Palavras-chave
artroplastia do joelho - avaliação dos resultados - complicações pós-operatórias -
tempo de internação
Introdução
A artroplastia total do joelho (ATJ) é um procedimento ortopédico bem-sucedido quanto
à redução da dor, à restauração da função, e à melhora da qualidade de vida dos pacientes
com osteoartrite do joelho. A idade média dos pacientes submetidos a ATJ é de 71 anos.
O procedimento é considerado o tratamento padrão-ouro para graus avançados de osteoartrite.[1]
[2]
[3]
[4] A demanda por ATJ cresce com rapidez em todo o mundo, e dados revelam que 650.674
ATJ primárias foram realizadas em 2017 nos Estados Unidos, e sugerem que esse número
deve crescer 673%, e chegar a 3,48 milhões de procedimentos até 2030.[4]
[5]
As principais complicações do procedimento são trombose venosa profunda, infecção
da ferida operatória, rigidez articular, soltura asséptica da prótese, e fraturas
periprotéticas, entre outras.[6]
[7] Todas essas complicações podem afetar os desfechos do procedimento de maneira dramática,
além de aumentar os custos médicos e provocar invalidez e até morte.[8]
Não há muitas informações epidemiológicas sobre os fatores de risco associados a complicações
precoces após a ATJ primária, readmissão nos primeiros 30 dias, e tempo de internação
hospitalar (TIH). Alguns estudos até propõem modelos preditivos de risco, mas poucos
usam variáveis intraoperatórias.[9]
[10]
[11] Embora não substituam a experiência clínica, esses modelos são um complemento valioso,
pois podem ajudar os ortopedistas a avaliar o risco esperado para um paciente com
base em casos semelhantes.
Este estudo tem como objetivo avaliar os fatores de risco relacionados a um TIH mais
longo e às complicações pós-operatórias precoces (que ocorrem nos primeiros 30 dias
após a cirurgia) em pacientes submetidos a ATJ primária.
Materiais e Métodos
Coleta de Dados
O Comitê de Ética em Pesquisa de nossa instituição recebeu e aprovou este estudo (CAAE:
39446720.6.0000.0071). Todos os dados foram analisados de forma anônima para que não
houvesse identificação dos pacientes incluídos nesta pesquisa.
Realizamos um estudo transversal com dados retrospectivos de pacientes submetidos
a ATJ primária entre 2015 e 2019 na mesma instituição. Os seguintes dados foram coletados:
idade, gênero, índice de massa corporal (IMC), comorbidades, grau na classificação
da American Society of Anesthesiologists (ASA), duração da cirurgia, complicações
pós-operatórias, e readmissão em 30 dias.
Complicações operatórias precoces foram quaisquer eventos nos primeiros 30 dias após
o procedimento que modificassem o curso pós-operatório normal e exigissem qualquer
tipo de intervenção ou aceitação de perda funcional pelo indivíduo. Todos os pacientes
foram submetidos a programas de reabilitação padronizados.
Os critérios de inclusão foram: pacientes submetidos a ATJ primária entre 2015 e 2019
e pertencentes ao banco de dados de nossa instituição. Os critérios de exclusão foram:
ATJ de revisão, ATJ bilateral, e ATJ unicompartimental.
Análise Estatística
Os dados de variáveis categóricas foram descritos como frequências absolutas e relativas;
as variáveis numéricas foram expressas como médias, desvios padrão (DPs), medianas,
intervalos interquartílicos, e valores mínimos e máximos.
A análise da associação do TIH com as variáveis de interesse foi baseada em modelos
mistos generalizados, e contemplou a dependência entre as cirurgias realizadas no
mesmo paciente, com distribuição gama devido à assimetria observada. Os resultados
do modelo também foram apresentados como valores médios e razões de chances estimadas
e seus respectivos intervalos de confiança de 95% (ICs95%).
As associações entre a ocorrência de complicações pós-operatórias em 30 dias e as
variáveis de interesse foram investigadas por meio de modelos mistos com distribuição
binomial, considerando-se a dependência entre as cirurgias realizadas em um mesmo
paciente. Os resultados do modelo também foram apresentados como valores médios e
estimativas das razões de probabilidade, além de seus respectivos ICs95%.
A análise estatística foi realizada com o programa Statistical Package for the Social
Sciences (SPSS Statistics for Windows, SPSS Inc., Chicago, IL, Estados Unidos), versão
17.0. Valores de p inferiores a 0,05 foram considerados estatisticamente significativos.
Resultados
A amostra do estudo foi composta por 527 ATJs primárias realizadas em 485 pacientes.
Duas cirurgias foram realizadas em pacientes com diagnóstico de osteonecrose, e três,
em pacientes com diagnóstico de osteoartrite secundária a artrite reumatoide ou sequela
de fratura. Os demais indivíduos foram diagnosticados com osteoartrite primária. Observamos
que 42 pacientes foram submetidos a ATJs bilaterais em diferentes momentos durante
o período do estudo.
A amostra de pacientes era composta por 348 (66,0%) mulheres e 179 (34,0%) homens,
com idade entre 36 e 93 anos e média de 70,3 ± 8,9 anos. Os pacientes pesavam entre
43 kg e 160 kg, com média de 79,8 ± 15,4 kg. O IMC variou entre 16,8 kg/m2 e 46,7 kg/m2, com média de 29,1 ± 4,7 kg/m2.
O TIH dos pacientes variou entre 1 e 28 dias. Imediatamente após a cirurgia, 128 (24,3%)
pacientes foram para a unidade de terapia semi-intensiva, e 93 (17,6%), para a unidade
de terapia intensiva. No pós-operatório, 3 (0,6%) pacientes necessitaram de readmissão
em 30 dias devido a infecção do sítio cirúrgico (2 pacientes) e trombose venosa profunda
(1 paciente) ([Tabela 1]).
Tabela 1
|
Média ± desvio padrão
|
n (%)
|
Gênero
|
|
|
Feminino
|
|
348 (66,0%)
|
Masculino
|
|
179 (34,0%)
|
Idade (anos)
|
70,3 ± 8,9
|
|
Índice de massa corporal (kg/m2)
|
29,1 ± 4,7
|
|
Comorbidades
|
|
|
Hipertensão arterial
|
|
234 (44,4%)
|
Diabetes mellitus
|
|
85 (16,1%)
|
Transtornos comportamentais
|
|
70 (13,3%)
|
Tabagismo
|
|
18 (3,4%)
|
Diagnóstico prévio de câncer
|
|
34 (6,5%)
|
Doença cardíaca
|
|
59 (11,2%)
|
Grau na classificação da ASA
|
|
|
I
|
|
41 (7,8%)
|
II
|
|
438 (83,1%)
|
III
|
|
35 (6,6%)
|
IV
|
|
1 (0,2%)
|
Sem informações
|
|
12 (2,3%)
|
Duração da cirurgia (horas)
|
2,5 ± 0,7
|
|
Tempo de internação (dias)
|
4,4 ± 2,4
|
|
Complicações pós-operatórias
|
|
|
Não
|
|
472 (89,6%)
|
Sim
|
|
39 (7,4%)
|
Sem informações
|
|
16 (3,0%)
|
Readmissão em 30 dias
|
|
|
Não
|
|
524 (99,4%)
|
Sim
|
|
3 (0,6%)
|
Considerando a ocorrência de complicações pós-operatórias precoces, 39 (7,4%) pacientes
apresentaram algum tipo (infecção do sítio cirúrgico ou sistêmica, luxação, tromboembolismo
venoso ou pulmonar), e 472 (89,6%) não apresentaram nenhuma complicação. Essa classificação
não pôde ser feita em 16 (3,0%) pacientes devido à ausência de informações.
Associação entre o TIH e as Variáveis de Interesse
Houve evidência de uma associação significativa entre a idade do paciente e o TIH
([Tabela 2]); para cada aumento de 1 ano na idade, esperamos que o TIH seja multiplicado por
1,008 (IC95%: 1,004 a 1,012; p < 0,001). Na tentativa de compreender melhor essa relação, os pacientes foram catalogados
de acordo com a faixa etária em décadas, e as faixas com pouca representatividade
foram agrupadas. Percebemos o aumento do TIH na faixa etária de 80 anos ou mais em
relação aos pacientes com até 59 anos, em que se espera que o tempo seja multiplicado
por 1,257 (IC95%: 1,082 a 1,460; p = 0,003) nos indivíduos mais velhos. Não houve evidências de diferenças entre os
pacientes de até 59 anos em comparação aos grupos de 60 a 69 anos (p = 0,382) e 70 a 79 anos (p = 0,359).
Tabela 2
|
Tempo de internação#
(IC95%)
|
Razão de chances
(IC95%)
|
Valor de p
|
Gênero
|
|
|
|
Feminino
|
4,17 (3,98–4,36)
|
1,053 (0,975–1,138)
|
0,191
|
Masculino
|
3,96 (3,72–4,22)
|
1,00
|
—
|
Idade
|
—
|
1,008 (1,004–1,012)
|
< 0,001
|
Idade por subgrupo
|
|
|
|
Até 59 anos
|
3,96 (3,53–4,45)
|
1,00
|
—
|
60 a 69 anos
|
3,73 (3,51–3,98)
|
0,943 (0,826–1,076)
|
0,382
|
70 a 79 anos
|
4,20 (3,98–4,44)
|
1,062 (0,934–1,206)
|
0,359
|
80 anos ou mais
|
4,98 (4,53–5,47)
|
1,257 (1,082–1,460)
|
0,003
|
IMC (kg/m2)
|
—
|
0,996 (0,988–1,004)
|
0,352
|
IMC por subgrupo
|
|
|
|
Peso baixo/normal
|
4,14 (3,81–4,51)
|
1,00
|
—
|
Sobrepeso
|
4,19 (3,95–4,44)
|
1,011 (0,912–1,120)
|
0,835
|
Obesidade de grau 1
|
3,92 (3,67–4,19)
|
0,946 (0,850–1,053)
|
0,307
|
Obesidade de grau 2
|
3,89 (3,41–4,45)
|
0,939 (0,802–1,100)
|
0,435
|
Hipertensão arterial
|
|
|
|
Não
|
4,04 (3,85–4,24)
|
1,00
|
—
|
Sim
|
4,16 (3,94–4,39)
|
1,029 (0,957–1,106)
|
0,434
|
Diabetes mellitus
|
|
|
|
Não
|
4,05 (3,90–4,22)
|
1,00
|
—
|
Sim
|
4,29 (3,93–4,69)
|
1,059 (0,961–1,167)
|
0,246
|
Transtornos comportamentais
|
|
|
|
Não
|
4,08 (3,92–4,24)
|
1,00
|
—
|
Sim
|
4,19 (3,80–4,63)
|
1,029 (0,926–1,144)
|
0,597
|
Tabagismo
|
|
|
|
Não
|
4,10 (3,95–4,26)
|
1,00
|
—
|
Sim
|
4,11 (3,38–5,00)
|
1,002 (0,822–1,222)
|
0,982
|
Diagnóstico prévio de câncer
|
|
|
|
Não
|
4,09 (3,94–4,25)
|
1,00
|
—
|
Sim
|
4,13 (3,60–4,75)
|
1,011 (0,875–1,167)
|
0,883
|
Doença cardíaca
|
|
|
|
Não
|
4,06 (3,91–4,22)
|
1,00
|
—
|
Sim
|
4,38 (3,94–4,88)
|
1,080 (0,964–1,209)
|
0,185
|
Grau na classificação da ASA
|
|
|
|
I
|
3,96 (3,50–4,48)
|
1,00
|
—
|
II
|
4,01 (3,85–4,17)
|
1,013 (0,890–1,152)
|
0,849
|
III
|
5,14 (4,49–5,88)
|
1,297 (1,083–1,554)
|
0,005
|
Duração da cirurgia (horas)
|
—
|
1,045 (0,992–1,102)
|
0,098
|
Complicações pós-operatórias
|
|
|
|
Não
|
3,90 (3,76–4,04)
|
1,00
|
—
|
Sim
|
5,86 (5,21–6,60)
|
1,505 (1,332–1,700)
|
< 0,001
|
Também houve evidência de associação entre o TIH e o grau na classificação da ASA;
espera-se que o tempo seja multiplicado por 1,297 (IC95%: 1,083 a 1,554; p = 0,005) em pacientes com de grau III na ASA em comparação a indivíduos ASA I. No
entanto, não houve evidências de diferenças entre pacientes ASA II em comparação aos
ASA I (p = 0,849). Por fim, também foram encontradas evidências de aumento do TIH em pacientes
com complicações pós-operatórias em comparação aos sem tais complicações; espera-se
que o tempo seja multiplicado por 1,505 (IC95%: 1,332 a 1,700; p < 0,001) no grupo com complicações.
Associações entre a Ocorrência de Complicações Pós-operatórias e as Variáveis de Interesse
Não foram encontradas evidências de associação entre a ocorrência de complicações
pós-operatórias e quaisquer das variáveis analisadas. A [Tabela 3] mostra a análise dessa associação.
Tabela 3
|
Proporção de pacientes com complicações pós-operatórias#
(IC95%)
|
Razão de chances
(IC95%)
|
Valor de p
|
Gênero
|
|
|
|
Feminino
|
7,2% (4,9%–10,5%)
|
0,688 (0,360–1,313)
|
0,256
|
Masculino
|
10,1% (6,4%–15,6%)
|
1,00
|
—
|
Idade
|
—
|
1,000 (0,965–1,036)
|
0,998
|
Idade por subgrupo
|
|
|
|
Até 59 anos
|
11,4% (5,2%–23,2%)
|
1,00
|
—
|
60 a 69 anos
|
5,9% (3,2%–10,7%)
|
0,486 (0,167–1,413)
|
0,185
|
70 a 79 anos
|
8,1% (5,2%–12,5%)
|
0,684 (0,258–1,813)
|
0,444
|
80 anos ou mais
|
11,7% (6,0%–21,7%)
|
1,026 (0,334–3,153)
|
0,965
|
IMC (kg/m2)
|
—
|
0,992 (0,925–1,064)
|
0,830
|
IMC por subgrupo
|
|
|
|
Peso baixo/normal
|
9,0% (4,6%–16,9%)
|
1,00
|
—
|
Sobrepeso
|
8,8% (5,6%–13,6%)
|
0,975 (0,410–2,316)
|
0,954
|
Obesidade de grau 1
|
5,7% (3,0%–10,7%)
|
0,609 (0,226–1,638)
|
0,325
|
Obesidade de grau 2
|
11,0% (4,2%–25,7%)
|
1,239 (0,352–4,354)
|
0,738
|
Hipertensão arterial
|
|
|
|
Não
|
7,7% (5,1%–11,4%)
|
1,00
|
—
|
Sim
|
8,7% (5,7%–13,1%)
|
1,146 (0,606–2,167)
|
0,674
|
Diabetes mellitus
|
|
|
|
Não
|
7,6% (5,5%–10,6%)
|
1,00
|
—
|
Sim
|
10,7% (5,7%–19,3%)
|
1,459 (0,672–3,170)
|
0,339
|
Transtornos comportamentais
|
|
|
|
Não
|
7,9% (5,8%–10,9%)
|
1,00
|
—
|
Sim
|
9,3% (4,3%–18,9%)
|
1,183 (0,482–2,899)
|
0,714
|
Tabagismo
|
|
|
|
Não
|
8,2% (6,1%–11,0%)
|
1,00
|
—
|
Sim
|
6,7% (1,1%–32,6%)
|
0,803 (0,116–5,557)
|
0,824
|
Diagnóstico prévio de câncer
|
|
|
|
Não
|
8,2% (6,1%–11,1%)
|
1,00
|
—
|
Sim
|
6,7% (1,8%–21,6%)
|
0,800 (0,200–3,205)
|
0,752
|
Doença cardíaca
|
|
|
|
Não
|
8,0% (5,8%–10,9%)
|
1,00
|
—
|
Sim
|
9,2% (4,0%–20,1%)
|
1,174 (0,446–3,091)
|
0,745
|
Grau na classificação da ASA
|
|
|
|
I
|
8,2% (2,7%–21,9%)
|
1,00
|
—
|
II
|
7,3% (5,1%–10,1%)
|
0,879 (0,263–2,936)
|
0,834
|
III
|
20,6% (10,1%–37,4%)
|
2,920 (0,707–12,068)
|
0,138
|
Duração da cirurgia
|
—
|
1,517 (0,987–2,331)
|
0,057
|
Discussão
O achado mais interessante deste estudo foi a observação de que algumas características
pré-operatórias dos pacientes submetidos a ATJ, inclusive idade acima de 80 anos e
grau na classificação da ASA ≥ III, bem como o desenvolvimento de complicações pós-operatórias,
podem ser consideradas fatores preditivos do aumento do TIH. Essa análise pode ser
usada para a estratificação pré-operatória do risco de candidatos à ATJ primária.
A estratificação adequada auxilia o planejamento pré-cirúrgico e o estabelecimento
de expectativas dos pacientes e de seus familiares. Compreender quais fatores de risco
podem influenciar as complicações e aumentar o TIH de pacientes submetidos a cirurgias
de grande porte, como a ATJ, é fundamental para reduzir os riscos dos procedimentos,
diminuir o custo operacional, e otimizar os recursos de saúde. Molloy et al.,[12] em 2017, observaram aumento no custo de internação de pacientes submetidos a ATJ
e artroplastia total de quadril em um banco de dados americano de 2002 a 2013, apesar
da redução do TIH de 4,06 dias para 2,97 dias. Esse custo poderia ter aumentado mais
se essa diminuição no TIH médio não tivesse ocorrido.
Diversos estudos[12]
[13]
[14]
[15]
[16] avaliaram a incidência de complicações pós-operatórias e mortalidade após a ATJ
primária. No entanto, seus autores tendem a combinar complicações de próteses primárias
e de revisão ou associar procedimentos de joelho e quadril no mesmo estudo para a
avaliação dos fatores de risco. Assim, os benefícios da aplicação desses achados em
pacientes submetidos a ATJ primária podem ser limitados.
A identificação de fatores que interferem no TIH de pacientes submetidos a artroplastias
tem sido foco de estudos recentes. Em uma pesquisa de 2019, Roger et al.[17] analisaram ATJ e artroplastia total de quadril, e observaram que o gênero feminino,
a idade e a presença de diabetes eram variáveis independentes para o aumento do TIH.
Sarpong et al.,[18] em estudo retrospectivo dos dados do American National Surgical Quality Improvement
Program de 2006 a 2016, notaram a redução do TIH ao longo das décadas e a associação
entre o TIH menor e pacientes mais jovens, do gênero masculino, com IMC baixo e menos
comorbidades. Foni et al.[19] demonstraram que o foco na reabilitação precoce de pacientes submetidos a ATJ também
pode contribuir para o menor TIH sem comprometimento da saúde do paciente. Características
como gênero feminino, maior grau na classificação da ASA, IMC elevado, alterações
laboratoriais relacionadas à desnutrição e à inflamação sistêmica, e comorbidades
(como tabagismo, diabetes e doenças pulmonares) são citadas e corroboradas por outros
estudos[20]
[21] como fatores preditivos do aumento do TIH.
O Cleveland Clinic Orthopaedic Arthroplasty Group[22] realizou um estudo de coorte prospectivo em 2019 com 4.509 pacientes submetidos
a ATJ primária com acompanhamento de 1,5 ano, e constataram que, apesar de fatores
relacionados ao paciente, como idade, gênero e comorbidades, serem preditivos de aumento
do TIH após a ATJ, os principais preditores do TIH 24 horas após a ATJ foram fatores
relacionados ao procedimento ou à estrutura, inclusive o hospital e o cirurgião. Em
uma revisão sistemática de 2018, March et al.[23] mostraram que estados psicológicos ruins do paciente no período pré-operatório também
podem influenciar o TIH. Em nosso estudo, pacientes mais velhos (> 80 anos) ou com
graus maiores na classificação da ASA (≥ III) estavam mais propensos a apresentar
maior TIH em comparação aos mais jovens ou àqueles com grau menor na classificação
da ASA.
Embora muitos estudos analisem variáveis que possam interferir no TIH, poucos buscam
identificar fatores de risco para as complicações precoces relacionadas à ATJ. Alguns
estudos[24]
[25]
[26] observaram uma associação com complicações em pacientes com aumento do IMC, doença
cardíaca, doença neurológica, lombalgia pré-operatória, transfusão sanguínea, gênero
masculino, tabagismo e artrite em outra articulação que não a do joelho. No entanto,
a maioria desses estudos analisou artroplastias em geral, sem diferenciar a ATJ da
artroplastia total do quadril, ou até mesmo procurou associações com uma complicação
específica, desconsiderando outras intercorrências. No presente estudo, não se encontrou
associação entre o aumento da incidência de complicações pós-operatórias e qualquer
variável analisada. No entanto, um achado interessante foi o fato de as complicações
pós-operatórias poderem aumentar o TIH. Pacientes com complicações após a ATJ requerem
mais recursos hospitalares, e também há aumento do custo pelo maior TIH; portanto,
deve-se dar atenção a esses indivíduos para prevenir tais ocorrências. Como este estudo
foi realizado em um centro de referência na América Latina, tivemos poucos casos de
complicações; ademais, a maioria de nossa amostra era formada por pacientes sem comorbidades
ou com comorbidades bem controladas, com baixo número de fumantes, por exemplo, o
que pode ter influenciado esse achado.
Este estudo não é isento de limitações. Primeiro, trata-se de uma análise retrospectiva
de um banco de dados. Por isso, algumas informações clínicas, como detalhes operatórios,
transfusão de sangue e protocolo de reabilitação, não estavam completas. Além disso,
este estudo foi realizado em um hospital privado, o que pode ter implicações para
a generalização de nossos achados. Por fim, os dados refletem o trabalho de um pequeno
número de cirurgiões e o padrão de atendimento pode representar apenas as práticas
ortopédicas de um determinado sistema de saúde. Por outro lado, este estudo tem importante
relevância clínica, pois fornece informações à comunidade ortopédica que podem refinar
a compreensão dos fatores de risco relacionados ao aumento do TIH em pacientes submetidos
a ATJ primária.
Conclusões
Este estudo demonstrou que características pré-operatórias, como idade superior a
80 anos, grau ≥ III na classificação da ASA e desenvolvimento de complicações pós-operatórias,
são consideradas fatores preditivos do aumento do TIH. Entre esses fatores, a presença
de complicações pós-operatórias demonstrou o maior risco de TIH prolongado.