de 30 mm em cada extremidade para servir de pontos de fixação. Em cada fragmento ósseo (proximal e distal) foi realizado um furo de 6 mm para instalar os pinos de ligação com a máquina de ensaio de materiais Instron (5966 Norwood, Massachusetts, USA). Após a retirada dos colaterais, os cruzados são retirados em sequência. A dissecção deve ser realizada através da visão posterior ([Fig. 1]).

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Fig. 1 Visão posterior do joelho com a realização da osteotomia da inserção tibial.

O corte é realizado entre o cruzado posterior e anterior ao nível do fêmur, através de abordagem posterior ([Fig. 2]).

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Fig. 2 Visualização do local de osteotomia após medialização do plugue ósseo do ligamento cruzado posterior.

Após a separação da extremidade proximal, é realizada a retirada do ligamento cruzado posterior com o fragmento ósseo na tíbia proximal. Esta retirada permite a visualização da inserção tibial do ligamento cruzado anterior, permitindo a retirada da tíbia com fragmento ósseo ([Fig. 3]).

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Fig. 3 Osteotomia do fêmur entre os ligamentos cruzados.

Realizamos uma modificação na técnica de retirada dos ligamentos cruzados proposta no artigo de Skelley et al.,[7] que retirava os ligamentos sem os fragmentos ósseos.

Até o presente momento, não há descrição de retiradas dos ligamentos cruzados com as suas inserções ósseas. A retirada com os fragmentos ósseos das inserções do LCA evita o escorregamento dos corpos de prova de ligamentos nas garras, proporcionando uma leitura adequada do comportamento viscoelástico do ligamento dentro dos limites fisiológicos.

No dia da dissecção, um modelo foi descongelado em temperatura ambiente climatizada (22°C) durante 5 horas, sendo depois dissecados e isolados os quatro principais ligamentos do joelho (LCA, LCP, LCM e LCL). As inserções ósseas dos 4 ligamentos foram mantidas com 30 mm de fragmento ósseo e foi realizado um furo de 6mm, transversal a cada inserção óssea, para acoplamento de pino para o correto posicionamento na máquina de ensaios de materiais. Os corpos de prova de ligamento de porco foram então colocados em plásticos e embebidos em gazes com soro fisiológico 0,9% e mantidos até a sua testagem, realizada no mesmo dia.

Os modelos foram então colocados na máquina de ensaio de materiais INSTRON, existente no laboratório LADES do CEFET/RJ com uma célula de carga de 1 kN. Em um momento inicial, o ligamento é submetido a uma carga axial de 10 N durante um período de 5 minutos para atingir o seu comprimento original ([Fig. 4]), conforme descrito por Troyer et al.[8]

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Fig. 4 Ligamento acoplado com strain gauge no Instron.

Quanto aos ensaios de relaxação, foram utilizados o protocolo de 3 etapas proposto por Duenwald et al.[6] com deformações máximas fisiológicas e 6% e com deformações pequenas normalmente encontradas de 3%, como proposto pelo trabalho de Gardiner et al.[9]

O protocolo proposto, conhecido como Hill-Valley-Hill, serviu para simular o comportamento em uma situação in vivo. Ele é caracterizado por realizar deformações dentro dos limites fisiológicos esperados para a mobilidade articular adequada, dentro de 3% (limite inferior) e 6% (limite superior) durante um período de 100 segundos e feito em 3 etapas: uma realizada como teste de relaxação (6%), seguida por uma de recuperação (3%) e por outra de relaxação (6%).[6] Depois, foram extraídos os dados dos resultados do comportamento ao longo do tempo com o objetivo de caracterização do comportamento viscoelástico dos ligamentos.


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Resultados

Os resultados encontrados dos ensaios realizados nos quatro ligamentos são mostrados nos gráficos de força versus tempo, cujos sinais de força foram obtidos da célula de carga da INSTRON ([Fig. 5]).

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Fig. 5 (A) Gráfico da leitura de força x tempo do ligamento colateral medial; (B) Gráfico da leitura de força x tempo do ligamento colateral lateral; (C) Gráfico da leitura de força x tempo do ligamento cruzado posterior; (D) Gráfico da leitura de força x tempo do ligamento cruzado anterior.

Ao analisar o comportamento do ligamento colateral medial, houve uma perda de > 10% da sua carga no teste de relaxação no primeiro ciclo, atenuando-se no segundo ciclo. O comportamento do LCL também apresentou uma queda > 10%; todavia, o segundo ciclo ainda apresentou uma perda de carga, porém de menor decréscimo, se estabilizando com 100 segundos.

A perda pelo componente viscoso do LCP foi evidente; o pico na deformação a 6% 160 N apresentou uma queda no 2° ciclo, apresentando um valor menor do que o do 1° ciclo, demonstrando o seu comportamento viscoelástico.

A perda pelo componente viscoso do ligamento cruzado anterior foi evidente e o pico na deformação a 6% 120 N apresentou uma queda no 2° ciclo, apresentando um valor menor do que o do 1° ciclo, que atingiu valores < 100 N, com uma diferença absoluta de 20 N (maior do que a do 2° ciclo).

Os resultados mostraram comportamento viscoelástico com uma perda ao longo do tempo, fator este a ser considerado em trabalhos futuros.


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Comentários Finais

A presente nota técnica dissecou os quatro principais ligamentos do joelho demonstrando a etapa pela visão posterior extraindo com os ligamentos e descreveu a fixação para os ensaios uniaxiais monotônicos e conseguiu extrair o comportamento do padrão viscoelástico dos quatro ligamentos do joelho, dentro dos limites fisiológicos do joelho, através de corpos de prova adequados obtidos com as suas inserções ósseas. Todos os ligamentos testados mostraram perda da carga ao longo do tempo. Os achados apontam a importância de novos ensaios experimentais tanto de ligamentos quanto das opções tendinosas para a reconstrução, inclusive servindo de referência para escolhas de enxertos com comportamentos semelhantes aos ligamentos e para modelos de simulação.[10]


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Conflito de Interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

* Trabalho desenvolvido no Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET/RJ), Rio de Janeiro e Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (INTO) , Rio de Janeiro, RJ, Brasil.


  • Referências

  • 1 Ménétrey J, Duthon VB, Laumonier T, Fritschy D. “Biological failure” of the anterior cruciate ligament graft. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc 2008; 16 (03) 224-231
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  • 3 Górios C, Hernandez AJ, Amatuzzi MM. et al. Estudo da rigidez do ligamento cruzado anterior do joelho e dos enxertos para sua reconstrução com o ligamento patelar e com os tendões dos músculos semitendíneo e grácil. Acta Ortop Bras 2001; 9 (02) 26-40
  • 4 Monaco E, Labianca L, Speranza A. et al. Biomechanical evaluation of different anterior cruciate ligament fixation techniques for hamstring graft. J Orthop Sci 2010; 15 (01) 125-131
  • 5 Adam F, Pape D, Schiel K, Steimer O, Kohn D, Rupp S. Biomechanical properties of patellar and hamstring graft tibial fixation techniques in anterior cruciate ligament reconstruction: experimental study with roentgen stereometric analysis. Am J Sports Med 2004; 32 (01) 71-78
  • 6 Duenwald SE, Vanderby Jr R, Lakes RS. Stress relaxation and recovery in tendon and ligament: experiment and modeling. Biorheology 2010; 47 (01) 1-14
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  • 8 Troyer KL, Shetye SS, Puttlitz CM. Experimental characterization and finite element implementation of soft tissue nonlinear viscoelasticity. J Biomech Eng 2012; 134 (11) 114501
  • 9 Gardiner JC, Weiss JA, Rosenberg TD. Strain in the human medial collateral ligament during valgus loading of the knee. Clin Orthop Relat Res 2001; (391) 266-274
  • 10 Completo A, Noronha JC, Oliveira C, Fonseca F. Análise biomecânica da reconstrução do ligamento cruzado anterior. Rev Bras Ortop 2019; 54 (02) 190-197

Endereço para correspondência

Rodrigo Ribeiro Pinho Rodarte, MSc
Rua Barão de Mesquita
164, apt 105, bloco 2, 20540-006, Rio de Janeiro, RJ
Brasil   

Publication History

Received: 20 November 2021

Accepted: 04 March 2022

Article published online:
06 June 2022

© 2022. Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. This is an open access article published by Thieme under the terms of the Creative Commons Attribution-NonDerivative-NonCommercial License, permitting copying and reproduction so long as the original work is given appropriate credit. Contents may not be used for commecial purposes, or adapted, remixed, transformed or built upon. (https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/)

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Fig. 1 Visão posterior do joelho com a realização da osteotomia da inserção tibial.
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Fig. 2 Visualização do local de osteotomia após medialização do plugue ósseo do ligamento cruzado posterior.
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Fig. 3 Osteotomia do fêmur entre os ligamentos cruzados.
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Fig. 4 Ligamento acoplado com strain gauge no Instron.
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Fig. 1 Posterior vision of the knee with osteotomy of the tibial insertion.
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Fig. 2 Visualization of the osteotomy site after medialization of the bone plug of the posterior cruciate ligament.
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Fig. 3 Osteotomy of the femur between the cruciate ligaments.
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Fig. 4 Ligament coupled with strain gauge on the Instron.
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Fig. 5 (A) Gráfico da leitura de força x tempo do ligamento colateral medial; (B) Gráfico da leitura de força x tempo do ligamento colateral lateral; (C) Gráfico da leitura de força x tempo do ligamento cruzado posterior; (D) Gráfico da leitura de força x tempo do ligamento cruzado anterior.
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Fig. 5 (A) Graph of the force reading x medial collateral ligament time; (B) Graph of the strength reading x time of the lateral collateral ligament; (C) Graph of the force reading x time of the posterior cruciate ligament; (D) Force reading graph x anterior cruciate ligament time.