CC BY-NC-ND 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2023; 58(03): 397-403
DOI: 10.1055/s-0042-1756318
Artigo Original
Coluna

Impacto da suspensão das cirurgias eletivas em pacientes com escoliose idiopática do adolescente no período da pandemia de covid-19[*]

Article in several languages: português | English
1   Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital Municipal Universitário de Taubaté, Taubaté, SP, Brasil
,
1   Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital Municipal Universitário de Taubaté, Taubaté, SP, Brasil
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1   Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital Municipal Universitário de Taubaté, Taubaté, SP, Brasil
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1   Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital Municipal Universitário de Taubaté, Taubaté, SP, Brasil
› Author Affiliations
Suporte Financeiro Este estudo não recebeu nenhum suporte financeiro de fontes públicas, comerciais ou sem fins lucrativos.
 

Resumo

Objetivos Neste estudo foram avaliadas as progressões radiográficas das curvas escolióticas, acima de 40 graus em pacientes com escoliose idiopática do adolescente (EIA). Os indivíduos analisados aguardavam o procedimento cirúrgico, em período de suspensão das cirurgias eletivas, durante a pandemia de covid-19. Além das progressões radiográficas, nesta pesquisa foi descrita a qualidade de vida destes pacientes.

Métodos O artigo refere-se a um estudo de coorte retrospectivo, que avaliou 29 pacientes com EIA com indicação cirúrgica, todos cadastrados no serviço público de saúde brasileiro. As medidas radiográficas escolióticas dos pacientes foram comparadas em dois momentos: no início do período da interrupção de cirurgias eletivas, devido à pandemia de covid-19, e logo após a liberação destas.

Resultados A partir da comparação das medidas radiográficas entre as avaliações pré e pós suspensão das cirurgias eletivas, observamos o aumento significativo dos valores angulares da curva principal (p < 0,001), com variações entre 0 e 68°, e mediana de 10°. Em relação às curvas secundárias, observamos um aumento dos valores angulares da região torácica proximal (p < 0,001) e lombar (p = 0,001). Entretanto, o aumento da região torácica principal não foi considerado significativo (p = 0,317).

Conclusão A suspensão das cirurgias eletivas, para a correção da EIA resultou em um aumento significativo no valor radiográfico das deformidades das colunas dos pacientes, fator que promoveu um impacto negativo na qualidade de vida de pacientes e familiares.


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Introdução

A escoliose idiopática do adolescente (EIA) é uma das doenças mais frequentes da coluna vertebral, com relatos de uma incidência entre 0,5 e 10% da população mundial.[1] O procedimento de instrumentação espinhal e fusão utilizado para correção de EIA é uma das cirurgias mais frequentemente realizadas em pacientes ortopédicos pediátricos, embora apenas 10% dos portadores dessa doença necessitem de correção cirúrgica.[2]

No Brasil, há uma dificuldade do Sistema Único de Saúde (SUS) em lidar com a demanda dessas cirurgias de grande porte, que ficam restritas aos poucos centros de tratamentos regionais de grandes regiões populosas. São considerados casos graves curvas escolióticas acima de 40° que possuem indicação cirúrgica, já que possuem a característica de serem progressivas mesmo após o término da maturidade esquelética.[3] [4]

Após o primeiro diagnóstico de covid-19 no Brasil, foram implementadas as medidas de saúde pública para o combate da pandemia. Entretanto, a falta de disponibilidade de unidades de terapia intensiva e leitos hospitalares nesse período promoveram uma sobrecarga dos setores de saúde, causando uma restrição dos atendimentos. Esses fatores promoveram a suspensão do tratamento cirúrgico de doenças consideradas eletivas.[5] [6] [7]

A espera demasiada pela cirurgia de escoliose pode requerer cirurgias adicionais, como a liberação anterior para obter a correção satisfatória da curvatura da coluna vertebral, além da necessidade de cirurgias mais longas e com maiores riscos de complicações (aumento da perda de sangue, déficits neurológicos ou correção insatisfatória da curvatura da coluna vertebral).[8]

O objetivo deste estudo consistiu em realizar uma avaliação da progressão radiográfica da curva escoliótica em pacientes jovens, que aguardam o procedimento cirúrgico em hospital público, localizado no interior de São Paulo, durante o período de suspensão das cirurgias eletivas, devido à pandemia de covid-19. Além da comparação radiográfica das curvas escolióticas, os pacientes foram submetidos a uma avaliação de qualidade de vida.


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Métodos

Neste artigo, foi realizado um estudo de coorte retrospectivo, que avaliou 29 pacientes com EIA (curvas escolióticas maior do que 40 graus) com indicação cirúrgica, todos cadastrados no serviço público de saúde e aguardando o procedimento cirúrgico da correção de escoliose.

Avaliamos na população estudada a evolução radiográfica das curvas escolióticas no período entre o início desta paralisação, devido à pandemia de covid-19 e logo após a liberação para realizar cirurgias eletivas. Os dados epidemiológicos da amostra bem como os outros fatores associados à progressão de suas curvas escolióticas, também foram coletados e descritos nos resultados. Este estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa sob o número 5039.

Como parâmetro de avaliação da progressão da curva escoliótica, utilizamos o raio X (RX) da coluna total nas incidências anteroposterior (AP) e no perfil (P) panorâmico em ortostase, com a mensuração da curva pelo método de Cobb,[9] antes do início da pandemia no Brasil, em março de 2020. Esses dados foram comparados com os RX dos mesmos pacientes logo após o retorno do serviço de cirurgias eletivas, que ocorreu em dezembro de 2021. Para a avaliação da qualidade de vida foi utilizado o questionário proposto pela Scoliosis Research Society (SRS); versão brasileira do questionário SRSr-22 para EIA.[10] [11]

As variáveis foram descritas por meio de frequências absolutas e porcentagens (no caso de variáveis categóricas) ou por médias e desvios padrão, medianas e quartis, além dos valores mínimos e máximos no caso de variáveis numéricas. As medidas radiográficas foram comparadas por meio de testes não paramétricos de Wilcoxon para os dados pareados. As análises foram realizadas com o auxílio do programa estatístico IBM SPSS Statistics for Windows, Versão 24.0 (IBM Corp., Armonk, NY, EUA), considerando o nível de significância de 5%.


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Resultados

A idade dos pacientes ([Tabela 1]) apresentou uma variação entre 11 e 23 anos, com média de 15,8 anos (desvio padrão [DP] = 2,8 anos), sendo 25 (86,2%) pacientes do sexo feminino e 4 (13,8%) do sexo masculino. Dentre estes, um total de 6 (20,7%) pacientes apresentava histórico familiar de EIA.

Tabela 1

Gênero

Feminino

25 (86,2%)

Masculino

4 (13,8%)

Idade (anos)

Média (DP)

15,8 (2,8)

Mediana (Q1; Q3)

15,0 (14,0; 17,0)

Mínimo; máximo

11,0; 23,0

Idade da menarca (anos) (n = 25)

Média (DP)

12,2 (1,3)

Mediana (Q1; Q3)

12,0 (11,0; 13,0)

Mínimo; máximo

10,0; 15,0

Familiar com EIA

Não

23 (79,3%)

Sim

6 (20,7%)

Intervalo de tempo entre as avaliações (meses)

Média (DP)

23,6 (7,1)

Mediana (Q1; Q3)

22,0 (18,0; 25,0)

Mínimo; máximo

15,0; 39,0

O intervalo entre as avaliações radiográficas variou entre 15 e 39 meses, correspondendo a uma mediana de 22 meses ([Tabela 1]). Para as análises do grau de maturidade esquelética da coluna vertebral dos pacientes, utilizamos o índice de Risser, aferido de acordo com o RX da bacia na incidência AP. Na avaliação antes do início da paralisação das cirurgias eletivas, os pacientes apresentaram os seguintes índices de Risser: 4 (13,8%) pacientes com Risser 0; 6 (20,7%) pacientes com Risser 3; 7 (24,1%) pacientes com Risser 4; e 12 (41,4%) pacientes com Risser 5. Após a retomada das cirurgias eletivas, o grau de maturidade esquelética caracterizou-se por 2 (6,9%) pacientes com Risser 3; 6 (20,7%) pacientes com Risser 4; e 21 (72,4%) pacientes com Risser 5. As informações referentes a esta análise estão descritas na [Tabela 2].

Tabela 2

Índice Risser prévio

0

4 (13,8%)

3

6 (20,7%)

4

7 (24,1%)

5

12 (41,4%)

Índice Risser atual

3

2 (6,9%)

4

6 (20,7%)

5

21 (72,4%)

Tipo de curva/Curva principal

Torácica (ápice = T2 - Disco T11/T12)

24 (82,8%)

Toracolombar (ápice = T12–L1)

2 (6,9%)

Lombar (ápice = Disco L1–L2 - L4)

3 (10,3%)

Classificação Lenke

Torácica principal

9 (31,0%)

Dupla torácica

5 (17,2%)

Dupla principal

11 (37,9%)

Tripla curva

1 (3,4%)

Curva lombar com torácica principal rígida

3 (10,3%)

Modificador lombar

Tipo A

7 (24,1%)

Tipo B

7 (24,1%)

Tipo C

15 (51,7%)

Modificador sagital

Negativo

1 (3,4%)

Neutro

25 (86,2%)

Positivo

3 (10,3%)

Tratamento

Não

24 (82,8%)

Colete

3 (10,3%)

Colete irregular

2 (6,9%)

Para a avaliação do tipo de curva escoliótica, utilizamos a classificação de Lenke.[4] Quanto ao tipo da curva principal, 24 (82,8%) pacientes apresentaram o tipo torácica (ápice = T2 - Disco T11/T12), outros 2 (6,9%) pacientes o tipo toracolombar (ápice = T12–L1) e 3 (10,3%) pacientes o tipo lombar (ápice = Disco L1–L2 - L4).

Pela classificação de Lenke, 9 (31,0%) pacientes foram classificados como o tipo torácica principal (LENKE 1), 5 (17,2%) pacientes com dupla torácica (LENKE 2), 11 (37,9%) pacientes com dupla principal (LENKE 3), 1 (3,4%) paciente com tripla curva (LENKE 4) e 3 (10,3%) pacientes com curva lombar e torácica principal rígida (LENKE 6). Nesta amostragem, é importante destacar que não foram identificados pacientes LENKE 5 ([Tabela 2]).

Em relação aos modificadores lombares, observamos 7 (24,1%) pacientes com o tipo A (linha sacral vertical mediana - LSVM, passando entre os pedículos da vértebra apical lombar), 7 (24,1%) pacientes com o tipo B (LSVM tocando o pedículo da vértebra apical) e 15 (51,7%) pacientes com o tipo C (LSVM medial aos pedículos da vértebra apical lombar).

Em relação ao modificador sagital torácico, foram identificados 1 (3,4%) paciente com hipocifose, 25 (86,2%) pacientes neutros e 3 (10,3%) pacientes com hipercifose torácica ([Tabela 2]).

Neste estudo, observamos um total de 24 (82,8%) pacientes, que não fizeram o tratamento prévio, outros 3 (10,3%) pacientes com o uso correto de colete, e 2 (6,9%) pacientes com uso de colete de maneira irregular ([Tabela 2]).

A partir da comparação das medidas radiográficas no período entre as avaliações ([Tabela 3], [Fig. 1]), observamos o aumento significativo dos valores angulares da curva principal (p < 0,001), com variações entre 0 e 68°, e mediana de 10°. Em relação às curvas secundárias, observamos um aumento dos valores angulares da região torácica proximal (p < 0,001) e lombar (p = 0,001); porém, para estes casos, o aumento da torácica principal não foi significativo (p = 0,317). Na região torácica proximal, as variações observadas foram entre 0 e 20°, com a mediana de 3° (1° quartil 0° e 3° quartil 5°). Para a região lombar, as variações observadas foram entre 0 e 38°, com mediana de 5° (1° quartil 0° e 3° quartil 8°). A [Tabela 4] apresenta a medição destas curvas individualizadas para cada paciente e em cada período avaliado.

Zoom Image
Fig. 1 Medidas angulares nas avaliações pré e pós cirúrgicas dos pacientes com escoliose idiopática do adolescente grave, aguardando procedimento cirúrgico de correção de escoliose (n = 29). = Fig. 1 Angle measurements in both evaluations of patients with severe adolescent idiopathic scoliosis awaiting surgical correction (n = 29).
Tabela 3

Valores angulares

Momento

Variação

valor de p

Pré

Pós

(Pós–Pré)

Curva principal

Média (DP)

60,9 (12,8)

75,0 (18,8)

14,1 (16,4)

< 0,001

Mediana (Q1; Q3)

60,0 (52,0; 68,0)

75,0 (60,0; 87,0)

10,0 (2,0; 20,0)

Mínimo; máximo

40,0; 95,0

44,0; 126,0

0,0; 68,0

Torácica proximal

Média (DP)

25,5 (8,0)

29,6 (10,7)

4,0 (5,4)

< 0,001

Mediana (Q1; Q3)

28,0 (20,0; 30,0)

30,0 (23,0; 35,0)

3,0 (0,0; 5,0)

Mínimo; máximo

14,0; 41,0

14,0; 60,0

0,0; 20,0

Torácica principal (n = 4)

Média (DP)

37,5 (12,6)

42,0 (19,7)

4,5 (9,0)

0,317

Mediana (Q1; Q3)

40,0 (30,0; 45,0)

40,0 (30,0; 54,0)

0,0 (0,0; 9,0)

Mínimo; máximo

20,0; 50,0

20,0; 68,0

0,0; 18,0

Lombar (n=25)

Média (DP)

39,5 (16,3)

46,8 (17,2)

7,3 (9,9)

0,001

Mediana (Q1; Q3)

30,0 (28,0; 55,0)

45,0 (30,0; 60,0)

5,0 (0,0; 8,0)

Mínimo; máximo

20,0; 70,0

24,0; 75,0

0,0; 38,0

Tabela 4

Lista de espera pacientes escoliose

Número

Gênero

Idade

Intervalo de tempo entre avaliações

Tipo de curva / curva principal

Lenke

Diferença entre as avaliações do valor angular da curva principal

Diferença entre as avaliações do valor angular da curva secundária

Risser atual

Risser prévio

1

F

15

3 anos 3 meses

Lombar à esquerda

6CN

T11–L3 = 20°

C7–T4 = 0 / T4–T10 = 18°

5

3

2

F

21

1 ano 10 meses

torácica à direita

1C–

T5–T11= 0

T1–T5 = 0 / T12–L4 = 0

5

5

3

F

16

1 ano 3 meses

torácica à direita

1CN

T5–T12 = 0

C7–T5 = 0/ T12–L4 = 0

5

5

4

M

20

2 anos

torácica à direita

3CN

T7–T12 = 10°

T2–T7 = 0 / T12–L4 = 0

5

4

5

F

23

2 anos 11 meses

torácica à direita

1CN

T6–T12 = 5°

T1–T5 = 0 / T12–L4 = 0

5

5

6

F

13

2 anos 10 meses

torácica à direita

4C+

T5–T12 = 68°

T1–T5 = 16° / L1–L5 = 38°

5

0

7

F

15

1 ano 6 meses

torácica à direita

3CN

T5–T11= 10°

T1–T5 = 3° / T11–L4= 7°

4

4

8

F

21

2 anos 11 meses

lombar esquerda

6BN

T12–L4 = 2°

T2–T5 = 0 / T5–T12 = 0

5

5

9

F

15

2anos 5 meses

torácica à direita

1BN

T5–L1 = 8°

T2–T5 = 5° / L1–L5 = 5°

5

4

10

M

15

2a 1 mes

torácica à direita

1BN

T5–T12 = 25°

T2–T5 = 3° / T12–L5 = 10°

4

0

11

F

15

1a 5 meses

torácica à direita

3CN

T5–T11 = 23°

T2–T5 = 4° / T11–L4 = 16°

4

3

12

F

11

1 ano 10 meses

torácica à direita

3A+

T4–T10 = 43°

T2–T4 = 8° / T10–L5 = 8°

4

3

13

M

17

1a 4 meses

torácica à direita

2AN

T7–L2 = 12°

T2–T7 = 4° / L2–L5 = 0

5

5

14

M

15

1a 9 meses

torácica à direita

2BN

T5–T12 = 18°

T1–T5 = 11° / T12–L4 = 0

4

5

15

F

15

1a 5 meses

torácica à direita

1BN

T9–L3 = 0

T4–T9 = 0 / L3–L5 = 0

5

4

16

F

17

1a 11 meses

torácica à direita

3CN

T4–T11 = 7°

T1–T4 = 0 / T12–L5 = 0

5

5

17

F

14

2 anos 11 meses

torácica à direita

2BN

T6–L2 = 48°

T2–T7 = 13° / L2–L5 = 24°

4

3

18

F

17

1 ano 10 meses

torácica à direita

1AN

T6–L1 = 5°

T1– T7 = 0 / L1–L5: 5°

5

5

19

F

14

1 ano 6 meses

torácica à direita

3CN

T6–T11: 1°

T1– T5 = 2°/T12–L4 =3°

5

4

20

F

13

1 ano 11 meses

torácica à direita

1AN

T6–L1 = 12°

T1–T6 = 10° / T11–L4 = 6°

5

3

21

F

13

1ano e 4meses

torácica à direita

3CN

T3–T10 = 2°

C7–T3 = 0 / T10–L4 = 0

5

4

22

F

13

2 anos

torácica à direita

3AN

T4–T12 = 35°

C7–T4 = 7°/ T12–L5 = 28°

3

0

23

F

14

1 ano 6 meses

torácica à direita

1AN

T6–T12 = 2°

T1–T6 = 3° / T12–L4 = 5°

5

5

24

F

17

1 ano 8 meses

torácica à direita

2AN

T5–T12 = 11°

T2–T6 = 20° / L1–L5 = 8°

5

4

25

F

19

3 anos 1 mes

torácica à direita

3BN

T5–T11 = 10°

T1–T5 = 3° / T11–L4 = 0°

5

5

26

F

16

1 ano 7 meses

torácica à direita

3CN

T4–T11 = 0

T1–T4 = 0 / T11–L4 = 4°

5

5

27

F

15

1 ano 7 meses

torácica à direita

2CN

T10–L3 = 6°

T1–T6= 0 / T6–T10 = 0

5

5

28

F

13

1 ano 7 meses

torácica à direita

3C+

T7–T12 = 20°

T1–T7= 5° / T12–L5 = 15°

3

0

29

F

15

1ano 9 meses

lombar à esquerda

6CN

T12–L3 = 5°

T1–T6= 0 / T6–T12 = 0

5

3

Na avaliação da qualidade de vida realizada pelo questionário proposto (SRS), observamos escore médios de 16,4 (DP = 4,5) no domínio função/atividade; 16,2 (DP = 5,2) no domínio dor; 11,1 (DP = 4,0) no domínio auto-imagem/aparência; 15,1 (DP = 4,5) no domínio saúde mental; 7,4 (DP = 1,6) no domínio satisfação com o tratamento; 58,8 (DP = 15,1) no subtotal e 66,2 (DP = 15,9) no escore total. As informações relacionadas à qualidade de vida dos pacientes com EIA estão descritas na [Tabela 5].

Tabela 5

Função/atividade

Média (DP)

16,4 (4,5)

Mediana (Q1; Q3)

16,0 (14,0; 19,0)

Mínimo; máximo

8,0; 25,0

Dor

Média (DP)

16,2 (5,2)

Mediana (Q1; Q3)

16,0 (11,0; 21,0)

Mínimo; máximo

8,0; 25,0

Autoimagem/aparência

Média (DP)

11,1 (4,0)

Mediana (Q1; Q3)

9,0 (8,0; 14,0)

Mínimo; máximo

5,0; 21,0

Saúde mental

Média (DP)

15,1 (4,5)

Mediana (Q1; Q3)

15,0 (12,0; 19,0)

Mínimo; máximo

6,0; 22,0

Subtotal

Média (DP)]

58,8 (15,1)

Mediana (Q1; Q3)

60,0 (46,0; 65,0)

Mínimo; máximo

28,0; 89,0

Satisfação com o tratamento

Média (DP)

7,4 (1,6)

Mediana (Q1; Q3)

8,0 (6,0; 8,0)

Mínimo; máximo

4,0; 10,0

Total

Média (DP)

66,2 (15,9)

Mediana (Q1; Q3)

68,0 (52,0; 73,0)

Mínimo; máximo

32,0; 97,0


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Discussão

A motivação principal para a realização deste estudo foi a preocupação com o maior número de pacientes à espera de cirurgias eletivas, bem como a possibilidade de aumento do ângulo da curva de escoliose dos pacientes, durante o período da pandemia de covid-19. Nesse serviço, as cirurgias que necessitavam de pós-operatório em UTIs, ficaram paralisadas entre o período de março de 2020 até dezembro de 2021.

Outros estudos demonstraram essa mesma preocupação, com a redução no número de cirurgias eletivas ortopédicas, que variaram entre 48,5 até 79% no número de cirurgias eletivas ortopédicas.[6] [7] No entanto, nenhum estudo até o momento foi direcionado à questão da interrupção em cirurgias de deformidades, mais especificamente para os procedimentos relacionados à EIA.

Neste estudo foram avaliados os pacientes que aguardavam a cirurgia de correção de EIA em hospital público. Os dados epidemiológicos obtidos foram semelhantes aos de estudos similares realizados no Brasil, contendo pacientes no período da adolescência (11–23 anos) e em sua maioria do gênero feminino.[3] [12]

Em relação à classificação de Lenke, ao contrário do observado por Lima Junior et al.,[3] a mais prevalente foi de Lenke 3, com uma predominância da dupla curva principal. Além disso, destacamos a ausência de curvas Lenke 5. Em relação aos modificadores sagitais torácicos e modificadores lombares, houve novamente uma concordância com os resultados apresentados na literatura.[3]

Neste estudo observamos os aumentos significativos nos valores angulares da curva principal, com variações entre 0 e 68o, sendo em média de 14,1o. Bressan-Neto et al.,[12] de maneira similar, observaram as diferenças nos parâmetros radiográficos, indicando uma progressão da deformidade escoliótica, quando comparada à avaliação radiográfica no momento da indicação cirúrgica e na data do procedimento. De maneira que, na pesquisa realizada por estes autores, observou-se um aumento do ângulo de Cobb da deformidade principal, sendo em média de 18,6°.[12]

A espera demasiado longa pela cirurgia de escoliose, principalmente em serviços públicos, foi motivo de preocupação por outros autores. Ahn et al.[9] demonstraram que em cirurgias com um atraso maior que 4 meses, havia a necessidade de cirurgias adicionais, como a liberação anterior para obter a correção satisfatória da curvatura da coluna, além da necessidade de cirurgias mais longas e com maiores riscos de complicações. De acordo com esta pesquisa, o aumento da curva escoliótica registrada no período de interrupção cirúrgica correspondeu a uma média de 14,1° e veio acompanhado, no momento da realização do procedimento cirúrgico, destas complicações já descritas e conhecidas na literatura. No presente estudo o tempo entre as avaliações radiográficas variou de 15 a 40 meses, com uma mediana de 22 meses, decorrentes de restrições sanitárias, que promoveram a suspensão de cirurgias eletivas e a diminuição da disponibilidade de leitos hospitalares.

A partir dos dados da literatura, durante a pandemia de covid-19, encontramos uma queda significativa no número de encaminhamentos de pacientes a serviços de referência em tratamento de deformidades.[13] As restrições promovidas pelos serviços de Saúde Pública resultaram em ansiedade e sofrimento prolongado dos pacientes e familiares, impactando de maneira negativa em sua qualidade de vida.[8] Na nossa amostragem, observamos uma baixa qualidade de vida dos pacientes, cujas piores pontuações foram referentes aos domínios da auto-imagem e aspectos da saúde mental.


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Conclusões

A partir deste estudo concluímos que no período da pandemia a suspensão das cirurgias em pacientes com EIA resultou em um aumento significativo nas deformidades da coluna e um impacto negativo na qualidade de vida. Desta forma, esta constatação deve ser considerada, principalmente no período atual de pós-pandemia de covid-19, para a promoção do aprimoramento de estratégias de Saúde Pública direcionadas à otimização de cirurgias eletivas para a correção de EIA.


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Conflito de Interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

* Trabalho desenvolvido no Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital Municipal Universitário de Taubaté, SP, Brasil.


  • Referências

  • 1 Wajchenberg M, Luciano RdeP, Araújo RC, Martins DE, Puertas EB, Almeida SS. Polymorphism of the ace gene and the α-actinin-3 gene in adolescent idiopathic scoliosis. Acta Ortop Bras 2013; 21 (03) 170-174
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Endereço para correspondência

Matheus Neves Castanheira
Médico Residente de Ortopedia e Traumatologia do Hospital Municipal Universitário de Taubaté
Rua Antônio Wladimir do Prado, N 27, Quiririm, 12043-460, Taubaté, SP
Brasil   

Publication History

Received: 01 June 2022

Accepted: 29 July 2022

Article published online:
14 October 2022

© 2022. Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. This is an open access article published by Thieme under the terms of the Creative Commons Attribution-NonDerivative-NonCommercial License, permitting copying and reproduction so long as the original work is given appropriate credit. Contents may not be used for commecial purposes, or adapted, remixed, transformed or built upon. (https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/)

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Fig. 1 Medidas angulares nas avaliações pré e pós cirúrgicas dos pacientes com escoliose idiopática do adolescente grave, aguardando procedimento cirúrgico de correção de escoliose (n = 29). = Fig. 1 Angle measurements in both evaluations of patients with severe adolescent idiopathic scoliosis awaiting surgical correction (n = 29).
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Fig. 1 Angle measurements in both evaluations of patients with severe adolescent idiopathic scoliosis awaiting surgical correction (n = 29).