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DOI: 10.1055/s-0042-1750751
Eficácia na esterilização de objetos produzidos pela impressão 3D com material ácido polilático: Comparação entre os métodos autoclave e óxido de etileno
Article in several languages: português | EnglishResumo
Objetivo Devido à popularidade da tecnologia 3D, cirurgiões podem criar guias cirúrgicos específicos e esterilizá-los nas suas instituições. O objetivo do presente estudo é comparar a eficácia dos métodos de esterilização por autoclave e óxido de etileno (OE) de objetos produzidos pela impressão 3D com material ácido polilático (PLA, na sigla em inglês).
Métodos Quarenta objetos em formato cúbico foram impressos com material de PLA. Vinte eram sólidos e 20 eram ocos (impressos com pouco enchimento interno). Vinte objetos (10 sólidos e 10 ocos) foram esterilizados em autoclave, formando o Grupo 1. Os demais (10 sólidos e 10 ocos) foram esterilizados em OE, compondo o Grupo 2. Após a esterilização, os objetos foram armazenados e encaminhados para cultura. Objetos ocos de ambos os grupos foram quebrados durante a semeadura, comunicando o espaço morto com o meio de cultura. Os resultados obtidos foram analisados estatisticamente (teste exato de Fisher e análise de resíduo).
Resultados No grupo 1 (autoclave) houve crescimento bacteriano em 50% dos objetos sólidos e em 30% dos objetos ocos. No grupo 2 (OE) o crescimento ocorreu em 20% dos objetos ocos, com ausência de crescimento bacteriano nos objetos sólidos (100% de amostras negativas). A bactéria isolada nos casos positivos foi Staphylococcus Gram positivo não produtor de coagulase.
Conclusões A esterilização tanto em autoclave quanto pelo OE não foi eficaz para objetos impressos no formato oco. Objetos sólidos esterilizados em autoclave não demonstraram 100% de amostras negativas, não sendo seguro no presente ensaio. Ausência completa de contaminação ocorreu apenas com objetos sólidos esterilizados pelo OE, sendo a combinação recomendada pelos autores.
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Palavras-chave
esterilização - impressão tridimensional - óxido de etileno - plásticos biodegradáveisIntrodução
A utilização da tecnologia tridimensional (3D) para a impressão de objetos pela manufatura aditiva (MA) ou impressão 3D (prototipagem) vem crescendo exponencialmente na área da saúde (ortopedia, cirurgia bucomaxilofacial, neurocirurgia e cirurgia cardíaca, entre outros).[1] A tecnologia de impressão 3D ser aplicada para fins educacionais (impressão de peças anatômicas, por exemplo), planejamento cirúrgico, criação de implantes customizados, órteses e fixadores externos, além de afastadores cirúrgicos.[2] [3] [4] [5] Especificamente na área ortopédica, cirurgiões e pacientes têm se beneficiado desta tecnologia na criação de guias cirúrgicos e no planejamento prévio para a utilização intraoperatória das peças impressas, orientando a posição correta durante osteotomias, perfurações ósseas e colocação de diversos tipos de materiais de implante (fios de Kirschner, brocas e parafusos, etc.), reduzindo o tempo cirúrgico e melhorando a acurácia.[6] [7] [8] [9] [10] Com a popularização e maior acessibilidade das impressoras 3D domiciliares, cirurgiões têm planejado e criado seus guias de modo domiciliar, esterilizando-os nas suas instituições para utilização durante o ato operatório, descartando-os após sua aplicação. Os materiais mais usados na prototipagem dos moldes são filamentos plásticos em material ácido polilático (PLA, na sigla em inglês) ou polímero de acrilonitrila butadieno estireno (ABS) devido ao baixo custo e à facilidade de manuseio, porém ambos ainda apresentam dificuldades para esterilização, principalmente por serem termossensíveis. Alguns países apresentam regras para o processamento específico destes tipos de materiais impressos em 3D; contudo, não as encontramos no nosso meio até o momento.[11] O objetivo do presente trabalho é comparar a eficácia e a confiabilidade dos métodos autoclave e OE para esterilização de objetos impressos em PLA, possibilitando sua utilização segura em cirurgias.
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Material e Métodos
Foram desenhados objetos em formato 3D, criando-se arquivos tipo STL padrão para prototipagem (estereolitografia), utilizando-se o software CAD (desenho assistido por computador) Rhinoceros, versão 5.5.4, licenciado. Após a sua criação, os arquivos foram preparados para impressão 3D com o software Simplify3D, EULA, versão 4.0.0, licenciado, e encaminhados para impressão em material plástico tipo PLA. A impressora utilizada foi do modelo doméstico (desktop) modelo Minibot 120. No processo de impressão, optou-se por porcentagens diferentes de preenchimento do objeto (infill), criando-se modelos totalmente sólidos (“maciços”) ou com espaço vazio no seu interior (ocos com “espaço morto”) ([Figura 1]). Deste modo, foram impressos 20 objetos em formato quadrado (1 cm2) sólidos (S) e 20 de formato retangular (5,0 × 2,0 × 0,5 cm) e ocos nominados “não-sólidos” (NS). Foram separados 2 grupos de estudo, sendo o primeiro com 10 objetos tipo S e 10 tipo NS (G1) e o segundo (G2) do mesmo modo, totalizando 2 grupos com 20 objetos cada. Objetos do G1 foram encaminhados para esterilização pelo método a vapor com autoclave (modelo Sercon), sendo processados pelo método “ciclo rápido” a 121°C, prevenindo o derretimento da peça. Objetos do G2 foram esterilizados pelo método OE (“a frio”) em um centro especializado e conveniado com a instituição. Cada objeto foi esterilizado e embalado separadamente de modo padronizado com proteção plástica dupla, sendo mantido estéril e armazenado em ambiente adequado por 1 semana ([Figura 2]). Na 2ª semana, os objetos foram encaminhados para cultura no laboratório de microbiologia conveniado com a instituição. Os procedimentos foram realizados por um profissional especializado, devidamente paramentado, com as amostras manipuladas em ambiente padrão (capela de fluxo laminar para proteção dos produtos manipulados no seu interior, evitando contaminação externa), após sua esterilização do fluxo com álcool 70% e com fogo aceso continuamente. Todas as amostras dos grupos G1 e G2 foram colocadas em frascos estéreis com caldo Brian Heart Infusion (BHI, na sigla em inglês), que é um meio de enriquecimento utilizado na recuperação de microrganismos fastidiosos ou não, incluindo bactérias aeróbicas e anaeróbicas e fungos) e mantidas por 48 horas em estufa (34° a 37°C). Nesta etapa, os objetos tipo NS dos 2 grupos foram quebrados imediatamente antes de serem introduzidos no meio de cultura BHI, comunicando o espaço interno (“espaço morto”) com o exterior para análise da eficácia na esterilização também no interior das peças ocas. Por este motivo, os objetos tipo NS foram impressos em formato retangular, facilitando sua quebra. ([Figura 3]) Após 48 horas, as amostras foram semeadas em Agar sangue-MacConkey (usando-se base rica que fornece condições de crescimento para a maioria dos microrganismos) e Agar MacConkey (meio de cultura destinado ao crescimento de bactérias Gram negativas e indicação da fermentação de lactose). Após a semeadura, as culturas foram para a estufa por 24 horas (para crescimento bacteriano e posterior leitura) e as amostras em caldo voltaram para a estufa (34° a 37°C) para incubação por mais 15 dias. Após este período, foram semeadas novamente do mesmo modo, sendo submetidas a nova leitura. Os dados coletados foram analisados com auxílio do software IBM SPSS Statistics for Windows, versão 22.0 (IBM Corp., Armonk, NY, EUA) e do teste exato de Fisher, seguidos de análise de resíduo quando foi observada significância estatística.
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Resultados
Os resultados após 48 horas e 15 dias de incubação foram semelhantes. No grupo G1 (esterilizados em autoclave), houve crescimento bacteriano em 50% das amostras de objetos S (50% negativas) e em 30% dos objetos NS (70% negativas). No grupo G2 (esterilizados em OE), não houve crescimento em 100% das amostras de objetos S; contudo, houve crescimento em 20% das amostras de objetos NS (80% negativas). Estes dados, incluindo os cálculos estatísticos realizados, estão demonstrados na [Tabela 1] e nas [Figuras 4] e [5]. A bactéria isolada em todos os casos de contaminação foi o Staphylococcus Gram positivo não produtor de coagulase.
Objetos, n (%) |
|||
---|---|---|---|
Autoclave |
OE |
valor-p[†] |
|
n = 10 |
n = 10 |
||
Peças sólidas (S) |
|||
Negativo |
5 (50,0) |
10 (100,0)b |
0,033 |
Positivo |
5 (50,0)b |
0 (0,0) |
|
Peças ocas (NS) |
|||
Negativo |
7 (70,0) |
8 (80,0) |
0,999 |
Positivo |
3 (30,0) |
2 (20,0) |
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Discussão
O uso da tecnologia 3D na medicina tem crescido rapidamente, beneficiando várias áreas com a sua aplicação, incluindo a ortopédica,[2] o que é demonstrado pelo número crescente das publicações sobre o assunto. Em uma revisão sistemática, Tack et al.[1] coletaram inicialmente 7.482 trabalhos para análise. Dentre estes, 60% foram estudos com aplicações de guias cirúrgicos impressos ou planejamento cirúrgico. Apesar da facilidade na fabricação doméstica destes objetos, o tipo de material e sua esterilização continuam sendo a maior dificuldade. Entre os materiais disponíveis, o PLA é o sintético mais utilizado por ser biocompatível, não poluente (biodegradável e proveniente de recursos renováveis), de baixo custo e de fácil manuseio, sendo também o material de preferência dos autores.[12] [13] Para utilização médica, a sua principal desvantagem é ser termossensível, com início do seu derretimento ocorrendo a partir de 120°C, o que pode ocasionar deformação na peça durante o processo de esterilização a vapor e alta temperatura (autoclave), inviabilizando o seu uso.[14] Sendo a autoclave a opção de esterilização mais acessível e disponível na maioria dos hospitais, pode-se usá-la na programação no modo “ciclo rápido” como alternativa para os termossensíveis, submetendo o material à temperatura de 121°C durante um período mais curto, o que tem demonstrado preservação do PLA original com eficácia.[12] [15] [16] No nosso meio, o método alternativo viável para esterilização “a frio” dos temossensíveis é o OE.[17] [18] [19] [20] Outros métodos “a frio”, como o gás plasma, raios gama, entre outros, também são eficazes; contudo, são de alto custo, podendo se tornar inviáveis em algumas instituições. Em uma revisão sistemática recente, Pérez Davila et al. concluíram que os métodos mais utilizados universalmente para este tipo de material são o OE e raios gama. Outros métodos, como peróxido de hidrogênio/gás plasma, ácido peracético e ozônio têm sido explorados como alternativas, mas ainda não há uma padronização definida.[21] Materiais mais resistentes à autoclave, como, por exemplo, a resina utilizada no meio odontológico, necessitam do mesmo modo de impressoras e de matéria-prima mais caras. Mecanismos regulatórios padronizam o uso da autoclave e do OE no processamento dos materiais cirúrgicos mais comuns, mas isto ainda não foi claramente estabelecido para os objetos obtidos por meio de impressão 3D no nosso meio. Para materiais considerados termossensíveis (baterias de perfuradores, peças plásticas de endoscópios, etc.), o OE ainda é o mais recomendado para prevenir o possível derretimento.[14] [20] Uma preocupação no nosso estudo foi com relação à eficácia na esterilização completa, incluindo o espaço interno criado nas peças retangulares (NS), diferenciando-as das peças sólidas (S). A impressão com enchimento interno parcial (% de infill) é comum nas impressões domiciliares pois o processo é mais rápido e econômico por utilizar menor quantidade de matéria-prima. Neches et al.[22] , e Skelley et al.[23] demonstraram esterilização eficiente dos objetos impressos em PLA automaticamente pela alta temperatura gerada para o derretimento do material durante a impressão dos objetos, incluindo o interior das peças (∼ 200°C), não necessitando de processamento complementar. Aguardo-Maestro et al.[24] compararam os métodos autoclave, OE e gás plasma na esterilização dos objetos impressos de modo oco após inocular uma suspensão de bactérias no interior dos mesmos, constatando eficácia apenas nos dois primeiros. O método pelo gás plasma foi recomendado pelos autores apenas para objetos sem espaço interno (sólidos).[24] Nossos resultados demonstraram falhas na eficácia da esterilização das peças ocas (NS) tanto pela autoclave (G1) quanto pelo OE (G2), com crescimento bacteriano em 30 e 20% das amostras, respectivamente, sugerindo que o “espaço morto” não foi devidamente esterilizado por nenhum dos dois métodos. A esterilização com autoclave também não comprovou ser segura pelo método “ciclo rápido,” com a contaminação observada, além de em 30% das peças tipo NS, em 50% das peças sólidas (S). Por este motivo, não recomendamos a autoclave para esterilização do PLA. As peças tipo S esterilizadas por OE foram as únicas que não tiveram crescimento bacteriano. A utilização do OE, além de ter sido eficaz neste tipo de impressão (S), tem a vantagem de não deformar o PLA pelo risco do seu derretimento, por se tratar de um método “a frio.” Recomendamos, portanto, para os objetos impressos com material PLA, a impressão com preenchimento completo (100% de infill) e esterilização em OE em alternativa à autoclave. Como limitações do presente estudo, podemos incluir: o não cegamento e a não aleatorização dos objetos, a possibilidade de contaminação durante o preparo e a semeadura, a ausência de um grupo controle e da comparação com outros tipos de material. O número pequeno das amostras diminui a relevância estatística, porém não a invalida, já que o teste amostral realizado previamente à aplicação do teste estatístico demonstrou confiança de 95%, com erro amostral de 5% (ou 0,05). Deste modo, estudos futuros são necessários para a definição do método mais eficaz para esterilização destes objetos, a padronização e o controle pelos mecanismos regulatórios.
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Conclusão
A esterilização tanto em autoclave quanto em OE não foi eficaz para objetos impressos no formato oco. Objetos sólidos (impressos com 100% de preenchimento interno) esterilizados pela autoclave não demonstraram 100% de amostras negativas, de modo que este método não demonstrou ser seguro no presente ensaio. Ausência completa de contaminação ocorreu apenas com objetos sólidos e esterilizados em OE, sendo a combinação recomendada pelos autores.
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Agradecimento
Agradecemos à enfermeira Kelly Cristina Walkiu (afiliação: Hospital XV, Curitiba, PR) pela contribuição na confecção no presente manuscrito e na etapa de esterilização dos objetos de estudo e à biomédica Loriane Schneckenberg Mehl (ailiação: Hospital XV e Vicenlab, Curitiba, PR), pela contribuição nas etapas de semeadura e de leitura das culturas.
Trabalho desenvolvido no Hospital XV, Curitiba, PR, Brasil.
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Referências
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Endereço para correspondência
Publication History
Received: 10 October 2021
Accepted: 17 May 2022
Article published online:
22 July 2022
© 2022. Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. This is an open access article published by Thieme under the terms of the Creative Commons Attribution-NonDerivative-NonCommercial License, permitting copying and reproduction so long as the original work is given appropriate credit. Contents may not be used for commercial purposes, or adapted, remixed, transformed or built upon. (https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/)
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